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péu e aparentando uma idade avançada, uma venerabilidade<br />
acompanhada de uma espécie de maturidade que<br />
se prolonga. A alma é provecta de antiguidade, e o corpo,<br />
decidido e forte. O sacerdote se retira imerso em seus<br />
pensamentos.<br />
Não é verdade que esse desenho nos faz compreender,<br />
mais do que muitas fotografias, o que há de venerável na<br />
Praça de São Pedro e todo o pulchrum eterno da Igreja<br />
Católica?<br />
Expressão da realidade que<br />
a fotografia não capta<br />
O Papa morreu, seu corpo foi posto numa posição um<br />
pouco mais ereta e começou a despedida dos Cardeais. O<br />
desenho representa um deles que oscula a mão do Pontífice.<br />
Atrás, onde a parede faz ângulo, está o futuro Papa<br />
Bento XV, sucessor de São Pio X – a sucessão dos Pontífices<br />
foi: Leão XIII, São Pio X, Bento XV –, na força de<br />
sua maturidade, ainda de cabelos pretos, pensativo. Ele<br />
não olha para ninguém, e ninguém olha para nada a não<br />
ser o morto.<br />
Ao fundo, um Cardeal bem mais velho fita<br />
o infinito. Outro, já mais próximo à cama,<br />
olha para o cadáver com uma espécie de ansiedade,<br />
como quem diz: “Então, meu velho<br />
companheiro de episcopado e de colégio cardinalício,<br />
meu Papa durante tantos anos, tu te<br />
vais? É assim a morte? Ela não está longe de<br />
mim... Ó morte! Fito em ti o meu dia de amanhã.<br />
Mais: morte, contemplo em ti o umbral<br />
da eternidade, o passado que fica e o futuro<br />
que vem. Ó morte! Ó Deus!”<br />
Sentado na poltrona que se via em um dos<br />
desenhos anteriores encontra-se um outro<br />
Cardeal, literalmente affaissé 1 e muito pensativo.<br />
No que ele pensa? Talvez nas palavras<br />
clássicas: Sicut transit gloria mundi – assim<br />
passa a glória do mundo. Tudo se foi, todos os<br />
anseios, realizações, aflições, decepções, tudo<br />
está encerrado, nada permanece, tudo é efêmero...<br />
Ó amargura! Ó Deus que, afinal, sereis<br />
a consolação dos justos!<br />
Um certo desalinho intencional do cabelo<br />
constitui quase o sismógrafo que indica a<br />
sua aflição. Ele não está na postura própria<br />
de quem, na Belle Époque 2 , encontrava-se na<br />
presença de outros. Sua atitude é a de um homem<br />
da Belle Époque quando estava sozinho<br />
no quarto meditando, ou seja, à vontade...<br />
Comparemos a atitude de muita dignidade<br />
dos demais Cardeais – até mesmo o cadáver<br />
de Leão XIII está digno na sua postura – e a desse cardeal<br />
idoso no primeiro plano. É como se ele estivesse sozinho<br />
no seu quarto, numa posição inclinada, mas digna,<br />
em nada ridícula, nem descomposta. Tudo isso reflete a<br />
pompa da Belle Époque.<br />
Eu volto a dizer: na minha opinião, essas ilustrações<br />
têm muito mais expressão do que a fotografia. Entretanto,<br />
não haveria um jornal hoje que as reproduzisse, porque<br />
o público quereria a fotografia que colheu o fato real,<br />
recente. As pessoas não percebem que esses desenhos<br />
dão a essência da realidade que nenhuma fotografia capta.<br />
Há no espírito de análise do bom desenhista uma<br />
“objetiva espiritual”, que vale incomparavelmente mais<br />
do que o click das máquinas fotográficas. v<br />
1) Do francês: abatido, prostrado.<br />
(Extraído de conferência de 21/11/1980)<br />
2) Do francês: Bela Época. Período entre 1871 e 1914, durante<br />
o qual a Europa experimentou profundas transformações<br />
culturais, dentro de um clima de alegria e brilho social.<br />
W. J. Wintle (CC3.0)<br />
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