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C.S. LEWIS - OS QUATRO AMORES

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Afeição de outros.

De fato, há uma razão muita clara pela qual esse anseio, de todos

os anseios por amor, se torna muito facilmente o mais irracional. Já

disse que quase todos podem ser objeto da Afeição. Sim; e quase

todos esperam ser. O ilustre Sr. Pontifex, em Tentação da carne, fica

furioso quando descobre que seu filho não o ama; “não é natural”

que um menino não ame seu próprio pai. Jamais lhe ocorreu

perguntar se, desde o primeiro dia que o menino é capaz de se

lembrar, ele fez algo, em alguma ocasião, que pudesse despertar

amor. De igual modo, no início da peça Rei Lear, o herói é

apresentado como um velho antipático devorado por um apetite

voraz pela Afeição. Sou propenso a dar exemplos literários porque o

leitor e eu não vivemos na mesma vizinhança; se vivêssemos, não

haveria dificuldade em substitui-los por exemplos da vida real. Esse

tipo de coisa acontece todos os dias. E a razão é que todos nós

sabemos que precisamos fazer alguma coisa para, senão

conquistar, pelo menos atrair o amor erótico ou a amizade. Mas

frequentemente se presume que a Afeição é fornecida pela natureza

de forma pré-fabricada; “embutida”; “preparada”, “disponível”. Temos

o direito de esperar isso. Se os outros não mostram Afeição, estarão

agindo contra a natureza.

Essa pressuposição, não há dúvida, é uma distorção da verdade.

Muita coisa está “embutida” em nós. Por sermos mamíferos, o

instinto fornece pelo menos algum grau de amor maternal,

frequentemente um grau elevado. Por sermos uma espécie social, a

associação familiar fornecerá o ambiente no qual, se tudo correr

bem, a Afeição surgirá e crescerá de forma intensa, sem demandar

nenhuma qualidade ilustre de seus objetos. Se ela nos for dada, não

será necessariamente em razão de nossos méritos; poderemos

recebê-la sem muitos problemas. A partir de uma percepção

obscura da verdade (muitos são amados com Afeição muito além de

seus méritos), o Sr. Pontifex chega à conclusão absurda: “Portanto,

eu, sem mérito, tenho direito a isso”. Se argumentássemos num

plano mais elevado, seria o mesmo que raciocinar: se, por mérito,

nenhum homem tem direito à Graça de Deus, eu, como não tenho

mérito nenhum, estou qualificado a recebê-la. Nos dois casos, não é

uma questão de direitos. O que temos aqui não é “a expectativa de

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