Renata Sordi Taveira.pdf - Qualittas
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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO<br />
ESPECIALIZAÇÃO Latu sensu<br />
HIGIENE E ISNPEÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL<br />
ESTUDO SOBRE A INVIABILIZAÇÃO DO Cysticercus<br />
bovis DURANTE O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO<br />
CHARQUE EM 7 DIAS<br />
<strong>Renata</strong> <strong>Sordi</strong> <strong>Taveira</strong><br />
São Carlos, mar. 2009.
RENATA SORDI TAVEIRA<br />
Aluna do Curso de Especialização Latu sensu Higiene e Inspeção de Produtos de<br />
Origem Animal da UCB<br />
ESTUDO SOBRE A INVIABILIZAÇÃO DO Cysticercus bovis DURANTE O<br />
PROCESSO DE PRODUÇÃO DO CHARQUE EM 7 DIAS<br />
Trabalho monográfico de conclusão do<br />
curso de Especialização Latu sensu<br />
Higiene e Inspeção de Produtos de<br />
Origem Animal (TCC), apresentado à<br />
UCB como requisito parcial para a<br />
obtenção do título de Especialista em<br />
Higiene e Inspeção de Produtos de<br />
Origem Animal, sob a orientação do Prof.<br />
Msc. Raimundo Nonato Rabelo.<br />
São Carlos, mar. 2009
ESTUDO SOBRE A INVIABILIZAÇÃO DO Cysticercus bovis DURANTE O<br />
PROCESSO DE PRODUÇÃO DO CHARQUE EM 7 DIAS<br />
Elaborado por <strong>Renata</strong> <strong>Sordi</strong> <strong>Taveira</strong><br />
Aluna do Curso de Especialização Latu sensu Higiene e Inspeção de Produtos de<br />
Origem Animal da UCB<br />
Foi analisado e aprovado com<br />
grau: ...................................<br />
São Carlos, ____ de _______________ de ______.<br />
___________________________<br />
Membro<br />
___________________________<br />
Membro<br />
___________________________<br />
Professor Orientador<br />
Presidente<br />
São Carlos, mar. 2009
Dedico este trabalho ao Dr. Carlos Roberto de<br />
Andrade, meu exemplo de dedicação e conduta<br />
profissional.
Agradeço:<br />
A Deus, pela presença constante em minha vida.<br />
Ao meu orientador Raimundo Nonato Rabelo,<br />
pelo empenho e ajuda na finalização deste<br />
trabalho.<br />
Ao Dr. Carlos, pela amizade e orientação durante<br />
todos esses anos.<br />
A toda diretoria e gerência do Frigorífico Olhos<br />
d´Água, por colaborarem em todas as fases do<br />
experimento. Em especial Osmani, Harley e<br />
Antônio Buranelo, que permitiram a realização<br />
deste experimento dentro da indústria.<br />
Aos funcionários do SIF 70 e SIF 1387 que se<br />
empenharam no preparo do material deste<br />
estudo.<br />
Obrigada!
RESUMO<br />
A cisticercose bovina é uma doença com grande prevalência no Brasil, detectada<br />
nos frigoríficos com Inspeção Federal durante a inspeção post mortem na sala de matança.<br />
A ingestão do Cysticercus bovis presente na carne bovina leva o homem ao<br />
desenvolvimento da Taenia saginata, causando distúrbios gastrintestinais e<br />
emagrecimento. O tratamento condicional das carcaças com infestação leve de cistos vivos<br />
proposto pela legislação na forma de congelamento por 15 dias ou salga úmida por 21 dias<br />
gera grandes prejuízos à indústria alimentícia. O objetivo desse estudo foi simular a<br />
presença do Cysticercus bovis na musculatura para verificar sua viabilidade ou não após a<br />
produção de charque em tempo reduzido. O resultado obtido foi que 100% dos cistos<br />
testados tornaram-se inviáveis após a produção de charque no período de 7 dias.
ABSTRACT<br />
Bovine cysticercosis is a widespread disease within Brazil, detected in<br />
meatpackers by way of Federal Inspection during post mortem inspection in the<br />
slaughterhouse. The ingestion of the Cysticercus bovis when present in beef<br />
causes humans to develop Taenia saginata which can lead to gastrointestinal<br />
disturbances and the loss of weight. The procedural treatment of the carcasses<br />
with light infestation of live cysts proposed by legislation in the form of freezing for<br />
15 days or wet salting for 21 days has generated great losses to the food industry.<br />
The objective of this study was to simulate the presence of Cysticercus bovis in<br />
the musculature to verify its viability or not after the production of jerked meat in a<br />
reduced time period. The result obtained was that 100% of the cysts tested<br />
became unviable after the production of jerked meat in the period of 7 days.
LISTA DE FIGURAS<br />
Figura 1. Cisto viável na musculatura cardíaca .......................................... 8<br />
Figura 2. Cisto viável na musculatura do esôfago ...................................... 8<br />
Figura 3. Amostra de cisto que será fixada na manta de charque ............. 8<br />
Figura 4. Amostra de cisto colocada no meio da musculatura da manta<br />
(Músculo do dianteiro) ................................................................. 9<br />
Figura 5. Amostra de cisto sendo costurada na musculatura da manta ..... 9<br />
Figura 6. Amostra de cisto costurada no interior da musculatura da<br />
manta ........................................................................................... 10<br />
Figura 7. Lacre oficial colocado para identificação das mantas com cisto . 10<br />
Figura 8. Detalhe de uma pilha de mantas na etapa de salga seca .......... 11<br />
Figura 9. Pilha de mantas na etapa de ressalga ........................................ 11<br />
Figura 10. Pilha de mantas em uma das etapas de tombo ....................... 12<br />
Figura 11. Detalhe do lacre de uma manta com cisto .................................. 12<br />
Figuras<br />
12 e 13.<br />
Mantas de charque penduradas nos varais: exposição ao Sol<br />
para perda da umidade ............................................................... 13
Figuras<br />
14 e 15.<br />
Comparação entre o cisto na manta ainda no varal (esq.) e<br />
após processo de fabricação, antes de ser submetido à bile<br />
bovina (dir.) .................................................................................. 14<br />
Figura 16. Remoção da membrana pericística e exposição do cisto tratado<br />
antes da exposição na bile bovina .............................................. 14<br />
Figura 17. Remoção da membrana pericística e exposição do cisto<br />
controle (viável) antes da exposição na bile bovina .................... 14<br />
Figura 18. Cistos controle ainda na bile já apresentando o escólex<br />
desenvaginado ............................................................................ 15<br />
Figura 19. Detalhe dos cistos submetidos ao processo de charque, sem<br />
Figuras<br />
20 e 21.<br />
desenvaginação do escólex ........................................................ 15<br />
Comparação entre os cistos controle com escólex<br />
desenvaginado (esq.) e cistos submetidos ao processamento<br />
de charque, inviabilizados pelo processo (dir.) ........................... 16
SUMÁRIO<br />
1. RESUMO .................................................................................................... v<br />
2. ABSTRACT ................................................................................................. vi<br />
3. LISTA DE FIGURAS ................................................................................... vii<br />
4. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 1<br />
5. REVISÃO DE LITERATURA ………………………………………………….. 2<br />
6. MATERIAL E MÉTODOS ........................................................................... 7<br />
7. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................. 15<br />
8. CONCLUSÃO.............................................................................................. 18<br />
9. REFERÊNCIA ............................................................................................. 19
1. INTRODUÇÃO<br />
A cisticercose bovina é causada pelo parasita cestoda Taenia saginata que<br />
na sua forma larvar (Cysticercus bovis) instala-se na musculatura estriada, sendo<br />
os músculos de maior incidência o masséter, o lingual, o cardíaco, o esofágico e o<br />
diafragmático. Apresenta importância mundial, uma vez que mais de 40 milhões<br />
de indivíduos são acometidos por esta zoonose. Além disso, reflete seriamente na<br />
pecuária brasileira por atingir várias espécies de animais e ser problema para a<br />
saúde pública pela possibilidade de infecção do homem (FERNANDES et al.,<br />
2002).<br />
Em bovinos a detecção da cisticercose ocorre na fase final de exploração,<br />
ou seja, após o abate realizado em matadouros sob fiscalização. O controle bem<br />
sucedido dessa zoonose depende de uma multiplicidade de medidas, dirigidas às<br />
etapas do ciclo de vida do parasito, devendo existir estreita cooperação entre os<br />
serviços médicos e veterinários (FERNANDES et al., 2002).<br />
Nos abatedouros que seguem as normas do Ministério da Agricultura, a<br />
inspeção consta de exames através da visualização, palpação e cortes dos<br />
músculos da cabeça, língua, coração, diafragma, músculos do pescoço e<br />
intercostais. A liberação da carcaça para consumo in natura dá-se quando da<br />
ausência de cisticercos. Quando da presença de cisticerco será dado
aproveitamento condicional ou condenação total, dependendo do número de<br />
cisticercos e de seu estado de desenvolvimento (BRASIL, 1950).<br />
2. REVISÃO DE LITERATURA<br />
Dentre as doenças parasitárias de interesse médico veterinário e de saúde<br />
pública, a cisticercose bovina, condição patológica caracterizada pela presença<br />
do estágio larval (Cysticercus bovis) da Taenia saginata na musculatura estriada,<br />
cardíaca e de órgãos de bovinos, merece grande destaque em nosso meio na<br />
atualidade, por ser de elevada prevalência e pelos grandes prejuízos sócio-<br />
econômicos e transtornos à saúde pública (Goeze, 1782 apud CARRIJO;<br />
MOREIRA, 2005).<br />
Silva et al (2003) relatam que a cisticercose bovina, em termos<br />
econômicos, não é uma doença de importância em nível de criação, devido aos<br />
animais apresentarem infecções moderadas com ausência de sintomatologia<br />
clínica. Os prejuízos ocorrem na fase final da exploração de corte, após o abate,<br />
representado, principalmente, pela condenação de carcaças cisticercóticas<br />
determinada pela fiscalização veterinária. Entretanto, Costa (2003), cita que<br />
dentre os tratamentos dos tecidos infectados pelos cisticercos, a indústria do
charque é a mais antieconômica, constatando um prejuízo entre 32,3% e 72,2 %<br />
de perda de valor das carcaças.<br />
A importância desse complexo resulta no fato de que o homem pode<br />
adquirir a teníase ou acidentalmente a cisticercose, apresentando distúrbios<br />
neurológicos, oftalmológicos e cardíacos. A teníase ocorre pela presença da<br />
forma adulta da Taenia saginata no trato gastrintestinal do homem, enquanto que<br />
a cisticercose é caracterizada pela presença da larva nos tecidos dos hospedeiros<br />
intermediários (REY, 1991).<br />
No homem, após a ingestão de carne crua contaminada, os cisticercos são<br />
liberados durante a digestão da carne e o escólex desenvagina sob ação da bile,<br />
fixando-se no intestino delgado (PFUETZENREITER; ÁVILA-PIRES, 2000).<br />
Lino Jr; Reis; Teixeira (1999) descreveram a ocorrência de 3,3% de<br />
cisticercose em necropsias de humanos, destacando uma maior freqüência das<br />
formas encefálica e muscular esquelética, podendo causar cegueira quando<br />
presente no globo ocular. Fernandes et al. (2002) cita que no homem, a ação<br />
deletéria dos cistecercos, causada por T. saginata é polêmica, sendo raras as<br />
migrações para os órgãos vitais. Entretanto sendo ele o hospedeiro definitivo,<br />
acaba por abrigar a forma adulta do parasita, o que causa traumatismos à<br />
mucosa intestinal, hemorragias, cólicas abdominais, perturbações digestivas,<br />
reações tóxico alérgicas e facilita a ação de bactérias oportunistas da microbiota<br />
intestinal (FERNANDES et al., 2002). Nervosismo, insônia, diarréia, bulimia,
cólica, anorexia alternada, dores abdominais leves e emagrecimento podem<br />
ocorrer nos casos de teníase (LINO Jr; REIS; TEIXEIRA, 1999).<br />
A Organização Mundial de Saúde informa que o complexo teníase-<br />
cisticercose está intimamente relacionado com a educação sanitária da<br />
população, onde o meio ambiente permanece contaminado com ovos, devido a<br />
uma deficiente higiene pessoal e falta de saneamento público (OMS, 1979).<br />
A inspeção de carnes continua sendo a única forma prática de se detectar<br />
e diagnosticar o Cysticercus bovis em matadouros frigoríficos, através do exame<br />
post-mortem. Neste exame são realizadas incisões na musculatura esquelética e<br />
em órgãos nos quais os cisticercos são encontrados com maior freqüência e o<br />
diagnóstico realizado através de sua visualização macroscópica (CARRIJO,<br />
MOREIRA, 2005).<br />
Atualmente observa-se que a cisticercose bovina diagnosticada em<br />
frigoríficos representa cerca de 5,3% das condenações de carcaças no Brasil<br />
(AQUINO et al., 2005). A inspeção sanitária da carne é uma medida direta para<br />
interromper o ciclo biológico da Taenia sp (SANTOS, 1993), porém Villa (1995)<br />
informa que a Inspeção Federal abrange apenas 49% da carne que é consumida<br />
no Brasil.<br />
Segundo Souza (1997), os matadouros frigoríficos com Inspeção Sanitária<br />
desempenham a prevenção da teníase humana, através da destinação adequada<br />
de carcaças e órgãos parasitados. Para isso o Médico Veterinário da Inspeção
Federal determina o destino da carne contaminada, indicando se essa deve ser<br />
tratada pela crioneutralização, pasteurização, esterilização, ou mesmo destinada<br />
à condenação total.<br />
Aquino et al. (2005) citam que conforme o Regulamento de Inspeção<br />
Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), carcaças que<br />
apresentam infestação discreta ou moderada, após cuidadoso exame de rotina de<br />
inspeção, devem ser destinadas a tratamentos preventivos como conserva, salga<br />
úmida por 21 dias ou congelamento, no intuito de eliminar a possibilidade do<br />
homem em contrair a teníase.<br />
Devido à impossibilidade econômica do descarte de todas as carcaças<br />
parasitadas, os critérios de destino fundamentam-se no grau de parasitismo do<br />
animal. As carcaças com um cisticerco calcificado podem ser destinadas à<br />
salsicharia; com poucos cisticercos vivos, ao aproveitamento condicional pela<br />
salga ou à fabricação de banha; com infecção intensa são destinadas à total<br />
rejeição (SILVA et al., 2003). O tratamento condicional também reduz as perdas<br />
econômicas que se têm com a condenação de carcaças parasitadas por<br />
cisticercos (Rodrigues, 1993 apud AQUINO et al., 2005).<br />
Charque é o produto originário da carne de bovino desossada, adelgaçada,<br />
salgada com sal comum, maturada e dessecada. Com o advento do frio industrial,<br />
a expressão e consumo de charque foram drasticamente reduzidos, então<br />
passaram a constituir matéria-prima para elaboração de charque carnes
chamadas “de aproveitamento”, como ponta de agulha, dianteiros excedentes de<br />
consumo e carcaças destinadas ao aproveitamento condicional por razões de<br />
ordem sanitária (cisticercose, adipoxantose, contusões) (PARDI et al., 1994).<br />
Pardi et al. (1994) enfatizam que a salmouragem ou salga úmida emprega<br />
exclusivamente o sal comum em solução a 23,5º Baumé, em tanques especiais,<br />
com movimentação constante das peças de carne por 40 a 50 minutos. Picchi<br />
(1991) cita que o processo de salmoura na fabricação do charque consiste em<br />
uma concentração de 95º salômetro, aproximadamente 24º Baumé, ou seja, a<br />
uma concentração de 3,3%.<br />
Durante o processo de salga, dois fenômenos de transferência de massa<br />
ocorrem em contra-fluxo: difusão da umidade do interior da carne para o exterior,<br />
e difusão do sal entrando na carne, com conseqüente diminuição da umidade,<br />
aumento do teor de sal e redução da atividade de água (SABADINI et al., 2001).<br />
Thorton (1969) afirma que são necessários 21 dias da atuação do cloreto<br />
de sódio (NaCl) na forma de salga seca ou salmoura para a inativação do<br />
Cysticercus cellulosae, justificando que tal comportamento baseia-se no fato de<br />
não se ter dados experimentais seguros sobre a validade do método de<br />
tratamento pelo sal.<br />
Apesar de a salga ser proposta pelo Serviço de Inspeção Federal como<br />
uma alternativa para o controle da cisticercose, poucos estudos têm sido
ealizados para se conhecer a ação da salga sobre cisticercos vivos em tempos<br />
reduzidos (CARRIJO; MOREIRA, 2005).<br />
Levando-se em consideração o exposto sobre a importância do complexo<br />
teníase-cisticercose para a saúde pública e as condições de salga das carnes<br />
destinadas ao aproveitamento condicional pelo Serviço de Inspeção Federal, foi<br />
elaborado o presente estudo para constatar a eficácia do processo de produção<br />
de charque em 7 dias na inviabilização de cistos vivos presentes na carne.
3. MATERIAL E MÉTODOS<br />
Na inspeção post mortem de bovinos, os cistos são pesquisados por<br />
funcionários treinados através da palpação (fígado, esôfago e língua) e incisões<br />
na musculatura (coração, cabeça e carcaça). Durante esse procedimento, alguns<br />
cistos, mesmo viáveis, podem romper-se, soltar-se da musculatura ou ainda<br />
apresentarem-se em início de calcificação. Para efeito desse estudo, os cistos<br />
viáveis considerados ideais foram os que apresentaram-se encapsulados com<br />
líquido translúcido em seu interior, presos à musculatura e com o receptáculo<br />
visível, contendo o escólex invaginado.<br />
Foram utilizadas amostras de cistos obtidos na musculatura cardíaca<br />
(figura 1), de cabeça (masséteres ou pterigóides), esôfago (figura 2) e língua de<br />
bovinos naturalmente infectados, abatidos em frigorífico sob Inspeção Federal<br />
(SIF 70 e SIF 1387). Todos os cistos foram identificados nas linhas de inspeção<br />
post mortem na sala de abate, e retirados fazendo-se incisões na musculatura a 5<br />
mm de distância dos cistos expostos, a fim de preservar suas características<br />
iniciais (figura 3). Após esse procedimento, 109 amostras foram submetidas ao<br />
tratamento descrito nesse estudo (produção de charque) e 10 foram utilizadas<br />
como controle durante a análise da viabilidade.
Figura 1: Cisto viável na musculatura cardíaca. Figura 2: Cisto viável na musculatura do<br />
esôfago.<br />
O preparo do charque começa com o adelgaçamento das porções<br />
musculares mais densas, de modo a se obter peças uniformes com espessura<br />
média de 3 cm. Esse procedimento é conhecido como “charqueamento” ou<br />
“manteação”, e as peças passam a ser chamadas de “mantas”.
Figura 3: Amostra de cisto que será fixada na<br />
manta de charque.<br />
No estudo, as peças utilizadas para o preparo do charque foram os cortes<br />
comercialmente conhecidos como “Paleta” (bíceps e tríceps braquiais) e “Músculo<br />
do dianteiro” (flexores e extensores digitais). As amostras contendo os cistos<br />
foram fixadas (“costuradas”) com agulha e fio de nylon no interior da manta, sem<br />
lesar o cisto, a fim de simular a presença natural do mesmo na musculatura de<br />
um animal infectado. Perto do local onde se encontrava o cisto foi fixado um lacre<br />
para permitir a identificação das mantas com os cistos (figuras 4 a 7).
Figura 4: Amostra de cisto colocada no meio da<br />
musculatura da manta (Músculo do dianteiro).<br />
Figura 5: Amostra de cisto sendo costurada na<br />
musculatura da manta.
Figura 6: Amostra de cisto costurada no interior da<br />
musculatura da manta.<br />
Figura 7: Lacre oficial colocado para identificação<br />
das mantas com cisto.<br />
As mantas com as amostras foram misturadas a outras, e todas foram<br />
submetidas ao processo de produção de charque usual da indústria,<br />
caracterizado pelas etapas descritas a seguir:<br />
1. Salga úmida: as mantas foram colocadas em um tumbler com salmoura<br />
(95º salômetros), onde permaneceram sob agitação constante durante 50<br />
minutos;<br />
2. Salga seca: as mantas foram retiradas do tumbler e dispostas sobre uma<br />
camada de sal grosso, de modo que a parte interna do músculo ficasse virada<br />
para baixo. Camadas de sal e carne foram intercaladas, até que se formasse uma<br />
pilha de cerca de 1,0 metro de altura (figura 8). O tempo deste processo de salga<br />
durou 24 horas.
3. Ressalga: as pilhas foram refeitas ao lado da primeira, de modo que a<br />
parte que antes encontrava-se para baixo agora ficasse disposta para cima. As<br />
camadas de carne ainda foram intercaladas com a camada de sal (figura 9). O<br />
tempo do processo de ressalga também foi de 24 horas.<br />
Figura 8: Detalhe de uma pilha de mantas na etapa<br />
de salga seca.<br />
Figura 9: Pilha de mantas na etapa de ressalga.<br />
4. Primeiro tombo: as mantas foram novamente invertidas formando uma<br />
outra pilha. Nesta etapa, uma camada de sal grosso cobre o piso, porém não há<br />
intercalação do sal com as mantas (figura 10). O tempo de permanência em cada<br />
tombo foi de 24 horas.
(figura 11).<br />
5. Segundo e terceiro tombos: repete-se o procedimento do primeiro tombo<br />
Figura 10: Pilha de mantas em uma das etapas de<br />
tombo.<br />
Figura 11: Detalhe do lacre de uma manta com<br />
cisto.<br />
6. Secagem nos varais: após o terceiro tombo, as mantas foram<br />
rapidamente enxaguadas em água corrente para retirada do excesso de sal, e<br />
foram levadas em carrinhos de aço inox até os varais, onde foram estendidas e<br />
permaneceram expostas ao Sol para perda do restante de umidade (figuras 12 e<br />
13). As mantas permaneceram nos varais por dois dias, sendo recolhidas apenas
à noite, quando foram sobrepostas em pedra (ressalto sobre o piso) e cobertas<br />
por lona.<br />
Figuras 12 e 13: Mantas de charque penduradas nos varais: exposição ao Sol para perda da umidade.<br />
O tempo de produção do charque foi de sete dias, com umidade final do<br />
produto entre 47 e 50% constatada em análise em laboratório particular.
As mantas contendo as amostras que passaram pelo processo foram então<br />
recolhidas e levadas para análise da viabilidade (figuras 14 e 15). O método de<br />
imersão do cisto em bile bovina é eficiente para verificar a capacidade de<br />
evaginação do metacestódeo, informando se realmente o cisticerco seria capaz<br />
de produzir a infecção gerando a teníase (SILVA, 2003). Baseado neste estudo,<br />
as membranas pericísticas foram removidas com auxílio de bisturi e pinça (figura<br />
16), e os cistos foram colocados em placa de Petri contendo bile bovina in natura,<br />
de modo que a bile cobrisse os cistos. Em outra placa, sob as mesmas condições,<br />
foram colocados os cistos controle (figura 17). O tempo de permanência dos<br />
cistos na bile foi de 60 minutos, e a temperatura foi controlada durante todo o<br />
processo em 37 o C. Após o tempo determinado, os cistos foram observados com<br />
auxílio de lupa para observação ou não do desenvaginamento do escólex.<br />
Figuras 14 e 15: Comparação entre o cisto na manta ainda no varal (esq.) e após processo de
fabricação, antes de ser submetido à bile bovina (dir.).<br />
Figura 16: Remoção da membrana pericística e<br />
exposição do cisto tratado antes da exposição<br />
na bile bovina.<br />
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />
Figura 17: Remoção da membrana pericística e<br />
exposição do cisto controle (viável) antes da<br />
exposição na bile bovina.<br />
Os resultados desse estudo mostraram que 100% dos cistos analisados<br />
foram inviabilizados durante o processo de produção do charque, ou seja, todas<br />
as 109 amostras dos cistos não apresentaram desenvaginamento do escólex<br />
quando expostos à bile bovina, indicando sua inviabilidade. Os 10 cistos utilizados<br />
como controle apresentaram o desencapsulamento e exposição do escólex na<br />
presença da bile, o que demonstra a eficácia da produção de charque em sete
dias como tratamento condicional das carcaças infestadas com Cisticercus bovis<br />
(figuras 18 a 21) na inviabilização dos cistos.<br />
Figura 18: Cistos controle ainda na bile já<br />
apresentando o escólex desenvaginado.<br />
Figura 19: Detalhe dos cistos submetidos ao<br />
processo de charque, sem desenvaginação do<br />
escólex.
Figuras 20 e 21: Comparação entre os cistos controle com escólex desenvaginado (esq.) e cistos<br />
submetidos ao processamento de charque, inviabilizados pelo processo (dir.).<br />
Carrijo; Moreira (2005) descrevem a eficácia de 100% na inviabilização de<br />
cisticercos após exposição em solução salina 7% durante 24 horas. Aquino et al.<br />
(2005) demostram em seu experimento que a exposição dos cistos na salmoura<br />
6% em 48 horas e 7% em 24 horas também são eficazes na inviabilização dos<br />
mesmos.<br />
A atividade de água da carne diminui durante o processo de salga seca e<br />
úmida (SABADINI, 2001), o que contribui para a inviabilização dos cistos.<br />
Portanto, a padronização da concentração de sal na salmoura (95 o salômetros,<br />
24 o Baumé ou 3,3%) e a quantidade de sal utilizado nas etapas de salga e<br />
ressalga (quantidade suficiente para cobrir as peças por inteiro) são importantes<br />
no processo de desidratação da carne e efetiva inviabilização dos cistos.
Entre a literatura consultada, a salmoura em concentrações de 6 e 7%<br />
mostra eficácia na inviabilização dos cistos em tempos reduzidos, assim como a<br />
aplicação de salga úmida com cloreto de sódio durante 7 dias, porém nenhuma<br />
das situações descritas reflete a prática usual da indústrias produtoras de<br />
charque.<br />
O resultado obtido neste estudo mostra que o charque produzido em 7 dias<br />
manteve a umidade permitida na legislação (abaixo de 50%) e ainda é eficaz na<br />
inviabilização de cistos porventura presentes. Dessa forma, propõe-se a<br />
atualização da legislação através da revisão do RIISPOA ou Instrução Normativa<br />
sobre o assunto.<br />
Durante o estudo, a fixação dos cistos na musculatura simulou uma<br />
infestação natural, e o tempo de produção do charque está sendo utilizado pela<br />
indústria em questão. Portanto, o resultado obtido nesse estudo merece ser<br />
levado em consideração, pois demonstra que a redução no tempo de produção de<br />
charque de 21 para 7 dias não interfere na garantia de sanidade do produto caso<br />
haja presença de cistos na musculatura.
5. CONCLUSÃO<br />
Diante do exposto, podemos concluir:<br />
1. A produção de charque em 7 dias (período total do processo) e umidade<br />
final do produto abaixo de 50% é um tratamento condicional eficaz para carcaças<br />
bovinas nas quais foram detectados Cyticercus bovis viáveis, como alternativa ao<br />
congelamento por 15 dias utilizado no tratamento pelo frio.<br />
2. Este processo representa ganho econômico para a indústria no tempo<br />
de produção e economia de energia elétrica durante a estocagem do produto<br />
final.<br />
3. A inviabilização de 100% dos cistos testados mostra que o tempo de<br />
salga úmida por 21 dias proposto pela legislação (RIISPOA, 1962) pode ser<br />
substituído pela produção do charque em tempo reduzido, desde que respeitados<br />
os tempos de salga e concentração de sal durante o processo.
6. REFERÊNCIA<br />
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