Folha de Jacarandá - Ano: XIX - n.17 - 2015

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TROCANDO IDEIAS Conversando sobre o brincar na escola, vem à tona a diferenciação entre brincadeiras de menino e de menina e os conflitos que enfrentamos ao buscar uma educação nãosexista, não-consumista. Ao mesmo tempo, ao refletir sobre o tema, nos depararmos com nossa própria sexualidade. Atualmente, a identidade de gênero tem ganhado visibilidade em vários âmbitos, inclusive nas discussões sobre o Plano Municipal de Educação, e decidimos abrir espaço na Jacarandá para pensar mais sobre a questão. Em agosto, promovemos um encontro com Claudia Mascarenhas, psicanalista, e dedicamos uma reunião pedagógica ao tema. Com o grupo do jornal, resolvemos socializar e ampliar a conversa aqui. A sexualidade infantil é diferente da sexualidade pensada, vivida e falada pelos adultos. A criança está envolvida com seu próprio corpo e com o que lhe dá prazer, bem como quer ser o objeto de prazer de sua mãe (ou de seus cuidadores primordiais). Geralmente é só por volta da adolescência ou da vida adulta que ela vai se voltar à busca de um parceiro sexual, como forma de dar prazer a um outro. Há culturas em que as mulheres andam com os seios à mostra; outras aceitam os seios parcialmente cobertos pelo vestuário (biquínis, blusas decotadas); e outras, ainda, cobrem completamente suas mulheres, exceto rosto e mãos. Os contextos familiares também são diferentes, numa mesma cultura. Há famílias em que pais e filhos se beijam na boca. Em outras isso não é praticado. O social fornece uma referência ao sujeito sobre seu corpo, sobre os modos de ter prazer e de se relacionar com os outros, sobre o gênero e os papéis sexuais, mas há um processo singular de constituição subjetiva, que pode seguir caminhos múltiplos. O sujeito se constitui a partir do outro, mas não é uma tábula rasa que recebe diretamente as impressões externas. É um sujeito ativo. “Quem interpreta é quem lê”: a criança está exposta às referências que o mundo lhe fornece, porém é ela quem vai interpretar isso, a seu modo. A criança busca decifrar o que o outro primordial (geralmente mãe, pai, cuidadores principais) quer dela, para que seja amada. A mãe pode lhe dizer e dar o modelo de como espera que ela se comporte, porém a criança interpreta a mensagem de vários modos: correspondendo literalmente, a partir de um detalhe, ou agindo de modo oposto, por exemplo, pois é isso que captura o olhar da mãe. As crianças, ainda, são muito sensíveis a outras mensagens que lhe transmitimos, para além do que é falado: o olhar arregalado, a testa franzida, o tom da voz... Assim, embora em nossa sociedade, hoje, a diversidade seja mais bem aceita, o processo de construção da própria identidade não está menos complexo. As crianças tentam entender o mundo para se guiarem, e nesse percurso criam hipóteses – temporárias - para a diferença entre os sexos. Não há motivos para preocupação se a criança afirma que é menino e não quer usar vermelho, que “isso é cor de menina” – se ela vive num ambiente em que isso não é verdade, que seus pais e amigos usam diferentes cores, logo vai perceber que não é isso que define um menino. O que não podemos permitir é que ela agrida um colega que usa vermelho, ou que alguém a impeça de escolher essa cor num outro momento, reforçando sua hipótese ou cobrando-lhe “coerência”. Aqui na escola, afirmamos que, na brincadeira, tudo pode, desde que não machuque ninguém: pode ser mamãe, ser bebê, vovô, cachorro, pode ser pirata com chapéu de fada, bailarina com capa de Batman, ser herói ou ser malvado, ser borboleta ou monstro... o que a imaginação mandar, o que a criança quiser. O faz-de-conta não define o que a criança será no futuro, mas temos certeza de que, se a criança puder experimentar diferentes papéis em sua fantasia, experimentar a doçura e a agressividade, a submissão, a liderança e a cooperação, o igual e o diferente, poderá se encontrar no futuro como alguém que se sente confortável na própria pele. Tânia e Vitória A seguir, depoimentos de pais com experiências interessantes vividas com seus filhos, que lhe fizeram parar para pensar nesse assunto. Depoimento de Lucas, pai da Maria, G3e4m: No intuito de querer preservar o filho do amigo de algum acidente, a mãe fala para a própria filha: - Filha, não brinca desse jeito com esta espada porque pode machucar o seu amigo, e além do mais isto aqui não é brinquedo para você! A mãe foi tomando a espada da mão da sua filha sem hesitar, privando as crianças de autonomia para resolver o conflito e para explorar o universo lúdico. A meu ver, a fala da mãe ainda enfatizou, entrelinhas, olha, esta espada é para meninos, para o sexo masculino. Depoimento de Alexandra, mãe de Martim, G3t: Como sabe, estou grávida de gêmeos, um casal. Recentemente fomos ao supermercado, João, Martim e eu. Tinha um estande de degustação de suco de uva, que o Martim adora, e ele quis me levar lá. Quando a moça viu que estava grávida, perguntou o que era, e eu disse gêmeos/casal, ela disse para o Martim: que legal, você vai poder emprestar seus carrinhos para o seu irmão. E ele prontamente respondeu: e para a minha irmã também! Depoimento de Vanessa, mãe do Vittorio, G3int: Quando estava grávida, decidimos não saber o sexo do bebê. Pensamos que era a maneira mais pura de curtir o bebê pelo bebê, independente de ser menino ou menina; ou, ainda, curtir as duas possibilidades por 9 meses e, finalmente, que o fator surpresa tiraria outras tensões da hora do parto. Isso de de fato aconteceu, a mistura de sentimentos daquele momento mágico ficou ainda mais especial ao saber, somente ali, que aquele choro lindo era de um menino! Outra surpresa foi descobrir que a primeira coisa que todos perguntavam quando dizíamos não saber o sexo era “Mas e o enxoval?!”... Sim, economizamos e foi ótimo, precisávamos garimpar muito para sair dos padrões do Azul e Rosa e passamos a perceber que não precisávamos de tanta coisa assim. 4 FolhaJacaranda_ed17.indd 4 28/09/15 12:33
Depoimento de Fabiana, mãe do Tiago, G3e4m, Matias, G2m e Igor (EF): Quando Igor tinha mais ou menos 3 ou 4 anos, mostrou uma grande curiosidade e vontade de brincar com bonecas. Em casa, dizíamos que poderíamos comprar uma boneca caso ele quisesse, mas ele sempre dizia, permeado por uma vergonha, que não queria comprar. Uma vez entrei nesse assunto com a mãe de um amigo dele, que também era mãe de uma menina, e ela, gentilmente, em uma tarde que o Igor passou na casa deles, deu uma pequena boneca para ele, dessas que se pode trocar a roupa e o sapato. Depois de um tempo, sugeri várias vezes brincarmos com a boneca, mas ele sempre dizia não e percebi que era muito sincero esse não, me parecia que ele não tinha mais interesse. A partir daí entendi que ele já tinha saciado a curiosidade dele e entendido que não havia problema em brincar com bonecas. Uma outra vez eu dei a ele um mini fogão de presente, com que ele brincou inúmeras vezes e o sucesso foi tanto, que os irmãos herdaram esse brinquedo! Depoimento de Paula, mãe do Lev, G2m e Nara (EF): A irmã do Lev, Nara, faz natação. Com a chegada do friozinho, achamos prudente comprar um roupão porque a toalha não estava dando conta. Entrei numa loja e pedi um roupão infantil, no que fui abordada pela vendedora com a perguntinha X: - Pra menino ou pra menina? - Tanto faz. Tamanho 6. - Mas é pra menino ou menina? É que eu só tenho roupão azul ou com personagens masculinos, aviões, carros, Ben10. Se você puder aguardar, semana que vem chegam os roupões rosa choque, rosa bebê, rosa pastel, florido, da Gatinha Marie, da Cinderela, da Branca de Neve, da Malévola, da Penélope Charmosa, da Bela Adormecida e da Xuxa. Então aquele casacão atoalhado de aquecer criança que saiu da água é o fator definitivo, é o nexo de causalidade para a formação de gênero? Um roupão determinista! Em alguns segundos refleti sobre a orelha furada da Nara (ela escolheu furar a orelha? Ou foi uma projeção minha?) e sobre a capa do Batman que o Lev insiste em levar pra escola. E, sim, ele já trocou-a pelo vestido da Elsa e cantou Let it Go rodopiando pela casa. - Pode embrulhar o roupão azul. Tamanho 6. Depoimento de Roberta, mãe da Olivia, G2int: Olivia tem várias bonequinhas tipo Polly e também bonecos homens. As bonecas têm muitas roupas, mas a maioria é vestido ou saia e ela sempre me pede pra ajudá-la a trocar as roupas. Ultimamente, tem pedido muito pra colocar esses vestidos e saias nos bonecos homens, mas não cabe, pois eles são bem maiores. Quando falo pra ela que essas roupas são das bonecas, ela questiona bastante. Ela também troca, frequentemente, as partes de baixo e os cabelos dos bonequinhos de Lego: a da menina é uma saia, e ela coloca no menino; os cabelos na menina são compridos e, no menino, curtinhos. Ela também já perguntou por que o papai não tem “saia de vestido”, como ela chama :) Depoimento de Rafaela, mãe do Guilherme, G2t: Eu e Guilherme já estávamos brincando de corrida há algum tempo, quando numa das etapas eu venci. Um pouco bravo, ele olhou pra mim e disse: - Mamãe, você não pode ganhar! - Por que Gui? Por que a mamãe não pode vencer? - Porque você é menina e menina é devagar! Olhei pra ele e disse: - Gui, a mamãe pode vencer sim! E sabe por quê? Porque no mundo existe menina rápida e menina devagar, assim como existe menino rápido e menino devagar. Um pouco contrariado, ainda insistiu que eu não poderia ter vencido, mas logo pediu pra brincar novamente e lá fomos nós para mais uma corrida. Alguns dias depois, todo contente, começou a me contar seu dia na Jacarandá e disse: - Mamãe, hoje brincamos de corrida e a Valentina venceu. Ela é uma menina muito rápida! Depoimento das crianças Cecilia – “Às vezes as meninas têm cabelo curto. É mais legal ser menina porque brinca de boneca. Eu nunca brinquei de super-herói” Lorenzo – “Você acha que menina é diferente de menino?” “Não! É igual.” Pedro – “Menino brinca de super-herói e menina não.” Max - “Meninas brincam de coisas lindas, mas só algumas meninas aparecem nos super-heróis. Menina brinca de Barbie, de espiã e os meninos só brincam de super-heróis, de polícia, de espião, laboratório e patrulhas alienígenas.” Felipe Araujo – “Meu boneco é uma menina, é a mamãe. E eu brinco de vingadores. Eu também gosto de brincar de comidinha e de boneca fazendo coisas.” Antonio – “Vestido, só menina usa. É a diferença, só.” Benício – “Tem aquela mulher que é muito boa em lutar. A mulher-gato” Maria – “Eu gosto de diferente” Clara – “É mais legal ser menina” Mario – “Cadê meu boneco?” Caetano – “Não sei (qual a diferença)” João – “O meu boneco chama João. Ele faz tudo. Ele é menino. Menino usa calça e bermuda e menina usa saia.” Tiago – “Eu não sei a diferença entre menino e menina” Theo – “ É diferente: um é menino e outro é menina. Eu gosto de menino e menina igual.” DICAS DE LIVROS PARA LER COM AS CRIANÇAS • O senhor Cavalo-Marinho, de Eric Carle, Tradução:Gabriela Rocha Alves Editora: Kalandraka • É tudo família!, de Alexandra Maxeiner e Anke Kuhl, L&PM EDITORES • A Princesa Sabichona, de Babette Cole, Martins editora • Príncipe Cinderelo, de Babette Cole, Martins editora • A história de Júlia e sua sombra de menino, de Christian Bruel e Anne Galland, com ilustrações de Anne Bozellec (Scipione, 2010). 5 FolhaJacaranda_ed17.indd 5 28/09/15 12:33
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Page 3: G5 aT Brincando de Yoga Por meio de
Page 7 and 8: Eloisa e os bichos 7 FolhaJacaranda
Page 9 and 10: A MÃE DO MENINO E A MÃE DA MENINA

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