Dos Bastidores ao Espetáculo do Cirque Du Soleil ... - Anpad
Dos Bastidores ao Espetáculo do Cirque Du Soleil ... - Anpad
Dos Bastidores ao Espetáculo do Cirque Du Soleil ... - Anpad
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Dos</strong> <strong>Basti<strong>do</strong>res</strong> <strong>ao</strong> <strong>Espetáculo</strong> <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong>: exploran<strong>do</strong> a metáfora<br />
“Polytheama”<br />
RESUMO<br />
Autoria: Cintia Rodrigues de Oliveira Medeiros, Valdir Macha<strong>do</strong> Valadão Jr., Rodrigo Miranda<br />
A análise organizacional caminhou, desde o desenvolvimento industrial, por diferentes<br />
perscpeticas, sofren<strong>do</strong> influências conforme o contexto sócio-histórico. Os aspectos<br />
estruturais e tecnológicos das organizações tiveram primazia durante muito tempo, porém, nas<br />
últimas décadas, a análise organizacional voltou-se para seus aspectos simbólicos. Símbolos e<br />
ações simbólicas fazem parte <strong>do</strong> cotidiano da vida organizacional em variadas formas, e a<br />
interpretação desses iluminam questões fundamentais sobre os significa<strong>do</strong>s e as crenças de<br />
uma organização. Na perspectiva interpretativo-simbólica, eventos e processos<br />
organizacionais ganham importância não apenas pelo que produzem, mas, também, pelo<br />
significa<strong>do</strong> que carregam (BOLMAN; DEAL, 2008; HATCH, 1997). As organizações são<br />
observadas e compreendidas por meio de significa<strong>do</strong>s que produzem nas ações, interações e<br />
conversações que ocorrem entre as pessoas. Dessa forma, a linguagem e a comunicação<br />
ganham importância na análise organizacional e o uso de metáforas, como um recurso da<br />
linguagem, passa a ser visto como parte integral <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> de organizações (PABLO;<br />
HARDY, 2009). A análise organizacional por meio de metáforas é amplamente utilizada e<br />
desempenha papel importante na teoria organizacional por identificar aspectos que as análises<br />
tradicionais não conseguem explorar, como, por exemplo, o caráter multifaceta<strong>do</strong> das<br />
organizações. Neste artigo analisamos uma organização, o <strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong>, com o objetivo<br />
de explorar as metáforas desenvolvidas e selecionadas por pesquisa<strong>do</strong>res para examinar a<br />
relação entre comunicação e organização. Toman<strong>do</strong> como ponto de partida o trabalho de<br />
Putnam, Phillips e Chapman (2004), neste estu<strong>do</strong>, consideramos as perspectivas que<br />
enfatizam a interação e o significa<strong>do</strong>: as metáforas da perfomance, <strong>do</strong> símbolo, da voz e <strong>do</strong><br />
discurso. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa cujo méto<strong>do</strong> de procedimento é o<br />
estu<strong>do</strong> de caso e o corpus de pesquisa é forma<strong>do</strong> por material coleta<strong>do</strong> na mídia impressa e de<br />
entrevistas de integrantes <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> transcritas <strong>do</strong> DVD das apresentações <strong>do</strong> mesmo.<br />
Iniciamos tratan<strong>do</strong> a metáfora como recurso na análise organizacional e, em seguida,<br />
discutimos as metáforas que explicam a relação entre a comunicação e a organização<br />
(PUTNAM, PHILLIPS; CHAPMAN, 2004). Nos resulta<strong>do</strong>s evidenciamos como o uso de<br />
metáforas descortina aspectos relevantes para a análise organizacional no que diz respeito <strong>ao</strong>s<br />
mo<strong>do</strong>s de funcionamento de uma organização, e propomos, a título de ilustração, a metáfora<br />
“Polytheama”. A metáfora Polytheama é utilizada para compreender o <strong>Cirque</strong> não pela<br />
diversidade de espetáculos que a empresa cria e apresenta, mas por representar um espaço que<br />
retrata a relação entre mensagens, significa<strong>do</strong> e contexto <strong>do</strong> qual se originam “espetáculos<br />
estonteantes”. O palco a que nos referimos não é o local em que se representa ou reflete a<br />
realidade, mas o espaço em que se cria e representa o processo <strong>do</strong> ato de organizar.
1 Introdução<br />
De uma ínfima faísca acendeu-se uma grande fogueira, cujo calor aqueceu o mun<strong>do</strong> inteiro.<br />
Guy Laliberté<br />
A análise organizacional caminhou, desde o desenvolvimento industrial, por<br />
diferentes perscpeticas, sofren<strong>do</strong> influências conforme o contexto sócio-histórico. Os aspectos<br />
estruturais e tecnológicos das organizações tiveram primazia durante muito tempo, porém, nas<br />
últimas décadas, a análise organizacional voltou-se para seus aspectos simbólicos. Símbolos e<br />
ações simbólicas fazem parte <strong>do</strong> cotidiano da vida organizacional em variadas formas, e a<br />
interpretação desses iluminam questões fundamentais sobre seus significa<strong>do</strong>s e suas crenças.<br />
Na perspectiva interpretativo-simbólica, eventos e processos organizacionais ganham<br />
importância não apenas pelo que produzem, mas, também, pelo significa<strong>do</strong> que carregam<br />
(BOLMAN; DEAL, 2008; HATCH, 1997). As organizações são observadas e compreendidas<br />
por meio de significa<strong>do</strong>s que produzem nas ações, interações e conversações que ocorrem<br />
entre as pessoas. Dessa forma, a linguagem e a comunicação ganham importância na análise<br />
organizacional e o uso de metáforas, como um recurso da linguagem, passa a ser visto como<br />
parte integral <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> de organizações (PABLO; HARDY, 2009).<br />
Neste artigo, analisamos o <strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong> com o objetivo de explorar as metáforas<br />
desenvolvidas e selecionadas por pesquisa<strong>do</strong>res para examinar a relação entre comunicação e<br />
organização. Toman<strong>do</strong> como ponto de partida o trabalho de Putnam, Phillips e Chapman<br />
(2004), o estu<strong>do</strong> considera as perspectivas que enfatizam a interação e o significa<strong>do</strong>: as<br />
metáforas da perfomance, <strong>do</strong> símbolo, da voz e <strong>do</strong> discurso.<br />
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa cujo méto<strong>do</strong> de procedimento é o<br />
estu<strong>do</strong> de caso sen<strong>do</strong> o diagnótico das evidências encontradas pauta<strong>do</strong> na técnica da análise<br />
de discurso <strong>do</strong> material coleta<strong>do</strong> na mídia impressa e de entrevistas de integrantes <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong><br />
transcritas <strong>do</strong> DVD da apresentação <strong>do</strong> espetáculo Alegria. Procuramos mostrar que o <strong>Cirque</strong><br />
<strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong> desenvolve relações sociais sobre uma dinâmica organizacional que traz à tona<br />
características de relações intra-organização despercebidas em outras organizações.<br />
O artigo está estrutura<strong>do</strong> em cinco partes, incluin<strong>do</strong> essa introdução. Inicialmente,<br />
discutimos o uso de metáforas na análise organizacional e as metáforas desenvolvidas para<br />
analisar a relação entre comunicação e organização. Em seguida, descrevemos os<br />
procedimentos meto<strong>do</strong>lógicos, apresentamos os resulta<strong>do</strong>s, e, por fim, fazemos as<br />
considerações finais.<br />
2 Metáforas Organizacionais: múltiplos insights sobre a vida organizacional<br />
Análise das organizações por meio de metáforas vem se constituin<strong>do</strong> em uma prática<br />
de pesquisa organizacional que contribui para a construção de teorias que oferecem<br />
explicações em diferentes níveis de análise (HATCH, 1997; PABLO; HARDY, 2009).<br />
Putnam, Phillips e Chapman (2004) apontam, a partir <strong>do</strong> trabalho de diversos autores, que a<br />
contribuição da análise metafórica ocorre de três formas: (1) articulan<strong>do</strong> as hipóteses<br />
ontológicas de diferentes visões das organizações; (2) revelan<strong>do</strong> o fun<strong>do</strong> assumi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
constructos organizacionais chaves; (3) geran<strong>do</strong> novos constructos. Além disso, os autores<br />
apontam que os membros das organizações também usam a análise metafórica para descrever<br />
as organizações.<br />
As metáforas são utilizadas para descrever uma experiência ou um objeto, valen<strong>do</strong>-se<br />
de um argumento de que A é como B. Esse processo de comparação, segun<strong>do</strong> Cornelissen<br />
(2006) cria um novo significa<strong>do</strong> ou transfere o significa<strong>do</strong> que A carrega, para B. A metáfora<br />
organizacional é, então, um mo<strong>do</strong> com que os membros examinam os processos e eventos na<br />
organização, usan<strong>do</strong> lentes para perceber, interpretar e compreender o que ocorre na mesma.<br />
Se a metáfora representa A por B, dar a A um significa<strong>do</strong> ou atribu<strong>do</strong> que originariamente não<br />
2
tem, é um recurso ligüístico poderoso e durável, na opinião de Freitas (2009), pois é a força<br />
<strong>do</strong> pensamento simbólico que consegue explicar o que as palavras não conseguem expressar.<br />
O trabalho mais expressivo utilizan<strong>do</strong>-se a análise metafórica nas organizações é o de<br />
Morgan (2004), que apresenta oito imagens para descrever e explicar o funcionamento, as<br />
atitudes e crenças organizacionais e, também, o mo<strong>do</strong> como essas perpetuam e constroem a<br />
cultura organizacional. Para o autor, todas as oito imagens têm potencialidades analíticas e<br />
podem até mesmo coexistirem, consideran<strong>do</strong>-se o caráter multifaceta<strong>do</strong> das organizações.<br />
Kolb (2008) explora alguns atributos que permitem a metáfora da conectividade ser<br />
aplicada a fenômenos sociais. Segun<strong>do</strong> o autor, a conectividade é uma nova metáfora utilizada<br />
para explicar as interações sociais dentro e entre organizações. Vergara e Capilovsky (1998)<br />
apresentam uma metáfora organizacional: as empresas como sistemas essencialmente<br />
criativos. Os autores analisaram as mannifestações da criatividade em diversos níveis: <strong>do</strong><br />
indivíduo, da interação, da organização, da sociedade e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, identifican<strong>do</strong> e atribuin<strong>do</strong><br />
novos significa<strong>do</strong>s a fenômenos organizacionais. Souza (1997) analisa a empresa Amway <strong>do</strong><br />
Brasil, um modelo de gestão <strong>do</strong> trabalho basea<strong>do</strong> em redes de relações sociais de seus<br />
trabalha<strong>do</strong>res, metaforizan<strong>do</strong> a família, o autor evidencia a sobreposição da vida econômica<br />
com a vida familiar em uma estratégia de fusão <strong>do</strong>s tempos de convívio social e de trabalho.<br />
As metáforas não são apenas construções ou interpretações, mas fornecem quadros de<br />
ação na medida em que sua utilização faz surgir idéias criativas que se tornam preciosas para<br />
analisar os discursos, as narrativas, os símbolos e artefatos organizacionais. Cornelisson<br />
(2006) argumenta que o contexto organizacional influencia na interpertação das metáforas,<br />
principalmente na metáfora na identidade organizacional que frequentemente é tratada em<br />
termos monolíticos e singulares.<br />
Uma das múltiplas funções da metáfora (PABLO; HARDY, 2009) é transferir idéias<br />
de um <strong>do</strong>mínio para outro: de algo que é conheci<strong>do</strong> para o que não é; <strong>do</strong> concreto para o<br />
abstrato; e o material para o imaterial. Como Pablo e Hardy (2009) consideram, a metáfora<br />
tem, também, a função de apoiar a comunicação. A despeito de sua importância para a análise<br />
das organizações, a metáfora da organização como comunicação é, ainda, uma perspectiva<br />
pouco explorada nos estu<strong>do</strong>s organizacionais. Na próxima seção serão apresenta<strong>do</strong>s alguns<br />
estu<strong>do</strong>s que se orientam sob esse prisma.<br />
Comunicação e Organização: qual é a metáfora?<br />
A exploração das relações entre comunicação e organização, realizada por Putnam,<br />
Phillips e Chapman (2004), alcança resulta<strong>do</strong>s diferentes das metáforas tradicionais utilizadas<br />
na teoria organizacional. Ao analisarem a literatura em comunicação organizacional, os<br />
autores identificam sete linhas metafóricas: (1) a <strong>do</strong> conduíte; (2) a da lente; (3) a de linkage;<br />
(4) a da performance; (5) a <strong>do</strong> símbolo; (6) a da voz; e (7) a <strong>do</strong> discurso. As três primeiras<br />
linhas têm suas raizes na transmissão da comunicação, enquanto que nas outras, a atenção é<br />
dirigida para os traços mais importantes <strong>do</strong> significa<strong>do</strong>, da interpretação e <strong>do</strong> entendimento da<br />
natureza da organização. A emergência de temas como a ambigüidade estratégica, as<br />
linguagens, os símbolos e a cultura organizacional, o discurso público corporativo, entre<br />
outros, deslocou o foco da eficiência da comunicação para as interpretações fundamentadas<br />
no contexto e na situação, desencadean<strong>do</strong> diferentes mo<strong>do</strong>s de investigar a complexidade <strong>do</strong><br />
campo.<br />
A interação social é o ponto fundamental para a pesquisa da comunicação<br />
organizacional utilizan<strong>do</strong>-se a metáfora da performance. As organizações “emergem como<br />
ações coordenadas” (PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 2004, p.91) por meio da interação<br />
social, tanto comportamental como simbólica. Na metáfora da perfomance distinguem-se três<br />
abordagens: (1) as enraizadas na legitimação; (2) as enraizadas na construção ou co-produção;<br />
e (3) narrativas, folclore e convergência simbólica.<br />
3
A abordagem da legitimação sustenta-se no trabalho de Weick (1979), para quem a<br />
comunicação é uma interação dupla que “consiste em uma ação-reação-ajuste que forma<br />
comportamentos entrelaça<strong>do</strong>s ou ciclos de comportamentos” (PUTNAM; PHILLIPS;<br />
CHAPMAN, 2004, p.92). Nesse senti<strong>do</strong>, Weick (1979) explica que as interações duplas são<br />
ocasionadas pelos equivocos organizacionais que ocorrem devi<strong>do</strong> às múltiplas interpretações<br />
que os indivíduos fazem <strong>do</strong>s eventos organizacionais. Segun<strong>do</strong> o autor, essa equivocidade é<br />
reduzida pelas ações coordenadas <strong>do</strong>s indivíduos que agem, refletem sobre suas próprias<br />
ações e assim dão senti<strong>do</strong> <strong>ao</strong> ato de organizar. Weick, Stucliffe e Obstfeld (2005) explicam<br />
que padrões de organizar estão localiza<strong>do</strong>s nas ações e conversações que ocorrem entre as<br />
pessoas em dada organização e nos textos destas atividades que são preserva<strong>do</strong>s na estrutura<br />
social.<br />
Nessa perspectiva, as interações sociais produzem práticas sociais e coordenam<br />
acor<strong>do</strong>s sociais, realizan<strong>do</strong> um processo de co-produção em que a comunicação surge de<br />
forma coletiva. E é nesse senti<strong>do</strong> que Putinam, Phillips e Chapman (2004, p.93) afirmam que<br />
“A comunicação produz organizações, assim como as organizações produzem comunicação”.<br />
Putnam, Phillips e Chapman (2004) chamam a atenção para a importância da narrativização,<br />
que é a forma pela qual os membros tentam dramatizar a vida organizacional e introduzir<br />
histórias de sua performance, cuja narrativa é freqüentemente reconstruída, na medida em<br />
elementos novos são adiciona<strong>do</strong>s. Assim, as organizações também são narra<strong>do</strong>ras de histórias.<br />
Na metáfora <strong>do</strong>s símbolos, a comunicação “funciona como a criação, a manutenção e<br />
a transformação <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s” (PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 2004, p.94), sen<strong>do</strong><br />
considerada um processo de representação pela produção de símbolos que dão senti<strong>do</strong> <strong>ao</strong><br />
mun<strong>do</strong>. Os estu<strong>do</strong>s dirigi<strong>do</strong>s por essa perspectiva enfatizam a construção e a manutenção de<br />
culturas organizacionais. Os autores ilustram o símbolo da metáfora com cinco formas ligadas<br />
à literatura: (1) narrativas; (2) metáforas; (3) ritos e rituais; (4) para<strong>do</strong>xo; e (5) ironia.<br />
Boje (1991, p.106) denomina as narrativas de storytelling organizacional e as define<br />
como um sistema coletivo de contar histórias, cujo desfecho das mesmas é fundamental para<br />
criar significa<strong>do</strong>s (sensemaking) <strong>ao</strong>s membros da organização. O uso de storytelling pelas<br />
organizações é visto por alguns autores como um instrumento para disseminação de<br />
significa<strong>do</strong>s compartilha<strong>do</strong>s dentro das organizações (KAYE; JACOBSON, 1999; BOJE,<br />
1991); já, outros, como Vendelo (1998), sugerem que é um mecanismo para legitimação da<br />
organização e garantia de sua reputação. Segun<strong>do</strong> esse autor, narrativas de desempenho futuro<br />
têm impacto na reputação de uma empresa junto <strong>ao</strong>s consumi<strong>do</strong>res na medida em que criam<br />
expectativas quanto a ela. As narrativas desempenham papel central para a legitimação de<br />
poder, a construção de identidades individuais e organizacionais e, também, servem de<br />
mecanismos implícitos de controle de forma a administrar os significa<strong>do</strong>s organizacionais.<br />
As metáforas são simbólos que contribuem para que os membros da organização<br />
estruturem suas crenças e comportamentos. Os ritos e rituais são eventos e práticas<br />
organizacionais, símbolos que desempenham papel importante na manutenção da infraestrutura<br />
organizacional. Putnam, Phillips e Chapman (2004, p.96) diferenciam ritos e rituais:<br />
“Os ritos são atividades elaboradas e dramáticas que consolidam as expressões culturais em<br />
um evento”; e rituais são “as normas e os comportamentos que fazem fluir os ritos”. Para os<br />
autores, os ritos e rituais são atos comunicativos desempenha<strong>do</strong>s como parte da conclusão <strong>do</strong><br />
ato de organizar.<br />
Os para<strong>do</strong>xos e ironias dirigem seu foco para os relacionamentos entre mensagens, e<br />
não para símbolos e significa<strong>do</strong>s. Os para<strong>do</strong>xos são declarações e ações que se<br />
autocontradizem, embora aparentemente sejam verdadeiras; as ironias ocorrem quan<strong>do</strong> há<br />
contradições entre os significa<strong>do</strong>s pretendi<strong>do</strong>s e as práticas efetivas. Ambos, para<strong>do</strong>xos e<br />
ironias, são características comuns nas organizações (PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN,<br />
2004) e causam comportamentos que vão desde tensões, conformidade e confronto.<br />
4
A comunicação, na metáfora da voz, é entendida como a expressão ou supressão das<br />
vozes <strong>do</strong>s membros da organização. A existência da organização é como um coro de vozes de<br />
seus membros, mesmo que essas vozes sejam diferentes e não tenham a mesma melodia. A<br />
comunicação está sujeita a distorções que podem ser provocadas no senti<strong>do</strong> de que as vozes,<br />
ainda que ouvidas, reforçam as vozes das elites. Quan<strong>do</strong> as vozes tornam-se hegemônica,<br />
ocultan<strong>do</strong> as escolhas e os interesses <strong>do</strong> grupo <strong>do</strong>minante, são as vozes de <strong>do</strong>minação que<br />
controlam as organizações por meio de ações políticas, culturais e econômicas.<br />
A categoria vozes diferentes considera que alguns sujeitos precisam falar numa voz<br />
diferente, pois, como suas vozes “são únicas e singulares, elas são frequentemente<br />
desconsideradas, silenciadas ou mal entendidas” (PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 2004,<br />
p.99) haja vista que os grupos minoritários são marginaliza<strong>do</strong>s. O acesso a voz está associa<strong>do</strong><br />
à democratização no espaço organizacional, em que os membros encontram maneiras de fazer<br />
valer sua diferença por meio da voz, tanto em programas de administração participativa como,<br />
também, outras estruturas de comunicação que dão voz <strong>ao</strong>s indivíduos.<br />
A metáfora <strong>do</strong> discurso supre as fraquezas das metáforas da voz e da perfomance,<br />
pois refere-se à linguagem, às gramáticas e <strong>ao</strong>s atos discursivos que as fundamentam. O uso<br />
<strong>do</strong> discurso como metáfora categoriza-se em três perspectivas: (1) como artefato; (2) como<br />
estrutura e processo; (3) como atos discursivos (PUTNAM; PHILIPS; CHAPMAN, 2004).<br />
A história, ou narrativa, é considerada por Thachankary (1992, p.202) como central<br />
para o entendimento das organizações, visto que “não existe conhecimento ou verdades em<br />
organizações que são independentes de um contexto histórico”. O autor tem a mesma opinião<br />
expressada por Gergen e Whitney (1996), quanto à importância <strong>do</strong> contexto na criação de<br />
significa<strong>do</strong>s; a mesma ação ou evento pode ter diferentes significa<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> ocorri<strong>do</strong>s em<br />
contextos diferentes.<br />
A idéia de que as organizações são textos (THACHANKARY, 1996) considera o texto<br />
como uma “forma de discurso”, no senti<strong>do</strong> de que o texto é estrutura<strong>do</strong> como um conjunto<br />
que não pode ser reduzi<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s seus componentes individuais, como frases; e tal como um<br />
discurso, o texto preserva as propriedades da sentença, escrita ou falada, mas preserva,<br />
também, as várias interpretações a que está sujeito. Se as organizações são textos, que, por sua<br />
vez, podem ser também narrativas que nelas emergem e estão sujeitas a múltiplas<br />
interpretações, o que torna inviável um modelo ou estrutura para analisar o “texto<br />
organizacional”; mas, como Thachankary (1996) ressalta, a organização como texto está<br />
aberta a ponto de revelar seus significa<strong>do</strong>s.<br />
Hazen (1993) e Kornberger, Clegg e Carter (2006) apontam o caráter polifônico das<br />
organizações. Compreender que as organizações são socialmente construídas por narrativas,<br />
histórias ou textos, para esses autores, é uma alternativa de análise que enriquece o<br />
entendimento <strong>do</strong> que acontece quan<strong>do</strong> as pessoas trabalham em conjunto, diferente <strong>do</strong> caráter<br />
monolítico de alternativas que não consideram que cada pessoa tem sua própria voz, que é<br />
única, haja vista que é formada pela suas características, experiências e percepções.<br />
No trabalho organiza<strong>do</strong> em grupo para realizar qualquer tarefa complexa, que não seja<br />
possível de ser realizada por uma única pessoa, emergem vozes na mesma proporção que<br />
existem pessoas. Entretanto, como destaca Hazen (1993, p.16), “algumas vozes são mais<br />
barulhentas, mais articuladas ou mais fortes que outras”, emergin<strong>do</strong> vários diálogos<br />
simultâneos e seqüenciais, resultan<strong>do</strong> na concepção de polifonia organizacional, por<br />
considerar diferenças de sons e possibilidades de emergência de outros.<br />
Gabriel (1995), Boje (2001), Boyce (1995), dentre outros autores, têm dirigi<strong>do</strong> seus<br />
esforços de pesquisas para as histórias organizacionais, ou narrativas. Para Gabriel (1995), as<br />
narrativas são exploradas como produtos de experiências que, enquanto elas podem ser<br />
comunicadas e compartilhadas, são pessoais. Raramente, dentro das organizações, as pessoas<br />
podem dizer que fazem as coisas a sua própria maneira, porém, <strong>ao</strong> contar uma história, elas<br />
5
freqüentemente a contam de acor<strong>do</strong> com o “seu jeito”, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong> a narrativa de um simbolismo<br />
altamente subjetivo e pessoal, permitin<strong>do</strong>-se às pessoas constituirem-se como sujeitos.<br />
Diante desse quadro teórico, podemos apontar que as quatro linhas metáforicas têm<br />
aspectos importantes em comum, o que permite que sejam utilizadas de forma combinada. A<br />
perfomance, <strong>ao</strong> fornecer uma visão interativa da comunicação organizacional, especialmente<br />
na narração de histórias, tem uma amarração direta com a metáfora <strong>do</strong>s símbolos que, por sua<br />
vez, segun<strong>do</strong> Putnam, Phillips e Chapman (2004, p.98), “são mais <strong>do</strong> que manifestações de<br />
uma cultura organizacional; são os meios pelos quais o ato de organizar é realiza<strong>do</strong> com<br />
sucesso”. Na metáfora da voz, as questões de poder e significa<strong>do</strong> conectam-se com a<br />
comunicação de diferentes maneiras: suprimin<strong>do</strong> vozes, adicionan<strong>do</strong> novas vozes, distorcen<strong>do</strong><br />
vozes, constituin<strong>do</strong>-se em um coro de diversas vozes, cuja melodia nem sempre é clara.<br />
A metáfora <strong>do</strong> discurso revela o relacionamento entre o discurso e o texto. Enfim, a<br />
organização como texto é uma fonte de potencial utilidade para a pesquisa organizacional<br />
(HAZEN, 1993) e, particularmente, para a cultura organizacional (PUTNAM, PHILLIPS;<br />
CHAPMAN, 2004; THACHANKARY, 1996), pois, revela, como um calei<strong>do</strong>scópio,<br />
diferentes cores, fantasias, contradições, senti<strong>do</strong>s, significa<strong>do</strong>s, combinações, configurações<br />
que formam diferentes imagens, conforme a subjetividade <strong>do</strong>(s) escritor(es) e <strong>do</strong>(s) leitor(es).<br />
3. Procedimentos meto<strong>do</strong>lógicos<br />
O estu<strong>do</strong> insere-se na abordagem interpretativista (HATCH, 1997) e utiliza-se <strong>do</strong><br />
estu<strong>do</strong> de caso como estratégia e méto<strong>do</strong> de procedimento e da análise de discuso para<br />
explorar o senti<strong>do</strong> da comunicação (VERGARA, 2005). Neste estu<strong>do</strong>, pretende-se explorar as<br />
metáforas desenvolvidas e selecionadas por pesquisa<strong>do</strong>res para examinar a relação entre<br />
comunicação e organização, portanto, justifica-se o uso da análise de discurso por suas<br />
características principais, apontadas por Vergara (2005): (1) permite reconhecer não só o que<br />
se fala, mas como se fala; (2) permite identificar o mo<strong>do</strong> de interação entre os membros da<br />
organização; (3) tem o receptor como ponto-chave.<br />
Os procedimentos utiliza<strong>do</strong>s seguem as recomendações de Vergara (2005). O material<br />
considera<strong>do</strong> como fonte de da<strong>do</strong>s para a pesquisa foi: (1) a transcrição das entrevistas dadas<br />
pelos membros <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong> no DVD Alegria; (2) uma reportagem da Revista HSM<br />
Management, n,52, de 2005, “A Magia <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong>”; (3) uma reportagem da Revista<br />
Você SA ed.95, maio de 2006 “Respeitável leitor! Com você, os saltimbancos”; (4) uma<br />
reportagem da Revista Época, fevereiro de 2006, “Mágica”; e (5) informações<br />
disponibilizadas no website <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong>. A leitura <strong>do</strong> material teve como suporte teórico as<br />
quatro linhas metafóricas, que foram exploradas e permitiu a identificação das narrativas<br />
organizacionais de (a) performance; (b) de símbolos; (c) da voz; e (d) <strong>do</strong> discurso.<br />
4. Resulta<strong>do</strong>s e Discussão<br />
Essa seção divide-se em duas subseções. Na primeira subseção, apresentamos quatro<br />
narrativas organizacionais como resulta<strong>do</strong> da análise <strong>do</strong> material utiliza<strong>do</strong>. A segunda<br />
subseção propõe a metáfora “Polytheama” para análise das organizações.<br />
Narrativa 1: Contan<strong>do</strong> sua história: um espetáculo de gestão<br />
São diversos espetáculos em várias partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, alguns itinerantes, outros fixos.<br />
O elenco é composto por artistas de mais de 40 nacionalidades que encenam as apresentações<br />
influenciadas pelo teatro mambembe, pelo próprio mun<strong>do</strong> circense, pela ópera, pelo balé e<br />
pelo rock. O show, geralmente com elementos de uma história central aliada <strong>ao</strong> seu<br />
desenvolvimento e a seleção de um compositor para a música, é marca<strong>do</strong> pela criatividade.<br />
Há contorcionismo, malabarismo, palhaços e trapezistas, to<strong>do</strong>s com roupas coloridas e<br />
maquiagens. Demonstra traços medievais e barrocos. Os shows fazem uso de música <strong>ao</strong> vivo<br />
6
e a língua falada durante o espetáculo é o "Cirquish", um dialeto imaginário cria<strong>do</strong> pela<br />
companhia.<br />
Mais de 3800 funcionários, anuncia a empresa em seu website, para produzir<br />
espetáculos a público que supera a marca de 80 milhões de pessoas, em mais de duzentas<br />
cidades diferentes <strong>do</strong>s cinco continentes. Funda<strong>do</strong> pelo canadense Guy Laliberté, em 1984, o<br />
<strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> trouxe um novo conceito de entrenenimento quan<strong>do</strong> colocou no mesmo<br />
palco elementos tradicionais circenses combina<strong>do</strong>s com técnicas de produção modernas e<br />
sofisticadas <strong>do</strong> teatro e <strong>do</strong> balé. Nos anos 1982, Lalierté fazia parte de um grpo de jovens<br />
artistas de rua conheci<strong>do</strong> como Club des Talons Hauts, em Baie-Saint-Paul, no Quebec. Hoje,<br />
é responsável por um empreendimento <strong>do</strong> meio artístico, uma multinacional <strong>do</strong> circo com<br />
vendas anual superiores a U$ 600 milhões.<br />
O <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> está distante da antiga imagem <strong>do</strong>s picadeiros; não há animais<br />
amestra<strong>do</strong>s, não há números repeti<strong>do</strong>s e comuns <strong>do</strong>s espetáculos circenses, como, por<br />
exemplo, a mulher barbada ou o homem bala. O público é bem acomoda<strong>do</strong> em uma estrutura<br />
confortável para assistir <strong>ao</strong>s mais belos espetáculos.<br />
Como a idéia de circo transformou-se em um negócio milionário? Segun<strong>do</strong> as<br />
explicações de Renée Mauborgne (EPOCA, 2006), as respostas levam à criatividade: “O<br />
<strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> combinou as brincadeiras <strong>do</strong> circo tradicional com os altos valores de<br />
produção e a sofisticação intelectual <strong>do</strong>s teatros e balés para criar uma nova arte. [...] com ela,<br />
abriu um merca<strong>do</strong> desconheci<strong>do</strong>.” A empresa declara, em seu website: “A sua missão é<br />
despertar a imaginação, provocar os senti<strong>do</strong>s e suscitar as emoções das pessoas no mun<strong>do</strong><br />
inteiro”, disseminan<strong>do</strong> os valores que norteiam sua atuação, em várias dimensões<br />
organizacionais: Ao longo da sua evolução, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> optou por se envolver com os seres humanos<br />
e a coletividade, e atuar junto de um número cada vez maior de pessoas com o objetivo de<br />
ajudar a melhorar a qualidade de vida de to<strong>do</strong>s os seres humanos. O <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong><br />
procura conduzir-se de maneira a respeitar seus funcionários, parceiros, clientes, vizinhos e<br />
o meio abiente, bem como as leis e culturas de to<strong>do</strong>s os lugares onde está presente. Na<br />
realização de seus sonhos e nas suas atividades práticas, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> deseja<br />
posicionar-se na comunidade como um agente de mudança responsável. Este compromisso<br />
com a responsabilidade social é central para as estratégias de negócio e os méto<strong>do</strong>s de<br />
gestão da nossa organização. A cidadania global <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> está baseada na<br />
convicção de que as artes, o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s negócios e as iniciativas sociais podem trabalhar<br />
juntos para ajudar a criar um mun<strong>do</strong> melhor.(CIRQUE DU SOLEIL, 2009)<br />
Quanto <strong>ao</strong>s aspectos financeiros, de acor<strong>do</strong> com ÉPOCA (2006), os espetáculos têm<br />
lucros estima<strong>do</strong>s em U$ 100 milhões por ano. No ranking das marcas mais conhecidas no<br />
mun<strong>do</strong>, prepara<strong>do</strong> pela consultoria Interbrand, o <strong>Cirque</strong> aparece junto ou à frente <strong>do</strong><br />
McDonald’s, Microsoft e Disney (EPOCA, 2006). Para ilustrar a influência <strong>do</strong> sucesso da<br />
empresa, os <strong>do</strong>nos de hotéis de Las Vegas construíram teatros sob medida para as<br />
apresentações <strong>do</strong> grupo.<br />
Como é o gerenciamento de tu<strong>do</strong> isso? Não é um número de magia. Mas é um<br />
espetáculo. O <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> emprega as práticas gerenciais comuns das empresas<br />
contemporâneas. O valor <strong>do</strong> talento e <strong>do</strong> capital intelectual se sobrepõe <strong>ao</strong> valor das<br />
máquinas e fábricas. Riscos existem. Cada espetáculo, antes de entrar em cartaz, pode levar<br />
até três anos com ensaios e estu<strong>do</strong>s, exigin<strong>do</strong> investimentos de cerca de U$ 20 milhões. To<strong>do</strong><br />
ano, 70% <strong>do</strong>s lucros são investi<strong>do</strong>s em pesquisas e desenvolvimento de novos shows. Mesmo<br />
sem me<strong>do</strong> de arriscar, cada passo da empresa é calcula<strong>do</strong>. O <strong>Cirque</strong> demorou a apresentar-se<br />
no Brasil porque não teve uma das suas exigências atendidas. A empresa temia não ter<br />
público com dinheiro suficiente para pagar o alto preço <strong>do</strong>s ingressos. O circo gasta US$ 200<br />
mil toda vez que levanta uma tenda em uma cidade.<br />
7
O <strong>Cirque</strong> monta espetáculos únicos e produz tu<strong>do</strong>. Em 2007, o ateliê de guarda-roupa<br />
produziu mais de 20.000 peças, utilizan<strong>do</strong> mais de 20 km de teci<strong>do</strong>s por ano. Desde 1998, a<br />
equipe de confecção de calça<strong>do</strong>s fez ou adaptou cerca de 5000 pares de sapatos. Muitos<br />
acessórios exigem a invenção de ferramentas específcas e possui milhares de objetos de to<strong>do</strong>s<br />
os tipos que um especialista experiente pode transformar em algo completamente novo. Além<br />
<strong>do</strong>s shows, a empresa vende sua marca por meio de produtos, em várias categorias, na<br />
Boutique <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong>, em seu website, acessível a vários países. A empresa ganhou<br />
vários prêmios e distinções importantes desde sua criação.<br />
Quanto à gestão de pessoas, quase to<strong>do</strong>s os artistas passam por um perío<strong>do</strong> de treino<br />
artístico e acrobático no Studio de Criação. Os artistas vem de quarenta países e a empresa<br />
emprega cerca de 20 treina<strong>do</strong>res <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro para supervisionar os programas. A<br />
empresa a<strong>do</strong>ta práticas para conquistar e reter os melhores talentos, oferecen<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s artistas<br />
todas as ferramentas e condições necessárias para o trabalho.<br />
A organização, como narra<strong>do</strong>ra de sua própria história, enfatiza a valorização <strong>do</strong><br />
ambiente de trabalho, a igualdade e o respeito <strong>ao</strong> ser humano, disseminan<strong>do</strong> significa<strong>do</strong>s para<br />
serem compartilha<strong>do</strong>s (KAYE; JACOBSON, 1999; BOJE, 1991).<br />
O <strong>Cirque</strong> oferece oportunidades iguais de emprego a todas as pessoas e faz to<strong>do</strong> o possível<br />
para respeitar a individualidade e opiniões únicas de cada funcionário, parte integrante<br />
deste mosaico impressionante que é nossa equipa. Além disso, por causa da natureza de<br />
suas operações, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> quer posicionar-se como um modelo em termos de saúde<br />
e segurança no setor <strong>do</strong> entretenimento. Em reconhecimento da importante contribuição<br />
feita pelos seus funcionários, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> oferece vários programas para encorajar as<br />
artes, destacar o trabalho voluntário e promover projetos inova<strong>do</strong>res (CIRQUE DU<br />
SOLEIL, 2009)<br />
Em 2006, o grupo tinha 13 shows em cartaz <strong>ao</strong> mesmo tempo, em teatros ou roteiros<br />
itinerantes, to<strong>do</strong>s gerencia<strong>do</strong>s por pessoal treina<strong>do</strong> em Montreal, na sede que ocupa 32 mil<br />
metros quadra<strong>do</strong>s de área construída. Laliberté busca artistas e atletas, com a ajuda de<br />
olheiros, em jogos olímpicos, escolas de circo em Moscou, de contorcionismo na Mongólia,<br />
em festivais de artes em Nova York e até mesmo em teatros no Brasil. Os artistas<br />
seleciona<strong>do</strong>s ganham contratos de prazo longo e o grau de exigência é altíssimo, pois para<br />
Laliberté, a auto-superação e a sofisticação <strong>do</strong>s movimentos é o que os diferencia <strong>do</strong>s outros.<br />
Na gestão <strong>do</strong> negócio o <strong>Cirque</strong> utiliza-se <strong>do</strong> uso intensivo de tecnologia da informação<br />
para a manutenção de um banco de da<strong>do</strong>s com o nome de talentos e informações que vão<br />
desde a descrição das habilidades físicas <strong>do</strong>s artistas a imagens gravadas em vídeos de testes.<br />
Ao reunir atistas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro, pretende-se gerar idéias originais a partir de diferentes<br />
pontos de vistas. Assim, o <strong>Cirque</strong> reduz a equivocidade (WEICK, 1979) pela ação coordenada<br />
de mo<strong>do</strong> a evitar os equívocos origina<strong>do</strong>s das múltiplas interpretações.<br />
O meio ambiente está inclui<strong>do</strong> nos planos de gestão da empresa, como forma de<br />
legitimação (WEICK, 1979). Os padrões de organizar estão localiza<strong>do</strong>s nos textos que são<br />
preserva<strong>do</strong>s na estrutura social. Assim, as interações sociais <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> produzem práticas<br />
sociais e coordenam acor<strong>do</strong>s sociais sobre as politicas ambientais.<br />
No segun<strong>do</strong> semestre de 2006, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> a<strong>do</strong>tou uma política ambiental proativa<br />
baseada numa filosofia de desenvolvimento sustentável. Esta política tem três componentes<br />
principais: gestão da água, qualidade <strong>do</strong> ar e gestão de resíduos e materiais perigosos. Além<br />
disso, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> quer conscientizar os seus funcionários sobre os aspectos<br />
ambientais das suas operações, oferecer programas de treino para melhorar os<br />
conhecimentos técnicos nesta área e, através de suas ações, promover a proteção <strong>do</strong> meio<br />
ambiente. (CIRQUE DU SOLEIL, 2009).<br />
A storytelling da empresa está disseminada no seu website, enfatizan<strong>do</strong> as suas políticas<br />
de responsabilidade social, em uma ação legitima<strong>do</strong>ra de sua atuação perante o público<br />
(BOJE, 1991; VENDELO, 1998).<br />
8
1. Parceiros de negócios e fornece<strong>do</strong>res - No <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong>, esforçamos-nos para criar<br />
um diálogo contínuo com os nossos parceiros de negócios e fornece<strong>do</strong>res para nos<br />
assegurarmos de que partilham os nossos valores fundamentais e para encontrar soluções de<br />
negócios economicamente viáveis e socialmente responsáveis. Para alcançar esta meta, nós<br />
incluímos elementos de responsabilidade social nos nossos contractos com os parceiros e<br />
fornece<strong>do</strong>res. Por exemplo, atuação social, condições de trabalho para os trabalha<strong>do</strong>res<br />
temporários e uma cláusula sobre o trabalho infantil. Além disso, concordamos sobre a<br />
necessidade de a<strong>do</strong>tar uma política de aprovisionamento ética que inclui uma série de<br />
medidas criadas para garantir que os produtos que comercializamos e aqueles que<br />
compramos sejam fabrica<strong>do</strong>s em condições que respeitem os direitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e o<br />
meio ambiente.<br />
2. Relações com a comunidade - Desde 1989, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> reserva 1% <strong>do</strong>s seus<br />
lucros anuais para programas de ação social e cultural. Como parte <strong>do</strong> seu objetivo de ser<br />
um agente de mudança responsável, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> instalou os seus estúdios de criação<br />
no bairro de Saint-Michel, uma área de Montreal considerada como uma das mais delicadas<br />
<strong>do</strong> Canadá. Desde então, a organização tem colabora<strong>do</strong> em muitos programas e projetos no<br />
bairro e na cidade inteira.<br />
3. Atuação social e cultural - Ten<strong>do</strong> escolhi<strong>do</strong> encorajar o potencial <strong>do</strong>s jovens, o <strong>Cirque</strong><br />
du <strong>Soleil</strong> tem adquiri<strong>do</strong> experiência e liderança internacionais na área de circo social. Desde<br />
1995, o programa Circo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> oferece <strong>ao</strong>s jovens uma oportunidade de viver uma<br />
experiência pessoal positiva que pode agir como catalisa<strong>do</strong>r. A abordagem educacional <strong>do</strong><br />
programa Circo <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> é uma combinação de artes circenses e atuação social. Nos<br />
locais <strong>do</strong>s nossos espectáculos fixos e itinerantes, o <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> realiza muitas oficinas<br />
e encontros com parceiros locais. Além disso, várias organizações e programas sociais são<br />
ajuda<strong>do</strong>s pelo programa de apresentações beneficentes <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong>. Além disso, o<br />
<strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> é um membro ativo da comunidade artística e apoia artistas e organizações<br />
artísticas de várias maneiras (CIRQUE DU SOLEIL, 2009).<br />
Como Vendelo (1998) sugere, o <strong>Cirque</strong> utiliza-se da storytelling como mecanismo<br />
para legitimação da organização e garantia de sua reputação como empresa socialmente<br />
responsável cuja trajetória é marcada pela criatividade, emoções, magia, sucesso e constante<br />
inovação. A narrativa <strong>do</strong>s aspectos históricos, contextuais e estruturais <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong>,<br />
visan<strong>do</strong> caracterizar as dimensões da gestão desse tipo de empreendimento não se distancia da<br />
representação <strong>do</strong> que seja uma empresa em suas dimensões estruturais e físicas.<br />
Narrativa 2 - A arte de lidar com para<strong>do</strong>xos: disciplina e inspiração<br />
O primeiro texto analisa<strong>do</strong> é a entrevista de Bernard Lavallard, concedida à Revista<br />
Voce SA (VOCE SA, 2006). A narrativa de Bernard Lavallard, um <strong>do</strong>s membros-funda<strong>do</strong>res<br />
da equipe de treina<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong>, é <strong>do</strong>tada de um simbolismo altamente subjetivo e pessoal:<br />
“Meus aparelhos eram as argolas e o cavalo. Meu entusiasmo era imenso. Eu tinha o cabelo<br />
raspa<strong>do</strong> feito um solda<strong>do</strong>, sabe como é?.”. As pessoas criam sua própria realidade individual<br />
em coordenação com outras; não são observa<strong>do</strong>res passivos, mas parceiros ativos na criação<br />
de suas experiências, atribuin<strong>do</strong> valores e significa<strong>do</strong>s à organização:<br />
No final <strong>do</strong>s anos 60, aban<strong>do</strong>nei a vida esportiva para virar palhaço! Meu pai ficou dana<strong>do</strong>!<br />
Mas era o que eu queria fazer. Era o espírito daquela época. Aí, conheci os funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
<strong>Cirque</strong> - claro, isso foi anos antes de a trupe nascer oficialmente-, que eram iguaizinhos, de<br />
cabeça aberta e espírito livre. Mas eram também muito dedica<strong>do</strong>s e disciplina<strong>do</strong>s - e tinham<br />
um sonho. Queriam criar algo especial, grande, novo. E a energia deles era contagiante!<br />
(VOCE SA, 2006)<br />
A liberdade e a ordem são colocadas como uma capacidade que a empresa tem em<br />
lidar com os para<strong>do</strong>xos. É ilustrativo <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como as pessoas, muitas vezes, agem conforme<br />
os aspectos <strong>do</strong> para<strong>do</strong>xo, mesmo que situações assim causem tensões e sensação de paralisia<br />
(PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 2004). Bernard reforça essa conformiade <strong>ao</strong> enfatizar a<br />
inovação como símbolo <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong>:<br />
9
A gente não queria ficar nos exercícios de solo. Queríamos o inusita<strong>do</strong>, o inimaginável!<br />
Para isso, tínhamos de fazer inovações que mais ninguém estivesse tentan<strong>do</strong>. O <strong>Cirque</strong><br />
precisava de um técnico de ginástica, para proporcionar uma maior intensidade, entusiasmo<br />
e precisão às suas apresentações (VOCE SA , 2006).<br />
Na narrativa, Bernard ilustra a organização como um coro de vozes de seus membros,<br />
vozes diferentes, e o acesso a voz, em que os processos têm características de participação<br />
coletiva, da democratização <strong>do</strong> local de trabalho.<br />
Ih, a gente discutia por causa de quase tu<strong>do</strong>. Como seria o figurino, que atletas contratar, se<br />
deveriam virar à esquerda ou à direita, se íamos usar um refletor ou um holofote. Mas a<br />
questão é justamente essa: nós conversávamos sobre tu<strong>do</strong>. A primeira idéia que nos vinha à<br />
cabeça nunca era a última. E as idéias evoluíam, combinavam-se com outras, até ficarem<br />
mais originais, mais criativas. Aí, quan<strong>do</strong> ficava pronto, nunca dava para saber de quem<br />
tinha si<strong>do</strong> a idéia -- mas, também, pouco importava (VOCE SA, 2006).<br />
Ilustra, ainda, como os membros da organização se sentem captura<strong>do</strong>s numa história,<br />
participam <strong>do</strong> drama e acabam por se identificarem com os dramas representa<strong>do</strong>s: “Eu sabia<br />
que a inspiração de muitos artistas vem de idéias e acontecimentos totalmente desvincula<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> seu campo de atuação - e fiquei impressiona<strong>do</strong> com o quanto eu tinha me isola<strong>do</strong> na minha<br />
própria vida, o quanto eu havia corta<strong>do</strong> o contato com interesses externos, que poderiam<br />
ampliar os limites <strong>do</strong> meu pensamento”.<br />
Novamente, a capacidade de o <strong>Cirque</strong> lidar com para<strong>do</strong>xos é enfatizada “A<br />
transformação das idéias em números - Com prazos! Claro que eles sempre são aperta<strong>do</strong>s,<br />
mas, sem eles, a mente perde o foco. O prazo, por outro la<strong>do</strong>, faz com que a mente, em<br />
pânico, comece a produzir idéias malucas que nunca viriam à tona de outro mo<strong>do</strong>” e<br />
reforçada: “Se você tem <strong>do</strong>is dias para criar uma transição de um número de trapézio para o<br />
trampolim, você vai pensar em algo!” (VOCE SA , 2006). Nesse caso, entendemos que o<br />
para<strong>do</strong>xo criação x controle não foi trata<strong>do</strong> com conformidade nem de forma a enfrentar o<br />
problema, mas vislumbramos a reconfiguração da experiência transforman<strong>do</strong> a situação<br />
para<strong>do</strong>xal.<br />
O que mais atrapalha, segun<strong>do</strong> Bernard, são os aspectos burocráticos. Nesse trecho da<br />
narrativa, encontramos a ironia como uma resposta às contradições e situações para<strong>do</strong>xais.<br />
Papelada! -- exclamou ele agitan<strong>do</strong> o punho, simulan<strong>do</strong> irritação. -- É um tremen<strong>do</strong><br />
obstáculo para nós. Estamos crescen<strong>do</strong> tão rápi<strong>do</strong> que parece que sempre precisamos de<br />
mais umas regrinhas aqui, mais um pouco de papel ali. Afinal, temos 3 000 pessoas<br />
trabalhan<strong>do</strong> aqui agora. Mas também precisamos ter muito cuida<strong>do</strong>, pois cada novo nível<br />
gerencial, cada nova regra ou formulário atrapalha. Eles acabam com a mágica, cortam a<br />
eletricidade da inspiração. Com restrições em excesso, você pára de pensar no que pode<br />
fazer e começa a pensar no que não dá para fazer. Picasso não pediu a autorização <strong>do</strong><br />
departamento jurídico para começar a pintar a Guernica, não é? (VOCE SA , 2006).<br />
Bernard finaliza o trecho tecen<strong>do</strong> um comentário irônico como reconhecimento da<br />
natureza contraditória <strong>do</strong> ato de organizar, ilustran<strong>do</strong> que comunicação como interpretação<br />
organizacional permite que os membros respondam <strong>ao</strong>s para<strong>do</strong>xos. A ironia e o para<strong>do</strong>xo<br />
causam comportamentos que vão desde tensões, conformidade e confronto (PUTNAM;<br />
PHILLIPS; CHAPMAN, 2004); nesse caso, evidencia-se a conformidade.<br />
Ao final da reportagem, a narrativa da diretora artística Charina desempenha o papel<br />
de acentuar a identificação organizacional e os compromissos interpessoais.<br />
Sempre que alguém não vai participar <strong>do</strong> espetáculo daquela noite, seja por alguma lesão<br />
ou apenas porque precisa de uma noite de folga, eu lhe <strong>do</strong>u um ingresso para que possa ver<br />
o que os especta<strong>do</strong>res vêem todas as noites. (...) O artista senta <strong>ao</strong> la<strong>do</strong> de uma senhora que<br />
está ven<strong>do</strong> o show pela primeira vez e entende por que ela está <strong>ao</strong>s prantos no final da<br />
apresentação. Finalmente vêem aquilo pelo qual estão trabalhan<strong>do</strong> -- por que estão suan<strong>do</strong>,<br />
treinan<strong>do</strong> e ensaian<strong>do</strong> com tanto empenho. Antes disso, só se preocupam com o seu próprio<br />
número, com o seu papel; não percebem que é o conjunto -- o espetáculo como um to<strong>do</strong>,<br />
10
com todas as partes que o compõem -- que é tão emocionante. Uma noite na platéia é capaz<br />
de transformar os próprios artistas. (...) Aqui em Montreal é a mesma coisa. Se os<br />
cozinheiros, gerentes, recepcionistas não descem para assistir a um ensaio de vez em<br />
quan<strong>do</strong>, acabam esquecen<strong>do</strong> pelo que estão trabalhan<strong>do</strong>(VOCE SA , 2006).<br />
A narrativa <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong>, de acor<strong>do</strong> com a metáfora da perfomance, ilustra como a<br />
comunicação é a ramificação de um processo colaborativo em que interações sociais e<br />
simbólicas são dinâmicas, reflexivas e simultâneas (PUTNAM, CHAPMAN, PHILLIPS,<br />
2004). O ato de assistir <strong>ao</strong> espetáculo <strong>ao</strong> la<strong>do</strong> da platéia, por parte <strong>do</strong>s artistas e funcionários,<br />
desempenha um papel fundamental na manutenção da infra-estrutura organizacional,<br />
configuran<strong>do</strong>-se como um ritual (PUTNAM, CHAPMAN, PHILLIPS, 2004) ou um ato<br />
comunicativo com a platéia que potencializa o ato de organizar.<br />
Narrativa 3 - A narrativa <strong>do</strong>s membros: a metáfora da familia – sonho e magia<br />
Um reino sem rei. E é na ausência de um monarca que se inicia a luta pelo poder.<br />
To<strong>do</strong>s querem o poder, independente de como ou onde estejam. No enre<strong>do</strong> principal,<br />
perseguições, lutas, sedução estão presentes. A platéia, em silêncio, assiste atentamente <strong>ao</strong><br />
espetáculo cheio de tramas e perfomances estonteantes. O texto é uma mensagem de<br />
esperança e perseverança: é uma volta <strong>ao</strong> nosso passa<strong>do</strong> e um olhar para as grandes<br />
possibilidades <strong>do</strong> nosso futuro. Essa é uma referência a Alegria, um <strong>do</strong>s muitos espetáculos<br />
<strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong>.<br />
O segun<strong>do</strong> corpus analisa<strong>do</strong> é a transcrição da entrevista que Jamie <strong>Du</strong>rie fez com os<br />
membros <strong>do</strong> espetáculo Alegria no DVD <strong>do</strong> mesmo show. O apresenta<strong>do</strong>r inicia a narrativa<br />
voltan<strong>do</strong> no tempo, atribuin<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> de sonho e magia que acompanha a atividade<br />
circense.<br />
Até onde posso me lembrar... sempre pensava em fugir e me juntar <strong>ao</strong> circo. Mas nem nos<br />
meus maiores sonhos eu poderia imaginar... que algo tão mágico existia. Olá eu sou Jamie<br />
<strong>Du</strong>rie, e benvin<strong>do</strong>s <strong>ao</strong> mun<strong>do</strong> maravilhoso <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong>, onde há uma mistura<br />
balanceada de roupas espetaculares, dança, acrobacias e teatro de primeira linha. E, devo<br />
acrescentar nenhum animal. Será uma experiência que levarão pra sempre consigo. Na<br />
próxima hora, sentem-se e relaxem, e deixe-me acompanhá-los em uma viagem. Uma<br />
viagem até o mun<strong>do</strong> chama<strong>do</strong> Alegria.<br />
A narrativa <strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong>r enfatiza a importância <strong>do</strong>s aspectos interacionais que dão<br />
sustentação <strong>ao</strong>s objetivos da empresa, insinuan<strong>do</strong> ser um espetáculo “especial” para um<br />
público “especial”, até mesmo, para um mun<strong>do</strong> “especial”. Os membros <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> são uni<strong>do</strong>s<br />
por um laço especial, como aquele que une uma família no enfrentamento <strong>do</strong>s desafios<br />
cotidianos, assim como Souza (1997) evidenciou <strong>ao</strong> pesquisar a Amway e sua estratégia de<br />
fusão <strong>do</strong>s tempos de convívio social e de trabalho, colocan<strong>do</strong> na mesma esfera a vida<br />
econômica e a vida familiar.<br />
Hoje é uma noite especial, não só para mim, mas para vocês também. Pois hoje vamos ver<br />
os basti<strong>do</strong>res de Alegria... onde conhecerão um grupo sensacional uni<strong>do</strong> por um laço<br />
especial. Estas pessoas lidam com facilidade com os problemas da vida na estrada. Viajam<br />
de cidade a cidade, com apenas uma mala. Alguns ainda com filhos pequenos. Mas<br />
conseguem fazer um espetáculo especial todas as noites... espetáculo após espetáculo, noite<br />
após noite.<br />
O apresenta<strong>do</strong>r atribui <strong>ao</strong> <strong>Cirque</strong> características de inovação, desempenho, audácia,<br />
talento e sucesso. Na sua narrativa, apresenta o herói, Guy Laliberté: “Um <strong>do</strong>s visionários <strong>do</strong><br />
começo era Guy Laliberté”, um jovem que “se apresentava na rua, comia fogo e andava em<br />
pernas de pau. Arma<strong>do</strong> com nada mais que idéias e pura audácia... ele convenceu o governo<br />
de Quebec a financiar seu circo pequeno, mais popular. E o resto, como dizem, é história.”<br />
Na narrativa, o nome <strong>do</strong> espetáculo Alegria é associa<strong>do</strong> <strong>ao</strong> sentimento <strong>do</strong>s artistas,<br />
enfatizan<strong>do</strong> a relação entre a exaltação e o esforço para alcançar o sucesso: “Alegria é uma<br />
11
palavra que sugere exaltação e júbilo. Acho que é exatamente o que os artistas sentem...<br />
sempre que estão no palco. É preciso muito trabalho duro e dedicação... para chegar a esse<br />
nível de apresentação. Assim, por trás das rotinas perfeitas há horas e horas... de treinamento<br />
<strong>do</strong> corpo e ensaios”. O próprio nome <strong>do</strong> espetáculo é um aspecto simbólico na narrativa.<br />
O depoimento de Anna Shelper, trapezista, insere-se na narrativa <strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong>r<br />
confirman<strong>do</strong> que a empresa é responsável pela realização <strong>do</strong> seu sonho de ser bem sucedida:<br />
“Parece que... realizei meu sonho de ser uma ótima trapezista. Para mim, este sempre foi o<br />
objetivo e o sonho. Trabalhar no <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> é como um bônus. É confirmação de que<br />
sou boa o bastante para estar nessa companhia”. Esse trecho evidencia como a construção de<br />
identidade (GABRIEL, 1995) é um processo de produção narrativa entre um ator e uma<br />
audiência.<br />
O apresenta<strong>do</strong>r entrevista Kristina Inanova, contorcionista, para abordar a relação de<br />
trabalho com membros da família. O depoimento da contorcionista ilustra que a realidade<br />
objetiva (o <strong>Cirque</strong> admite famílias) se traduz na realidade simbólica (o <strong>Cirque</strong> é uma família):<br />
“A<strong>do</strong>ro viajar com minha família. To<strong>do</strong>s estão comigo. Se preciso de algo, eles sempre<br />
ajudam. Meu pai também está no espetáculo. A<strong>do</strong>ro isso. Meu irmão nasceu há apenas um<br />
ano. Ele é bem pequeno”.<br />
A improvisação ocorre durante o espetáculo, que é o produto da empresa. Ebon<br />
Grayman, ator <strong>do</strong> personagem principal “bobo <strong>do</strong> rei”, afirma que há muita improvisação no<br />
decorrer da noite: “Este tipo de personagem é... por isso gosto tanto <strong>do</strong> personagem, porque<br />
posso improvisar. Se algo não sai <strong>do</strong> jeito certo posso inventar para consertar. É um<br />
personagem versátil”<br />
As narrativas <strong>do</strong>s artistas são <strong>do</strong>tadas de simbolismo e metáforas. “Se os artistas são o<br />
coração <strong>do</strong> circo, a música é a alma”, afirma Francesca Ganon, cantora <strong>do</strong> espetáculo. Na sua<br />
narrativa, os símbolos, o imaginário, a magia, marcam a sua atuação: “Sempre que canto no<br />
espetáculo, é como a primeira vez. Tu<strong>do</strong> é tão lin<strong>do</strong> <strong>ao</strong> meu re<strong>do</strong>r, as luzes... e to<strong>do</strong>s dão o seu<br />
melhor para o espetáculo. Sempre que canto essa música... eu me sinto muito feliz, pois a<strong>do</strong>ro<br />
a música”. A música é Bambolê. “Ela é uma garota linda... e usamos um idioma imaginário<br />
nesta canção. Temos letras para todas as canções, exceto esta.”<br />
O apresenta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> DVD continua sua narrativa introduzin<strong>do</strong>-se nos aspectos da<br />
gestão, levantan<strong>do</strong> os desafios específicos <strong>do</strong> setor e como a empresa lida com os mesmos.<br />
A logística por trás <strong>do</strong> circo é impressionante. Mais de oitocentas toneladas de<br />
equipamentos... que enchem setenta contêiners. Com mais de 140 pessoas na equipe, 56<br />
artistas... 3 cozinheiros, 4 professores, 2 fisioterapeutas... e uma grande lona com<br />
capacidade para 2500 pessoas. A maioria <strong>do</strong>s artistas passa muitos meses longe de casa e de<br />
entes queri<strong>do</strong>s. Fazer com que a vida na estrada seja mais normal possível é vital. Educação<br />
é a grande prioridade para os filhos <strong>do</strong>s artistas e os artistas em idade escolar. Eles parecem<br />
enfrentar a dureza das obrigações <strong>do</strong> espetáculo e da escola embora nem to<strong>do</strong>s os<br />
estudantes queiram uma carreira no circo.<br />
Outros aspectos da gestão e seus desafios são reforça<strong>do</strong>s pelo narra<strong>do</strong>r: “Após ensinar<br />
jazz por vinte anos como é tomar conta de 56 artistas e contorcionistas? Deve ser difícil...”. A<br />
resposta é dada por Ria Martens, coordena<strong>do</strong>ra artística <strong>do</strong> Alegria, cuja voz se diferencia das<br />
demais pelo seu víes matriarcal.<br />
É diferente. É mais dirigir e administrar 56 artistas. Vejo como a continuação da minha<br />
carreira. É muito mais elabora<strong>do</strong> trabalhar com essas pessoas talentosas... Pois eles são<br />
mais acrobatas <strong>do</strong> que artistas. É onde está o desafio para mim, fazê-los serem mais artistas.<br />
Ensiná-los a fazer com qualidade quan<strong>do</strong> estiverem no palco. Uma grande parte <strong>do</strong> meu<br />
trabalho é vigiar os conceitos. Pois “Alegria” foi concebi<strong>do</strong> em Montreal por uma equipe de<br />
criação. Preciso manter a linha.<br />
A coordena<strong>do</strong>ra artística declara como ela se vê no espetáculo: “Eu me considero<br />
quase tu<strong>do</strong>. Eu tento estar com eles pois acredito que... se a pessoa está feliz consigo mesma<br />
12
ela terá um ótimo desempenho”. O apresenta<strong>do</strong>r termina a entrevista com Ria Martens<br />
fazen<strong>do</strong> uma pergunta: “Você é como a mãe de Alegria?” A resposta reforça a metáfora da<br />
“família real” “Sim, também. Com muitos filhos é como uma grande família, pois há altos e<br />
baixos. Há muita diversão e, às vezes, momentos tristes. To<strong>do</strong>s nós o sentimos”. O<br />
simbolismo <strong>do</strong> tapete vermelho como um ritual tradicional, e os sentimentos comuns de uma<br />
família que se reúnem em torno dele, são presentes na narrativa, bem como a voz diferente,<br />
também pelo seu viés matriarcal: “Um tapis rouge é basicamente um ‘tapete vermelho’. Em<br />
to<strong>do</strong>s os sete espetáculos <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> temos um “tapete vermelho” na tenda artística.<br />
É uma tradição. Toda semana o diretor artístico se reúne com to<strong>do</strong>s os artistas é chama<strong>do</strong> de<br />
‘tapete vermelho’ porque se sentavam nele”.<br />
Evidenciamos no texto analisa<strong>do</strong> um conjunto de símbolos: narrativas, metáforas, ritos<br />
e rituais, revelan<strong>do</strong> a que a comunicação e a organização se relacionam entre si como um<br />
processo de produção. Retoman<strong>do</strong> os dizeres de Putnam, Chapman e Phillips (2004), os<br />
símbolos são os meios pelos quais o ato de organizar é realiza<strong>do</strong>.<br />
Narrativa 4 - Improvisação e organização na gestão: o espetáculo como negócio<br />
O terceiro texto analisa<strong>do</strong> está publica<strong>do</strong> na Revista HSM, n.52, em 2005. O texto é de<br />
uma jornalista, cuja narrativa configura a organização tornan<strong>do</strong>-se quadro de referência para<br />
os diversos públicos interpretarem as ações da organização. A narrativa tem início<br />
caracterizan<strong>do</strong> o contraste entre a paisagem inócua e o brilho <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong>: “É início de<br />
primavera, e, apesar da paisagem ainda cinzenta, bandeirinhas coloridas flamejam no alto das<br />
tendas listradas de azul e amarelo”. A capacidade de improvisão por meio de ações<br />
coordenadas faz parte da narrativa: “Uma longa fila de automóveis avança pelo<br />
estacionamento improvisa<strong>do</strong> no descampa<strong>do</strong> <strong>ao</strong> re<strong>do</strong>r e uma multidão de crianças, jovens e<br />
adultos chega a pé para assistir à sessão vespertina de Corteo[...]”.<br />
A narrativa prossegue enfatizan<strong>do</strong> a gestão <strong>do</strong> espetáculo, uma gestão capaz de<br />
surpreender o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s negócios. A atividade circense, em declínio, nunca recebeu grande<br />
interesse por parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s negócios. Porém, o <strong>Cirque</strong> caminha em direção oposta, e<br />
tornou-se um case nas melhores escolas de negócios <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. A estrutura organizacional <strong>do</strong><br />
<strong>Cirque</strong> tem uma diretoria-geral de espetáculos, responsável pelas operações, estratégia e<br />
rentabilidade, sob o coman<strong>do</strong> de Michael Bolingbroke, que explica o negócio: “Somos, acima<br />
de tu<strong>do</strong>, cria<strong>do</strong>res de conteú<strong>do</strong>. Comercializamos nosso conteú<strong>do</strong> em 11 espetáculos, alguns<br />
itinerantes e outros com sede permanente. Os primeiros demandam uma operação logística<br />
complexa; os segun<strong>do</strong>s implicaram a escolha <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s certos e o estabelecimento de<br />
alianças com outras empresas”.<br />
To<strong>do</strong>s os espetáculos itinerantes são dirigi<strong>do</strong>s e supervisiona<strong>do</strong>s por uma equipe de<br />
Montreal e obedecem a um cronograma preciso, o que evidencia caracteristicas da<br />
organização burocrática. “Numa turnê, ficamos entre cinco e seis semanas numa cidade;<br />
geralmente terminamos uma apresentação no <strong>do</strong>mingo e, dez dias depois, tu<strong>do</strong> já está pronto<br />
para uma nova apresentação em outra localidade”. A ordem e a disciplina são reforçadas na<br />
narrativa, bem como o enfrentamento de desafios comuns no mun<strong>do</strong> empresarial. A logística<br />
das turnês é de natureza complexa, explica o diretor: “Nada menos que 80 caminhões são utiliza<strong>do</strong>s<br />
para transportar tendas, cenários, figurinos e ferramentas. E, além de montar e<br />
desmontar as estruturas em cada evento desses, é preciso lidar com questões como visto de<br />
entrada, idioma, leis, moeda e demais diferenças culturais para 150 pessoas”.<br />
Os espetáculos permanentes são apresenta<strong>do</strong>s nas cidades de Las Vegas e Orlan<strong>do</strong>,<br />
nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Esses espetáculos têm um corpo próprio de artistas e o <strong>Cirque</strong> faz<br />
alianças com a MGM Mirage, em Las Vegas, e com a Disney, em Orlan<strong>do</strong>, que se<br />
encarregam da construção ou adaptação <strong>do</strong>s espaços para exibição. O merca<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du<br />
<strong>Soleil</strong> é um “oceano azul” (KIM; MAUBORGNE, 2005), pois houve a reinvenção <strong>do</strong><br />
13
negócio <strong>do</strong> circo. Ainda que seus espetáculos conservem alguns elementos típicos (como a<br />
tenda, os palhaços e os acrobatas), deixaram de la<strong>do</strong> outros (números com animais), dan<strong>do</strong><br />
ênfase à música, <strong>ao</strong> figurino e à cenografia.<br />
O fato de não trabalhar com animais reduz os custos com seus cuida<strong>do</strong>s, além de<br />
evitar as críticas <strong>do</strong>s defensores de seus direitos. Como resulta<strong>do</strong> dessa estratégia, a<br />
companhia atraiu um público que não era especta<strong>do</strong>r de circo, implementou um modelo de<br />
negócio difícil de imitar e obteve para sua marca um grau de conhecimento dura<strong>do</strong>uro<br />
utilizan<strong>do</strong>-se da metáfora <strong>do</strong> discurso que permite o envio de mensagens a um público<br />
específico. Mais que cálculos precisos e fórmulas revela<strong>do</strong>ras, os critérios <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du<br />
<strong>Soleil</strong> evidenciam histórias, paixões e sonhos como o de percorrer o mun<strong>do</strong> e se divertir<br />
fazen<strong>do</strong> isso. Surge nesse momento da narrativa, a figura <strong>do</strong> herói: “Esse foi o sonho de Guy<br />
Laliberté, um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res da companhia”.<br />
Na metáfora da voz, as questões de poder e significa<strong>do</strong> conectam-se com a<br />
comunicação. Algumas vozes tem mais força que outras (PUTNAM, CHAPMAN; PHILIPS,<br />
2004), como é o caso da voz <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r, quan<strong>do</strong> a saga <strong>do</strong> herói é narrada: “Laliberté não<br />
nasceu em família de artistas. Filho de um executivo e uma enfermeira, aban<strong>do</strong>nou os estu<strong>do</strong>s<br />
secundários e a cidade natal, Québec, e viajou para a Europa. Lá se divertiu aprenden<strong>do</strong> a<br />
técnica de engolir fogo e percorreu o velho continente financian<strong>do</strong>-se como artista<br />
mambembe”. Quan<strong>do</strong> voltou <strong>ao</strong> Canadá, em 1982, entrou em contato com acrobatas e atores<br />
<strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> de Baie-Saint-Paul e juntos formaram o Le Club des Talons Hauts (o clube <strong>do</strong>s<br />
saltos altos, em alusão às pernas de pau usadas em alguns números), que fazia espetáculos<br />
abertos em praças públicas.<br />
O <strong>Cirque</strong> tem um organograma no qual a união entre o artístico e o comercial se<br />
reflete. Além <strong>do</strong>s departamentos tradicionais-marketing, recursos humanos, compras, finanças<br />
e assuntos legais, há outros igualmente relevantes: (1) Criação: é responsável pela concepção<br />
<strong>do</strong>s espetáculos; (2) Produção: encarrega-se da confecção de vestuário, assim como da<br />
construção de cenografias, tendas e ferramentas; (3) Shows: cuida das operações relacionadas<br />
com os espetáculos, como os acor<strong>do</strong>s com sócios de negócios; (4) Qualidade de shows:<br />
ocupa-se <strong>do</strong> casting e de garantir a alta qualidade artística <strong>do</strong>s intérpretes; (5) Produtos<br />
artísticos: é responsável pela criação de números acrobáticos; (6) Multimídia: comercializa<br />
DVDs e filmes; (7) <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> Musique: cuida da venda de CDs com as trilhas sonoras<br />
<strong>do</strong>s espetáculos; (8) Merchandising: vende roupas e acessórios com o logo <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du<br />
<strong>Soleil</strong>; (9) Novos empreendimentos: encarrega-se da criação de conteú<strong>do</strong> para terceiros.<br />
A gestão <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> tem padrões de controle e usa técnicas modernas de gestão, como<br />
a terceirização. A única exceção é a diretoria de criação, que pertence à companhia e atua<br />
como seu media<strong>do</strong>r com os terceiriza<strong>do</strong>s e com os funcionários contrata<strong>do</strong>s para a produção<br />
<strong>do</strong> figurino e <strong>do</strong>s cenários, entre outras tarefas. Depois da estréia <strong>do</strong> espetáculo, a célula de<br />
terceiriza<strong>do</strong>s se dissolve e um diretor artístico, contrata<strong>do</strong> pela companhia, assume o<br />
gerenciamento. Tanto na criação como nas etapas posteriores de um espetáculo, o casting<br />
cumpre uma função vital. As 40 pessoas que se ocupam dessa tarefa devem encontrar<br />
substitutos para 150 artistas por ano e procurar os protagonistas <strong>do</strong> espetáculo seguinte. Além<br />
disso, da<strong>do</strong> que alguns números são idealiza<strong>do</strong>s para pessoas com habilidade específica, é<br />
preciso viajar pelo mun<strong>do</strong> para encontrar as que se ajustam <strong>ao</strong> papel.<br />
Embora a maior parte da renda da companhia venha da venda de ingressos, 25% vem<br />
<strong>do</strong> patrocínio e de negócios secundários, como venda de CDs e DVDs, produção de<br />
programas televisivos sobre os espetáculos e criação de conteú<strong>do</strong> para terceiros. Outro<br />
negócio é atuar como terceiriza<strong>do</strong>, ou seja, a companhia fez um convênio com a empresa de<br />
cruzeiros Celebrity, que vem investin<strong>do</strong> para oferecer experiências diferentes <strong>ao</strong>s passageiros<br />
de seus navios.<br />
14
Na área de Gestão de Pessoas, Guy Laliberté, que cultiva um perfil rigorosamente<br />
simples, sempre se diferenciou por combinar arte e negócios em sua visão da companhia. “A<br />
parte artística é desorganizada e nada funcional. A comercial, por outro la<strong>do</strong>, é ordenada”. Ao<br />
longo <strong>do</strong> tempo, a organização desenvolveu uma cultura que perpetua a personalidade de seu<br />
funda<strong>do</strong>r, caracterizada pela tensão entre o comercial e o artístico.<br />
O coração que mantém o sistema funcionan<strong>do</strong> bate no denomina<strong>do</strong> “Centro Internacional”,<br />
onde trabalham metade <strong>do</strong>s funcionários: desde os mais altos executivos e o<br />
pessoal administrativo até carpinteiros, treina<strong>do</strong>res artísticos e físicos, costureiros e sapateiros.<br />
Ele é constituí<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is setores. O primeiro, mais antigo, abriga os estúdios de treinamento,<br />
espaços similares a hangares por suas grandes dimensões, nos quais há somente alguns<br />
trapézios, um tanque cheio de cubos de borracha e cordas que caem <strong>do</strong> teto. No segun<strong>do</strong>,<br />
estão as salas <strong>do</strong>s executivos e os ateliês encarrega<strong>do</strong>s da confecção de vestuário e da<br />
cenografia, funções que nunca foram delegadas a terceiros.<br />
Na ala antiga, aproximadamente 50 jovens, subdividi<strong>do</strong>s em grupos, fazem exercícios<br />
de aquecimento às 9 horas <strong>ao</strong> ritmo de música eletrônica. Eles têm em torno de 20 anos e<br />
recebem um treinamento geral, ainda não sabem a quem substituirão ou se farão parte de um<br />
novo espetáculo. Ao meio-dia, a lanchonete fica repleta de atletas, atores, técnicos,<br />
treina<strong>do</strong>res e funcionários administrativos, to<strong>do</strong>s vesti<strong>do</strong>s de maneira informal. Somente se<br />
distinguem os artistas e ginastas <strong>do</strong>s funcionários de apoio pelas meias de dança, ou porque<br />
falam em algum <strong>do</strong>s 25 idiomas usa<strong>do</strong>s na sede da empresa, onde há pessoas de 40 países<br />
diferentes. Na ala nova, a produção se divide em três setores - sapatos, roupas e chapéus–,<br />
porque cada um requer cuida<strong>do</strong>s específicos.<br />
“Uma curiosidade: vista <strong>do</strong> exterior, a sede <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong> em Montreal se assemelha<br />
a um típico edifício de escritórios. Não há cartazes nem bandeirinhas. Somente a<br />
escultura de bronze de um sapato de palhaço, solitária e modesta, representa as duas<br />
características essenciais <strong>do</strong> circo: andar e entreter”.Assim encerra-se a narrativa da mídia<br />
sobre a gestão <strong>do</strong> espetáculo no <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong>.<br />
Além <strong>do</strong> espetáculo: Polytheama, um palco de diversas manifestações<br />
A palavra Polytheama, de origem grega, (poly = muitos e Thema = espetáculos), ou<br />
politeama, teve seu significa<strong>do</strong> estendi<strong>do</strong> para referir-se <strong>ao</strong> teatro que oferece grande<br />
variedade de espetáculos, como: peças teatrais, cinemas, musicais, circos e outras<br />
apresentações artísticas e culturais. Nesse senti<strong>do</strong>, politeama é um espaço em que se apresenta<br />
uma diversidade de especialistas, culturas, línguas, símbolos, sons, imagens, cenas, vozes e<br />
textos.<br />
O <strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong> é uma organização que não prescinde da gestão e de suas<br />
contradições peculiares. Entender uma organização como um espaço no qual se apresenta<br />
uma variedade de espetáculos permite entender que to<strong>do</strong>s são atores participantes <strong>do</strong> ato de<br />
organizar, independente de sua posição hierárquica, pois o show apresenta<strong>do</strong> é produzi<strong>do</strong> pela<br />
comunicação surgida nas diversas interações. Os símbolos são utiliza<strong>do</strong>s para fazer senti<strong>do</strong> à<br />
organização, ou seja, para comunicar o que ela representa. Assim, o ato de organizar e de<br />
comunicar mostram-se equivalentes (PUTNAM, PHILLIPS, CHAPMAN, 2004), reforçan<strong>do</strong><br />
os argumentos de Cornelisson (2006) sobre o mo<strong>do</strong> como o contexto organizacional<br />
influencia na interpertação das metáforas.<br />
As organizações, como narra<strong>do</strong>ras de histórias, dramatizam a vida organizacional e<br />
introduzem histórias de sua performance, adicionan<strong>do</strong> elementos novos que indicam a<br />
reconstrução da narrativa (PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 2004). Evidenciamos que no<br />
<strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong> as narrativas são narradas não só pela empresa, mas por to<strong>do</strong>s os atores que<br />
participam <strong>do</strong> ato de organizar.<br />
15
Encontramos no caso analisa<strong>do</strong>, o caráter polifônico (HAZEN, 1993;<br />
KORNBERGER; CLEGG; CARTER, 2006) que permite analisar a organização como<br />
construída por diferentes narrativas, histórias ou textos que disseminam significa<strong>do</strong>s. No<br />
<strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong>, as tarefas são realizadas por várias pessoas, das quais emergem vozes, e<br />
como aponta Hazen (1993), algumas delas são mais fortes que outras, como é o caso da voz o<br />
seu funda<strong>do</strong>r, Guy Laliberté.<br />
Dessa forma, analisar uma organização utilizan<strong>do</strong> a metáfora Polytheama significa<br />
compreender que existe uma multiplicidade de espetáculos sen<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong>s e apresenta<strong>do</strong>s<br />
em um mesmo espaço. E para que isso ocorra, são necessárias diversas coreografias,<br />
especialidades, vozes e outros elementos; portanto, a gestão das organizações não se resume<br />
<strong>ao</strong>s seus aspectos estruturais, tecnológicos e materiais.<br />
A metáfora Polytheama é utilizada para compreender o <strong>Cirque</strong> porque ele representa<br />
um espaço que retrata a relação entre mensagens, significa<strong>do</strong> e contexto <strong>do</strong> qual se originam<br />
“espetáculos estonteantes”. O palco a que nos referimos não é o local em que se apresenta ou<br />
reflete a realidade, mas o espaço em que se cria e representa o processo <strong>do</strong> ato de organizar.<br />
Considerações Finais<br />
Neste trabalho evidenciamos como as imagens e metáforas são utilizadas como um<br />
mo<strong>do</strong> de ver a organização, ilustrada, neste caso, pelo <strong>Cirque</strong> du <strong>Soleil</strong>. Ao valer-se das<br />
quatro linhas metafóricas, exploramos diversos aspectos da comunicação, bem como a relação<br />
entre as mensagens, significa<strong>do</strong> e contexto. Sustenta<strong>do</strong>s no referencial teórico utiliza<strong>do</strong>,<br />
evidenciamos a empresa como narra<strong>do</strong>ra de sua própria história, o que faz emergir imagens e<br />
identidades individuais e organizacionais.<br />
Evidenciamos ainda seus membros e a mídia de negócios como co-construtores, em<br />
um processo colaborativo no qual as interações sociais e simbólicas ocorrem. Logo, o caráter<br />
multifaceta<strong>do</strong> e pluralista de representações, improvisações e narrações de histórias, que<br />
resulta na idéia de que comunicação e organização é uma produção conjunta. O mesmo ocorre<br />
no teatro denomina<strong>do</strong> Polytheama: vários espetáculos são apresenta<strong>do</strong>s em um mesmo<br />
espaço.<br />
A relação entre comunicação e organização permite compreender que a organização e<br />
o ambiente são cria<strong>do</strong>s juntos, através <strong>do</strong>s processos de interação social <strong>do</strong>s participantes<br />
chaves da organização. Os estrategistas criam linhas imaginárias entre eventos, objetos e<br />
situações, de tal forma que esses ganhem significa<strong>do</strong>, o que implica na criação de padrões de<br />
ação não origina<strong>do</strong>s de um processo de percepção <strong>do</strong> estrategista quanto <strong>ao</strong> ambiente, mas<br />
sim por um processo de criação <strong>do</strong> ambiente.<br />
A contribuição principal deste estu<strong>do</strong> reside em evidenciar como as histórias ou<br />
narrativas desempenham papel fundamental na criação de significa<strong>do</strong>s. Além disso, <strong>ao</strong> propor<br />
a metáfora Polytheama, evidenciamos a organização como um palco no qual ocorrem diversos<br />
espetáculos produzi<strong>do</strong>s pelas interações entre as pessoas que resultam no ato de organizar.<br />
Nessa perspectiva, entendemos que a comunicação surge de forma coletiva, produzin<strong>do</strong> a<br />
organização e, <strong>ao</strong> mesmo tempo, as organizações produzem comunicação. Portanto, a<br />
metáfora Polytheama pode ser fonte valiosa de insights sobre organizações, visto que os<br />
participantes não apenas atribuem senti<strong>do</strong>s de seu mun<strong>do</strong> em termos da narrativa<br />
organizacional, mas confirmam as narrativas que emergem das diversas interações e são<br />
consistentes com suas expectativas e valores.<br />
Referências<br />
ALONSO, V. A Magia <strong>do</strong> <strong>Cirque</strong> <strong>Du</strong> <strong>Soleil</strong>. Revista HSM Management, n.52, set/out 2005.<br />
BOJE, D. M The storytelling organization: a study of storytelling performance in an office<br />
supply firm. Administrative Science Quarterly. V.36, n.2, p.106-126, 1991.<br />
16
______. Narrative methods for organizational and Comunication Research. Thousand<br />
Oaks: Sage, 2001.<br />
BOYCE, M. E. Collective Centring and Collective Sense-making in the Stories and<br />
Storytelling of One Organization. Organization Studies. V.16, n.1, p.107-137, 1995.<br />
BOLMAN, L.G.; DEAL, T.E. Reframing Organizations. 4. ed. California: Jossey-Bass,2008.<br />
CIRQUE DU SOLEIL. Site Global. Disponível em:<br />
Acesso em: 10.dez.2009.]<br />
______. Alegria. Extras. DVD4. Sony Pictures, 2006.<br />
CORNELISSEN, J.P Metaphor and the Dynamics of Knowledge in Organization Theory: A<br />
Case Study of the Organizational Identity Metaphor. Journal of Management Studies. V.43,<br />
n.4, p.683-709, 2006.<br />
ÉPOCA. Mágica. Época. Ed. 404, Ed. Globo, fev. 2006.<br />
FREITAS, M.E. A metáfora da guerra e a violência no mun<strong>do</strong> trabalho. In: CARRIERI, A.<br />
P.;SARAIVA, L. A. S. Simbolismo Organizacional no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007.<br />
GABRIEL, Y. The Unmanaged Organization: Stories, Fantasies and Subjectivity.<br />
Organization Studies. v.16, n.3, p.477-501, 1995.<br />
GERGEN, K. J; WHITNEY, D. Techonologies of Representation in the Global Corporation.<br />
Power and Polyphony. In: BOJE, DAVID; GEPHART, R.; THATCHENKERY, T J.(Eds.)<br />
Postmodern management and organization theory. Thousand Oaks: Sage. 331-357, 1996.<br />
HATCH, M. J. Oraganization Theory. New York: Oxford University Press, 1997.<br />
HAZEN, M.A. Towards Polyphnic Organization. Journal of Orgazational Change<br />
Management. V.6, b.5, p.15-26, 1993.<br />
KAYE, B.; JACOBSON, B. True tales and tall tales: the power of organizational storytelling.<br />
Training & Development. V.53, n.3, 1999, p.44-50<br />
KIM, W.C; MAUBORGNE, R. A estratégia <strong>do</strong> oceano azul. Como Criar novos merca<strong>do</strong>s e<br />
tornar a concorrência irrelevante. Rio de Janeiro: Campus, 2005.<br />
KOLB, D.G. Exploring the Metaphor of Connectivity: Attributes, Dimensions and <strong>Du</strong>ality.<br />
Organization Studies. V. 29; p.127-146, 2008.<br />
KORNBERGER, M; CLEGG, S. R. Bringing Space Back in: Organizing the Generative<br />
Building. Organization Studies. v.25, n.7, 9.1095-1114, 2004.<br />
MORGAN, G. Imagens da Organização. São Paulo: Atlas, 2004.<br />
PABLO, Z.; HARDY, C. Merging, Masqueraing and Morphing: Metaphors na the Word<br />
Wide Web. Organization Studies. V.30, n.8, p.821-843, 2009.<br />
PUTNAM, L. L.; PHILLIPS, N; CHAMPAN, P. Metáforas da Comunicação e da<br />
Organização. In: CLEGG, S. R., HARDY, C; NORD, W. R. Handbook de Estu<strong>do</strong>s<br />
Organizacionais. Ação e análise organizacionais. V.3, São Paulo: Atlas,p. 77-125, 2004.<br />
SOUZA, M.M.C. de A Metáfora da Família – integração organizacional na Amway. São<br />
Paulo em Perspectiva, v.11, n.1, p.145-151, 1997.<br />
THACHANKARY, T. J. Organizations as “texts”: hermeneutics as a model for understanding<br />
organizational change. Research in Organization Development and Change. v. 6, p.197-233, 1992.<br />
VENDELO, M.T. Narrating corporate reputation. International Studies of Management &<br />
Organization. V.28, n. 3, p.120-137, 1998.<br />
VERGARA, S.C.; CARPILOVSKY, M.P. A metáfora da organização como sistema criativo.<br />
Revista de Administração Pública. v.32, n.3, p.77-98, 1998.<br />
_______. Méto<strong>do</strong>s de Pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas, 2005.<br />
VOCE SA . Respeitável leitor! Com você, os saltimbancos. Ed. 95, São Paulo: Abril, maio/2006<br />
WEICK, Karl E. The Social Psychology of organizing. Reading MA: Addison-Wesle, 1979<br />
______; SUTCLIFFE, K.M.; OBSTELD, D. Organizing and the Process of Sensemaking.<br />
Organization Science. V.16, n.4, p.409-421, 2005.<br />
17