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Corpos reconfigurados* - Instituto de Estudos de Gênero

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<strong>Corpos</strong> reconfigurados<br />

recebida que herdamos na nossa concepção atual dos corpos. O<br />

corpo foi visto como uma fonte <strong>de</strong> interferência e um perigo para<br />

as operações da razão. No Crátilo, Platão afirma que a palavra<br />

corpo (soma) foi trazida pelos sacerdotes órficos, os quais<br />

acreditavam que o homem era um ser espiritual ou incorpóreo<br />

preso no corpo como numa cela (sema). Em sua doutrina das<br />

Formas, Platão percebe a própria matéria como uma versão<br />

<strong>de</strong>squalificada e imperfeita da Idéia. O corpo é uma traição da<br />

alma, da razão e da mente, e sua prisão. Para Platão, era evi<strong>de</strong>nte<br />

que a razão <strong>de</strong>via comandar o corpo e as funções irracionais ou<br />

sensíveis da alma. Só uma espécie <strong>de</strong> hierarquia natural, uma<br />

relação auto-evi<strong>de</strong>nte entre dominador – dominado, torna<br />

possível a harmonia interna ao Estado, à família e ao indivíduo.<br />

Temos aqui uma das primeiras representações do corpo político. 7<br />

Continuando uma tradição possivelmente iniciada por Platão, na<br />

sua observação da chora em Timeu, on<strong>de</strong> a maternida<strong>de</strong> é vista<br />

como um mero abrigo, um receptáculo ou uma guardiã do ser, e<br />

não sua co-produtora, Aristóteles distinguia a matéria ou o corpo<br />

da forma e, no caso da reprodução, acreditava que a mãe oferecia<br />

a matéria sem forma, passiva, in<strong>de</strong>finida, a qual, através do pai,<br />

recebia forma, <strong>de</strong>finição e contorno, características e atributos<br />

específicos que lhe faltavam. A divisão binária entre os sexos, a<br />

dicotomização do mundo e do conhecimento tinha sido feita já no<br />

limiar da razão oci<strong>de</strong>ntal.<br />

A distinção matéria/forma é reconfigurada em termos da<br />

distinção entre substância e aci<strong>de</strong>nte e entre uma alma dada por<br />

Deus e uma carnalida<strong>de</strong> mortal, pecaminosa e lasciva. No interior<br />

da tradição cristã, a separação entre a mente e o corpo foi<br />

correlacionada à distinção entre o que é imortal e o que é mortal.<br />

Enquanto o sujeito está vivo, a mente e o corpo formam uma<br />

unida<strong>de</strong> indissolúvel, cujo melhor exemplo talvez seja a própria<br />

figura <strong>de</strong> Cristo. Cristo era um homem cuja alma, cuja<br />

7 Para mais <strong>de</strong>talhes, ver SPELMAN, Elizabeth V. Woman as Body: Ancient and<br />

Contemporary Views. Feminist Studies 8 (1),111-19, 1982.<br />

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