Caravaggio: uma personalidade anti-social? - Saúde Mental
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Volume IX Nº5 Setembro/Outubro 2007<br />
como <strong>uma</strong> defesa dos mais desprotegidos, teria a ver<br />
com o facto de quem posava para os seus quadros ser<br />
geralmente de humilde condição;<br />
• As entregas das obras sofriam atrasos, que acarretavam<br />
multas ao pintor;<br />
• A sujidade, a doença, o defeito físico, a velhice, a<br />
nudez chocavam o observador mais desatento das<br />
suas telas (exemplo: “Nossa Senhora dos Peregrinos”);<br />
• Pormenores irrelevantes dominavam afinal quadros<br />
que se pediam religiosos (exemplo: o rabo de cavalo na<br />
segunda versão da tela “Conversão de São Paulo”);<br />
• O gosto pelo chocante, pelo sórdido, pelo atroz, pela<br />
violência. Cabeças decapitadas, sangue que jorrava<br />
desenhando o nome do pintor (exemplo: “Degolação de<br />
São João Baptista”), armas que brilhavam nas trevas...<br />
Se os quadros eram belos, mas chocantes, a vida privada<br />
do pintor era apenas… brutal:<br />
• Não se casou, não teve filhos, viveu no meio dos seus<br />
modelos... prostitutas e bandidos. Tabernas, álcool,<br />
banquetes, excessos, foram o quotidiano do artista. A<br />
corte Papal foi apenas um meio de subsistência para o<br />
libertar da miséria económica e das complicações<br />
legais por si multiplicadas…<br />
• Delitos e disputas com a justiça na sua idade adulta:<br />
1 - No início de 1601, lutou com Flávio Canónico e<br />
somente a intervenção do embaixador da França, o<br />
livrou da prisão (Mantanera, 2006);<br />
2 - Michelangelo Merisi feriu um tal Girolamo Spampa<br />
com um golpe de adaga, por este ter criticado as suas<br />
pinturas para a Igreja de S. Luigi dei Francesi. O processo<br />
foi arquivado (Lambert, 2003).<br />
3 - Acusado de ter escrito ou mandado escrever e propagandeado<br />
sonetos difamantes sobre o pintor<br />
Baglione**, foi detido e encarcerado na prisão de Tor di<br />
Nona. Posteriormente foi libertado por intercessão de<br />
dois ou três Cardeais e do Marquês Giustiniani [2] ;<br />
** Inicialmente admirador e imitador de <strong>Caravaggio</strong>. Mais tarde,<br />
Baglione, mudou radicalmente de posição: tornar-se-ia, no seu primeiro<br />
biógrafo, aliás bastante crítico, como é óbvio para o biografado. *** <strong>Caravaggio</strong> tinha 35 anos.<br />
Leituras / Readings<br />
5 - Michelangelo, feriu gravemente Mariano Pasqualone,<br />
cliente da prostituta Lena Antognetti (modelo de quadros<br />
de <strong>Caravaggio</strong>). Terá sido por <strong>uma</strong> questão de ciúmes?<br />
Apresentou queixa contra <strong>Caravaggio</strong>, que teve<br />
de fugir para Génova (1604). Mais tarde foi retirada<br />
misteriosamente a queixa e o pintor pôde regressar a<br />
Roma (Lambert, 2003);<br />
6 - Durante um jantar no albergue do More, <strong>Caravaggio</strong><br />
indignado com <strong>uma</strong> pretensa desconsideração, lançou um<br />
prato de alcachofras a ferver à face do empregado, tendo<br />
provocado <strong>uma</strong> briga geral. Foi detido e libertado novamente<br />
com ajuda dos seus protectores! (Lambert, 2003)<br />
7 - Assassinou um homem, sargento da corte, com <strong>uma</strong><br />
pancada violenta no crânio. Michelangelo jurou que<br />
“<strong>uma</strong> pedra caíra de um telhado” … foi novamente<br />
detido na prisão Tor di Nona. Tendo subornado dois<br />
guardiões … fugiu!(Lambert, 2003) Mais <strong>uma</strong> vez a protecção<br />
de um cardeal, permitia-lhe os meios materiais<br />
para essa fuga!<br />
8 - No porto de Ripetta, envolveu-se n<strong>uma</strong> briga, atirando<br />
pedras contras as portadas da casa de <strong>uma</strong> mulher<br />
que alugava quartos (Lambert, 2003);<br />
9 - A 20 de Maio de 1606, durante <strong>uma</strong> partida de pela,<br />
acusou o adversário, Ranuccio Tommasoni de Terni de<br />
fazer batota, apunhalando-o até à morte (sendo também<br />
ferido). Foi condenado à pena capital mas conseguiu<br />
fugir de Roma, disfarçado [2] . Apesar dos seus<br />
méritos, teve de deixar o Estado Papal, <strong>uma</strong> vez que os<br />
seus sucessivos crimes defraudavam não só as leis<br />
vigentes como os seus infatigáveis protectores***;<br />
10 - Refugiou-se em Nápoles durante um ano, r<strong>uma</strong>ndo<br />
depois para Malta (1607) onde conseguiria a proeza de<br />
ser admitido como cavaleiro da Ordem dos Hospitalários<br />
(o acesso estava apenas reservado a elementos da<br />
nobreza!), seguida da sua façanha bem mais corriqueira<br />
de se envolver em problemas e zaragatas. Julgado e<br />
condenado, expulso da Ordem de S. João do Hospital de<br />
Jerusalém (considerado membro “putridum et foetidum”),<br />
foi preso na prisão de Sant´Angelo (Lambert, 2003).<br />
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