13.04.2013 Views

Cuadernos de Marcha - Universidade Federal de Santa Catarina

Cuadernos de Marcha - Universidade Federal de Santa Catarina

Cuadernos de Marcha - Universidade Federal de Santa Catarina

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Impressões <strong>de</strong> Montevidéu<br />

8<br />

E o que resta não <strong>de</strong>strói a memória.<br />

W. G. Sebald<br />

Cheguei em Montevidéu no mês <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2007, durante um inverno frio. Depois <strong>de</strong><br />

cruzar a monotonia dos pampas, <strong>de</strong>sci no terminal rodoviário <strong>de</strong> Tres Cruces e ainda não<br />

havia amanhecido. Resolvi esperar um tempo antes <strong>de</strong> ir para o Red Hostel, um casarão<br />

antigo construído perto da Intendência Municipal, on<strong>de</strong> havia <strong>de</strong>cidido passar minha estada.<br />

Com receio <strong>de</strong> andar nas ruas escuras <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecida, sentei-me e tomei um<br />

volume qualquer nas mãos para ler distraído. Quando surgiu o lucero <strong>de</strong>l alba, o céu estava<br />

cinzento e dominado por uma luz baça. Uma chuva fina caia, oprimindo a atmosfera. Mais<br />

tar<strong>de</strong>, em um zás-trás, ao pisar na rua à procura <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> ônibus, veio-me à mente uma<br />

imagem que havia lido sobre Montevidéu, em resenha acerca da nova edição brasileira do<br />

romance A Trégua, <strong>de</strong> Mario Bene<strong>de</strong>tti. Lá, no texto <strong>de</strong> Sylvia Colombo 1 , dizia-se que<br />

“Montevidéu é, por natureza, uma cida<strong>de</strong> melancólica, on<strong>de</strong> o tempo parece se arrastar.” O<br />

comentário da historiadora e jornalista da Folha <strong>de</strong> São Paulo é análogo ao que escreveu<br />

Carlos Real <strong>de</strong> Azúa em seu ensaio sobre a cida<strong>de</strong>:<br />

Ciudad <strong>de</strong>l “<strong>de</strong>bo” y el “no puedo” que tiene ante sí – siempre – un “brillante<br />

porvenir” hasta que un día se encuentre en el callejón sin salida <strong>de</strong> su escuálido<br />

presente, Montevi<strong>de</strong>o parece en esto el <strong>de</strong>chado y casi símbolo <strong>de</strong>l frágil <strong>de</strong>sarrollo<br />

latinoamericano. En realidad, toda su historia podría cifrarse en los términos <strong>de</strong> una<br />

antítesis muy melancólica. 2<br />

Há um abatimento que paira sobre a urbe platina. Foi a sensação que me tomou <strong>de</strong><br />

imediato, ao me <strong>de</strong>parar com uma cida<strong>de</strong> plúmbea, recoberta por uma massa espessa <strong>de</strong><br />

umida<strong>de</strong>. Um comentário <strong>de</strong>ssa resenha dizia que em 1959, quando Bene<strong>de</strong>tti escreveu A<br />

Trégua, esse abatimento representava não só o <strong>de</strong>sânimo dos uruguaios, submersos em um<br />

longo ciclo <strong>de</strong> crise econômica que carcomia o passado <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> fundador do mito da<br />

“Suíça da América”, como também insinuava o prenúncio ominoso <strong>de</strong> tempos obscuros. Os<br />

sinais agourentos pressentidos por Bene<strong>de</strong>tti não eram <strong>de</strong>vaneios infundados. Na década <strong>de</strong><br />

60, quando emergiram os <strong>Cua<strong>de</strong>rnos</strong> <strong>de</strong> <strong>Marcha</strong>, os setores produtivos do país estavam<br />

1 COLOMBO, Sylvia. “Obra <strong>de</strong> Bene<strong>de</strong>tti traz melancolia uruguaia”. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2007,<br />

p. E4.<br />

2 AZÚA, Carlos Real <strong>de</strong>. Montevi<strong>de</strong>o: el peso <strong>de</strong> un <strong>de</strong>stino. Montevi<strong>de</strong>o: Ediciones <strong>de</strong>l Nuevo Mundo, 1987. p.<br />

26.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!