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Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

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“Naquela época minha antipatia era tão violenta que eu achava Veronika decidi<strong>da</strong>mente asquerosa, e<br />

mais de uma vez manifestei meu assombro de que, apesar disso, ela pudesse ter uma vi<strong>da</strong> amorosa e ser<br />

ama<strong>da</strong> por alguém. „Beijá-la‟, dizia eu, „deve provocar náuseas!‟ E por certo fazia muito tempo que se poderia<br />

vinculá-la à idéia dos guar<strong>da</strong>s suíços tombados.<br />

“É muito freqüente se mencionar Brescia, pelo menos aqui na Hungria, não em conexão com o leão,<br />

mas com outro animal selvagem. O nome mais odiado neste país, como também no norte <strong>da</strong> Itália, é o do<br />

general Haynau, comumente conhecido como a „Hiena de Brescia„. Assim, um fio de meu pensamento levava<br />

do odiado tirano Haynau, via Brescia, para a ci<strong>da</strong>de de Verona, enquanto o outro levava, através <strong>da</strong> idéia do<br />

animal de voz rouca que freqüenta os túmulos dos mortos (o que contribui para determinar a emergência de um<br />

monumento aos mortos), para a cabeça de defunto e a voz desagradável de Veronika, tão grosseiramente<br />

insulta<strong>da</strong> por meu inconsciente, pessoa que em sua época agira naquela casa de maneira quase tão tirânica<br />

quanto o general austríaco depois <strong>da</strong>s lutas dos húngaros e italianos pela liber<strong>da</strong>de.<br />

“A Lucerna liga-se a idéia do verão que Veronika passou com os patrões nas cercanias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de<br />

Lucerna, junto ao lago do mesmo nome. A Guar<strong>da</strong> Suíça, por sua vez, lembra que ela sabia tiranizar não só as<br />

crianças, mas também os adultos <strong>da</strong> família, e se comprazia [sich gefallen] no papel de „Garde-Dame‟<br />

[governanta, <strong>da</strong>ma de companhia, literalmente „guar<strong>da</strong> de senhoras‟].<br />

“Devo assinalar expressamente que essa minha antipatia por Veronika é - conscientemente - um coisa<br />

há muito supera<strong>da</strong>. Desde aquela época, tanto sua aparência quanto suas maneiras mu<strong>da</strong>ram muito, para<br />

melhor, e posso tratá-la (embora para isso tenha raras oportuni<strong>da</strong>des) com sentimentos sinceramente<br />

amistosos. Como de hábito, meu inconsciente se aferra com mais tenaci<strong>da</strong>de a minhas impressões [anteriores]:<br />

ele é ”de efeito posterior" e rancoroso.<br />

“As Tulherias são uma alusão a outra pessoa, uma <strong>da</strong>ma francesa idosa que, em muitas ocasiões,<br />

realmente „guar<strong>da</strong>va„ as mulheres <strong>da</strong> casa; era respeita<strong>da</strong> por todos, jovens e velhos - e sem dúvi<strong>da</strong> um pouco<br />

temi<strong>da</strong> também. Por algum tempo fui seu élève [aluno] de conversação em francês. A palavra élève recor<strong>da</strong>-me<br />

ain<strong>da</strong> que, estando em visita ao cunhado de meu atual anfitrião, no norte <strong>da</strong> Boêmia, achei muita graça ao<br />

saber que os camponeses do lugar chamavam os élèves <strong>da</strong> escola florestal de „Löwen‟ [leões]. Também essa<br />

lembrança diverti<strong>da</strong> pode ter desempenhado um papel no deslocamento <strong>da</strong> hiena para o leão.”<br />

(11) Também o exemplo seguinte mostra como um complexo pessoal que domine a pessoa num <strong>da</strong>do<br />

momento provoca o esquecimento de um nome com base numa ligação muito remota.<br />

“Dois homens, um mais velho e um mais moço, que seis meses antes haviam feito juntos uma viagem à<br />

Sicília, trocavam lembranças <strong>da</strong>queles dias bonitos e memoráveis. „Vejamos‟, disse o mais jovem, „como se<br />

chamava o lugar onde pernoitamos antes de nossa excursão a Selinunte? Calatafimi, não é?‟ O mais velho<br />

discordou: „Não, tenho certeza de que não era isso, mas também esqueci o nome, embora me lembre muito<br />

bem de todos os detalhes de nossa esta<strong>da</strong> lá. Basta eu saber que alguém esqueceu um nome para que isso<br />

logo me faça esquecê-lo também. [Cf. adiante, em [1]] Quer que procuremos o nome? O único que me ocorre é<br />

Caltanisetta, que com certeza não é o correto.‟ - „Não‟, disse o mais jovem, „o nome começa com w ou então<br />

contém w.‟ - „Mas não existe w em italiano‟, objetou o mais velho. „Eu quis dizer v, e só falei w por estar muito<br />

acostumado com ele em minha língua.‟ O homem mais velho manteve sua objeção ao v. „Aliás‟, declarou, „acho<br />

<strong>Sobre</strong> a <strong>psicopatologia</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>cotidiana</strong> – Sigmund Freud<br />

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