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Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

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esquecimento” (ver em. [1]). “Os sons de maior valência são o som inicial <strong>da</strong> sílaba radical e o som inicial <strong>da</strong><br />

palavra, bem como a vogal ou vogais acentua<strong>da</strong>s” (ver em [1]).<br />

Não posso deixar de contradizê-lo aqui. Quer o som inicial do nome seja ou não um dos elementos de<br />

maior valência <strong>da</strong> palavra, é certamente incorreto que, no caso de esquecimento de uma palavra, ele seja o<br />

primeiro a regressar à consciência. Portanto, a regra formula<strong>da</strong> acima não se aplica. Quando nos observamos<br />

ao procurarmos um nome esquecido, somos forçados, com relativa freqüência, a expressar a convicção de que<br />

ele começa por determina<strong>da</strong> letra. E com igual freqüência essa convicção se revela fun<strong>da</strong><strong>da</strong> ou infun<strong>da</strong><strong>da</strong>. A<br />

rigor, eu afirmaria que, na maioria dos casos, o som inicial que anunciamos é falso. Em nosso exemplo de<br />

“Signorelli” [ver em [1]], os nomes substitutos tinham perdido o som inicial e as sílabas essenciais; foi<br />

precisamenteo par de sílabas de menor valência — elli — que voltou à memória no nome substituto Botticelli.<br />

O caso seguinte, [1] por exemplo, pode ensinar-nos quão pouco os nomes substitutos respeitam o som<br />

inicial do nome esquecido:<br />

Um dia, foi-me impossível lembrar o nome do pequeno país cuja capital é Monte-Carlo. Seus nomes<br />

substitutos foram: Piedmont, Albania, Montevideo e Colico. Albania logo foi substituí<strong>da</strong> por Montenegro, e então<br />

me ocorreu que a sílaba então me ocorreu que a sílaba “Mont” (pronuncia<strong>da</strong> “Mon”) aparecia em todos os<br />

nomes substitutos, exceto o último. Isso me facilitou descobrir, partindo do nome do príncipe Alberto [o príncipe<br />

regente], o nome esquecido, Mônaco. Colico imita aproxima<strong>da</strong>mente o ritmo e a seqüência de sílabas do nome<br />

esquecido.<br />

Admitindo a suposição de que um mecanismo semelhante ao demostrado no esquecimento de nomes<br />

também poderia desempenhar um papel nos fenômenos dos lapsos <strong>da</strong> fala, somos levados a formar um juízo<br />

mais aprofun<strong>da</strong>do dos casos de lapsos <strong>da</strong> fala. A perturbação <strong>da</strong> fala que se manifesta no lapso pode ser<br />

causa<strong>da</strong>, em primeiro lugar, pela influência de outro componente do mesmo dito — isto é, por uma antecipação<br />

ou uma perseveração do som —, ou por outra formulação <strong>da</strong>s idéias conti<strong>da</strong>s na frase ou no contexto que se<br />

tenciona enunciar. A esse tipo pertencem todos os exemplos acima, tomados de Meringer e Mayer. A<br />

perturbação poderia, contudo, ser de um segundo tipo, análogo ao processo do caso de “Signorelli”; poderia<br />

resultar de influências externas à palavra, frase ou contexto, e provir de elementos que não se pretende<br />

enunciar e de cuja excitação só tomamos conhecimento justamente através <strong>da</strong> própria perturbação. O que esse<br />

dois modos de formação dos lapsos <strong>da</strong> fala têm em comum é a simultanei<strong>da</strong>de <strong>da</strong> excitação, e o que os<br />

diferencia é situar-se a origem <strong>da</strong> perturbação dentro ou fora <strong>da</strong> frase ou contexto. A diferença, inicialmente,<br />

não parece tão grande no que concerne a certas deduções que podem ser feitas a partir <strong>da</strong> sintomatologia dos<br />

lapsos <strong>da</strong> fala. É evidente, contudo, que apenas no primeiro caso existe qualquer perspectiva de se extraírem<br />

dos fenômenosdos lapsos <strong>da</strong> fala conclusões sobre um mecanismo que vincule os sons e palavras entre si, de<br />

modo a que eles influam mutuamente em sua articulação — isto é, conclusões como as que o filósofo esperava<br />

obter do estudo dos lapsos <strong>da</strong> fala. No caso de inteferência de influências externas à frase ou ao contexto do<br />

que é dito, tratar-se-ia, antes de mais na<strong>da</strong>, de saber quais são os elementos interferentes, surgindo depois a<br />

questão de saber se também o mecanismo dessa perturbação pode revelar as presumíveis leis <strong>da</strong> formação <strong>da</strong><br />

fala.<br />

Não se pode afirmar que Meringer e Mayer tenham descui<strong>da</strong>do <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de as perturbações <strong>da</strong><br />

fala resultarem de “influências psíquicas complica<strong>da</strong>s”, de elementos externos à palavra, frase ou seqüência de<br />

<strong>Sobre</strong> a <strong>psicopatologia</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>cotidiana</strong> – Sigmund Freud<br />

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