Sobre a psicopatologia da vida cotidiana
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eu disse: „Beijo-lhe as mãos, meu senhor.‟ Para qualquer pessoa bem informa<strong>da</strong>, eu estava assim traindo o fato<br />
de que minhas palavras destinavam-se ao marido e que eu as dissera por ele.”<br />
(17)O Dr. Stekel nos informa, a seu próprio respeito, que em certa época estava tratando de dois<br />
pacientes de Trieste e, ao cumprimentá-los, costumava sempre trocar-lhes os nomes. “Bom dia, senhor Peloni”,<br />
dizia a Askoli, e “Bom dia, senhor Askoli”, dizia a Peloni. A princípio, ele não se inclinava a atribuir essa<br />
confusão a qualquer motivo mais profundo, mas sim a explicá-la pelo muito que havia em comum entre os dois<br />
senhores. Contudo, convenceu-se facilmente de que a troca dos nomes correspondia a uma espécie de<br />
vanglória, pois, desse modo, ele <strong>da</strong>va a entender a ca<strong>da</strong> um de seus pacientes italianos que ele não era o único<br />
triestino a ir a Viena em busca de sua orientação médica.<br />
(18)O próprio Dr. Stekel, durante uma tumultua<strong>da</strong> assembléia geral, disse: “Vamos agora brigar<br />
[streiten]” (em vez de “passar [schreiten]”) “ao item quatro <strong>da</strong> agen<strong>da</strong>.”<br />
(19)Disse um professor em sua aula inaugural: “Não estou geneigt [inclinado]” (em vez de “geeignet<br />
[apto]”) “a descrever os méritos do meu estimado predecessor.”<br />
(20)Disse o Dr. Stekel a uma <strong>da</strong>ma que ele suspeitava estar com a doença de Graves: “A senhora é<br />
aproxima<strong>da</strong>mente um Kropf [bócio]” (em vez de “Kopf [cabeça]”) “mais alta do que sua irmã.”<br />
(21) Informa o Dr. Stekel: “Alguém queria descrever o relacionamento entre dois amigos, salientando o<br />
fato de que um deles era judeu. Disse: „Eles viviam juntos como Castor e Pollak.‟ Isto certamente não foi um<br />
gracejo; o próprio falante só notou o lapso depois que lhe chamei a atenção para ele.<br />
(22)Ocasionalmente, um lapso <strong>da</strong> fala faz as vezes de uma caracterização detalha<strong>da</strong>. Uma jovem<br />
senhora que costumava <strong>da</strong>r as ordens em casa contou-me que o marido, adoentado, fora ao médico para saber<br />
que tipo de dieta deveria seguir. O médico, entretanto, disse-lhe que não se importasse com isso. “Ele pode<br />
comer e beber o que eu quiser”, concluiu ela.<br />
Os dois próximos [1] exemplos, fornecidos por T. Reik (1915), provêm de situações em que os lapsos<br />
<strong>da</strong> fala ocorrem com facili<strong>da</strong>de especial — situações em que se tem de guar<strong>da</strong>r muito mais do que se pode<br />
dizer.<br />
(23)Um senhor apresentava suas condolências a uma jovem <strong>da</strong>ma cujo marido morrera recentemente e<br />
quis acrescentar: “A senhora encontrará consolo ao dedicar-se [widmen] integralmente a seus filhos”, mas, em<br />
vez disso, falou “widwen”. O pensamento suprimido referia-se a outro tipo de consolo: uma viúva [Witwe] jovem<br />
e bonita logo encontrará novos prazeres sexuais.<br />
(24)Numa reunião social à noite, o mesmo senhor conversava com essa <strong>da</strong>ma sobre os grandes<br />
preparativos para a Páscoa que se haviam feito em Berlim e perguntou: “A senhora viu a exposição [Auslage]<br />
de hoje na Wertheim? Está totalmente decota<strong>da</strong>” [dekolletiert, em vez de dekoriert, decora<strong>da</strong>]. Ele não ousara<br />
exprimir sua admiração pelo decote <strong>da</strong> lin<strong>da</strong> senhora e nisso veio à tona o pensamento proibido, transformando<br />
a decoração de uma vitrine ou exposição de mercadorias [Warenauslage] num decote, com a palavra<br />
“exposição” [Auslage] inconscientemente usa<strong>da</strong> num duplo sentido.<br />
Essa mesma condição aplica-se a outra observação <strong>da</strong> qual o Dr. Hanns Sachs tentou fornecer um<br />
relato minucioso:<br />
<strong>Sobre</strong> a <strong>psicopatologia</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>cotidiana</strong> – Sigmund Freud<br />
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