13.04.2013 Views

Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

se tivesse confirmado, chegara a Viena para aguar<strong>da</strong>r a solução do seu problema e pedira a um amigo dos<br />

tempos de juventude, agora transformado num médico famoso, que se encarregasse de seu tratamento. Com<br />

alguma relutância, o amigo finalmente concordou em fazê-lo. O doente deveria internar-se numa casa de<br />

saúde, e o médico propôs o sanatório “Hera”. “Mas essa é uma instituição que só trata de determinado tipo de<br />

caso (uma materni<strong>da</strong>de)”, objetou o doente. “Oh, não!”, apressou-se o médico a retrucar, “no „Hera‟ eles podem<br />

umbringen [matar], quero dizer, unterbringen [acolher] qualquer tipo de paciente.” Contestou então<br />

violentamente a interpretação de seu deslize. “Você não há de acreditar que tenho impulsos hostis contra você,<br />

não é?” Quinze minutos depois, ao ser acompanhado até a porta pela <strong>da</strong>ma que se encarregara dos cui<strong>da</strong>dos<br />

com o enfermo, disse-lhe o médico: “Não consigo achar na<strong>da</strong> e continuo a não acreditar nisso. Mas, se for o<br />

caso, sou a favor de uma dose forte de morfina, e que descanse em paz.” Ocorre que seu amigo lhe impusera a<br />

condição de que ele abreviasse seu sofrimento por meio de alguma droga tão logo se confirmasse que o caso<br />

não tinha mais cura. Portanto, o médico realmente aceitara a tarefa de matar seu amigo.<br />

(32) Eis um exemplo extremamente instrutivo de lapso <strong>da</strong> fala que eu não gostaria de omitir, apesar de<br />

ter ocorrido há uns vinte anos, segundo meu informante. “Certa vez uma <strong>da</strong>ma expressou a seguinte opinião<br />

numa reunião social — e as palavras mostram ter sido pronuncia<strong>da</strong>s com fervor e sob a pressão de inúmeros<br />

impulsos secretos: „Sim, a mulher precisa ser bonita para agra<strong>da</strong>r aos homens. Já o homem tem muito mais<br />

facili<strong>da</strong>de; desde que tenha seus cinco [fünf] membros direitos [gerade], não precisa de mais na<strong>da</strong>!” Esse<br />

exemplo permite-nos uma boa visão do mecanismo íntimo de um lapso <strong>da</strong> fala resultante <strong>da</strong> condensação ou<br />

contaminação (em [1]). É plausível supor que tenhamos aqui uma fusão de dois modos de falar de sentido<br />

semelhante:<br />

sentidos.<br />

desde que ele tenha seus quatro membros direitos desde que ele tenha seus cinco<br />

Ou talvez o elemento direito [“gerade”] fosse comum a duas intenções de discurso com o seguinte teor:<br />

desde que ele tenha seus membros direitos<br />

encarar todos os cinco como pares.<br />

“De fato, na<strong>da</strong> nos impede de presumir que ambas as expressões, a que se refere aos cinco sentidos e<br />

a referente ao “número par cinco”, tenham contribuído separa<strong>da</strong>mente para introduzir, na frase sobre os<br />

membros direitos, primeiro um número e, depois, o misterioso cinco, em vez do simples quatro. Mas essa fusão<br />

certamente não se teria produzido se, na forma resultante do lapso <strong>da</strong> fala, não tivesse um bom sentido próprio<br />

— um sentido que expressava uma ver<strong>da</strong>de cínica obviamente inadmissível sem disfarces, sobretudo ao ser<br />

dita por uma mulher. Por fim, não devemos deixar de salientar o fato de que a observação dessa senhora, tal<br />

como enuncia<strong>da</strong>, tanto poderia ser vista como um chiste excepcional quanto como um divertido lapso <strong>da</strong> fala.<br />

Trata-se apenas de saber se ela teria proferido as palavras com uma intenção consciente ou inconsciente. Em<br />

nosso caso, o comportamento <strong>da</strong> interlocutora por certo refutou qualquer intenção consciente e excluiu a idéia<br />

de um chiste.”<br />

<strong>Sobre</strong> a <strong>psicopatologia</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>cotidiana</strong> – Sigmund Freud<br />

48

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!