Sobre a psicopatologia da vida cotidiana
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é outro e se encontra algumas páginas adiante [no livro]. Seu título é „Das Gottliche. [A Natureza<br />
Divina]‟, e também ele contém pensamentos sobre os deuses e os homens. Como não se examinou a questão<br />
mais a fundo, posso no máximo supor que certos pensamentos sobre a vi<strong>da</strong> e a morte, o temporal e o eterno, e<br />
a vi<strong>da</strong> frágil e a morte futura do próprio sujeito também tenham desempenhado um papel na gênese desse<br />
caso."<br />
Em alguns desses exemplos é preciso recorrer a to<strong>da</strong>s as sutilezas <strong>da</strong> técnica psicanalítica para<br />
explicar o esquecimento de um nome. Quem quiser conhecer melhor essa tarefa poderá consultar um artigo de<br />
Ernest Jones, de Londres (1911a), já traduzido para o alemão.<br />
(18)Ferenczi observou que o esquecimento de nomes também pode aparecer como um sintoma<br />
histérico. Nessa situação, ele mostra um mecanismo muito diferente do que é próprio dos atos falhos. A<br />
natureza dessa diferença é esclareci<strong>da</strong> por suas próprias palavras:<br />
“Tenho agora em tratamento uma paciente, uma solteirona já envelheci<strong>da</strong>, a quem deixam de ocorrer<br />
os nomes próprios mais usuais e mais conhecidos dela, se bem que, afora isso, sua memória seja boa. No<br />
decorrer <strong>da</strong> análise, ficou claro que mediante esse sintoma ela visa a documentar sua ignorância. Essa exibição<br />
ostensiva de sua ignorância, contudo, é, na ver<strong>da</strong>de, uma censura a seus pais, que não lhe permitiram receber<br />
instrução superior. Também sua torturante compulsão a fazer limpeza („psicose <strong>da</strong> dona de casa‟) provém, em<br />
parte, <strong>da</strong> mesma fonte. Com isso ela quer dizer algo como: „Vocês me transformaram numa emprega<strong>da</strong>.‟”<br />
Eu poderia citar outros exemplos do esquecimento de nomes e levar seu exame muito mais longe, não<br />
fosse por querer evitar, neste primeiro estágio, a antecipação de quase todos os pontos de vista destinados à<br />
discussão de temas posteriores. Entretanto, talvez possa permitir-me resumir em algumas frases as conclusões<br />
extraí<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s análises aqui relata<strong>da</strong>s:<br />
O mecanismo do esquecimento de nomes (mais corretamente, de os nomes escaparem <strong>da</strong> memória,<br />
serem temporariamente esquecidos) consisteem que a pretendi<strong>da</strong> reprodução do nome sofre a interferência de<br />
uma cadeia de pensamentos estranha, não consciente no momento. Entre o nome assim perturbado e o<br />
complexo perturbador existe uma conexão preexistente; ou essa conexão se estabelece, quase sempre de<br />
maneiras aparentemente artificiais, através de associações superficiais (externas).<br />
Entre os complexos perturbadores, os mais eficazes mostram ser os auto-referentes (ou seja, os<br />
complexos pessoal, familiar e profissional).<br />
Um nome com mais de um sentido e, portanto, pertencente a mais de um grupo de pensamentos<br />
(complexos) é muitas vezes perturbado em sua relação com uma seqüência de pensamentos, em virtude de<br />
sua participação em outro complexo mais forte.<br />
Entre os motivos para essas interferências destaca-se o propósito de evitar que as lembranças<br />
despertem desprazer.<br />
Em geral, podem-se distinguir dois tipos principais de esquecimento de nomes: os casos em que o<br />
próprio nome toca em algo desagradável e aqueles em que ele se liga a outro nome que tem esse efeito.<br />
Assim, os nomes podem ter sua reprodução perturba<strong>da</strong> por sua própria causa, ou por causa de seus vínculos<br />
ou associativos mais próximos ou mais distantes.<br />
Um exame dessas proposições gerais nos mostra por que o esquecimento temporário de nomes é,<br />
dentre todos os nossos atos falhos, o que se observa com maior freqüência.<br />
<strong>Sobre</strong> a <strong>psicopatologia</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>cotidiana</strong> – Sigmund Freud<br />
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