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Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

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(2) Minha filha disse: “Estou escrevendo para a Sra. Schresinger…” O nome dessa senhora é<br />

Schlesinger. Esse lapso <strong>da</strong> língua provavelmente está ligado a uma tendência a facilitar a articulação, pois é<br />

difícil pronunciar o l depois de um r repetido. Devo acrescentar, contudo, que minha filha fez esse lapso poucos<br />

minutos depois de eu dizer “Apfe” em vez de “Affe”. Ora, acontece que os lapsos <strong>da</strong> fala são altamente<br />

contagiosos, assim como o esquecimento de nomes [em [1]] — peculiari<strong>da</strong>de assinala<strong>da</strong> pro Meringer e Mayer<br />

no caso do esquecimento. Não sei sugerir alguma razão para esse contágio psíquico.<br />

(3)“Eu me fecho como um Tassenmescher [palavra inexistente] — quero dizer, Taschnmesser<br />

[canivete]”, disse uma paciente no início <strong>da</strong> sessão. Também aqui, a dificul<strong>da</strong>de de articulação (como, por<br />

exemplo, em “Wiener Weiber Wäscherinnen waschen weisse Wäshe”, “Fischflosse” [barbatana] e outros trava-<br />

línguas similares) poderia servir de desculpa para a troca dos sons. Quando chamei sua atenção para o lapso,<br />

ela retrucou imediatamente: “É, isso foi só porque hoje o senhor disse „Ernscht„.” De fato, eu a recebera como o<br />

comentário: “Hoje a coisa vai ser realmente séria [“Ernst”]” (porque seria a última sessão antes <strong>da</strong>s férias) e,<br />

gracejando, esticara o “Ernst”, dizendo “Ernscht”. No decorrer <strong>da</strong> sessão, ela cometeu repeti<strong>da</strong>mente outros<br />

lapsos <strong>da</strong> fala, e por fim notei que não estava meramente me imitando, mas tinha uma razão especial para<br />

deter-se, no inconsciente, na palavra “Ernst” como nome próprio [“Ernesto”].<br />

(4)“Estou tão resfria<strong>da</strong> que não consigo durch die Ase natmen — quero dizer, Nase atmen”, disse a<br />

mesma paciente numa outra ocasião. E entendeu imediatamente como viera a cometer o lapso. “Todos os dias<br />

pego o bonde na Rua Hasenauer, e hoje de manhã, enquanto esperava por ele, ocorreu-me que, se eu fosse<br />

francesa, diria „Asenauer„, porque os franceses sempre deixa de pronunciar o h no começo <strong>da</strong>s palavras.”<br />

Trouxe então uma série de reminiscências de franceses a quem havia conhecido, e depois de muitos rodeios<br />

chegou à lembrança de ter desempenhado, aos quatorze anos, o papel de Picarde na pequena peça Kurmärker<br />

und Picarde, e de ter-se expressado nessa ocasião num alemão defeituoso. A chega<strong>da</strong> fortuita de um hóspede<br />

de Paris a sua pensão despertara to<strong>da</strong> essa série de lembranças. A troca dos sons, portanto, foi resultante <strong>da</strong><br />

perturbação causa<strong>da</strong> por um pensamento inconsciente que provinha de um contexto completamente diverso.<br />

(5)Mecanismo similar teve o lapso de outra paciente, que teve uma falha de memória em meio à<br />

reprodução de uma lembrança infantil há muito esqueci<strong>da</strong>. Sua memória se recusava a dizer-lhe em que parte<br />

do corpo a mão lasciva e indiscreta de outra pessoa a havia segurado. Logo depois <strong>da</strong> sessão, foi visitar uma<br />

amiga com quem conversou sobre residências de veraneio. In<strong>da</strong>ga<strong>da</strong> sobre a localização de sua casa de<br />

veraneio em M., ela respondeu: “na Berglende [coxa <strong>da</strong> montanha]”, em vez de Berglehne [encosta <strong>da</strong><br />

montanha].<br />

(6)Quando perguntei a outra paciente, ao final <strong>da</strong> sessão, como estava passando seu tio, ela<br />

respondeu: “Não sei, atualmente só o vejo in flagranti.” No dia seguinte, começou dizendo: “Estou muito<br />

envergonha<strong>da</strong> por ter-lhe <strong>da</strong>do uma resposta tão tola. É claro que o senhor deve ter-me tomado por uma<br />

pessoa muito inculta, que está sempre confundindo as palavras estrangeiras. Eu queria dizer en passant.”<br />

Ain<strong>da</strong> não sabíamos qual a origem <strong>da</strong>s palavras estrangeiras que ela usara erroneamente. Na qual a origem <strong>da</strong><br />

palavras estrangeiras que ela usara erroneamente. Na mesma sessão, porém, <strong>da</strong>ndo prosseguimento ao tema<br />

<strong>da</strong> véspera, ela apresentou uma reminiscência em que o papel principal consistia em ser surpreendi<strong>da</strong> in<br />

flagranti. Portanto, o lapso <strong>da</strong> fala do dia anterior antecipara a lembrança que, naquele momento, ain<strong>da</strong> não se<br />

havia tornado consciente.<br />

<strong>Sobre</strong> a <strong>psicopatologia</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>cotidiana</strong> – Sigmund Freud<br />

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