13.04.2013 Views

Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

Sobre a psicopatologia da vida cotidiana

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Brantôme (1527-1614), Vies des Dames galantes, “Discours second:” “Si ay-je cogneu une très-belle et<br />

honneste <strong>da</strong>me de par le monde, qui, devisant avec un honneste gentilhomme de la cour des affaires de la<br />

guerre durant ces civiles, elle luy dit: „J‟ay ouy dire que le roy a faict rompre tous les c… de ce pays là.‟ Elle<br />

vouloit dire les ponts. Pensez que, venant de coucher d‟avec son mary, ou songeant à son amant, elle avoit<br />

encor, ce nom frais en la bouche; et le gentilhomme s‟en eschauffa en amours d‟elle pour ce mot.<br />

“Une autre <strong>da</strong>me que j‟ai cogneue, entretenant une autre grand‟ <strong>da</strong>me plus qu‟elle, et luy louant et<br />

exaltant ses beautez, elle luy dit apres: „Non, ma<strong>da</strong>me, ce que je vous en dis, ce n‟est point pour vous adultérer„,<br />

voulant dire adulater, comme elle le rhabilla ainsi: pensez qu‟elle songeoit à adultérer.”<br />

(39) Evidentemente, também existem exemplos mais modernos de doubles entendres sexuais nascidos<br />

de lapsos <strong>da</strong> fala. A senhora F. estava descrevendo sua primeira aula num curso de línguas: “É muito<br />

interessante; o professor é um jovem inglês muito simpático. Logo na primeira aula, ele me deu a entender<br />

„durch die Bluse„ [através <strong>da</strong> blusa] — quero dizer, „durch die Blume„ [literalmente, “através <strong>da</strong>s flores”, i.e.<br />

“indiretamente”] que preferiria <strong>da</strong>r-me aulas particulares.” (De Storfer.)<br />

No procedimento psicoterapêutico que emprego para resolver e eliminar os sintomas neuróticos, é<br />

muito freqüente eu deparar com a tarefa de descobrir, pelos ditos e associações aparentemente casuais dos<br />

pacientes, um contéudo de pensamento que se esforça por permanecer oculto, mas que, não obstante, não<br />

consegue deixar de denunciar inadverti<strong>da</strong>mente sua existência, <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>s maneiras. Nisso os lapsos<br />

<strong>da</strong> fala prestam com freqüência os mais valiosos serviços, como eu poderia mostrar com alguns exemplos<br />

muito convincentes e, ao mesmo tempo, curiosíssimos. Por exemplo, um paciente fala sobre sua tia e, sem<br />

reparar no lapso, chama-a sistematicamente de “minha mãe”, ou então uma paciente se refere ao marido como<br />

seu “irmão”. Assim, eles me chamam a atenção para o fato de terem “identificado” essas pessoas entre si — de<br />

as terem incluído numa série, o que implica uma recorrência de um mesmo tipo em sua vi<strong>da</strong> afetiva. Outro<br />

exemplo: um rapaz de vinte anos apresentou-se em meu consultório com as seguintes palavras: “Sou o pai de<br />

fulano de tal, que se tratou com o senhor. Perdão, eu quis dizer que sou irmão dele: ele é quatro anos mais<br />

velho do que eu.” Compreendi assim que, por meio desse lapso, ele quis expressar que, tal como irmão,<br />

também adoecera por culpa do pai; que, como o irmão, desejava tratar-se, mais que era o pai quem mais<br />

necessitava de tratamento. Noutros casos, uma combinação de palavras que soa estranha ou uma expressão<br />

que parece força<strong>da</strong> basta para revelar que um pensamento recalcado participa dos ditos do paciente, que<br />

encobrem uma outra motivação.<br />

Por conseguinte, tanto nas perturbações mais grosseiras <strong>da</strong> fala quanto nas mais sutis, que ain<strong>da</strong><br />

podem ser classifica<strong>da</strong>s sob o título de “lapsos <strong>da</strong> fala”, penso que não é a influência do “efeito de contato dos<br />

sons” [em [1]], mas sim a influência de pensamentos situados fora do dito intencionado, quedetermina a<br />

ocorrência do lapso e fornece uma explicação adequa<strong>da</strong> para o equívoco ocorrido. Não pretendo pôr em dúvi<strong>da</strong><br />

as leis que regem a maneira como os sons se modificam mutuamente, mas, por si só, essas leis não me<br />

parecem ter eficácia suficiente para perturbar a enunciação correta <strong>da</strong> fala. Nos casos que estudei e investiguei<br />

com rigor, essas leis não representam mais do que o mecanismo preformado de que se serve, por<br />

conveniência, uma motivação psíquica mais remota, mas sem sujeitar-se à esfera <strong>da</strong> influência dessas relações<br />

[fonéticas]. Num grande número de substituições [em [1]], os lapsos <strong>da</strong> fala desconsideram por completo essas<br />

<strong>Sobre</strong> a <strong>psicopatologia</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>cotidiana</strong> – Sigmund Freud<br />

50

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!