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As Ilhas e o sistema Atlântico

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9004-520 – Funchal<br />

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COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:<br />

Email: ceha@madeira-edu.pt<br />

alberto.vieira@madeira-edu.pt<br />

http://www.madeira-edu.pt/ceha/<br />

ASILHAS<br />

AS ROTAS OCEÂNICAS, OS DESCOBRIMENTOS<br />

E O BRASIL<br />

ALBERTO VIEIRA<br />

Vieira, Alberto, <strong>As</strong> ilhas, as Rotas Oceânicas, os Descobrimentos e o Brasil, online, Funchal, CEHA,<br />

disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/avieira/ilhas-brasil.pdf, data da visita: / /<br />

RECOMENDAÇÕES<br />

O utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias<br />

obras, usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as<br />

responsabilidades inerentes ao rigoroso respeito pelas normas do Direito de Autor. O<br />

utilizador obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente a legislação aplicável,<br />

nomeadamente, em matéria de criminalidade informática, de direitos de propriedade<br />

intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente responsável<br />

pela infracção aos comandos aplicáveis.


ASILHAS<br />

AS ROTAS OCEÂNICAS, OS DESCOBRIMENTOS E O BRASIL 1<br />

…a ilha podia ser o lugar onde toda criatura humana, esquecendo o<br />

próprio saber desmedrado, encontraria, como um menino abandonado<br />

na floresta, uma nova linguagem capaz de nascer de um novo contacto<br />

com as coisas, (Humberto Eco, Ilha do Dia Anterior, 1995, p.353)<br />

ALBERTO VIEIRA<br />

Centro de Estudos de História do <strong>Atlântico</strong> (MADEIRA)<br />

A condição de ilha e de ilhéus leva-nos por vezes a pensar que somos o centro do mundo.<br />

Esta visão egocêntrica, muito comum no quotidiano, perpassa também a Historiografia. A<br />

História e a Geografia ensinam-nos que o Homem insular ao longo do multissecular processo<br />

histórico foi capaz de quebrar as barreiras do isolamento. A ilha deu-se a descobrir e revelou<br />

o envolvimento insular e atlântica. <strong>As</strong>sim, o entendeu Gaspar Frutuoso em finais do século<br />

XVI com as célebres Saudades da Terra 2 . É por isso que Albert Silbert nos recomenda que<br />

"para bem conhecer a história da Madeira é a do <strong>Atlântico</strong> que é preciso evocar" 3 . Isto é<br />

verdade tanto para a Madeira como para as demais ilhas e arquipélagos.<br />

O <strong>Atlântico</strong> tornou-se uma realidade de análise historiográfica a partir da década de quarenta<br />

do século XX, sendo o exemplo dado pela historiografia norte-americana, preocupada em<br />

rastrear as origens europeias. O conceito começou a ser definido em 1947 com Louis Wright 4 ,<br />

mas terá sido o Mediterrâneo de F. Braudel (1949) que provocou atenção desusada na década<br />

de cinquenta 5 . Só em finais da centúria surgiram estudos teóricos. Isto sucedeu num momento<br />

de afirmação da Historiografia Atlântica 6 . De ambos os lados do <strong>Atlântico</strong> surgiram trabalhos<br />

em o <strong>Atlântico</strong> é o palco principal 7 .<br />

1<br />

. Com o presente texto pretendemos apenas situar alguns problemas fundamentais, que serão a nossa mais fundamental preocupação para<br />

a investigação historiográfica nos próximos anos. Deste modo aquilo que aqui se apresenta é apenas o ponto de partida para uma reflexão<br />

que se pretende mais alargada.<br />

2<br />

. Cf. Miguel Tremoço de Carvalho, Gaspar Frutuoso. O Historiador das <strong>Ilhas</strong>, Funchal, CEHA, 2001.<br />

3<br />

.Uma Encruzilhada do <strong>Atlântico</strong>- Madeira(1640-1820), Funchal, CEHA, 1997, p.76<br />

4<br />

. The Atlantic Frontier. Colonial American Civilization, 1607-1763, N. York, 1947. Neste mesmo ano Jacques Godechot publicava em Paris:<br />

Histoire de l’Atlantique<br />

5<br />

. Horst Pietschmann, Introduction: Atlantic History. History Between European History and Global History, in Atlantic History. History of the<br />

Atlantic System 1580-1830, Gottingen, 2002, p.16; Leonard Outhwaite, the Atlantic: A History of an Ocean, N. York, 1957; John Elliott,<br />

Busqueda de la Historia Atlántica, Las Palmas de Gran Canaria, 2001<br />

6<br />

. Bernard Bailyn, The Idea of Atlantic History, Itinerário, Leiden-1996, nº.20, pp.1-27; Nicholas Canny, Writing Atlantic History; or<br />

Reconfiguring the History of Colonial British América,The Journal of A American History, nº.86[1999], pp.1093-114<br />

7 . Huguette e Pierre Chaunu, Séville et l’Atlantique, 1504-1650, 8 vols, Paris, 1955-59; F. Mauro, Le Portugal etl’Atlantique au XVIIe siècle,<br />

1570-1670, Paris, 1970; Charles Verlinden, the Beginnings of Modern Colonization, Ithaca/Londres, 1970. D. W. Meinig, The Shaping of<br />

América: A Geographical Perspective on 500 years of History, vol. I: Atlantic America 1492-1800, New Haven, 1986; KANAS, Alan L. e J. R.<br />

Mcnell,Atlantic American Societies from Columbus through abolition 1492-1888, London, 1992.


O <strong>Atlântico</strong> pode ser considerado uma invenção europeia dos séculos XV e XVI, que se<br />

articula directamente com as políticas coloniais definidas pelas potências emergentes. Foi a<br />

partir daqui que se estabeleceu, em ambos os lados do oceano, um vínculo directo entre ilhas<br />

e áreas costeiras. A História, a Geografia marcaram a vida do oceano <strong>Atlântico</strong> nos últimos<br />

cinco séculos 8 . O <strong>Atlântico</strong> define-se a partir do século XV como um espaço privilegiado dos<br />

impérios europeus onde as ilhas assumem uma função privilegiada no cruzamento de rotas,<br />

circulação de pessoas e produtos 9 .<br />

Na História do <strong>Atlântico</strong> o mundo insular é uma realidade sempre presente. A Antiguidade<br />

Clássica faz apelo às ilhas míticas, fantásticas e imaginárias, cuja localização acontece<br />

sempre no <strong>Atlântico</strong> 10 . O fascínio pelo mundo insular manteve-se com os descobrimentos<br />

europeus, exercendo as ilhas um certo fascínio na divulgação das notícias. Foi uma<br />

dominante da cultura Ocidental e Oriental, ganhando um papel de relevo na mitologia e na<br />

construção dos mitos 11 . Daqui resultou a moda de divulgação com os isolarios, em que se<br />

destaca o de Beneditto Bordone de 1528 12 . Depois, construíram-se pontes como pilhares<br />

assentes nas ilhas. <strong>As</strong> rotas do <strong>Atlântico</strong>, Índico e Pacífico só se afirmam por força da<br />

presença das ilhas. D. Manuel, ciente da importância desta realidade, mandou estabelecer o<br />

Livro das <strong>Ilhas</strong> para tombar toda a documentação mais significativa referente às mesmas 13 .<br />

Em síntese podemos afirmar que as ilhas foram espaços de construção das utopias, escalas<br />

retemperadoras da navegação, áreas de desusada riqueza como de destinos de desterro de<br />

criminosos e políticos, refúgio de piratas, aventureiros, de lazer e turismo. No vasto conjunto<br />

de ilhas que povoam o oceano devemos salientar pelo menos três grupos: oceânicas (Açores,<br />

Madeira…), continentais (Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Santa Catarina…) e fluviais (São<br />

Luís,…). Esta posição conduz a um diferente protagonismo histórico. <strong>As</strong>sim, enquanto as<br />

fluviais e continentais se evidenciam pela dependência ao espaço continental vizinho, as<br />

oceânicas estão entregues a si próprias.<br />

A HISTORIOGRAFIA INSULAR<br />

Algumas das questões têm definido os rumos da investigação insular. O enquadramento do<br />

mundo insular no contexto dos descobrimentos europeus faz ressaltar o protagonismo socioeconómico,<br />

a posição charneira dos rumos da política expansionista. <strong>As</strong> funções de escala, e<br />

modelo projectaram-nas na nova realidade emergente e conduziram a que fossem parte disso<br />

e não um mundo à parte. Por outro lado a expansão europeia foi propícia a definição de teias<br />

de subordinação e complementaridade que levaram a modelação de um mercado insular<br />

aberto e vinculado, de acordo com uma lógica de complementaridade. É isso, em certa<br />

medida, que define aquilo que ficou conhecido como o Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong> nos séculos<br />

8<br />

. D. W. Meinig, The Shaping of América: A Geographical Perspective on 500 years of History, vol. I: Atlantic America 1492-1800, New<br />

Haven, 1986. Pieter Emmer, In Search of a System: The Atlantic Economy, 1500-1800, in Horst Pietschmann, Atlantic History. History of the<br />

Atlantic System 1580-1830, Gottingen, 2002, pp.169-178; Barbara L. Solow, Slavery and the Rise of the Atlantic System, N. York, 1991.<br />

9<br />

. Cf. José Manuel Azevedo e Silva, A Importância dos Espaços Insulares no Contexto do mundo <strong>Atlântico</strong>, in História das <strong>Ilhas</strong><br />

Atlânticas, vol. I, Funchal, 1997, pp.125-161.<br />

10<br />

.W.H. Babcock, Legendary Islnads of the Atlantic, N.York, 1922; Marcos Martinez, Canárias en la Mitologia, Santa Cruz de Tenerife,<br />

1992; IDEM, Las Islas Canárias de la antiguedad al renacimiento. Nuevos <strong>As</strong>pectos , Santa Cruz de Tenerife, 1996.<br />

11 . Antonio Carlos Diegues, <strong>Ilhas</strong> e Mares. Simbolismo e imaginário, S. Paulo, Editora Hucitec, 1998, pp.80, 129-193<br />

12 . Inácio Guerreiro, Tradição e Modernidade nos Isolarios ou “livros das <strong>Ilhas</strong>”, dos Séculos XV e XVI, in Oceanos, nº. 46(Lisboa, 2001),<br />

pp.28-40.<br />

13 . Cf. José Pereira da Costa, O Livro das <strong>Ilhas</strong>, Lisboa, 1987.


XV a XVII.<br />

A favor da valorização dos espaços insulares temos, ainda, a tese que vingou no seio da<br />

Historiografia americana que apresenta o <strong>Atlântico</strong> como uma unidade de análise. O período,<br />

que decorre entre os inícios de expansão europeia, a partir do século XV, e a abolição da<br />

escravatura, em 1888, delimita cronologicamente a realidade 14<br />

. A dimensão assumida pelas<br />

ilhas no contexto da expansão quatrocentista, quer como terra de navegadores, quer como<br />

principal centro que modelou a realidade socio-económico do novo espaço atlântico, é a<br />

evidência da imprescindível da dimensão atlântica.<br />

Se tomarmos em linha de conta alguns dos temas comuns da historiografia, como o vinho, o<br />

açúcar e a escravatura, seremos forçados a concluir que foram eles em boa parte, os<br />

responsáveis pela opção atlântica e que obrigam, sempre e em qualquer momento, a dar<br />

atenção ao meio envolvente. <strong>As</strong> rotas comerciais, os mercados europeus e colonial, e, acima<br />

de tudo, o oceano como mar aberto estão sempre presentes. Por tudo isto é forçoso afirmar<br />

que a ilha não se reduz à dimensão geográfica. À sua volta palpita um mundo gerador de<br />

múltiplas conexões, que não pode ser descurado sob pena de estarmos a atraiçoar o devir<br />

histórico. Há que rasgar o casulo da ilha e postar-se nas torres avista-navios de forma a<br />

vislumbrar o imenso firmamento que nos conduz a ilhas e continentes. Isto só será possível<br />

quando ultrapassarmos a fase do egocentrismo, da insularização e mergulharmos na<br />

profundeza do <strong>Atlântico</strong> à busca da atlanticidade.<br />

Os rumos definidos pela historiografia insular nos últimos anos pautam-se por uma grande<br />

abertura temática e de envolvimento do espaço circunvizinho, isto é, as ilhas e os continentes<br />

que marcaram o devir histórico nos últimos cinco séculos. Deste modo poder-se-á afirmar que<br />

nas últimas décadas a historiografia saiu do casulo que a envolvia ganhando pela dimensão<br />

insular e atlântica. Acontece que esta não é uma atitude comungada por todos nós, havendo<br />

quem ainda se refugie no casulo da ilha e do próprio mundo, ignorando tudo e todos.<br />

O caminho para a investigação passa necessariamente pelo conhecimento do que existe, isto<br />

é, do imprescindível estado da questão. Nunca devemos avançar para uma pesquisa<br />

documental ou uma qualquer abordagem temática sem sabermos o que os outros fizeram<br />

sobre o mesmo. É a etapa primeira e fundamental de todo o percurso. Ignorar os outros não é<br />

honesto, mesmo se não fazemos uso das aportações. O aparato bibliográfico não é só uma<br />

questão de justiça, mas também uma necessidade imperiosa da produção científica. É<br />

chegado o momento de reflectir sobre a forma como se faz a História das <strong>Ilhas</strong>. Para isso<br />

torna-se imperioso repensar actividade historiografia para que seja possível a definição de<br />

novos rumos adequados ao protagonismo e posicionamento que assumimos na História.<br />

Na actualidade depara-se perante nós um momento de grande valorização da História no<br />

quotidiano. Dispomos de tudo o necessário para isso: publicações periódicas, colóquios e<br />

conferências e um desusado interessem do público em geral pela temática. Mas será que isto<br />

tem favorecido, em simultâneo, a afirmação da investigação e consequente avanço do<br />

conhecimento do nosso passado histórico? Não será a via mais fácil para a ridicularizarão do<br />

conhecimento histórico, fazendo valer o primado do documento isolado, fruto de leitura<br />

14 . Cf. Alan L. Kanas e J. R. Manell, Atlantic American Societies-from Columbus Through Abolition 1492-1886, London, 1992; Alfred W.<br />

Crosby, the Columbian Exchange, Biological and Cultural Consequences of 1492, Westport, 1972; S. Mintz, Sweetness and Power, N. York,<br />

1985. Michael Meyerr, "The price of the new transnational history", the American Historical Review, 96, nº 4, 1991, 1056-1072; D.W. Meinig,<br />

Atlantic America 1492-1800, New Haven, 1980: Lan Stelle, The English Atlantic, 1675-1740 - An exploration & Communication and<br />

Community, N. Y. 1986.


apressada e da incessante procura de textos para colóquios e revistas. <strong>As</strong> perspectivas<br />

globalizantes não se compadecem com a dimensão do nosso umbigo e as limitações, que a<br />

nossa condição de ilhéus, por vezes nos impõe. Devemos criar mecanismos e disponibilidade<br />

para que em qualquer trabalho que seja, tomemos conhecimentos de tudo o que existe em<br />

termos bibliográficos e documentais. A História não se faz apenas com um documento, ou a<br />

leitura deste ou aquele texto. A abordagem parcelar não faz História, apenas a indicia e, por<br />

vezes, no sentido errado.<br />

A História insular carece também de uma revolução temática, o chamado "território do<br />

historiador" precisa de ser alargado para além dos "solos" ricos e tradicionais. A par disso o<br />

ofício precisa de ser dignificado através da perícia no manejo dos instrumentos de trabalho. O<br />

futuro da historiografia insular está no desfazer as auréolas de egocentrismo e insularidade,<br />

apercebendo-se da dimensão atlântica da sua História. A realização dos colóquios de História<br />

das <strong>Ilhas</strong> obedece a este princípio 15 .<br />

A HISTORIOGRAFIA, OS HISTORIADORES E AS NOVAS REALIDADES.<br />

A História das ilhas atlânticas tem merecido, na presente centúria, um tratamento preferencial<br />

no âmbito da História do <strong>Atlântico</strong>. Primeiro foram os investigadores europeus como F.<br />

Braudel (1949), Pierre Chaunu (1955-1960), Frédéric Mauro (1960) e Charles Verlinden<br />

(1960) a destacar a importância do espaço insular no contexto da expansão europeia. E só<br />

depois surgiu a historiografia nacional a corroborar a ideia e a equacioná-la nas dinâmicas da<br />

expansão insular. São pioneiros os trabalhos de Francisco Morales Padron (1955) e Vitorino<br />

de Magalhães Godinho (1963). Esta ambiência condicionou os rumos da historiografia insular<br />

nas últimas décadas e contribuiu para a necessária abertura às novas teorias e orientações do<br />

conhecimento histórico. <strong>As</strong> décadas de setenta e oitenta demarcam-se como momentos<br />

importantes no progresso da investigação e saber históricos, contribuindo para tal a definição<br />

de estruturas institucionais e de iniciativas afins.<br />

A produção historiográfica insular é desigual, dependendo o número da existência de literatos<br />

e de instituições capazes de incentivarem a elaboração e divulgação de estudos nos diversos<br />

domínios. Ainda, a similitude do processo vivencial aliada à permeabilidade às perspectivas<br />

históricas peninsulares definiram uma unidade na forma e conteúdo da historiografia insular.<br />

Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI, com as Saudades da Terra, define e sintetiza a<br />

unidade insular, aproximando os arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias. Esta ímpar<br />

situação na historiografia, só foi retomada na década de quarenta do nosso século pela<br />

historiografia europeia e no presente pela nova geração de historiadores insulares. Esta<br />

consciência histórica da unidade da múltipla realidade arquipelágica foi definida de modo<br />

preciso na expressão braudeliana de Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong> 16 .<br />

A historiografia insular, permeável às origens europeias, surge, na alvorada da revolução do<br />

conhecimento cosmológico, como a expressão pioneira da novidade e, ao mesmo tempo<br />

necessidade institucional de justificação da intervenção e soberania peninsular. O período que<br />

medeia os séculos XV e XVI foi marcado por uma produção historiográfica mais europeia<br />

15 . Os colóquios iniciaram-se em 1985 e até ao momento já se realizaram seis encontros, de que resultaram 10 volumes com significativas<br />

aportações. Ao mesmo nível se situa o projecto por nós coordenado: Guia Para a História e Investigação das <strong>Ilhas</strong> Atlânticas, Funchal,<br />

1995<br />

16 . Foi esse o objectivo dos nossos estudos: Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1987;<br />

Portugal y las islas del Atlántico, Madrid, 1992.


que local, próxima da crónica e da literatura de viagens, onde se espraiam estes ideais. Os<br />

factos históricos e as impressões das viagens atlânticas, perpetuados nas crónicas e relatos de<br />

diversa índole terão uma utilização posterior de acordo com as exigências da época.<br />

<strong>As</strong> exigências académicas, com a expansão do saber universitário, as solicitações do novo<br />

conhecimento histórico condicionaram tal avanço qualitativo da historiografia, a partir da<br />

década de quarenta. <strong>As</strong>sim, nas Canárias a tradição e vivência universitária propiciaram o<br />

forte arranque, enquanto nos Açores o academismo cultural e, depois, a universidade<br />

lançaram o arquipélago para uma posição similar. A Madeira, prenhe em documentos<br />

manteve-se num segundo plano, mercê da falta de suporte institucional e académico. Todavia,<br />

as condições imanentes da dinâmica autonómica com o aparecimento de suportes<br />

institucionais definiram um futuro promissor.<br />

O século XX pode ser considerado sem dúvida o momento de afirmação da Historiografia<br />

insulana. Um conjunto variado de realizações públicas, o lançamento de publicações da<br />

especialidade e a criação dos arquivos distritais ou provinciais alicerçaram a nova realidade.<br />

Na Madeira (1919-1921) e Açores (1932) as comemorações da respectiva descoberta<br />

associadas às efemérides nacionais de 1940 e 1960 contribuíram de modo decisivo para a<br />

afirmação e divulgação da História. Para as Canárias a animação ficou a dever-se ao impulso<br />

dado por Elias Serra Ráfols, a partir dos anos quarenta, na Universidade de La Laguna, que<br />

conseguiu motivar um numeroso grupo de entusiastas pela história do arquipélago,<br />

encaminhando-os para a carreira científica e para a valorização dos vestígios documentais<br />

levado a cabo com a criação dos arquivos provinciais. <strong>As</strong> três últimas décadas do século XX<br />

foram decisivas para o salto qualitativo da Historiografia insular, demarcando em todos os<br />

arquipélagos uma ambiência favorável à afirmação. Aqui, assumem particular importância as<br />

instituições culturais, as publicações periódicas e, a inovação da época, os colóquios de<br />

História.<br />

Os colóquios são na actualidade um momento privilegiado da divulgação do saber histórico.<br />

Estamos perante uma nova dimensão historiográfica, que surgiu a partir da década de setenta,<br />

firmando-se nos últimos anos como uma realidade insofismável. A década de oitenta emerge<br />

assim como o momento de maior relevância na investigação histórica insular, que<br />

condicionou os rumos da Historiografia nas décadas seguintes. Na verdade, os encontros, para<br />

além de permitirem o contacto com outras correntes historiográficas, têm o condão de nos<br />

oferecer visões de fora dos mesmos acontecimentos, permitindo um maior enquadramento<br />

das realidades 17 .<br />

Por tudo isto é forçoso afirmar que a ilha não se reduz apenas à dimensão geográfica. À sua<br />

volta palpita um mundo que gera múltiplas conexões e que não pode ser descurado sob pena<br />

de estarmos a atraiçoar o próprio devir histórico. Há que rasgar o casulo da ilha e postar-se<br />

nas torres avista-navios e vislumbrar o imenso firmamento que nos conduz a outras ilhas e<br />

continentes. Isto só será possível quando ultrapassarmos a fase do egocentrismo e<br />

mergulharmos na profundeza do <strong>Atlântico</strong> à busca da atlanticidade.<br />

A DIMENSÃO INSULAR E ATLÂNTICA DA ECONOMIA<br />

17 . Primeiro foram os investigadores das Canárias a reconhecer a necessidade deste tipo de realização ao lançarem em 1976 o Colóquio<br />

de História Canario Americana, sob a égide da Casa de Colón, com a coordenação do Prof. Doutor Francisco Morales Padron. Os<br />

resultados da primeira iniciativa contribuíram para a continuidade e a concretização de idêntica iniciativa nos Açores (1983), em<br />

Fuerteventura (1984) e, por último, na Madeira (1986).


"...O conjunto dos arquipélagos das Canárias, Madeira e Açores: escalas obrigatórias em todo esse<br />

<strong>sistema</strong> mundial, uma vez que o globo se tornou em periferia desse centro dinâmico, empreendedor e<br />

avassalador, que é a Europa ocidental dos séculos XVI-XVIII. (...) A Madeira situa-se no centro deste<br />

<strong>sistema</strong> de duplo sentido, e por isso de certo modo comanda todo este espaço, porque vive sobretudo<br />

da riquíssima produção própria." V. M. Godinho, Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar.<br />

Séculos XIII-XVIII, Lisboa, 1990.<br />

A historiografia vem defendendo única e exclusivamente a vinculação das ilhas ao Velho<br />

Mundo, realçando apenas a importância desta relação umbilical com a mãe-pátria. Os séculos<br />

XV e XVI seriam definidos como os momentos áureos do relacionamento, enquanto a<br />

conjuntura setecentista seria a expressão da viragem para o Novo Mundo, em que alguns<br />

produtos, como o vinho, assumem o papel de protagonista e responsável das trocas<br />

comerciais.<br />

Os estudos por nós realizados vieram a confirmar que a situação do relacionamento exterior<br />

da ilha não se resumia apenas a estas situações 18 . À margem das importantes vias e mercados<br />

subsistem outras que activaram também a economia madeirense, desde o séc. XV. <strong>As</strong><br />

conexões com os arquipélagos próximos (Açores e Canárias) ou afastados (Cabo Verde, S.<br />

Tomé e Príncipe) foram já motivo de aprofundada explanação, que propiciou a valorização da<br />

estrutura comercial 19 . Aqui ficou demonstrada a importância assumida pelos contactos<br />

humanos e comerciais, que no primeiro caso, resultou da necessidade de abastecimento de<br />

cereais e, no segundo, das possibilidades de intervenção no tráfico negreiro, mercê da<br />

vinculação às áreas africanas da Costa da Guiné, Mina e Angola.<br />

Para além do privilegiado relacionamento com o mundo insular, a praça comercial<br />

madeirense foi protagonista de outros destinos no litoral africano ou americano e rosário de<br />

ilhas da América Central. No primeiro rumo ressalta a costa marroquina, onde os portugueses<br />

assentaram algumas praças, defendidas, a ferro e fogo, pelos ilhéus 20 . No século XVI, com a<br />

paulatina afirmação do novo mundo americano costeiro e insular, depara-se um novo destino<br />

e mercado, que pautou o relacionamento externo nas centúrias posteriores. O novo mundo e<br />

mercado foram para muitos uma esperança de enriquecimento ou a forma de assegurar a<br />

posse de bens fundiários.<br />

Em qualquer das situações o estreitamento dos contactos depende, primeiro, da presença de<br />

uma comunidade que pretende manter o contacto com a terra-mãe e depois das possibilidades<br />

de troca favorável. A oferta de vinho e a procura pelos agentes do tráfico negreiro, para<br />

enganadoramente oferecerem aos sobas africanos, ou do outro lado do <strong>Atlântico</strong> saciar a sede<br />

do europeu a troco do açúcar, foi o principal motor de relacionamento. A situação influenciou<br />

decisivamente a estrutura comercial, a partir da segunda metade do século XVI.<br />

18 . "O comércio de cereais dos Açores para a Madeira no século XVII", in Os Açores e o <strong>Atlântico</strong> (séculos XIV-XVII), A. Heroismo, 1984; "O<br />

comércio de cereais das Canárias para a Madeira nos séculos XVI e XVII", in VI Colóquio de História Canario Americana, Las Palmas, 1984;<br />

"Madeira e Lanzarote. Comércio de escravos e cereais no século XVII", in IV Jornadas de História de Lanzarote e Fuerteventura, Arrecife de<br />

Lanzarote, 1989.<br />

19 .O comércio inter-insular(Madeira, Açores e Canárias) nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987.<br />

20 .A.A.SARMENTO, A Madeira e as praças de África. dum caderno de apontamentos, Funchal, 1932: Robert RICARD, "Les places lusomarocaines<br />

et les Iles portugaises de l'Atlantique", in Anais da Academia Portuguesa de História, II série, vol.II, 1949; António Dias<br />

FARINHA, "A Madeira e o Norte de África nos séculos XV e XVI", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira.1986, vol.I,<br />

Funchal, 1989, pp.360-375.


AS ILHAS E O ATLÂNTICO<br />

O <strong>Atlântico</strong> não é só uma imensa massa de água, polvilhada de ilhas, pois a ele associa-se<br />

uma larga tradição histórica que remonta à Antiguidade, donde resultou o nome de baptismo.<br />

Aqui deparamo-nos com um conjunto polifacetado de ilhas e arquipélagos que se tornaram<br />

relevantes no processo histórico do Oceano, quase sempre como intermediários entre o maralto<br />

e os portos litorais dos continentes europeu, africano e americano.<br />

<strong>As</strong> ilhas anicham-se, de um modo geral, junto da costa dos continentes africano e americano,<br />

pois apenas os Açores, Santa Helena, <strong>As</strong>censão e o grupo de Tristão da Cunha se distanciam.<br />

Desde o pioneiro estudo de Fernand Braudel 21 que às ilhas foi atribuída uma posição chave na<br />

vida do oceano e do litoral dos continentes. A partir daqui a Historiografia passou a<br />

manifestar grande interesse. Note-se ainda que, segundo Pierre Chaunu 22 , foi activa a<br />

intervenção dos arquipélagos da Madeira, Canárias e Açores na economia dos séculos XV e<br />

XVII 23 .<br />

Para o <strong>Atlântico</strong> português a conjuntura foi diversa, pois a actuação em três frentes — Costa<br />

da Guiné, Brasil e Índico — alargou os enclaves de domínio ao sul do oceano. Neste contexto<br />

surgiram cinco vértices insulares de grande relevo — Açores, Canárias, Cabo Verde, Madeira<br />

e S. Tomé — imprescindíveis para a afirmação da hegemonia e defesa das rotas oceânicas<br />

dos portugueses. Aí assentou a coroa portuguesa os principais pilares atlânticos da acção,<br />

fazendo de ilhas desertas, lugares de acolhimento e repouso para os náufragos, ancoradouro<br />

seguro e abastecedor para as embarcações e espaços agrícolas dinamizadores da economia<br />

portuguesa. No primeiro caso podemos referenciar a Madeira, Canárias, Cabo Verde, S.<br />

Tomé, Santa Helena e Açores, que emergem, a partir de princípios do século XVI, como os<br />

principais eixos das rotas do <strong>Atlântico</strong>.<br />

Aqui há necessidade de diferenciar as que se afirmaram como pontos importantes das rotas<br />

intercontinentais, como foi o caso das Canárias, Santa Helena e Açores, e as que se filiam nas<br />

áreas económicas litorais, como sucedeu com Arguim, Cabo Verde, o arquipélago do Golfo<br />

da Guiné, Santa Catarina e Marajó. Todas vivem numa situação de dependência em relação<br />

ao litoral que as tornou importantes. Apenas a de S. Tomé, pela importância da cana-deaçúcar,<br />

esteve fora desta subordinação por algum tempo.<br />

O protagonismo das ilhas das Canárias e dos Açores no traçado das rotas oceânicas que se<br />

dirigiam e regressavam das Índias ocidentais e orientais é muito mais evidente, sendo<br />

resultado da sua posição às portas do oceano. Actuaram como via de entrada e de saída das<br />

rotas oceânicas, atraindo a pirataria e corso para a região circunvizinha. Mas os arquipélagos<br />

não foram apenas áreas de apoio, uma vez que o solo fértil permitiu um aproveitamento das<br />

potencialidades por meio das culturas europeio-mediterrâneas. Foi a última vertente que os<br />

projectou para um lugar relevante na História do <strong>Atlântico</strong>.<br />

A valorização sócio-económica dos espaços insulares não foi unilinear, dependendo da<br />

confluência de dois factores. Primeiro, os rumos definidos para a expansão atlântica e os<br />

21 . O Mediterrâneo e o Mundo Maditerrânico na época de Filipe III, 2 vols., Lisboa, 1984 (1ª edição em 1949).<br />

22 . Sevilla y América. siglos XVI y XVII, Sevilha, 1983.<br />

23 . Confronte-se nossos estudos: Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1987; Portugal y<br />

las islas del Atlántico, Madrid, 1992.


níveis de expressão em cada um, depois as condições propiciadoras de cada ilha ou<br />

arquipélago em termos físicos, de habitabilidade ou da existência ou não de uma população<br />

autóctone. Quanto ao último aspecto é de salientar que apenas as Antilhas, Canárias e a<br />

pequena ilha de Fernão do Pó, no Golfo da Guiné, já estavam ocupadas quando aí chegaram<br />

os marinheiros peninsulares. <strong>As</strong> restantes encontravam-se abandonadas — não obstante falarse<br />

de visitas esporádicas às ilhas dos arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé por gentes<br />

costeiras — o que favoreceu o imediato e rápido povoamento, quando as condições do<br />

ecos<strong>sistema</strong> o permitiam.<br />

Se na Madeira a tarefa foi fácil, não obstante as condições hostis da orografia, o mesmo não<br />

se poderá dizer dos Açores ou de Cabo Verde, onde os primeiros colonos enfrentaram<br />

diversas dificuldades. Para as ilhas já ocupadas as circunstâncias foram diferentes, pois<br />

enquanto nas Canárias os castelhanos defrontaram-se com os autóctones por largos anos<br />

(1402/1496). Já em Fernão do Pó e nas Antilhas foi mais fácil vencer a resistência indígena.<br />

O <strong>Atlântico</strong> foi a partir do século XV um mar ibérico. Os actos formais desta partilha pelas<br />

coroas peninsulares têm lugar em 1479 em Alcáçovas e 1494 em Tordesilhas. A resposta dos<br />

restantes reinos europeus a este mar fechado foi o recurso ao corso como arma chave para<br />

abrir o oceano a todas as potências marítimas. A ultima situação teve consequências nefastas<br />

à estabilidade e segurança das rotas comerciais, obrigando os reinos peninsulares a definiram<br />

uma política consertada dos interesses no mar e em terra. Na estratégia de domínio e controle<br />

do espaço atlântico as ilhas assumiram um papel fundamental. São áreas destacadas de<br />

exploração económica, mas também portos fundamentais para o apoio e defesa da navegação.<br />

Neste contexto temos em data anterior a 1527 a criação da Provedoria das Armadas na ilha<br />

Terceira. Este papel das ilhas é fundamental para entender as disputas que se sucedem na<br />

década de oitenta do século XVI e que tem por palco as ilhas açorianas.<br />

<strong>As</strong> ilhas foram também espaços criadores de riqueza, sendo a agricultura a principal aposta.<br />

Esta exploração obedece às exigências da subsistência das populações e às solicitações do<br />

mercado externo com os produtos de exportação. Os Açores foi atribuído o papel de celeiro<br />

do atlântico português, enquanto a Madeira se especializa nos produtos de exportação com<br />

grande procura na Europa ou no mercado colonial. Estava assim dado o mote para o binómio<br />

da economia madeirense: açúcar e vinho. Em Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, a<br />

proximidade ao continente africano conduziu a que tivessem outro protagonismo, sendo<br />

portos de ligação entre o mercado de escravos do continente africano e o novo mundo. Foi<br />

este o papel mais evidente, não obstante a efémera experiência açucareira de S. Tomé.<br />

A aclamação de Filipe II em 14 de Setembro de 1580 como rei de Portugal foi um marco<br />

decisivo na mudança do equilíbrio precário que dominava as relações das diversas potências<br />

europeias no palco atlântico. A partir daqui os confrontos transferiram-se para as ilhas<br />

atlânticas, e de modo especial os Açores, consideradas fundamentais para a manutenção da<br />

hegemonia ibérica. Desta forma não será ocasional a transferência dos conflitos europeus para<br />

os mares açorianos, onde os ingleses e franceses se batem pelos interesses de D. António<br />

contra o avanço da soberania de Filipe II. O conflito só ficou resolvido em 26 de Julho de<br />

1583 com a célebre batalha de Porto de Mós na ilha Terceira. A principal consequência da<br />

adesão forçada ou pacífica das ilhas a nova monarquia ibérica estava na vulnerabilidade face<br />

às investidas dos inimigos europeus. Os corsários são os protagonistas. O corso a partir da<br />

década de oitenta tomou outro rumo, sendo uma forma de represália à união das duas coroas<br />

peninsulares. A crise dinástica portuguesa e a consequente união das coroas peninsulares<br />

levaram a uma abertura total da área ao comércio dos insulares, vizinhos e demais europeus,


nomeadamente, os holandeses. Perante isto Santiago deixou de ser o principal entreposto dos<br />

Rios de Guiné, pelo que foram evidentes os reflexos na economia da ilha. Por outro lado a S.<br />

Tomé torna-se mais evidente no papel de entreposto de escravos, nomeadamente de Angola,<br />

uma vez destruída a economia açucareira. Se é certo que as ilhas se fecharam ao comércio<br />

com os inimigos políticos e religiosos, também não é menos verdade que a união não<br />

conseguiu garantir o exclusivo dos mercados detidos pelas monarquias ibéricas, agora unidas.<br />

Isto foi um passo para a partilha do oceano por todas as potências europeias, que não<br />

prescindiram da posição fundamental das ilhas.<br />

Nos séculos XV e XVI as ilhas e arquipélagos firmaram um lugar de relevo na economia<br />

atlântica, distinguindo-se pela função de escala económica ou mista: no primeiro caso surgem<br />

as ilhas de Santa Helena, <strong>As</strong>censão, Tristão da Cunha, para o segundo as Antilhas e a Madeira<br />

e no terceiro as Canárias, Os Açores, Cabo Verde, são Tomé e Príncipe. Neste grupo<br />

emergem a Madeira e as Canárias pelo pioneirismo da ocupação que, por isso mesmo, se<br />

projectaram no restante espaço atlântico por meio de portugueses e castelhanos. Daqui<br />

resultou a vinculação económica e institucional da Madeira ao espaço atlântico português,<br />

como o é das Canárias com as índias de Castela. Daí também a importância que assume para<br />

o estudo e conhecimento da História do <strong>Atlântico</strong> a valorização da pesquisa histórica sobre<br />

ambos os arquipélagos 24 .<br />

Em síntese, as ilhas jogaram um papel fundamental na estratégia de afirmação colonial no<br />

Novo Mundo. São pilares do complexo que começou a construir-se a partir do século XV.<br />

Foram, primeiro a imagem do Paraíso e depois afirmaram se como espaços de rica exploração<br />

económica, escalas retemperadoras e de apoio aos intrépidos marinheiros. Paulatinamente<br />

ganharam a merecida posição na estratégia colonial, projectando-se nos espaços continentais<br />

próximos e longínquos. Abriram aos europeus as portas do <strong>Atlântico</strong> e mantiveram-se até a<br />

actualidade como peças fundamentais. Como ponto de partida para os descobrimentos<br />

oceânicos contribuíram para a afirmação e controlo dos mercados continentais vizinhos,<br />

como sucedeu em Cabo Verde e S. Tomé.<br />

Nos séculos XVIII e XIX não foi menor o protagonismo insular. <strong>As</strong> ilhas passaram de escalas<br />

de navegação e comércio a centros de apoio e laboratórios da ciência. Os cientistas cruzam-se<br />

com mercadores e seguem as rotas delineadas desde o século XV. Juntaram-se, depois, os<br />

"turistas", que afluem às ilhas desde o século XVIII na busca de cura para a tísica pulmonar<br />

ou à descoberta. Este movimento foi o início do turismo nas ilhas que só adquiriu a dimensão<br />

actual na década de cinquenta do século XX. Todo o protagonismo insular faz jus à ideia de<br />

que os portugueses criaram um império anfíbio. <strong>As</strong> ilhas foram o principal pilar e o mar o<br />

traço de união. A omnipresença do mar está patente num provérbio chinês: os portugueses<br />

são como peixes, que morrem quando se lhes tira a água 25 .<br />

AS ILHAS E OS DESCOBRIMENTOS<br />

No conjunto, os arquipélagos do <strong>Atlântico</strong> Oriental - Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde,<br />

24 . Cf. Alan L. Kanas e J. R. Manell, Atlantic American Societies-from Columbus through abolition 1492-1886, London, 1992; Alfred<br />

W. Crosby, the Columbian exchange, biological and cultural consequences of 1492, Westport, 1972; S. Mintz, Sweetness and power,<br />

N. York, 1985. Michael Meyerr, "The price of the new transnational history", the American Historical Review, 96, nº 4, 1991, 1056-<br />

1072; D. W. Meinig, Atlantic America 1492-1800, New Haven, 1980: Lan Stelle, The english atlantic, 1675-1740 - An exploration &<br />

communication and community, N. Y. 1986.<br />

25 . Urs Bitterli, Los "Selvajes" y los "civilizados"El encuentro de Europa y Ultramar, Mexico, 1981


S. Tomé-- deram um contributo à plena valorização e afirmação do novo espaço que ganhou<br />

evidencia no império português. A Madeira assume um papel fundamental. Senão vejamos.<br />

Logo a partir de 1515 a presença madeirense é notada no transplante das socas de cana na<br />

Baía e S. Vicente (Santos), mas a presença é mais notória na economia açucareira brasileira a<br />

partir de meados do século XVI. Também a cultura da vinha no Brasil está ligada à Madeira,<br />

pois em 1532 Martin Afonso de Sousa terá conduzido as primeiras cepas madeirenses que<br />

foram plantadas em S. Vicente e depois a partir de 1551 avançaram para o interior na área<br />

que é hoje S. Paulo.<br />

A Madeira foi pioneira e ponto de partida para a expansão do cultivo da cana sacarina e<br />

fabrico do açúcar no espaço atlântico. Mas não se fica por aqui, alargando-se às ilhas da<br />

América Central. Note-se que muitos, afugentados do Nordeste brasileiro pelo ocupante<br />

holandês na década de trinta do século XVII, foram parar às Caraíbas onde promoveram a<br />

indústria. Foi, aliás, no período da ocupação holandesa do Pernambuco que se evidenciou de<br />

igual forma o protagonismo dos madeirenses através da defesa face à cobiça holandesa.<br />

Muitos madeirenses corresponderam à chamada para correr com o invasor, sendo o<br />

movimento chefiado por um outro madeirense, João Fernandes Vieira, conhecido como<br />

libertador de Pernambuco. São aqueles madeirenses que se haviam batido com bravura nas<br />

pelejas de defesa das praças marroquinas, de Angola ou na expansão e conquista do Índico,<br />

que agora na primeira linha da salvaguarda deste rincão do mundo colonial.<br />

O mesmo princípio orientará a presença de muitas famílias madeirenses e açorianas no Sul do<br />

vasto espaço brasileiro, dando origem às colónias de povoamento na ilha de Santa Catarina e<br />

litoral próximo. A actual cidade de Portalegre foi criada por iniciativa de um madeirense que<br />

conseguiu convencer um grupo de açorianos a avançar para o sertão. O movimento de<br />

colonização das terras do sul do Brasil, como forma de defesa da soberania face à cobiça<br />

castelhana animada pela guerra de fronteiras. Mais uma vez os insulares cumprem a missão<br />

de defesa de soberania nos mais recônditos espaços do império.<br />

Por tudo isto podemos afirmar com segurança que as ilhas não foram apenas contribuintes<br />

financeiras do processo que levou a cultura e soberania imperial portuguesa aos quatro cantos<br />

do mundo, mas também participantes activos do processo. Por isso muitos foram tragados<br />

pela fúria das ondas ou sucumbiram vítimas das doenças tropicais e muitos outros caíram no<br />

campo de batalha, para que tal como nos assinala o poeta, “fosse nosso o mar”.<br />

É evidente o contributo madeirense para a construção da sociedade brasileira. A riqueza<br />

propiciada pelo açúcar não escapa ao engenho e arte dos nossos antepassados. Mas esta<br />

dádiva espraia-se noutras acções de defesa do espaço nos séculos XVII e XVIII. <strong>As</strong> colónias<br />

de povoamento do sul, impropriamente designadas de açorianas são criadas com o esforço de<br />

aventureiros madeirenses e açorianos. <strong>As</strong> condições sócio-económicas de ambas as ilhas<br />

aliadas às questões políticas definiram a necessidade deste surto migratório incentivado pela<br />

coroa que conduziu ao extremo sul do vasto espaço brasileiro a presença açórico-madeirense.<br />

O testemunho disso é ainda visível em algumas tradições culturais que persistem.<br />

Se é certo que os ilhéus estiveram ausentes do “achamento” das terras da Vera Cruz a<br />

presença torna-se notada no percurso histórico que se seguiu e que levou ao descobrimento do<br />

Brasil. E a construção como espaço açucareiro ou dos bandeirantes em busca dos metais e<br />

pedras preciosas foi também fruto do sangue e suor de muitos insulares. <strong>As</strong> ilhas não ficaram<br />

alheias ao descobrimento e processo de construção do Brasil e por isso não podem ser<br />

esquecidas na actual comemoração.


A Madeira, os Açores foram terras descobertas, mas também de descobridores. Na verdade,<br />

afirmaram-se no processo da expansão europeia pela singularidade da intervenção. Vários são<br />

os factores que o propiciaram, no momento de abertura do mundo atlântico, e que fizeram<br />

com que ela fosse, no século XV, uma das peças chave para a afirmação da hegemonia<br />

portuguesa no Novo Mundo. O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao<br />

encontro da Europa em expansão. Além disso ela é considerada a primeira pedra do projecto,<br />

que lançou Portugal para os anais da História do oceano que abraça o seu litoral abrupto. A<br />

fundamentação de tudo isto está patente no real protagonismo da ilha e das suas gentes. Á<br />

função de porta-estandarte do <strong>Atlântico</strong>, a Madeira associou outras, como “farol” <strong>Atlântico</strong>, o<br />

guia orientador e apoio para as delongas incursões oceânicas. Por isso nos séculos que nos<br />

antecederam, ela foi um espaço privilegiado de comunicações, tendo a favor as vias traçadas<br />

no oceano que a circunda e as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da<br />

cana sacarina e vinha. Ambas as condições contribuíram para que o isolamento definido pelo<br />

oceano fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente<br />

europeu e o Novo Mundo. Como corolário desta ambiência a Madeira firmou uma posição de<br />

relevo nas navegações e descobrimentos no <strong>Atlântico</strong>.<br />

O desenvolvimento da economia de mercado, em uníssono com o empenhamento dos<br />

principais povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento do <strong>Atlântico</strong>,<br />

reforçaram a posição e fizeram avolumar os serviços prestados pelos madeirenses. Surgiu<br />

uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada de títulos e benesses pelos serviços<br />

prestados no reconhecimento da costa africana, defesa das praças marroquinas, ou nas<br />

campanhas brasileiras e Indicas 26 . A proximidade da Madeira ao vizinho arquipélago das<br />

Canárias, em conjugação com o rápido surto do povoamento e valorização sócio-económica<br />

do solo, orientaram as atenções do madeirense para as ilhas. <strong>As</strong>sim, decorridos apenas vinte e<br />

seis anos sob a ocupação, os moradores da Madeira empenharam-se na disputa pela posse das<br />

Canárias, ao serviço do infante D. Henrique. Em 1446 João Gonçalves Zarco, foi enviado a<br />

Lanzarote, como plenipotenciário para afirmar o contrato de compra da ilha. Acompanhamno<br />

as caravelas de Tristão Vaz, capitão do donatário em Machico e de Garcia Homem de<br />

Sousa, genro de Zarco 27 . Mais tarde em 1451, o infante enviou nova armada, em que<br />

participaram gentes de Lagos, Lisboa e Madeira, sendo de salientar, no último caso, Rui<br />

Gonçalves filho do capitão do donatário do Funchal.<br />

Para as aristocracias madeirense e açoriana o empenhamento nas acções marítimas e bélicas<br />

é, ao mesmo tempo, uma forma de homenagem ao senhor (monarca, donatário) e de aquisição<br />

de benesses e comendas. Zurara na «Crónica da Guiné» confirma isso, referindo que a<br />

participação madeirense ia ao encontro dos princípios e tradições da cavalaria do reino. O que<br />

não invalida a sua presença com outros objectivos, como sucede a partir de meados do século<br />

XV. Os principais obreiros do reconhecimento e ocupação da Madeira, como criados da casa<br />

do infante D. Henrique, foram impelidos para a aventura africana, com participação activa<br />

nas viagens henriquinas de 1445 e 1460 e nas aventuras bélicas nas praças africanas do norte,<br />

nos séculos XV e XVI. A presença de gentes continuará por todo o século XV em três frentes:<br />

Marrocos, litoral africano além do Bojador e terras ocidentais. Na primeira e última a<br />

presença dos madeirenses foi fundamental.<br />

26 Confronte-se João José Abreu de SOUSA, "Emigração madeirense nos séculos XV a XVII", in <strong>Atlântico</strong>, nª.1, Funchal, 1985, pp. 46-52.<br />

27 José PEREZ VIDAL, «Aportación portuguesa a la población de Canarias. Datos», in Anuario de Estudios <strong>Atlântico</strong>s , nº 14, 1968; A.<br />

SARMENTO, «Madeira & Canárias», in Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1931, 13-14.


O APELO DO MAR E DO OCIDENTE. A tradição refere que o primeiro homem a lançar-se<br />

à aventura do descobrimento das terras ocidentais foi Diogo de Teive, que em 1451 terá saído<br />

do Faial à procura da ilha das Sete Cidades, mas que no regresso apenas descobriu as de<br />

Flores e Corvo. Outros madeirenses seguiram o exemplo, gastando muita fazenda para abrir o<br />

caminho, mais tarde, trilhado por Colombo. A ilha estava em condições de propiciar ao<br />

navegador as informações consideradas imprescindíveis ao descobrimento das terras<br />

ocidentais. Note-se que o apelo do Ocidente é consequência lógica do reconhecimento dos<br />

Açores, ocorrido a partir de 1427, todavia as ilhas mais ocidentais (Flores e Corvo) só em<br />

1452 foram pisadas por marinheiros portugueses. A entrada no domínio lusíada deu-se por<br />

mãos de Pedro Vasquez de la Frontera e Diogo de Teive em 1452, no regresso de uma das<br />

viagens para o Ocidente à procura das ilhas míticas.<br />

<strong>As</strong> ilhas açorianas, por serem as mais ocidentais sob domínio europeu até à viagem de<br />

Colombo, foram o paradeiro ideal para os aventureiros interessados em embrenhar-se na gesta<br />

descobridora dos mares ocidentais. Desde meados do século XV, madeirenses e açorianos<br />

saem, com assídua frequência, à busca de novas terras assegurando, antecipadamente, a posse<br />

do que descobrissem por carta régia 28 . É de notar que este interesse dos insulares pela<br />

descoberta das terras ocidentais é muito anterior a Colombo e persistiu após 1492. A primeira<br />

carta conhecida é de 19 de Fevereiro de 1462, sendo a posse das novas ilhas Lovo e Capraria<br />

e outras que iria descobrir, dadas ao João Vogado. Ainda antes de 1492 temos outras<br />

concessões a Rui Gonçalves da Câmara (21 de Junho de 1473), Fernão Teles (28 de Janeiro<br />

de 1474), Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito (24 de Julho de 1486). Após a primeira<br />

viagem de Colombo não esmoreceu o interesse dos insulares por tais viagens. A atestá-lo<br />

estão as cartas concedidas a Gaspar Corte Real (12 de Maio de 1500), João Martins (27 de<br />

Janeiro de 1501) e Miguel Corte Real (15 de Janeiro de 1502).<br />

O Ocidente exerceu sobre os ilhéus, madeirenses e açorianos, um fascínio especial,<br />

acalentado, ademais, pelas lendas recuperadas da tradição medieval. Por isso mesmo, desde<br />

meados do século XV, eles entusiasmaram-se com a revelação das ilhas ocidentais - Antília,<br />

S. Brandão, Brasil. No extenso rol de navegadores anónimos que deram a vida por esta<br />

descoberta, permitam-nos que referencie os madeirenses Diogo de Teive, João Afonso do<br />

Estreito, Afonso e Fernão Domingues do Arco. A. Ballesteros 29 identifica o último como o<br />

piloto anónimo que em 1484 veio a Lisboa pedir ao rei uma caravela para, segundo Fernando<br />

Colombo, "ir a esta tierra que via." A estas iniciativas isoladas acresce a tradição literária e<br />

os dados materiais visíveis nas plagas insulares. A literatura fantástica, a cartografia mítica o<br />

aparecimento de destroços de madeira e troncos de árvores nas costas das ilhas açorianas<br />

acalentavam a esperança da existência de terras a ocidente. Nas costas das ilhas açorianas do<br />

Faial e Graciosa encalhavam alguns pinheiros, enquanto nas Flores davam à costa dois<br />

cadáveres com feições diferentes das dos cristãos e dos negros. Tudo isto levantava o fervor<br />

dos aventureiros que com assiduidade se viam perante ilhas que nunca existiram. A "décima<br />

ilha", por exemplo, nunca passou de uma miragem.<br />

A curta permanência de Colombo no Porto Santo e, depois, na Madeira possibilitou-lhe um<br />

conhecimento das técnicas de navegação usada pelos portugueses e abriu-lhe as portas aos<br />

segredos, guardados na memória dos marinheiros, sobre a existência de terra a Ocidente.<br />

28 Manuel Monteiro Velho ARRUDA (Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponta Delgada,<br />

1977) refere as cartas atribuídas a João Vogado(19 de Fevereiro de 1462), Gonçalo Fernandes(29 de Outubro de 1462), Rui Gonçalves da<br />

Camara (21 de Janeiro de 1473), Fernão Teles(28 de Junho de 1474 e 10 de Novembro de 1475), Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito<br />

(24 de Julho e 4 de Agosto de 1486).<br />

29 Cristóbal Colón y el descubrimiento de América , 2 vols, Barcelona, 1945.


Bartolomé de Las Casas e Fernando Colombo falam que o mesmo teria recebido das mãos da<br />

sogra "escritos e cartas de marear" 30 . Ambos os cronistas fazem do sogro um destacado<br />

navegador quatrocentista. Tudo isto não passa de criação para enfatizar a ligação de ambas as<br />

famílias. Na verdade Bartolomeu Perestrelo, ao contrário de muitos genoveses ou<br />

descendentes, não é referenciado nas crónicas portuguesas como navegador 31 , sendo apenas o<br />

capitão do donatário da ilha do Porto Santo, por carta de doação de um de Novembro de<br />

1446, e na condição de povoador da ilha acompanhou João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz<br />

em 1419.<br />

Mais importantes foram os elementos que lhe terá fornecido o cunhado Pedro Correia, capitão<br />

da ilha Graciosa (Açores). Daí ele dava conta de outras notícias das terras açorianas, sem<br />

esquecer os estranhos despojos que aportavam com assiduidade às praias da ilha do Porto<br />

Santo. Aí, na Madeira e Porto Santo, ouviu histórias e relatos dos aventureiros do mar, teve<br />

acesso a provas evidentes da existência de terras ocidentais legadas pelas correntes marítimas<br />

nas praias. Um dos vestígios foi a castanha do mar, mais popularmente conhecida como "fava<br />

de Colombo". Por tudo isto é legítimo de afirmar que o navegador saiu do arquipélago, em<br />

data que desconhecemos, com a firme certeza de que algo de novo poderia encontrar a<br />

Ocidente, capaz de justificar o empenho e da coroa.<br />

A ilha ficou-lhe no coração e nunca mais a esqueceu no afã descobridor. Bastaram alguns<br />

anos de convívio com os marinheiros madeirenses, esporádicas viagens ao golfo da Guiné,<br />

para ganhar o alento, a sabedoria e os meios técnicos necessários para definir o plano de<br />

traçar o caminho de encontro às terras indicas pelo Ocidente: Cipango (=Japão) era o<br />

objectivo. Durante os cerca de dez anos que permaneceu em Portugal Cristóvão Colombo<br />

acompanhou de perto as expedições portuguesas ao longo da costa africana. O fascínio do<br />

navegador pelo mar, conquistado no Mediterrâneo como corsário ou comerciante, despertoulhe<br />

o apetite para as navegações atlânticas portuguesas. No momento em que se fixou em<br />

Lisboa toda a atenção e azáfama estava orientada para o desbravamento da extensa costa<br />

africana além do Bojador, conhecida como costa da Guiné. Na época toda a área costeira até<br />

ao Cabo de Santa Catarina, era já conhecida e navegável, tendo sido alcançada em 1474, no<br />

período do contrato de Fernão Gomes.<br />

Não obstante o espaço ser vedado à navegação de embarcações que não fossem portuguesas,<br />

os estrangeiros poderiam faze-lo a bordo e ao serviço de embarcações nacionais. <strong>As</strong>sim havia<br />

sucedido na década de cinquenta com Cadamosto e Usodimare. Tal como o fez o patrício<br />

Usodimare, Colombo embarcou em caravelas portuguesas que demandavam as costas da<br />

Guiné. Facto normal para um experimentado marinheiro genovês, que na praia do Porto<br />

Santo ou na Madeira, acompanhava o vai e vem das nossas caravelas. É de salientar que por<br />

muito tempo a Madeira foi escala obrigatória das embarcações portuguesas que se dirigiam à<br />

costa africana. Tal facto derivou de o Funchal ser o único porto seguro, avançado no<br />

<strong>Atlântico</strong>, dispondo de excedentes de cereais e vinho, necessários à dieta de bordo dos<br />

marinheiros. A par disso os madeirenses acalentavam, desde a década de quarenta, a aventura<br />

das navegações africanas, tendo-se empenhado nisso as principais famílias da ilha. Por tudo<br />

isto é inevitável associar a viagem de Colombo à sua curta estadia nas ilhas da Madeira e<br />

Porto Santo, onde contactou com a realidade atlântica, adquiriu as necessárias técnicas para se<br />

30 História de Las Índias, vol.I, México, 1986; Vida Del Almirante Don Cristóbal Colón, escrita por su hijo, México, 1984<br />

31 Esta situação foi já realçada por Henry HARRISSE, Cristophe Colomb devant l'histoire, Paris, 1892; Henry VIGNAUD, Histoire<br />

critique de la grande entreprise de Cristophe Colomb, 2 vols, Paris, 1911; Gaetano FERRO, <strong>As</strong> navegações portuguesas no <strong>Atlântico</strong> e no<br />

Indico, Lisboa, pp.181 -183.


embrenhar na aventura de busca das terras ocidentais. O retorno do navegador à ilha, em<br />

1498, no decurso da terceira viagem, pode e deve ser entendido como o reconhecimento aos<br />

madeirenses. Aqui teve oportunidade de relatar, aos que com ele acalentaram a ideia da<br />

existência de terras a Ocidente, o que encontrara de novo.<br />

O convívio com as gentes do Porto Santo havia sido prolongado e cordial pois em Junho de<br />

1498, aquando da terceira viagem, não resistiu à tentação de escalar a vila. A aproximação foi<br />

considerada mau presságio pois os porto-santenses pensavam estar perante mais uma armada<br />

de corsários. Desfeito o equívoco foi recebido pelos naturais da terra, seguindo depois para a<br />

Madeira. A 10 de Junho de 1498 a chegada do navegador ao Funchal foi saudada<br />

apoteoticamente, como nos refere frei Bartolomé de Las Casas, o que provoca mais uma vez,<br />

a familiaridade com as gentes e a esperança que elas depositavam em tal empresa. O cronista<br />

remata da seguinte forma o ambiente de festa que o envolveu: "le fué hecho mui buen<br />

recibimiento y mucha fiesta por ser alli muy conocido, que fué vecino de ella en algún<br />

tiempo" 32 .<br />

MODELO DA EXPANSÃO. A par disso a Madeira surge, nos alvores do século XV, como a<br />

primeira experiência de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas<br />

institucionais. Tudo isto foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral<br />

africano e americano. O arquipélago foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos da<br />

nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os demais<br />

arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram. Idêntica função preencheu as<br />

Canárias em relação ao modelo colonial castelhano 33 .<br />

O <strong>sistema</strong> institucional madeirense apresentava uma estrutura peculiar definida pelas<br />

capitanias. Foi a 8 de Maio de 1440 que o Infante D. Henrique lançou a base da nova<br />

estrutura ao conceder a Tristão Vaz a carta de capitão de Machico. A partir daqui ficou<br />

definido o <strong>sistema</strong> institucional que deu corpo ao governo português no <strong>Atlântico</strong> insular e<br />

brasileiro.<br />

Sem dúvida que o facto mais significativo da estrutura institucional deriva de a Madeira ter<br />

servido de modelo referencial para o delineamento no espaço atlântico. O monarca insiste,<br />

nas cartas de doação de capitanias posteriores, na fidelidade ao <strong>sistema</strong> traçado para a<br />

Madeira. <strong>As</strong>sim o comprovam idênticas cartas concedidas aos novos capitães das ilhas dos<br />

Açores e Cabo Verde. O mesmo sucede com a demais estrutura institucional que chegou<br />

também a S. Tomé e Brasil.<br />

Também os castelhanos vieram à ilha receber alguns ensinamentos para a sua acção<br />

institucional no <strong>Atlântico</strong>, como se depreende do desejo manifestado em 1518 pelas<br />

autoridades antilhanas em resolver a difícil situação das ilhas de Curaçau, Aruba e La<br />

Margarita com o recurso ao modelo madeirense de povoamento. Isto prova, mais uma vez, a<br />

presença modelar da ilha no contexto da expansão europeia e demonstra o interesse que ela<br />

assumiu para a Europa.<br />

32 Fray Bartolomé de LAS CASAS, História de las Indias, vol.I, México, 1986, 497.<br />

33 . Cf. José Pérez Vidal, Aportación de Canárias a la Población de América, Las Palmas de Gran Canária, 1991.


João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia em 1532 34 de uma<br />

forma perspicaz o protagonismo madeirense no espaço atlântico, pois a família era portadora<br />

de uma longa e vasta experiência. Isso dava-lhe o alento necessário e abri-lhe perspectivas<br />

para uma sua iniciativa no Brasil. Ele reclamava o protagonismo do ancestral Rui Gonçalves<br />

da Câmara que em 1474 comprara a ilha de S. Miguel, dando início ao povoamento. A<br />

mesma percepção surge em Gilberto Freire que em 1952 não hesita em afirmar o seguinte: "A<br />

irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se estremou<br />

em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens,... Concorreram<br />

para transformar rápida e solidamente em nova Lusitânia" 35 .<br />

Outra componente importante da afirmação da ilha como modelo de referência tem a ver com<br />

a organização da sociedade no espaço atlântico e da importância aí assumida pelo escravo.<br />

Mais uma vez a Madeira é o ponto de partida para esta transformação social. De acordo com<br />

S. Greenfield 36 ela serviu de trampolim entre o "Mediterranean Sugar Production" e a<br />

"Plantation Slavery" americana. O autor não faz mais do que retomar os argumentos aduzidos<br />

por Charles Verlinden 37 desde a década de sessenta. Os argumentos mereceram alguns<br />

reparos na formulação, mercê de novos estudos 38 .<br />

Na verdade tudo o concretizado em termos do mundo atlântico português teve por matriz o<br />

sucedido na Madeira. A Madeira foi ao nível social, político e económico, o ponto de partida<br />

para o "mundo que o português criou..." nos trópicos. É sumamente importante o<br />

conhecimento do sucedido na Madeira quando pretendemos estudar e compreender outras<br />

situações.<br />

O mesmo protagonismo que é atribuído à Madeira em relação ao mundo português poderá ser<br />

concedido às Canárias para o império de Castela 39 . Tenha-se em conta que as ilhas,<br />

nomeadamente a de La Gomera foram o pilar fundamental de apoio das viagens colombinas e<br />

depois de toda a estratégia imperial 40 . Note-se que foi a partir desta última ilha que os<br />

castelhanos fizeram chegar a cultura da cana sacarina às ilhas da América central 41 . É a partir<br />

daqui que se estabelece uma evidente relação com as Índias, com forte expressão nos<br />

domínios, social, político, económico e cultura.<br />

ROTAS: HOMENS E PRODUTOS<br />

Os descobrimentos europeus não podem ser vistos apenas na perspectiva do encontro de<br />

34 História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, p.90; cf Vera Jane GILBERT, "Os primeiros engenhos de açúcar" in Sacharum, nº.3,<br />

São Paulo, 1978, pp. 5-12.<br />

35 Aventura e Rotina, 2ªed., pp 440-446, 448-449<br />

36 "Madeira and the beginings of New World sugar cane cultivation and plantation slavery: a study in constitution building", in Vera RUBIN e<br />

Artur TUNDEN(eds.), Comparative perspectives on slavery in New World Plantation Societies, N. York, 1977.<br />

37 "Précédents et paralèlles europeéns de l'esclavage colonial", in Instituto, vol.113, Coimbra, 1949; "Les origines coloniales de la civilization<br />

atlantique. antécédents et types de structure", in Journal of World History, 1953, pp. 378-398; Précédents médiévaux de la colonie emn<br />

Amérique, México, 1954; Les origines de la civilization atlantique, Nêuchatel, 1966.<br />

38 Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La eclavitud en Andalucia...", in Studia, nº.47, Lisboa, 1989, pp.165-166; Alberto VIEIRA, Os<br />

escravos no arquipélago da Madeira. séculos XV a XVII, Funchal, 1991.<br />

39 . Como o confirmam inúmeros textos de A. Rumeu de Armas, Pierre Chaunu e Francisco Morales Padron.<br />

40 . António Tejera Gaspar, Las Cuatro Viajes de Colón y las Islas Canarias(1492-1502), La Laguna, Francisco Lemus Editor, 2000.<br />

41 Cf.Justo L. del Rio Moreno, Los Inicios de la Agricultura Europeia en el Nuevo Mundo, Sevilla, 1991, p.303.


novas terras, novas gentes e culturas, pois a isto deverá associar-se o movimento de migração<br />

humana, que arrastou consigo um universo envolvente de fauna, flora, tecnologia, usos e<br />

tradições que tiveram um impacto evidente em todo o processo. Estamos perante aquilo a que<br />

Pierre Chaunu define como desencravamento planetário, vinculado às transformações<br />

operadas pela a expansão europeia do século XV, que retirou ao europeu a ideia restrita de<br />

mundo e fez com que se avançasse paulatinamente para o que hoje definimos como aldeia<br />

global. Os Descobrimentos foram também responsáveis pela transformação e revolução<br />

ecológica, com impactos positivos ou negativos. Uma das transformações fundamentais<br />

ocorreu ao nível alimentar com a descoberta de novos produtos e condimentos que<br />

enriqueceram a dieta alimentar.<br />

NAVEGANTES, AVENTUREIROS E EMIGRANTES.<br />

Os Descobrimentos Portugueses do século XV foram o início de um novo processo de<br />

transmigração das populações europeias. Portugal, porque pioneiro, assumiu um lugar de<br />

destaque. O padre António Vieira terá afirmado que "Deus deu aos portugueses um berço<br />

estreito para nascer e um mundo inteiro para morrer".<br />

Á tradicional movimentação interna das populações, resultante da reconquista e ocupação do<br />

espaço, sucedem-se outros movimentos para fora do continente, de acordo com os<br />

descobrimentos e a necessidade de ocupação de novos espaços. De acordo com Camões os<br />

portugueses chegaram às sete partidas do mundo: "e se mais mundo houvera, lá chegara".<br />

Aliás, o poeta é, em certa medida, a materialização disso: em Ceuta e, depois, na Índia, em<br />

1553, a vida é a expressão dos protagonistas dos descobrimentos: degradado, aventureiro,<br />

soldado e funcionário. Por tudo isto o vate estava devidamente informado para evocar a<br />

diáspora nacional em Os Lusíadas 42 .<br />

Estamos perante um movimento dinâmico. Os que partem cruzam-se com os que chegam. Os<br />

últimos tanto podem ser os escravos, resultantes das razias africanas ou presas da guerra<br />

marroquina, ou estrangeiros sedentos de notícias e de participar na aventura do descobrimento<br />

ou comércio. É uma empresa nacional. Deste modo A.J.RUSSELL-WOOD 43 não hesita em<br />

afirmar que "The portuguese seaborne empire was characterized by a constant flux and reflux<br />

of people. Some were in the service of the crown, others servants of God, others servants of<br />

men, others captive of their own self-interest and cupidity, and still others who were<br />

essentially part of the flotsam and jetsam of empire. Some travelled voluntarily, whereas<br />

others were coerced or forcefully transported against their will.". Por aqui se vê quão variado<br />

foi o processo. No período que decorre da conquista de Ceuta a meados do século dezasseis.<br />

definiu-se o espaço de ocupação portuguesa no novo mundo e os principais rumos das<br />

migrações, encaradas como movimento individual ou colectivo. De acordo com J. RUSSEL-<br />

WOOD 44 o primeiro foi evidente no Índico, enquanto o segundo está expresso no <strong>Atlântico</strong>.<br />

42 . Veja-se Armando de Castro, Camões e a sociedade do seu tempo, Lisboa, 1980; IDEM, "Camões emigrante, poeta do drama da<br />

emigração", in Revista Camões, nº.2-3, 1980. Luís de ALBUQUERQUE, "Luís de Camões. O cantor de uma obra colectiva", in<br />

Navegadores viajantes e aventureiros portugueses. sécs.XV e XVI, vol. I, Lisboa, 1987, pp.143 -156; Martim de ALBUQUERQUE, A<br />

expressão do poder em Luís de Camões, Lisboa, 1988.<br />

43 . A World on the move. The Portuguese in Africa, <strong>As</strong>ia, and America 1415-1808, London, 1992<br />

44 . Ob.cit., pp.112-119.


Dos últimos já muito se tem dito, mas dos primeiros pouco ou nada se sabe. Fala-se de uma<br />

verdadeira sangria populacional do reino mas quase ninguém questiona a dimensão assumida<br />

por este movimento: quantos partiram à aventura? Quem são os aventureiros da conquista do<br />

Norte de África e Oriente, do descobrimento das ilhas, costa africana e Brasil? Por fim,<br />

importa saber porque se sai: vão todos de livre vontade, guiados pelo espírito de aventura ou<br />

por outros interesses e objectivos. Aqui surgem viajantes, aventureiros, militares,<br />

funcionários e missionários. É uma gesta nacional, estando representadas todas as localidades<br />

do reino. A saída fazia-se a partir de Lagos ou de Lisboa mas as gentes que chegavam às<br />

plagas lusitanas para a partida ou despida são de todo o país. Não são os algarvios os únicos a<br />

aderirem de alma e coração a este processo. O Norte e o interior também estão representados:<br />

marinheiros, lavradores, e oficiais mecânicos que aderem à aventura são de todo o país. A<br />

alguns as crónicas lavraram o nome em letras douradas. A maioria ficou incógnita e será<br />

difícil, senão impossível, reconstituir a lista. Algumas das páginas de ouro da nossa escrita do<br />

século XVI são baseadas nesta vivência. A lista é extensa e contempla todas as áreas<br />

literárias: desde Gil Vicente, passando por Camões, Fernão Mendes Pinto é evidente tal<br />

premência das migrações geradas pelos descobrimentos 45 .<br />

A historiografia para além do tratamento diferenciado dos protagonistas dos descobrimentos,<br />

parece querer ignorar este processo. Continua a insistir-se no estudo das personalidades:<br />

navegadores, ou funcionários. A compilação mais recente é de Luís de Albuquerque, que<br />

publicou em dois volumes a biografia de 31 aventureiros, viajantes e navegadores 46 . Faltam<br />

estudos sobre as migrações provocadas pelos descobrimentos 47 . A ausência de registos ou<br />

séries que o documentem. Todavia, a exemplo do que sucede para Espanha, é possível suprir<br />

a falta com o recurso a outro tipo de fontes 48 . Há que decantar a documentação disponível e<br />

as crónicas para chegar-se a aproximações quantificáveis.<br />

Qualquer tentativa de quantificação dos fluxos migratórios na época pré estatística está<br />

condenada ao fracasso. Faltam registos de saída mas também de entrada. Apenas é possível<br />

estabelecer uma ideia do volume assumido 49 . Falta, ainda, contabilizar as campanhas a<br />

Marrocos no decurso dos séculos XV e XVI, as armadas que rumaram ao Oriente 50 .<br />

Compilados os dados da documentação oficial com a que surge nas crónicas 51 é possível fazer<br />

uma ideia. Segundo C.R. Boxer 52 o fluxo migratório conduziu à saída do reino nos séculos<br />

45 . Confronte-se Hernani CIDADE, A Literatura Portuguesa e a Expansão Ultramarina, vol.I, Coimbra, 1963.<br />

46 . Navegadores viajantes e aventureiros Portugueses sécs.XV e XVI, 2 vols, Lisboa, 1987. Ao mesmo nível temos o projecto de<br />

investigação dirigido por Kenneth Macpherson e Sanjai Subrahmanyan com o título "From Biography to History. Essays in the social<br />

History of portuguese in <strong>As</strong>ia.1500- 1800"[ Veja-se Mare Liberum, nº.5, Junho de 1993.]<br />

47 . Os estudos de Joel SERRÃO (A emigração portuguesa, Lisboa, 1977; "Emigração", in Dicionário de História de Portugal, vol. II,<br />

Porto, 1981, 363-373) e Vitorino Magalhães GODINHO (Estrutura da antiga sociedade portuguesa , Lisboa, 1980;"Sociedade<br />

Portuguesa", in Dicionário de História de Portugal, vol. IV; "L'émigration portugaise (XVe- XVIe siècles).Une constante structurale et les<br />

réponses aux changements du monde", in Revista de História Económica e Social, nº.1, 1978, 1-32).<br />

48 . Peter Boyd Bowman, Indice deobiográfico de cuarenta mil pobladores españoles de América en el siglo XVI, 2 vols., Bogotá, 1964,<br />

1968. Magnus Morner, "Un informe del estado de la investigación sobre la emigración española a América anterior al año 1810", in<br />

Anuario de Estudios Americanos, XXXII, Sevilha, 1975. Veja-se a mais recente aportação de um seminário coordenado por António<br />

EIRAS ROEL (ed.), La emigración española a ultramar. 1492-1914, Madrid, 1991.<br />

49 Veja-se Vitorino Magalhães GODINHO, Mito e Mercadoria, utopia e prática de navegar. Séculos XIII-XVIII, Lisboa, 1990, pp.364-365.<br />

50 O estudo mais recente António LOPES, Eduardo FRUTUOSO E Paulo GUINOTE, "O movimento da carreira da Índia nos séculos XVI-<br />

XVII. Revisão e propostas", in Mare Liberum, 4, 1992, 186-265. Com bibliografia actualizada.<br />

51 . Por exemplo para o Oriente temos Fernão Lopes de CASTANHEDA, História do descobrimento e conquista da Índia pelos<br />

portugueses, livros I-II, Coimbra, 1924, livros III-IV, 1928, livros V-VI, 1929. Confronte-se Germana da Silva CORREIA, História da<br />

colonização portuguesa na Índia, 6 vols, Lisboa, 1948-56; Visconde LAGOA, Grandes e humildes na epopeia portuguesa do Oriente<br />

(séculos XV, XVI e XVII), 2 vols, Lisboa, 1942-43. Ficou pelo antropónimo Albuquerque.<br />

52 . O império colonial português , Lisboa, 1977.


XV e XVI de 1 milhão e cento e vinte e cinco mil almas. Neste contexto são mais evidentes<br />

os dados dos fluxos com destino a Marrocos e Oriente.<br />

<strong>As</strong> campanhas marroquinas iniciadas em 1415 continuaram até a década de vinte do século<br />

XVI, quando em 1524 ganhou forma a política de abandono das praças africanas. Dos que<br />

partiram, levados, muitas vezes, pelo espírito de cruzada para combater o infiel, alguns<br />

caíram no campo de batalha e dos outros, uns ficaram na guarnição de defesa das praças e<br />

outros regressaram ao reino com a esperança de um título ou da comutação da pena a que<br />

estavam sujeitos antes da partida. Em 1415 D. Pedro de Menezes ficou em Ceuta com 40<br />

nobres e 2700 homens de armas. Noutras alturas tivemos frotas com o objectivo específico de<br />

construir um recinto fortificado. <strong>As</strong>sim sucedeu em 1489 para Graciosa, onde em duas frotas<br />

seguiram os operários especializados e os materiais necessários à construção. Já em 1482<br />

havia sucedido o mesmo com a ida de 500 homens de armas e 100 artesãos para S. Jorge da<br />

Mina. Quanto ao Oriente, após a primeira viagem de Vasco da Gama, tivemos outras quatro<br />

nos anos imediatos com o mesmo objectivo.<br />

Daqui resultou uma activa mobilidade da população motivada pela atracção do novo destino.<br />

No primeiro quartel do século XVI podemos referir apenas 2500 portugueses, mas na década<br />

de quarenta atinge-se os 6 a 7000. A este propósito refere Joel SERRÃO 53 que em 1527<br />

saíram em média 2400 portugueses nas armadas com destino à Índia. Difícil, senão<br />

impossível será fazer uma ideia daqueles que partiram com destino às ilhas, ao Brasil ou<br />

Costa da Guiné. Nada nos permite antever uma possível quantificação das expedições de<br />

ocupação e das gentes que as integraram. Quantos acompanharam João Gonçalves Zarco na<br />

expedição de povoamento da Madeira? Quantos seguiram Martim Afonso de Sousa com<br />

destino ao Brasil?<br />

A questão imediata à quantificação prende-se com a categoria sócio-profissional dos que<br />

foram lançados na aventura do descobrimento e ocupação dos novos espaços. Militares,<br />

missionários e funcionários da coroa têm lugar cativo em todas as expedições. Aos primeiros<br />

foi, sem dúvida, com destino ao Norte de África e à Índia que engrossou o número. A questão<br />

prende-se com outra que tem ocupado a Historiografia dos descobrimentos. Para o século XV<br />

estabeleceu-se uma dualidade de opções entre a burguesia e a aristocracia, expressa também<br />

no confronto de duas figuras: os infantes D. Pedro e D. Henrique 54 . Enquanto os primeiros<br />

estariam empenhados nas campanhas de defesa das praças africanas ou de conquista dos<br />

entrepostos orientais, os segundos postaram na linha da frente do descobrimento de novas<br />

terras, na senda de encontro de novos mercados e produtos. Dualidade de políticas, de rumos<br />

e protagonistas eis a forma simplista de definir o processo. A realidade não foi assim tão<br />

linear como se pode provar em qualquer listagem 55 .<br />

A preocupação da nobreza pelos descobrimentos é considerada posterior às campanhas<br />

marroquinas e à morte do Infante D. Henrique. Até 1460 a nobreza, excepção feita a Nuno de<br />

Góis e Cide de Sousa, estava empenhada na conquista e defesa das praças de Marrocos. Para<br />

alguns, os descobrimentos foram protagonizados, maioritariamente, por aqueles que estavam<br />

próximos. O primeiro documento que testemunha esta mudança de atitude é a carta régia de<br />

24 de Março de 1462 56 autorizando D. Duarte de Menezes a enviar embarcações à Terra Dos<br />

53 . A emigração portuguesa, Lisboa, 1977, 93.<br />

54 . Confronte-se Armando de CASTRO, História Económica de Portugal , vol. III, Lisboa, 1985, 59 e segs.<br />

55 . Ibidem.<br />

56 . Monumenta Henricina, XIV, 208-210.


Negros. Todavia, tal como o refere Vitorino Magalhães Godinho 57 , é difícil distinguir a<br />

burguesia da aristocracia, uma vez que somos confrontados com mercadores-cavaleiros e<br />

cavaleiros-mercadores, por isso, "no mundo que os portugueses vão creando nestes séculos o<br />

vector social dinâmico é o cavaleiro-mercador" 58<br />

Na Índia, segundo Luís F. Reis Thomaz e Genevieve Bouchon 59 , a classe dirigente apresentase<br />

como um clã, composto por um grupo restrito das famílias, na maioria da velha nobreza<br />

anterior à crise de 1383-1385. Ainda, segundo os mesmos, há uma continuidade das famílias<br />

no processo de descobrimento e ocupação: "les fils se combattants à Ceuta em 1415 se<br />

battent à Tanger en 1437 ou à Alcacer-Ceguer en 1458, leurs petits-fils conquièrent Arzila en<br />

1471 ou se battent à Toro en 1475, les fils de ceux-ci commencent à apparaitre en Indie" 60 . A<br />

ideia pode ser certificada com o testemunho de um dos descendentes do primeiro capitão do<br />

Funchal: João Gonçalves Zarco. Em 1526 João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha<br />

de S. Miguel, justificava a capacidade de povoador do seguinte modo: "porque a ilha da<br />

Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de são Miguel e meu tio a de são Tomé, e com<br />

muito trabalho, e todas do feito que se vê..." 61 . Os dois mil colonos que ele se propunha levar<br />

para a colonização do Brasil não eram "da espécie de tomarem índias por concubinas e de<br />

viverem na terra sem a fazerem produzir". Não sabemos se, com tão valiosa tradição e<br />

intenção, conseguiu os intentos. Outra família é também protagonista de rumo idêntico. São<br />

os Betencourts, que da Normandia, através das Canárias, avançam a todo o espaço atlântico.<br />

São um exemplo de família atlântica 62 . No caso do Brasil o processo foi distinto. Entre 1532<br />

e 1548 tivemos o <strong>sistema</strong> de capitanias. Os usufrutuários são capitães e altos funcionários a<br />

quem a coroa procura compensar os serviços prestados no Indico 63 . A mudança foi operada<br />

em 1549 por iniciativa de D. João III, que procurou a unidade política e administrativa do<br />

Brasil através da criação do cargo de Governador-geral, entregue a Tomé de Sousa. É a<br />

política de povoamento dos demais espaços atlânticos, que levará à dos madeirenses para o<br />

início da cultura da cana-de-açúcar 64 .<br />

Tal como o refere João Paulo COSTA 65 o permanente fluxo migratório foi alargado a todos<br />

os estratos sócio-profissionais, com especial incidência para os "comerciantes, sacerdotes,<br />

marinheiros, guerreiros e missionários" que "trilharam juntos os mesmos caminhos, falaram<br />

às mesmas gentes, perscrutaram o mesmo horizonte infinito de água...". A bordo das<br />

embarcações iam os soldados para a peleja, os funcionários que defendem os interesses da<br />

coroa e os missionários como arautos da fé. Os últimos, segundo José Pereira da Costa 66 , são<br />

na maioria estrangeiros, "sob a égide da coroa portuguesa", companheiros inseparáveis dos<br />

povoadores e conquistadores. Sucedeu assim na Madeira, em 1420, como para o Oriente no<br />

século XVI. Vasco da Gama em 1498 fez-se acompanhar apenas de dois religiosos, mas<br />

Pedro Álvares Cabral em 1502 levou 8 padres capelães, 1 vigário e um grupo de franciscanos<br />

57<br />

. "Sociedade Portuguesa", in Dicionário de História de Portugal, vol. IV.<br />

58<br />

. Vitorino Magalhães Godinho,"<strong>As</strong> ilhas atlânticas. Da geografia mítica à construção das economias oceânicas", in Actas do I Colóquio<br />

Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989, 47.<br />

59<br />

. Voyage dans les Deltas du Gange et de l'Irraouaddy. 1521, Paris, 1988, pp.367-413.<br />

60<br />

Ibidem, p.410.<br />

61<br />

. História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol.III, 90.<br />

62<br />

. J. Moniz BETTENCOURT, Os Betttencourt. Das origens normandas à expansão atlântica, Lisboa, 1993.<br />

63<br />

. Veja-se História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol.III, pp.160-258.<br />

64<br />

Gilberto FREIRE, Aventura e Rotina, 2ª ed., s.d., 440-449; David F. GOUVEIA, "A manufactura açucareira madeirense 1420-1550", in<br />

<strong>Atlântico</strong>, nº.10, 1987, 115-131.<br />

65 "<strong>As</strong> missões cristãs em África", in Portugal no Mundo, vol. III, 1989, p.88.<br />

66 "Comunicação sobre a Relação da viagem que fizerão de Lisboa para Macao na galera Novo paquete 5 congregados de missão:<br />

Henriques e Almeida sacerdotes: cinco subdiaconos Amorim e Pinto menoristas em 1831", in Studia, nº.48, 1989, 369-444.


sob as ordens de Frei Henrique Álvares 67 . A missão dos religiosos não se resumia apenas a<br />

assegurar a actividade de culto, a bordo e nos locais de fixação, à conversão dos gentios, pois<br />

podem ter também a missão específica de embaixadores. Depois foi a fixação com a criação<br />

de casas de franciscanos, dominicanos e, finalmente, jesuítas. Isto provocou a ida de muitos<br />

clérigos, oriundos do reino ou estrangeiro 68 . A estes juntam-se outros grupos de degredados<br />

ou aventureiros e também os judeus, que fundiram a diáspora com a dos descobrimentos 69 . O<br />

ano de 1497 marca o início da diáspora da comunidade judaica portuguesa, que os conduziu<br />

ao Norte de África, às ilhas, Costa da Guiné e Brasil 70 . Um dos factos mais significativos<br />

deste fluxo étnico sucedeu em S. Tomé com a ida em 1470 de 2000 crianças judias,<br />

arrancadas do seio da família para as terras inóspitas do Golfo da Guiné 71 . É de salientar que<br />

a presença da comunidade judaica nas terras da Costa da Guiné foi importante, tornando-se,<br />

por vezes, incómodos pela condição de lançados 72 . Tudo isto é revelador de algumas<br />

especificidades deste fluxo migratório provocado pelos descobrimentos. Às crianças judias<br />

enviadas para S. Tomé juntam-se as "órfãs del rei" no Oriente a partir de 1545. Estas foram<br />

recrutadas em Lisboa e Porto e conduzidas à Índia com a promessa de um dote e casamento 73 .<br />

A presença da mulher nas expedições rege-se por determinadas regras 74 . Aqui, ao contrário de<br />

Castela 75 , a coroa portuguesa nunca promoveu a saída da mulher, pois toda a política foi, no<br />

início, de desencorajamento. Os descobrimentos parecem conjugar-se no masculino. A<br />

mulher, quase só está presente nos casos de ocupação nas ilhas e Norte de África, sendo<br />

proibida, nos primeiros dez anos, a bordo das caravelas da Índia. Depois a necessidade de<br />

fixação no Indico mudou a política promovendo a coroa a migração do sexo feminino. É de<br />

salientar que, quer em Marrocos, quer no Oriente, algumas mulheres ficaram nos anais da<br />

História pelo empenho na defesa das praças ou guarnições em momentos de aflição.<br />

Outra questão, de não menor importância, prende-se com a forma como se procedeu ao<br />

recrutamento. Há os que vão, de livre vontade, à aventura, os que cumprem uma missão como<br />

funcionários da coroa ou que se dispõem a qualquer serviço na mira de uma compensação 76 .<br />

Junta-se, depois, um grupo com grande destaque em todo o processo, os degredados ou<br />

prisioneiros. No momento de organização das armadas de defesa das praças marroquinas 77 , de<br />

67<br />

Manuel dos Santos ALVES, "A cruz, os diamantes e os cavalos: Frei Luís do Salvador, primeiro missionário e embaixador", in Mare<br />

Liberum, nº.5, 1993, pp.9-20.<br />

68<br />

Sobre esta temática confronte-se: António BRÁSIO, História e missiologia, Luanda, 1973; C. R. BOXER, A igreja e a expansão<br />

ibérica.1440-1770, Lisboa, 1975; Francisco Leite de FARIA, "Evangelização das terras descobertas no tempo de Bartolomeu Dias", in<br />

Congresso Internacional Bartolomeu Dias e a sua época. Actas, vol.V, Porto, 1989; João Paulo Oliveira e COSTA, "<strong>As</strong> missões cristãs em<br />

Africa", "<strong>As</strong> missões cristãs na China e no Japão", in Portugal no Mundo, vol.III, 1989, 88- 103, 143-157; Luís Filipe F. R. THOMAZ,<br />

"Descobrimentos e evangelização. Da cruzada à missão pacífica", in Congresso Internacional de História. Missionação Portuguesa e<br />

encontro de culturas. Actas, vol I, Lisboa, 1993, 81-129.<br />

69 Veja-se Luís de ALBUQUERQUE, Navegadores, viajantes e aventureiros portugueses. Séculos XV e XVI, 2 vols, Lisboa, 1987<br />

70 São muitos os estudos sobre os Judeus em Portugal, confronte-se a síntese actualizada de Maria José FERRO, Los judíos en Portugal,<br />

Madrid, 1992.<br />

71 Samuel USQUE, Consolação às tribulações de Israel, Coimbra, 1906.<br />

72 Maria Emília Madeira SANTOS, "Origem e desenvolvimento da colonização. Os primeiros lançados na Costa da Guiné. Aventureiros e<br />

comerciantes", Portugal no Mundo , vol.II, pp.125-136.<br />

73<br />

. Confronte-se C.R.BOXER, A mulher na expansão portuguesa ultramarina ibérica, Lisboa, 1977.<br />

74<br />

Sobre a presença da mulher na expansão veja-se: Elaine Sanceau, Mulheres portuguesas no ultramar, Porto, 1979; C.R. Boxer, A mulher na<br />

expansão ultramarina ibérica, Lisboa, 1977; Maria Regina Tavares da Silva, Heroínas da Expansão e Descobrimentos, Lisboa, 1989.<br />

75<br />

Veja-se Richart KONETZKE, "La imigración de mujeres españolas a América durante la época colonial", in Revista Internacional de<br />

Sociologia, nº.9-10, Madrid, 1945.<br />

76<br />

Veja-se no caso do Oriente o estudo de Luís de ALBUQUERQUE e José Pereira da COSTA, "Cartas de serviço da Índia (1500 -1550) ",<br />

in Mare Liberum, nº.1, 1990, 309-396.<br />

77 Confronte-se Luís Miguel DUARTE e José Augusto P. de Sotto Mayor PIZARRO, "Os forçados das galés (os barcos de João da Silva e<br />

Gonçalo Falcão na conquista de Arzila em 1471) ", in Congresso Internacional. Bartolomeu Dias e a sua época. Actas, vol. II, Porto, 1989,<br />

pp.313-328.


ocupação das ilhas ou do Oriente, a coroa permitia aos organizadores o recrutamento de<br />

homens entre os condenados de diversos delitos e degredados.<br />

A política moderna de degredo como forma de incentivo ao povoamento dos lugares ermos<br />

não era novidade, pois vinha sendo utilizada para o povoamento do litoral algarvio e zonas<br />

fronteiriças de Castela. A coroa, de acordo com o seu interesse, ordenava aos corregedores o<br />

destino a atribuir aos degredados. Depois do Algarve, tivemos Ceuta e demais praças<br />

marroquinas, as ilhas atlânticas. A presença em Marrocos é mais insistente a partir de 1431. A<br />

mudança é justificada da seguinte forma por Zurara: "muitos de meus naturaes que per<br />

alguuns negocios ssam desterrados de meus regnos, melhor estaram aqui fazendo serviço a<br />

Deos, conprindo sua justiça, que sse hirem pollas terras estranhas e desnaturarem-se pera<br />

todo o sempre de sua terra" 78 . Mais tarde, Luís Mendes de Vasconcelos 79 refere que "o Brasil<br />

povoou-se com degredados, gente que se tirava do reino por benefício dele". Recorde-se que<br />

Martim Afonso de Sousa fez-se acompanhar de 600 degredados. Não será o indício de que<br />

estamos perante uma válvula de escape para os conflitos sociais 80 ? Para as ilhas as<br />

orientações de envio dos degredados sucedem-se conforme a evolução do processo de<br />

povoamento do espaço atlântico: primeiro a Madeira, depois, os Açores, Cabo Verde e S.<br />

Tomé. Note-se que a partir de 1454 81 D. Afonso V determina, a pedido do Infante D.<br />

Henrique todos os homens condenados a degredo iam "povoarem as ditas ilhas que então<br />

começava de povoar...". No caso da Costa da Guiné, incluídos os arquipélagos de Cabo<br />

Verde e S. Tomé, temos para o período de 1463 a 1500 temos 19 casos em que foi solicitada<br />

a carta de perdão à coroa 82 .<br />

Ao Oriente também chegaram os degredados. O recrutamento da tripulação para as primeiras<br />

expedições, a partir da viagem de Vasco da Gama, fazia-se também entre os prisioneiros que<br />

aguardavam degredo nas terras do além. Vasco da Gama em 1497 fez-se acompanhar de dois<br />

- Fernão Veloso e Martim Afonso, lançados em busca de novas do sertão. Em 1500 Pedro<br />

Álvares Cabral fez-se acompanhar de dois - João Machado e Luís de Moura - que deixou em<br />

Melinde com intuito de ir ao encontro do Preste João. Um deles foi João Machado, natural de<br />

Braga 83 . Ele fora condenado ao degredo para S. Tomé, mas acabou por acompanhar Vasco da<br />

Gama, como língua. Ficou em Moçambique e lançou-se a uma vida de aventura por Quíloa,<br />

Mombaça, Melinde e Cambaio. Colocou-se ao serviço dos turcos e depois passou para o lado<br />

do portugueses, acabando por falecer em 1517 numa escaramuça contra o inimigo. Não é caso<br />

único. Outros o sucederam como lançados no sertão, onde se perderam ou desertaram. O que<br />

mais se evidencia no grupo é a capacidade de adaptação às adversidades da aventura, como o<br />

exemplifica João Machado.<br />

O processo migratório provocado pelos Descobrimentos é materializado por portugueses e<br />

também estrangeiros já residentes em Portugal ou que acudiram ao apelo dos descobrimentos.<br />

Não é possível saber qual a região do país que mais contribuiu para este movimento. A<br />

78<br />

Citado por Pedro de AZEVEDO, Documentos das chancelarias reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos, t.I, Lisboa, 1915, p.XIII.<br />

79<br />

"Diálogos do sítio de Lisboa", in Antologia dos Descobrimentos Portugueses (século XVII), Lisboa, 1974.<br />

80<br />

Veja-se o que aduz, ainda que para uma situação distinta, Manuel HERNANDEZ GONZALEZ, "La emigración a America como valvula<br />

de escape de las tensiones sociales en Canarias durante el siglo XVIII. Las actitudes sociales ante la delincuencia", in Antonio EIRAS<br />

ROEL (ed.), La emigración española a ultramar, 1492 -1914, Madrid, 1991, pp.311-316.<br />

81<br />

Carta régia de 18 de Maio, ANTT, Chanc. de D. Afonso V, lº.10, fl.44vº, publ. V.M. Godinho, Documentos sobre a expansão, t. I,<br />

pp.215-216.<br />

82 Veja-se Vitor RODRIGUES, "A Guiné nas cartas de perdão (1463 -1500) ", in Congresso Internacional. Bartolomeu Dias e a sua Época.<br />

Actas, vol IV, Porto, 1989, pp.397-412.<br />

83 Elaine SANCEAU, "O degredado João Machado", in Casos e Curiosidades, Porto, 1957, pp.181- 191; Maria Augusta Lima CRUZ, "<strong>As</strong><br />

andanças de um degredado em terras perdidas -João Machado", in Mare Liberum, nº.5, 39-47.


tradição, que filia os descobrimentos na região algarvia, vê na faixa litoral Sul do país a<br />

incidência dos agricultores, marinheiros e mercadores. Esta dedução resulta do facto de as<br />

primeiras expedições terem partido de Lagos 84 e de nelas se comprometerem muitos da casa<br />

do Infante que aí viviam, oriundos de várias localidades do país 85 . É certa a participação dos<br />

algarvios 86 , nomeadamente na primeira fase dos descobrimentos, conhecidos como<br />

henriquinos, mas foi um processo que empenhou todo o país. Na primeira expedição a Ceuta<br />

o infante D. Henrique percorreu o norte do país a recrutar as gentes para a armada. Note-se<br />

que no caso do Oriente foi precisamente na região entre o Sado e o Minho que Joaquim<br />

Veríssimo SERRÃO 87 encontrou maior número, que contrasta com o valor reduzido do<br />

Alentejo e Algarve. A situação, que decorre a partir do século XVI, com a expansão no<br />

Indico, foi igual 88 . Outro factor importante é a presença de estrangeiros, que actuaram como<br />

marinheiros, mercadores e povoadores. Alguns residiam já em Portugal e estavam<br />

naturalizados, outros afluem cativados pelas novas dos descobrimentos. Aqui merecem<br />

especial destaque para os italianos, oriundos das diversas cidades-estados, e os flamengos. No<br />

primeiro caso temos que a presença genovesa remonta ao tempo de D. Dinis 89 . Foi Manuel<br />

Pessanha encarregado pela coroa de organizar a armada que estará na origem dos<br />

descobrimentos. Aliás foram os genoveses, venezianos e florentinos quem mais usufruíram<br />

da abertura da coroa à participação estrangeira nos descobrimentos. Estes, mediante<br />

solicitação da coroa, ou através da naturalização por carta régia ou casamento-, integram-se<br />

nas viagens de descobrimento, povoamento e comércio 90 .<br />

AS ILHAS.<br />

“...porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de são Miguel, e meu tio a de são<br />

Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...”João de Melo da Câmara, 1532.<br />

Foi o arquipélago madeirense o início da presença portuguesa no <strong>Atlântico</strong>, e o primeiro e<br />

mais proveitoso resultado desta aventura. Vários são os factores que se conjugaram para este<br />

protagonismo. A inexistência de população, em consonância com a extrema necessidade de<br />

valorização para o avanço das navegações ao longo da costa africana, favoreceu a rápida<br />

ocupação e crescimento económico da Madeira. Por isso, a afirmação nos primeiros anos dos<br />

descobrimentos, foi evidente: porto de escala ou apoio para as precárias embarcações<br />

quatrocentistas, que sulcavam o oceano; importante área económica, fornecedora de cereais,<br />

vinho e açúcar; modelo económico, social e político para as demais intervenções portuguesas<br />

no <strong>Atlântico</strong>.<br />

A Madeira foi no século XV uma peça primordial no processo de expansão. A ilha,<br />

84 Elaine SANCEAU, "O degredado João Machado", in Casos e Curiosidades, Porto, 1957, pp.181- 191; Maria Augusta Lima CRUZ, "<strong>As</strong><br />

andanças de um degredado em terras perdidas -João Machado", in Mare Liberum, nº.5, 39-47.<br />

85 Confronte-se Joaquim Veríssimo SERRÃO, História de Portugal, vol. II, Lisboa, 1979, pp. 135- 140.<br />

86 Veja-se Rui LOUREIRO, Lagos e os descobrimentos até 1460, Lagos, 1989;Maria Benedita ARAUJO, "Algarvios em S. Tomé no início<br />

do século XVI", in Cadernos Históricos, IV, Lagos, 1993, 27-39.<br />

87 História de Portugal, vol. III, Lisboa, 1980, 164-169.<br />

88 . Ibidem, vol.III, Lisboa, 1980, pp.164-169.<br />

89 Confronte-se Morais do ROSÁRIO, Genoveses na História de Portugal, Lisboa, 1977; Virgínia RAU, Estudos sobre História<br />

Económica e social do antigo regime, Lisboa, 1984; IDEM, "Uma família de mercadores italianos em Portugal no século XV: os<br />

Lomellini", in Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, 1956, XVI, nº2, 56-69.<br />

90 Prospero PERAGALLO, Cenni in torno alla colonia italiana in Portogallo nei secoli XIV, XV e XVI, Torino, 1904; Charles<br />

VERLINDEN, "L'influenza italiana nela colonizzazione iberica.Uomini e metodi", in Nuova Rivista Storica, XXXVI, 1952, 254-270;<br />

Isabel Castro HENRIQUES, "Os italianos como revelador do projecto político português nas ilhas atlânticas(séculos XV e XVI)", in Ler<br />

História, nº.16, 1981.


considerada a primeira pedra da gesta descobridora dos portugueses no <strong>Atlântico</strong>, é o marco<br />

referencial mais importante desta acção no século XV. De inicial área de ocupação, passou a<br />

um entreposto imprescindível às viagens ao longo da costa africana e, depois, foi modelo para<br />

todo o processo de ocupação atlântica, Por tudo isto a Madeira firmou nome com letras<br />

douradas na História da expansão europeia no <strong>Atlântico</strong>. O Funchal foi, por muito tempo, o<br />

principal ancoradouro do <strong>Atlântico</strong> que abriu as portas do mar oceano e traçou caminho para<br />

as terras do Sul. Aí a abundância do cereal e vinho propiciavam ao navegante o<br />

abastecimento seguro para a demorada viagem. Por isso, o madeirense não foi apenas o<br />

cabouqueiro que transformou o rochedo e fez dele uma magnífica horta, também se afirmou<br />

como o marinheiro, descobridor e comerciante. Deste modo algumas das principais famílias<br />

da Madeira, enriquecidas com a cultura do açúcar, gastaram quase toda a fortuna na gesta<br />

descobridora, ao serviço do infante D. Henrique, ao longo da costa africana ou, de iniciativa<br />

particular, na direcção do Ocidente, correspondendo ao repto lançado pelos textos e lendas<br />

medievais. A juntar a tudo isso temos o rápido progresso social, resultado do porvir<br />

económico, que condicionou o aparecimento de uma aristocracia terra tenente. Esta, imbuída<br />

do ideal cavalheiresco e do espírito de aventura, embrenhou-se na defesa das praças<br />

marroquinas, na disputa pela posse das Canárias e viagens de exploração e comércio ao longo<br />

da costa africana e, até mesmo, para Ocidente.<br />

A valorização da Madeira na expansão europeia tem sido diversa. A historiografia nacional<br />

considera-a um simples episódio de todo o processo e, em face da posição geográfica, hesita<br />

no enquadramento, sendo levada, por vezes ao esquecimento. A europeia, ao invés, não<br />

duvida em realçar a singularidade do processo. Vários são os factores que o propiciaram, no<br />

momento de abertura do mundo atlântico, e que fizeram com que fosse, no século XV, uma<br />

peça chave na afirmação da hegemonia portuguesa no Novo Mundo. O Funchal foi uma<br />

encruzilhada de opções e meios que iam ao encontro da Europa em expansão. Além disso é<br />

considerada a primeira pedra do projecto, que lançou Portugal para os anais da História do<br />

oceano que abraça o litoral abrupto. O fundamento de tudo isto está patente no protagonismo<br />

da ilha e gentes. Á função de porta-estandarte do <strong>Atlântico</strong>, a Madeira associou outras, como<br />

“farol” <strong>Atlântico</strong>, o guia orientador e apoio às delongas incursões oceânicas, sendo um espaço<br />

privilegiado de comunicações, contando a seu favor com as vias traçadas no oceano que a<br />

circunda e as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e<br />

vinha. Uma e outras condições contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano<br />

fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente europeu e o<br />

Novo Mundo.<br />

A mobilidade social é uma das características da sociedade insular. O fenómeno da ocupação<br />

atlântica lançou as bases da sociedade e a emigração ramificou-a e projectou-a além<br />

<strong>Atlântico</strong>. <strong>As</strong> ilhas foram, num primeiro momento, pólos de atracção, passando depois a áreas<br />

de divergência de rotas, gentes e produtos. A novidade, aliada à forma como se processou o<br />

povoamento, activaram o primeiro movimento. A desilusão inicial com as escassas e<br />

limitadas possibilidades económicas e a cobiça por novas e prometedoras terras, definiram o<br />

segundo surto. Primeiro foi a Madeira, depois as ilhas próximas dos Açores e das Canárias e,<br />

finalmente, os novos continentes e demais ilhas. O madeirense, desiludido com a ilha,<br />

procurou melhor fortuna nos Açores ou nas Canárias, e depositou, na costa africana as<br />

prometedoras esperanças comerciais. No grupo incluem-se principalmente os filhos-segundos<br />

deserdados da terra pelo <strong>sistema</strong> sucessório. É disso exemplo Rui Gonçalves da Câmara, filho<br />

do capitão do donatário no Funchal, que preferiu ser capitão da ilha distante de S. Miguel a<br />

manter-se como mero proprietário na Ponta do Sol. Com ele surgiram outros que deram o<br />

arranque decisivo ao povoamento da ilha. A Madeira evidencia-se também no século quinze


como um centro de divergência de gentes no novo mundo.<br />

A mobilidade do ilhéu levou os monarcas a definirem uma política de restrições no<br />

movimento emigratório em favor da fixação do colono à terra, como forma de evitar o<br />

despovoamento das áreas já ocupadas. O apelo das riquezas de fácil resgate africano ou da<br />

agricultura americana eram para o homem do século XV mais convincentes, tendo a favor a<br />

disponibilidade dos veleiros que escalavam com assiduidade os portos insulares. A emigração<br />

era inevitável.<br />

A Madeira e as Canárias desfrutavam no século XV de uma posição privilegiada no espaço<br />

situado entre a costa e ilhas africanas, afirmando-se como importantes centros emigratórios.<br />

Para isso contribuiu o facto de estar associada ao madeirense uma cultura que foi a principal<br />

aposta das arroteias do <strong>Atlântico</strong>, isto é, a cana sacarina. Os madeirenses aparecem nas<br />

Canárias, Açores, S. Tomé e Brasil a dar o seu contributo para que no solo virgem brotem os<br />

canaviais, apareçam os canais de rega ou de serviço aos engenhos, a que também foram<br />

obreiros nos avanços tecnológicos. A crise da produção açucareira madeirense, gerada pela<br />

concorrência do açúcar das áreas que os habitantes contribuíram para criar, empurrou-nos<br />

para destinos distantes. Na migração atlântica, iniciada na Madeira, é de referenciar o caso da<br />

emigração inter insular dos arquipélagos do Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong>. <strong>As</strong> ilhas, pela<br />

proximidade e forma similar de vida, aliadas às necessidades crescentes de contactos<br />

comerciais, exerceram também uma forte atracção entre si. Madeirenses, açorianos e canários<br />

não ignoravam a condição de insulares e, por isso mesmo, sentiram necessidade do<br />

estreitamento dos contactos.<br />

A Madeira, mais uma vez, pela posição charneira entre os Açores e as Canárias e da<br />

anterioridade no povoamento, foi, desde meados do século XV, um importante viveiro<br />

fornecedor de colonos para os arquipélagos e elo de ligação. A ilha funcionou mais como<br />

pólo de emigração para as ilhas do que como área receptora de imigrantes. Se exceptuarmos o<br />

caso dos escravos guanches e a inicial vinda de alguns dos conquistadores de Lanzarote,<br />

podemos afirmar que o fenómeno é quase nulo, não obstante no século dezasseis os açorianos<br />

surgirem com alguma evidência no Funchal. A presença de uma comunidade de açorianos nas<br />

ilhas Canárias, principalmente nas ilhas de Gran Canária, Tenerife e Lanzarote, dedicados à<br />

cultura dos cereais, vinha, cana sacarina e pastel. Mas açorianos e canarianos, bem<br />

posicionados no traçado das rotas oceânicas, voltaram a atenção para o promissor novo<br />

mundo 91 .<br />

OS INSULARES E O BRASIL<br />

O Brasil exerceu ao longo da História um certo fascínio sobre os insulares, que se encontram<br />

ligados ao processo da sua construção desde o início. A História dos arquipélagos da<br />

Madeira, Açores, Cabo Verde e Canárias têm relevado nos últimos anos a presença dos<br />

insulares como lavradores, mercadores, funcionários e militares. Para os séculos XVI e XVII<br />

valorizou-se a presença de madeirenses, de Norte a Sul, como lavradores e mestres de<br />

engenho, que foram pioneiros na definição da agricultura de exportação baseada na cana-deaçúcar,<br />

funcionários que consolidaram as instituições locais e régias, ou militares que se<br />

bateram em diversos momentos pela soberania portuguesa. O forte impacto madeirense nos<br />

primórdios da sociedade brasileira levou Evaldo Cabral de Mello a definir a capitania de S.<br />

91 . Cf. José Pérez Vidal, Aportación de Canárias a la Población de América, Las Palmas de Gran Canária, 1991.


Vicente como a Nova Madeira. 92 Evaldo Cabral de Mello Neto, como José António<br />

Gonsalves de Mello, são raros exemplos na historiografia brasileira de valorização da<br />

presença madeirense 93 .<br />

Os primórdios da colonização do Brasil estão ligados à Madeira, tendo-se estabelecido uma<br />

ponte entre a ilha e as colónias do Brasil. Os primeiros engenhos açucareiros foram<br />

construídos por mestres madeirenses. Em S. Vicente (Santos) foram feitas escavações no<br />

engenho do senhor governador, o primeiro que terá sido construído no Brasil por carpinteiros<br />

madeirenses. António e Pedro Leme terão sido os primeiros a chegar aqui com as primeiras<br />

socas de cana. A cultura expandiu-se entretanto para norte. Na Baia e Pernambuco e Paraíba<br />

de novo encontramos muitos madeirenses ligados à safra açucareira, como técnicos ou donos<br />

de engenho.<br />

Aos agricultores e técnicos de engenho seguiram-se os aventureiros, os perseguidos da<br />

religião (= os judeus) e alguns foragidos da justiça. Deste modo a presença de madeirenses,<br />

ainda que mais evidente nas terras de canaviais de Pernambuco, espalhou-se a todo o espaço<br />

com focos de maior influência em S. Vicente, Baía, Caraíbas e Ilhéus. A situação tem eco na<br />

Historiografia brasileira. Afrânio Peixoto afirmava em 1936 que a Madeira foi entreposto,<br />

estancia de passagem para o Brasil, enquanto Gilberto Freire em 1952 define de forma clara<br />

esse relacionamento: A irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E<br />

irmã que se extremou em termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus<br />

homens... concorreram para transformar rápida e solidamente com nova Lusitânia.<br />

Por outro lado os ilhéus evidenciaram-se na defesa do território brasileiro. A libertação do<br />

Maranhão em 1642 foi obra de António Teixeira Mello, enquanto em Pernambuco a<br />

resistência ao holandês foi organizada desde 1645 por João Fernandes Vieira. Ainda, a defesa<br />

da soberania lusíada foi conseguida também com o envio de companhias de soldados desde a<br />

ilha. <strong>As</strong>sim temos: em 1631 de João de Freitas da Silva, 1632 de Francisco de Bettencourt e<br />

Sá e em 1646 de Francisco Figueiroa. Esta situação continuou no último quartel do século<br />

XVII com o envio de soldados para o Maranhão e Rio de Janeiro e Santa Catarina.<br />

O processo ganha uma nova vertente no século XVIII com a emigração de casais. Esta foi a<br />

solução para resolver os problemas sociais das ilhas e de garantir a soberania das terras do Sul<br />

brasileiro. Em 1746 temos o envio de casais açorianos e madeirenses para o sul como garantia<br />

de defesa das fronteiras do Tratado de Madrid. A fundação da cidade de Portalegre é feita por<br />

um madeirense, sendo aqui a presença de colonos, fundamentalmente, açoriana. <strong>As</strong><br />

evidências da situação estão ainda hoje presente no estado de Santa Catarina através de<br />

diversas manifestações como as festas do Espírito Santo. Nos séculos XIX e XX o Brasil<br />

continuou a ser um destino cobiçado dos insulares. A História e o quotidiano registam de<br />

forma evidente esse movimento. Este protagonismo das ilhas nas ligações com o Brasil é um<br />

marco importante que importa realçar no momento que se evoca o descobrimento do Brasil.<br />

Cabo Verde e as Canárias 94 afirmam-se por força do comércio de escravos, ficando ainda<br />

reservado às ilhas de Tenerife e La Palma o contrabando de açúcar no século XVII. Para os<br />

Açores o impacto dá-se por força das migrações dos séculos XVII e XVIII, que permitiram a<br />

consolidação da soberania a Norte e a Sul. Os estudos monográficos revelaram o<br />

92<br />

.Conferência, in <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> e o Brasil, Funchal, CEHA, 2000, p.13.<br />

93<br />

. José Pereira da Costa [O Brasil ,…, in <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> E o Brasil, Funchal, 2000, pp.22-23]refere que a Historiografia brasileira dedica pouca<br />

atenção às ilhas.<br />

94 .Roselli Santaella Stella, <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> Canárias nos registos do Brasil de Quinhentos, in XI Colóquio de História canário americana, t.<br />

III(1996), 57-73. IDEM, <strong>As</strong> Canárias Como Eixo na Conexão Comercial do Brasil ao Prata, in X Colóquio de História canário americana,<br />

T.I, 1994, 89-305. Cf. o texto de Elisa Torres Santana neste volume


protagonismo açoriano, pondo de parte outros colonos e povoadores, relegados para segundo<br />

plano.<br />

Nos séculos XVIII e XIX as ligações comerciais das ilhas mantêm-se suportadas na oferta de<br />

vinho, vinagre, mantendo-se o retorno de açúcar e aguardente. A relação alargou-se a partir de<br />

1746 à presença de casais insulares no Sul e à forte emigração da segunda metade do século<br />

XIX. No século XX o Brasil continuou a ser ainda o El Dourado para os insulares,<br />

nomeadamente os madeirenses, que encontram no Rio e Santos, a fuga às dificuldades da<br />

guerra ou às difíceis condições de sobrevivência.<br />

Hoje são ainda evidentes os vestígios da secular ligação dos ilhéus ao Brasil. Os Madeirenses<br />

mantêm a tradição do bordado, nomeadamente em S. Paulo. A Sul, no Estado de Santa<br />

Catarina (em Blumenau, Camboriú, Florianópolis...) é evidente a influência das tradições<br />

culturais açorianas com as festas do Espírito Santo. Por outro lado as ilhas não ficaram<br />

imunes às influências brasileiras. Estas evidenciam-se na arquitectura com as chácaras, como<br />

nas artes decorativas, com o recurso às madeiras brasileiras (jacarandá, sicupiru) para a<br />

construção de mobiliário. A última situação encontra vestígios nomeadamente nos Açores no<br />

mobiliário religioso. Também as madeiras das caixas que transportaram o açúcar tiveram uma<br />

reutilização quer na Madeira, quer nos Açores. Tenha-se em consideração que o retorno tem a<br />

ver com a existência de uma rota comercial entre as ilhas e o Brasil e no caso dos Açores o<br />

papel assumido no traçado das rotas oceânicas.<br />

Mitos e sofismas historiográficos<br />

O mito do colonizador açoriano do século XVIII, alimentado de ambos os lados do <strong>Atlântico</strong><br />

a partir da década de quarenta do século XX, levou a que se desvalorizasse o contributo de<br />

gentes oriundas de outras regiões, como foi o caso da Madeira 95 . O facto mais significativo de<br />

95 . A Bibliografia açoriana dos últimos tempos, por força de intercâmbios institucionais, tem dedicado especial atenção ao tema,<br />

contribuindo para reforçar o “mito açoriano”. Cf. Barroso, Vera Lúcia Maciel (org.), Presença Açoriana em Santo António da Patrulha e<br />

no Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Ed. Est. 1997. Belo, Raimundo, A Emigração Açoriana para o Brasil, BIHIT, Vol. V, AH, 1947, 165-<br />

176. Boiteux, Lucas Alexandre, Açorianos e Madeirenses em Santa Catarina, Revista do I. Hist. e Geog. Brasileiro, Vol. 219, Rio de<br />

Janeiro, 1953. Cabral, Osvaldo Rodrigues, Os Açorianos , Florianópolis, Imprensa Oficial do Estado, 1950. Cabral, Oswaldo R., Os<br />

Açorianos, in Anais do Primeiro Congresso de História Catarinense, Florianópolis, 1950, Vol. II, 503-608.IDEM, Raízes Seculares de<br />

Santa Catarina, BIHIT, AH, 1959, XI (II), 1-142. Diégues Júnior, Manuel, Contribuição de Casais Ilhéus à Fixação do “Uti Possidetis”,<br />

Anais do Primeiro Congresso de História Catarinense, Florianópolis, 1950, II. Enes, Maria Fernandes D. Teixeira, A Diáspora Açoriana e<br />

o Destino Brasileiro, in Actas da III Semana de Estudos de Cultura Açoriana e Catarinense , Ponta Delgada, 1993, 37-46. Farias, Vilson,<br />

Santa Catarina e o rio Grande do Sul. A alma Açoriana no sul do Brasil, in Atlantis, nº.3, Lisboa, 2003, pp.34-40; Fontes, Gen. João<br />

Borges, Os Casais Açorianos. Presença Lusa na Formação Sul-riograndense, Porto Alegro, 1978. Furlan, Osvaldo António, Influência<br />

Açoriana no Português do Brasil em Santa Catarina, Florianópolis, Ed. de UFSC., 1989. Ghisleni, Maria Helena Pena (transcrição),<br />

Africanos no Rio Grande do Sul. Documentos Interessantes e Documentação do Arquivo Histórico do Rio Grande do Su l (1755-1788),<br />

Porto Alegro, 1991. Macedo, F. Riopardense de, Açorianos para o Sul do Brasil, in o Papel das <strong>Ilhas</strong> do <strong>Atlântico</strong> na Criação do<br />

Contemporâneo, V Colóquio Internacional de História das <strong>Ilhas</strong> Atlânticas , A.H., 2000, 731-759. Madeira, Artur Boavida, Açorianos nas<br />

Fronteiras do Brasil na Segunda Metade do Século XVIII, in <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> e o Brasil, Funchal, 2000, 349-364. Martins, Francisco Ernesto de<br />

Oliveira, Arquitectura Popular Açoriano/Brasileira. Subsídios para o seu Estudo, AH, 1996.Mendonça, Luís e José Ávila, Emigração<br />

Açoriana (sécs. XVIII a XX), Lisboa, 2002. Meneses, Avelino de Freitas de, Os Açores e o Brasil: <strong>As</strong> Analogias Humanas e Económicas no<br />

Século XVIII, Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, Curitiba, 1995, 10, 23-42.Meneses, Manuel de Sousa, Os Casais<br />

Açorianos no Povoamento de Santa Catarina, BIHIT, AH, 1952, X, 40-104. Merelim, Pedro de, Emigração Açoriana para o Brasil,<br />

Atlântida, AH, 1966-67, 10-11 (4-5 e 1-3), 242-252, 315-320, 86-104. Pereira, Nereu do Vale, <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> Açorianas e o Brasil Meridional, V<br />

Colóquio Internacional de História das <strong>Ilhas</strong> Atlânticas, A.H., 2000, 491-515. Piazza, Walter F. e Farias, Wilson Francisco de, O<br />

Contributo Açoriano ao Povoamento do Brasil, Actas da III Semana de Estudo de Cultura Açoriana e Catarinense, Ponta Delgada, 1993,<br />

191-220. Piazza, Walter F., A Epopeia Açorico-Madeirense (1746-1756), Florianópolis, VFS c/ Sunardelli, 1992. Piazza, Walter F., A Ilha<br />

de Santa Catarina e o seu Continente (…) in <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> e o Brasil, Funchal, 2000, 311-335. Piazza, Walter, A Grande Migração Açoriana de<br />

1748-56, in Memorial de Luís da Silva Ribeiro, SREC., AH, 1982. Santos, Eugénio dos, Os Açorianos no Povoamento e Defesa do<br />

Extremo Meridional do Brasil. O Caso do Rio Grande do Sul, in O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XXI, Horta, 1995, 373-<br />

385. Rodrigues, José Damião, entre Duas Margens. A Circulação Atlântica dos Açorianos nos Séculos XVII e XVIII, in Arquipélago-<br />

História, 2º série, vol. VI, Ponta Delgada, 2002, pp.225-245. Sousa, Sara Regina Silveira E., Presenças Açorianas na Arquitectura de<br />

Santa Catarina, Florianópolis, 1981. Wiedersphan, Henrique Oscar, A Colonização Açoriana no Rio Grande do Sul, Porto Alegro, 1979.


tudo isto é a intenção de certa historiografia em fazer depender dos açorianos todo o legado<br />

cultural dos colonos portugueses que aportaram a terras brasileiras no século XVIII,<br />

ignorando-se outros insulares como os madeirenses 96 . <strong>As</strong> festas do Divino são o caso mais<br />

evidente do sofisma. Os estudos mais recentes revelam a marca portuguesa e não apenas<br />

açoriana das festividades e é por demais evidente que os madeirenses, como outros colonos<br />

continentais, foram igualmente portadores do culto 97 .<br />

O mito da colonização açoriana é apenas uma realidade e criação do século XX, ganhando<br />

expressão, nomeadamente a partir dos trabalhos de Oswaldo Cabral 98 . Foi sem dúvida a ideia<br />

do Instituto Histórico e Geográfico de santa Catarina, em comemorar em 1948 o bicentenário<br />

da “colonização açoriana”, que lançou o mote. 99 A aportação açoriana à sociedade<br />

catarinense não adquiriu a dimensão que se pretendeu atribuir. Alguns estudos revelam o<br />

contrate entre a ruralidade destas comunidades e a capacidade de empreendimento resultante<br />

dos fluxos migratórios posteriores, nomeadamente italiano e alemão 100 . Note-se que o tema<br />

tem sido motivo de aceso debate académico, existindo, por vezes um desfasamento entre este<br />

discurso e a visão aceite por quase todos 101 . Todavia, estamos perante um tema a merecer<br />

ainda maior atenção por parte da historiografia 102 .<br />

<strong>As</strong> festas em honra do “Divino” ocorrem na festa do Pentecostes que no calendário católico<br />

tem lugar cinquenta dias após a Páscoa. Esta tradição foi difundida no ocidente através da<br />

França. Em Portugal ganhou raízes por influência da Rainha D. Isabel [1271-1336]. O culto<br />

ao divino acompanhou os portugueses na expansão, mas hoje a sobrevivência destes rituais<br />

ancestrais persiste apenas em alguns espaços. Sucede assim nos Açores e em muitos dos<br />

recantos brasileiros, como Alcântara, Santa Catarina (...). Uma das características da<br />

manifestação em solo brasileiro é a incorporação dos negros através das caixeiras, um grupo<br />

de mulheres negras que tocam caixa em diversos momentos da “folia do divino”. A coroação<br />

do imperador, o bodo dos pobres foi uma tradição comum a todos os espaços. Hoje na<br />

Madeira quase se perdeu e apenas em nalguns nichos rurais podemos encontrar alguns<br />

resquícios. Apenas dois exemplos: em S. Vicente persiste a tradição da mesa farta no dia do<br />

divino, já na Camacha procura-se ainda perpetuar a coroação do imperador 103 .<br />

96 . Boiteux, Lucas Alexandre, Açorianos e Madeirenses em Santa Catarina, Revista do I. Hist. e Geog. Brasileiro, Vol. 219, Rio de Janeiro,<br />

1953. Ferraz, Maria de Lourdes de Freitas, Emigração Madeirense para o Brasil no Século XVIII, Islenha, Funchal, 1988, nº 2, 88-101.<br />

Pereira, Nereu do Vale, Notas sobre a participação Madeirense na Colonização da Ilha de Santa Catarina, in <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> e o Brasil, Funchal,<br />

2000, 337-348. Piazza, Walter, Madeirenses no Povoamento de Santa Catarina (Brasil) século XVIII, in Actas do I Colóquio Internacional<br />

de História da Madeira, Funchal,1989. A Epopeia Açorico-Madeirense (1746-1756), Florianópolis, VFS c/ Sunardelli, 1992 [Edição<br />

CEHA Funchal 1999]. Santos, Maria Licínia Fernandes dos, Os Madeirenses na colonização do Brasil, Funchal, CEHA, 1999. Silva, José<br />

Manuel Azevedo e, Africanos e Madeirenses no Povoamento e Colonização da Amazónia no Tempo do Marquês de Pombal, in <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> e o<br />

Brasil, Funchal, 2000, 365-374.<br />

97 . Cf. Martha Abreu, O Império do Divino, Rio de Janeiro, 1999,<br />

98 . Cf.Os Açorianos, Florianópolis, 1951<br />

99<br />

Cf. Nereu do Vale Pereira, Notas sobre a Participação de Madeirenses na Colonização da Ilha de Santa Catarina, in <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> e o Brasil,<br />

Funchal, 2000, pp.337-348<br />

100<br />

Cf. Fernando Henrique Cardoso, Negros em Florianópolis. Relações Sociais e Económicas, Florianópolis, 2000, pp.55,76,102-105.<br />

101<br />

. Sara Regina Silveira de Souza, A presença Portuguesa na Arquitectura da Ilha de Santa Catarina. Séculos XVIII e XIX, Florianópolis,<br />

1981; Maria Bernardete Ramos Flores, A Farra do boi. Palavras, sentidos, Ficções, Florianópolis, 1998; Márcia Alves, Entre a Folia e a<br />

Sacrestia: <strong>As</strong> (Re)significações e intervenções da elite clerical e civil na festa do divino em florianopolis(1896-1925), Florianópolis.1999;<br />

Luciene Lehmkuhl, Imagens além do circulo. O grupo de artistas Plásticos de Florianópolis e a Positivação de uma cultura nos anos 50,<br />

Florianópolis, 1996(tese da UFSC);Daniela Eilert Cardoso, Mitos e Crenças de descendentes de açorianos na ilha de Santa Catarina.<br />

Umestudo sobre sujeitos, algumas expressões culturais e seus movimentos, Florianópolis, 2001(tese da UFSC); Eugénio Pascele Lacerda,<br />

O Atlantico açoriano. Uma Antropologia dos contextos globais e locais da açorianidade, Forianópolis, 2003(tese na UFSC).<br />

102<br />

.É curioso notar que os visitantes estrangeiros da segunda metade do século XVIII e inícios do seguinte, definem este espaço como<br />

simplesmente de colonização portuguesa, veja-se Ilha de Santa Catarina. Relatos dos Viajantes Estrangeiros nos séculos XVIII e XIX,<br />

Florianópolis, 1748.<br />

103 . O facto de não existir uma preocupação de estudo e divulgação não quer dizer que o culto não existiu na Madeira. Felizmente que nos<br />

últimos anos sucederam-se estudos reveladores da devoção, ontem como hoje, dos madeirenses ao “Divino Espírito Santo. CF. História e<br />

Devoção ao Divino Espírito Santo na Madeira, Funchal, CEHA, 2001.


É nos Açores e no Brasil onde ainda hoje a manifestação preserva a antiga tradição. Esta<br />

constatação tem dado lugar a alguns erros de interpretação. Para muitos folcloristas brasileiras<br />

ela confunde-se com os açorianos, apontando-se a influência dos momentos de colonização<br />

dos séculos XVII e XVIII. Sucede que esta vaga não se resumiu apenas a casais açorianos,<br />

mas das ilhas em que se incluía a Madeira. Madeirenses e Açorianos, como antes outros<br />

ilhéus ou reinos, levaram para os novos espaços os usos, costumes, tradicionais e rituais<br />

religiosos em que não podia faltar a festa do divino.<br />

Tudo isto diz-nos que a produção científica é uma tarefa séria e que as conclusões não podem<br />

nunca ser apressadas, mas sim fruto de um aturado trabalho de análise e estudo. É por tudo<br />

isto que continuámos a afirmar que estamos perante uma aportação portuguesa, e não<br />

açoriana, que contou com o contributo de todos os que atravessaram o <strong>Atlântico</strong> rumo às<br />

esperanças dos brasis. A matriz de inúmeras tradições que persistem nos recantos brasileiros<br />

é portuguesa e a sua sobrevivência lá como cá não pode ser uma relação de causa e efeito.<br />

Um discurso histórico deste tipo, só por distracção ou traição à verdade histórica.<br />

A ROTA DOS ESCRAVOS<br />

A expansão europeia abriu aos europeus as portas do <strong>Atlântico</strong> propiciando a migração<br />

das mais importantes rotas comerciais para este palco dominado pelos reinos peninsulares.<br />

Ligado ao processo está o da afirmação e definição da rota e mercado dos escravos. <strong>As</strong><br />

viagens de reconhecimento da costa africana abriram aos portugueses a possibilidade de<br />

acesso fácil através das razias. Todavia não poderá afirmar-se que foram os portugueses que<br />

estiveram na origem da escravização do negro e na criação do mercado negreiro, pois já<br />

existia há muito tempo no mundo mediterrânico e africano. O papel dos portugueses resumese<br />

a estabelecer as rotas atlânticas e a iniciar a partir daqui a colonização assente nesta mãode-obra.<br />

A Madeira assume mais uma vez um papel relevante, todavia nunca assumiu uma<br />

posição dominante na sociedade e processo produtivo, situação que sucederá em Cabo Verde<br />

e S. Tomé. Note-se ainda que em ambos os arquipélagos um dos principais incentivos à<br />

fixação de colonos europeus foi o privilégio do resgate de escravos na costa africana vizinha.<br />

A escravatura está habitualmente ligada a actividade de extracção mineira e a um conjunto de<br />

culturas que implicam uma grande exigência por parte do Homem, como é o caso da cana<br />

sacarina, do tabaco e do algodão. Para o Brasil o Padre António Vieira afirma o seguinte:<br />

“sem açúcar não há Brasil e sem negros não há açúcar.” Isto quer dizer que no Brasil a<br />

interdependência do açúcar e escravo é evidente.<br />

O comércio de escravos, a exemplo das demais transacções comerciais no espaço atlântico<br />

alem do Bojador, esteve sujeito a apertada regulamentação. Primeiro tivemos a reserva de<br />

espaço no litoral africano para intervenção exclusiva dos vizinhos de Cabo Verde e S. Tomé.<br />

Ambos os arquipélagos funcionaram como placas giratórias do trato negreiro para o novo<br />

continente. Depois com a união das duas coroas, a partir de 1595, manteve-se o controlo<br />

régio, sendo o comércio sujeito a um <strong>sistema</strong> de contratos e assentos. A situação só persistiu<br />

até 1650, altura em que o mercado de escravos africanos abriu as portas a todos os<br />

intervenientes. Isto acontece num momento de retracção do mercado brasileiro que recuperará<br />

trinta e nove anos mais tarde com a necessidade da mão-de-obra para a mineração.


A Madeira foi nos primórdios da expansão atlântica o primeiro e mais importante mercado<br />

receptor de escravos africanos. Tudo isto resulta do facto de estar próxima do continente<br />

africano e envolvida no processo de reconhecimento, ocupação e defesa do controlo lusíada.<br />

À ilha chegaram os primeiros escravos guanches, marroquinos e africanos, que contribuíram<br />

para o arranque económico do arquipélago. O comércio entre a ilha e os principais mercados<br />

fornecedores existiu, desde o começo da ocupação do arquipélago, e foi fulgurante em alguns<br />

momentos. Impossível é estabelecer com exactidão a quantidade de escravos envolvida. A<br />

deficiente disponibilidade documental, para os séculos XV a XVII, não o permite. Carecemos<br />

dos registos de entrada da alfândega do Funchal e dos contratos exarados nas actas notariais.<br />

Os escravos que surgem no mercado madeirense são na quase totalidade de origem africana,<br />

sendo reduzida ou nula a presença daqueles de outras proveniências, como o Brasil, América<br />

Central e Índia. Isto pode ser resultado, por um lado, da distância ou das dificuldades no<br />

tráfico e, por outro, das assíduas medidas limitativas ou de proibição, como sucedeu no Brasil<br />

e Índia. Apenas o mercado africano, dominado pela extensa costa ocidental, em poder dos<br />

portugueses, não foi alvo de quaisquer proibições. Aí as únicas medidas foram no sentido de<br />

regular o tráfico, como sucedeu com os contratos e arrendamentos. O litoral <strong>Atlântico</strong> do<br />

continente africano, definido, primeiro, pelas Canárias e Marrocos e, depois, pela Costa e<br />

Golfo da Guiné e Angola, era a principal fonte de escravos. E aí a Madeira foi buscar a mãode-obra<br />

necessária para abrir os poios e, depois, plantar os canaviais. Tivemos primeiro os<br />

escravos brancos das Canárias e Marrocos. Depois os negros das partes da Guiné e Angola.<br />

<strong>As</strong> condições particulares da presença portuguesa no Norte de África definiram aí uma forma<br />

peculiar de aquisição. Os escravos eram sinónimo de presas de guerra, resultantes das<br />

múltiplas pelejas, em que se envolviam portugueses e mouros. Para os madeirenses, que<br />

defenderam com valentia a soberania portuguesa nestas paragens, os escravos mouros surgem<br />

ao mesmo tempo como prémio e testemunho dos feitos bélicos. Eram poucos os que podiam<br />

ostentar os triunfos de guerra. Outra forma de aquisição era o corso marítimo e costeiros,<br />

prática de represália comum a ambas as partes. Idêntica situação ocorreu na Índia onde os<br />

madeirenses também se evidenciaram nas diversas batalhas aí travadas, como sucedeu com<br />

Tristão Vaz da Veiga. Na Costa Africana, além do Bojador, os meios de abastecimento de<br />

escravos eram outros. <strong>As</strong>sim os assaltos e razias deram depois lugar ao trato pacífico com as<br />

populações indígenas. Tudo isto implicava uma dinâmica diferente para os circuitos de<br />

comércio e transporte. Aqui os cavaleiros e corsários são substituídos pelos mercadores.<br />

O processo de formação das sociedades insulares da Guiné foi diferente do da Madeira e<br />

Açores. Aqui, a distância do reino e as dificuldades de recrutamento de colonos europeus<br />

devido à insalubridade do clima condicionaram, de modo evidente, a forma de expressão<br />

étnica. A par de um reduzido número de europeus, restrito em alguns casos aos familiares dos<br />

capitães e funcionários régios, vieram juntar-se os africanos, que corporizaram o grupo activo<br />

da sociedade. A presença de negros, sob a condição de escravos, incentivada no início, foi<br />

depois alvo de restrições. O espírito insubmisso, de que resultaram algumas e sérias revoltas<br />

em S. Tomé, foi a principal razão das medidas. Sem dúvida, o aspecto mais peculiar e<br />

relevante da estrutura social foram a posição assumida pela escravatura. Para certa<br />

historiografia torna-se paradigmático o caso madeirense, que se assume como revelador da<br />

forma de passagem da sociedade mediterrânica para a atlântica, através da vinculação ao<br />

açúcar. De facto as ilhas do <strong>Atlântico</strong> Oriental foram o filão do açúcar que catapultou a mãode-obra<br />

escrava para a uma afirmação nas referidas sociedades e economias. Daí resultou que<br />

nos Açores, onde a safra açucareira foi diminuta, este grupo social não adquiriu a mesma<br />

dimensão da Madeira e Canárias. Mas é difícil, em qualquer dos arquipélagos, estabelecer


uma contabilização exacta. No caso da Madeira refere-se, com base em Gaspar Frutuoso, que<br />

os escravos representariam em 1552 cerca de 14% do total dos habitantes do Funchal e 29 %<br />

de toda a ilha, mas os dados por nós compulsados para toda a ilha e relacionados com o<br />

recenseamento de 1598 ficam-se por 5%, enquanto nas Canárias orientais tal percentagem<br />

rondaria os 15%. 104 .<br />

A presença da mão-de-obra resultou só das dificuldades sentidas no recrutamento de colonos<br />

derivadas das inúmeras exigências da safra do açúcar e da facilidade do resgate nas Canárias<br />

ou costa africana. Mais tarde, uma maior procura por outros mercados carentes causou aqui<br />

dificuldades à manutenção sendo mais fácil e barato e recurso à mão-de-obra livre. Os<br />

escravos tiveram uma função marcante no processo socio-económico nos séculos XV e XVI.<br />

Para isso terão contribuído, por um lado, as facilidades no acesso ao mercado africano e, por<br />

outro, a incessante procura da força braçal derivada das dificuldades no recrutamento de<br />

colonos no reino, conjugada com a permanente solicitação em face das más condições do solo<br />

a desbravar e da inusual necessidade pela safra e fabrico do açúcar.<br />

Na Madeira o processo de abertura de frentes de arroteamento foi moroso e necessitava de<br />

mão-de-obra numerosa e barata. A preparação do solo para as sementeiras foi demorada: as<br />

queimadas, a construção de paredes para retenção das terras e a abertura de levadas para a<br />

utilização da água no regadio e fruição da força motriz nos engenhos. Depois foram as<br />

culturas agrícolas. A situação, aliada à forte presença madeirense nas campanhas de defesa<br />

das praças africanas, de conquista das Canárias e reconhecimento da costa africana, implicou<br />

a solução da escravatura de canários ou africanos, muitos deles presas das façanhas. Deste<br />

modo estava aberta a via para a afirmação da escravatura na ilha, dispondo para isso de<br />

múltiplas frente de recrutamento: primeiro as Canárias, depois a costa africana, desde<br />

Marrocos até Angola. Mas o principal surgidouro de escravos foi a área da Costa e Rios de<br />

Guiné. Aí chegaram os madeirenses e estabeleceram, em Santiago e depois em S. Tomé, um<br />

importante entreposto para comércio com destino à ilha. Mais tarde alargaram os interesses<br />

até ao tráfico transatlântico. A situação contribuiu para que a Madeira fosse um importante<br />

entreposto de comércio de escravos para o reino ou Canárias. A escravatura na Madeira<br />

adquiriu uma dimensão diferente das ilhas de Cabo Verde e S. Tomé ou das Antilhas. A<br />

diferença não se radica apenas no número deles, pois também se alarga à mundividência<br />

estabelecida pela estrutura social madeirense. Na Madeira o escravo é parte integrante da<br />

sociedade. O mundo do escravo entrecruzava-se com o do livre.<br />

Os regimentos régios, as posturas municipais, insistiam na necessidade de controlo do<br />

acanhado espaço de convívio do escravo, procurando evitar qualquer situação propiciadora da<br />

revolta. Perante isto o escravo estava amarrado ao quotidiano do senhor e só poderia<br />

desprender-se dele em condições especiais e mediante o seu consentimento. O escravo só<br />

existia perante a sociedade associado ao senhor. A par disso a mulher escrava mantinha um<br />

estreita ligação com o proprietário, seja ele do sexo feminino ou masculino, servindo-o em<br />

tudo o que era necessário. <strong>As</strong> disposições testamentárias favorecem-nas.<br />

É comum associar-se o escravo à cultura e fabrico do açúcar: o binómio escravo/açúcar é uma<br />

realidade insofismável. ANTONIL chega mesmo a afirmar que os “escravos são as mãos e os<br />

pés do senhor de engenho.” É-o sim em S. Tomé Antilhas e Brasil, mas na Madeira e<br />

Canárias a situação é diversa. Na verdade, a cultura foi a mola propulsora da afirmação dos<br />

104 Para a situação da Madeira nos séculos XV a XVII veja-se o nosso estudo Os escravos no arquipélago da Madeira.séculos XV a XVII,<br />

Funchal, 1991.


escravos nas ilhas, mas as condições específicas do <strong>sistema</strong> de propriedade permitiram uma<br />

diversidade de relações sociais em torno da produção. Na Madeira, ao contrário do que<br />

sucedeu nas áreas supracitadas, a cultura dos canaviais adquiriu expressão fundiária diversa.<br />

Neste caso deparamo-nos com um excessivo parcelamento dos canaviais e a afirmação de<br />

uma nova forma de posse e usufruto da terra -- o arrendamento -- que colocava em segundo<br />

plano a função do escravo no processo produtivo. Depois a crise açucareira provocou a<br />

afirmação de outra cultura -- a vinha -- que relegou para um plano secundário a presença do<br />

escravo no sector produtivo. Acresce ainda que o binómio engenho/canaviais era pouco<br />

frequente, sendo usual o recurso ao engenho de outrem para a moenda das canas e fabrico do<br />

açúcar. A divisão de tarefas e a pequenez dos canaviais não facilitaram a permanência de uma<br />

mão-de-obra fixa, antes possibilitando uma afirmação da força de trabalho eventual. Perante<br />

isto só nos resta dizer que no caso da Madeira e mesmo das Canárias as tarefas da cultura e<br />

fabrico do açúcar foram executadas por uma mão-de-obra mista: escravos e livres trabalham a<br />

terra e animam a vida do engenho, mas os últimos dominam, ao contrário do que sucedeu nas<br />

Antilhas ou em S. Tomé. Também nos Açores o escravo misturou-se com o criado e<br />

trabalhador na prestação de serviços domésticos, agro-pecuários e artesanais. Mas aqui a<br />

escravatura não adquiriu a dimensão que assumiu na sociedade madeirense. Para isso terão<br />

contribuído a forma de organização da estrutura fundiária e o relativo afastamento dos<br />

mercados abastecedores de escravos.<br />

Em Cabo Verde e S. Tomé, porque próximos do mercado de resgate e funcionando como<br />

feitorias para este tráfico, a situação era diversa. No primeiro arquipélago, por exemplo, foi<br />

apenas a disponibilidade nos Rios da Guiné. A coroa havia determinado em 1472 que os<br />

moradores de Santiago pudessem "haver escravos, escravas, machos e fêmeas para seus<br />

serviços e sua melhor vivenda e povoação". Até mesmo o clero não dispensava os seus<br />

serviços, como se depreende de uma carta de 1607 do padre Barreira, missionário na Serra<br />

Leoa. Dizia ele: "a experiência nos tem demonstrado que nem a ilha (Santiago) nem cá<br />

podemos viver sem escravos". Nas ilhas do Golfo da Guiné o processo foi diferente uma vez<br />

que se deverá juntar o facto de o açúcar ter vingado em larga escala, necessitado de enormes<br />

excedentes de mão-de-obra africana, mais justificados pela reduzida dimensão dos europeus.<br />

Aqui laboravam mais de trezentos engenhos, no século dezasseis, todos eles alimentados pela<br />

força do trabalho escravo. De acordo com uma relação de 1554 cada engenho teria ao dispor<br />

entre cento e cinquenta a trezentos escravos. Álvaro de Caminha declara no testamento, feito<br />

em finais do século XV, ter ao serviço "nas obras, roças e sementeiras" mais de quinhentos<br />

escravos. É o prelúdio do que iria suceder, depois, aos africanos escravizados e obrigados a<br />

fazer a travessia do oceano.<br />

Quer em Cabo Verde, quer em S. Tomé o trabalho dos escravos era a força motriz da<br />

economia agrícola. O dia à dia era estabelecido pela tradição africana de uma forma peculiar.<br />

Seis dias era o tempo reservado para os escravos tornarem produtivas as terras do amo e<br />

apenas um dia lhes era facultado para encontrarem os meios de subsistência diária. Ao<br />

contrário do que sucedia na Madeira ou nos Açores "o senhor não dá coisa alguma àqueles<br />

negros (...) nem mesmo faz despesa em dar-lhes vestidos, nem de comer, nem em mandar-lhes<br />

construir choupanas porque eles por si mesmo fazem todas as coisas" 105 . Contra isto<br />

reclamava o Padre Manuel de Barros em 1605, dizendo que os escravos aos domingos e dias<br />

santificados não cumpriam o preceito religioso, porque "tais dias dá Deus ao cativo para<br />

trabalhar para as suas necessidade (...) e nada para o senhor". Isto não era novidade para os<br />

negros, que sendo escravos no continente já estavam submetidos a tal regime de trabalho e foi<br />

105 Viagem de Lisboa à ilha de S. Tomé, Lisboa, s.d., 54-60.


de lá que os portugueses o copiaram.<br />

Os escravos assumiam aqui uma posição muito mais importante na composição da sociedade,<br />

do que nas ilhas aquém do Bojador. Aqui devemos diferenciar, quer em Santiago, quer em S.<br />

Tomé, os escravos residentes e os de resgate. Os últimos, depois de alguns dias de<br />

permanência nos armazéns da feitoria, seguiam rumo ao seu destino, para a América, a<br />

Europa ou as ilhas atlânticas. Eram numerosos mas de permanência limitada. Valentim<br />

Fernandes dá-nos conta disso em princípios do século XVI, referenciando para S. Tomé, entre<br />

os mil moradores livres, o dobro de escravos residentes e entre cinco a seis mil de resgate.<br />

Com o decorrer dos tempos a relação entre os livres e os escravos residentes aumentou, de<br />

modo que em 1546 existiam seiscentos brancos para igual número de mulatos e dois mil<br />

escravos. Na ilha do Príncipe em 1607 nos cinco engenhos em funcionamento contavam-se<br />

dez homens brancos casados, dezoito crioulos e quinhentos escravos 106<br />

. Em Cabo Verde os<br />

dados disponíveis sobre a presença dos escravos cobrem apenas as ilhas povoadas desde o<br />

início (Santiago e Fogo) no período de 1513 e 1582. Na primeira data referencia-se na Ribeira<br />

Grande a residência de cento e sessenta e dois vizinhos, sendo destes trinta e dois escravos.<br />

Para o segundo surgem já 13.700 escravos (87%) e 1.008 vizinhos (13%), nas duas ilhas.<br />

Aqui é evidente a maior concentração na Ribeira Grande, onde representam mais de 92% da<br />

população 107 . Perante isto torna-se evidente a diferença entre o fenómeno da escravatura dos<br />

dois arquipélagos com os atrás citados. Em todas as ilhas a presença do escravo negro não era<br />

pacífica, sendo considerada em muitos momentos como um factor de forte instabilidade<br />

social. Os fugitivos, num e noutro lado, geravam a habitual apreensão das autoridades, que<br />

tudo faziam para sanar os aspectos nocivos que a sua presença poderia causar. Mas enquanto<br />

na Madeira e nos Açores a conflituosidade era sazonal, não assumindo proporções graves, o<br />

mesmo não se podendo dizer das ilhas da Guiné. Em S. Tomé, os fugitivos reuniam-se nas<br />

montanhas em quadrilhas e assaltavam esporadicamente as vilas. Daí resultaram também<br />

algumas sublevações importantes (em 1547 e 1595) que puseram em causa a permanência dos<br />

europeus e a continuidade da cultura da cana-de-açúcar açucareira. Ficou célebre a revolta de<br />

1595, comandada por Amador, escravo fugitivo de Bernardo Vieira 108 . O afrontamento dos<br />

escravos fugitivos começou a ser evidente a partir de 1531, ano em que os moradores de S.<br />

Tomé manifestaram apreensão ao rei pela presença de tais grupos de cativos fugidos,<br />

considerados ameaça permanente para a ilha. Daí resultava a necessidade de medidas por<br />

parte da coroa, caso contrário "se perderá esa ylha e cedo será toda dos negros". Também<br />

nos Açores, mais propriamente em Vila Franca do Campo, ficou registada uma revolta de<br />

escravos em 1522, tendo por chefe um Badail, escravo de Rui Gonçalves da Câmara, mas<br />

sem qualquer efeito para a sociedade. Na Madeira onde o grupo era mais numeroso não se<br />

conhece qualquer tipo de revolta, para além dos casos isoladas de violência dos escravos<br />

fugitivos nos caminhos que circundavam as serranias da ilha.<br />

A ROTA DA DIÁSPORA<br />

A comunidade judaica assumiu um papel de destaque no processo dos descobrimentos<br />

portugueses. A sua presença é notória desde o início do processo. Aos judeus serão atribuídas<br />

responsabilidades na definição das rotas comerciais que ligam o atlântico agora descoberto<br />

106 Monumenta Missionária Africana, I, nº 137, 383.<br />

107 .António Carreira, Cabo Verde, Lisboa, 1983, pp.373-374<br />

108 Rui RAMOS, "Rebelião e Sociedade colonial: alvoroço e levantamento em S. Tomé (1545-1555)", in Revista Internacional de Estudos<br />

Africanos, nº 4/5, 1986, 17-74.


com os mercados do norte da Europa. Por sua iniciativa estabeleceram uma rede familiar de<br />

negócios que foi um dos principais suportes da rede comercial resultante dos<br />

descobrimentos 109 . Desde a Madeira com o incremento do açúcar que a sua presença é<br />

evidente. Tão pouco a criação do tribunal da Inquisição os impediu de manter esta posição.<br />

Note-se, que à medida das intervenções do tribunal da inquisição de Lisboa nos novos<br />

espaços atlânticos, estes iam avançando para novos destinos ou refugiavam-se nas praças do<br />

norte da Europa, mas sem perderem o vínculo aos mercados e espaços de origem. A presença<br />

de muitos judeus portugueses nas Canárias com vínculos às ilhas portuguesas é evidente 110 .<br />

Certamente que a criação dos colégios dos Jesuítas em Ponta Delgada, Angra e Funchal, bem<br />

como as visitas realizadas nos anos de 1575, 1591 e 1618-21 contribuíram para aumentar e<br />

reforçar a presença da comunidade, que se alarga a Cabo Verde e ao Brasil 111 .<br />

A inquisição exercia a actividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia todo o<br />

espaço atlântico. A acção do tribunal não era permanente e fazia-se através de visitadores aí<br />

enviados. Na Madeira e nos Açores realizaram-se três visitas: em 1575 por Marcos Teixeira,<br />

em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco Cardoso Tornéo, mas<br />

só é conhecida a documentação das duas últimas 112 . Nas ilhas é manifesta a conivência das<br />

autoridades com a presença da comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades<br />

iniciais à sua fixarão. O tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal<br />

alguns judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e insistente permanência.<br />

Entretanto no intervalo de tempo entre as visitas o tribunal fazia-se representar pelo bispo,<br />

clero, reitores do colégio dos jesuítas, "familiares" e comissários do Santo oficio.<br />

A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes,<br />

estavam ligados, desde o início, ao <strong>sistema</strong> de trocas nas ilhas, sendo os principais<br />

animadores do relacionamento e comércio a longa distância. A criação do tribunal do Santo<br />

ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no <strong>Atlântico</strong>: primeiro nas ilhas e depois no<br />

Brasil. A diáspora fez-se de acordo com os vectores da economia atlântica pelo que deixavam<br />

atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar foi sem dúvida um dos principais<br />

móbeis da actividade, quer nas ilhas, quer no Brasil. A par disso, o relacionamento com os<br />

portos nórdicos conduziu a uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou<br />

inúmeras cuidados por parte do clero e do Santo ofício. A incidência do comércio da Madeira<br />

no açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos com os portos da<br />

Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto deverá ter favorecido a<br />

presença de uma importante comunidade, o que veio a avolumar as preocupações dos<br />

inquisidores.<br />

Na Madeira, a presença da comunidade britânica era evidente mas manteve-se ilesa. O bispo<br />

funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de Junho de 1615<br />

chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes infeccionadas na fé", apelando<br />

109<br />

. P. SALAMON, Os Primeiros Portugueses de Amesterdão, in Caminiana, V, nº.8, 1983, pp.22-104<br />

110<br />

Lucien Wolf, Jews in the Canary Islands..., Londres, s.d.; Luis Alberto Anaya Hernandez, Una Comunidad Judeoconversa de origen<br />

portuguesa comienzos del siglo XVI en la isla de La Palma, II Colóquio Internacional de História da Madeira, 1989, 685-700; IDEM,<br />

Relaciones de los Archipielagos de Azores y de la Madera con Canrias, segun fuentes inquisitoriales(siglos XVI y XVII), I Colóquio<br />

Interncional de História da Madeira, Funchal, 1989, 846-877.<br />

111<br />

Arnold Wiznitzer, Os Judeus no Brasil Colonial, S. Paulo, 1966; José António Gonçalves Salvador, Os Cristãos Novos e o comércio no<br />

<strong>Atlântico</strong> Meridional, S. Paulo, 1978.<br />

112 .Confronte-se Maria do Carmo Dias FARINHA, "A Madeira nos arquivos da inquisição", in Actas do I Colóquio Internacional de<br />

História da Madeira, vol.I, Funchal, 1990, pp.689-742. O seu estudo foi feito por Fernanda OLIVAL,"Inquisição e a Madeira. visita de<br />

1618", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, vol. II, Funchal, 1990, 764-818; "A visita da Inquisição à Madeira<br />

em 1591-1592", in Actas. III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1993, 493-520.


para a necessidade de se cumprir o estabelecido em 1608 pelo prelado anterior que<br />

determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e hereges não podem tratar nem disputar<br />

com a gente da terra sobre a fé, nem fazer cousa, que dece escandalo". Isto derivava<br />

certamente da assídua frequência de mercadores ingleses à cidade do Funchal, que assumiam<br />

uma posição dominante nas trocas externas.<br />

ROTA FLORA E FAUNA<br />

A expansão atlântica revelou ao europeu um novo mundo, onde a flora e a fauna dominaram<br />

a admiração dos protagonistas. A descoberta da nova realidade fez-se não só pelo valor<br />

alimentar e económico, mas também científico, Sendo de destacar os estudos de Garcia da<br />

Horta, Cristóvão da Costa, Duarte Barbosa. O processo de povoamento implicava<br />

obrigatoriamente um processo de migração de plantas, animais e técnicas de recolecção,<br />

cultivo e transformação destes. De acordo com João de Barros os portugueses levavam “todas<br />

as sementes e plantas e outras coisas com quem esperava de povoar e assentar na terra” 113 .<br />

O retorno foi igualmente rico e paulatinamente revolucionou o quotidiano europeu e algumas<br />

das novas plantas entraram rapidamente nos hábitos das populações que cedo se perdeu o<br />

rastro da origem passando a ser considerada como indígena. No processo foi importante o<br />

papel de portugueses e espanhóis na troca de plantas entre o Novo e o Velho Mundo. Dos<br />

quatro cantos do mundo o contributo para a valorização do património natural foi evidente.<br />

No Oriente foram as especiarias que dinamizadora as rotas comerciais e cobiça dos europeus.<br />

A América revelou-se pela variedade e exoticidade das plantas e frutos, com valor alimentar,<br />

que contribuíram em África para colmatar a deficiência. O processo de migração de plantas e<br />

culturas não foi pacífico, pois em muitos casos provocou alterações catastróficas no quadro<br />

natural. Isto aconteceu em regiões e paisagens sujeitas à violência de uma monocultura<br />

solicitada pelos mercados internacionais. Estão neste caso a cana sacarina, o cacau, o café e o<br />

algodão.<br />

<strong>As</strong> ilhas assumiram em todo este processo um papel fundamental ao assumiram o papel de<br />

viveiros de aclimatação das plantas e culturas em movimento. A Madeira foi o viveiro de<br />

aclimatação nos dois sentidos. Da Europa propiciou a transmigração da fauna e flora<br />

identificada com a cultura ocidental. No retorno foram as plantas do Novo Mundo que<br />

tiveram de novo passagem obrigatória pela ilha. A riqueza botânica do Funchal resulta disso.<br />

O processo de imposição da chamada biota europeia, no dizer de Alfred Crosby 114 , foi<br />

responsável por alguns dos primeiros e mais importantes problemas ecológicos.<br />

A Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência de ocupação em<br />

que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto foi, depois,<br />

utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O arquipélago foi o<br />

centro de irradiação dos sustentáculos da nova sociedade e economia do mundo atlântico: os<br />

Açores, depois os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram. A<br />

par disso a ilha foi, nos alvores do século XV, a primeira experiência de ocupação em que se<br />

ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto foi depois utilizado em<br />

larga escala noutras ilhas e no litoral africano e americano. O arquipélago foi o centro de<br />

divergência dos sustentáculos da nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro os<br />

Açores, depois os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram.<br />

113 Ásia, década I, p.552<br />

114 Imperialismo Ecológico. A Expansão biológica da Europa: 900-1900, S. Paulo, 1993.


Madeira não se posiciona apenas nos anais da História universal como a primeira área de<br />

ocupação atlântica, pioneira na cultura e divulgação do açúcar ao Novo Mundo.<br />

A expansão europeia não se resume apenas ao encontro e desencontro de Culturas, mas<br />

também marca o início de um processo de transformação ou degradação do meio ambiente. O<br />

europeu carrega consigo a fauna e flora do seu convívio e com valor económico, que irão<br />

provocar profundas mudanças nos novos ecos<strong>sistema</strong>s. Com isto acontece que o espaço<br />

vivido e natureza se universalizam. Nos séculos XV e XVI foram as viagens de<br />

descobrimento, enquanto no século XVIII sucederam as de exploração e descoberta da<br />

natureza, comandadas por ingleses e franceses.<br />

No traçado das rotas oceânicas situava-se o Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong> com um papel primordial<br />

na manutenção e apoio à navegação atlântica. A Madeira e as Canárias foram nos séculos XV<br />

e XVI como entrepostos do comércio no litoral africano, americano e asiático. Os portos<br />

principais da Madeira, Gran Canaria, La Gomera, Hierro, Tenerife e Lanzarote animaram-se<br />

de forma diversa com o apoio à navegação e comércio nas rotas da ida, enquanto nos Açores,<br />

com as ilhas de Flores, Corvo, Terceira, e S. Miguel, foram a escala necessária e fundamental<br />

da rota de retorno. Esta posição demarcada do Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong> no comércio e<br />

navegação atlântica fez com que as coroas peninsulares investissem aí todas as tarefas de<br />

apoio, defesa e controle do trato comercial. <strong>As</strong> ilhas foram os bastiões avançados, suportes e<br />

os símbolos da hegemonia peninsular no <strong>Atlântico</strong>. A disputa pela riqueza em movimento no<br />

oceano fazia-se na área definida por elas e atraiu piratas e corsários ingleses, franceses e<br />

holandeses, ávidos das riquezas em circulação. Uma das maiores preocupações das coroas<br />

peninsulares foi a defesa das embarcações das investidas dos corsários europeus.<br />

A área definida pela Península Ibérica, Canárias e Açores foi o principal foco de intervenção<br />

do corso europeu sobre os navios que transportavam açúcar ou pastel ao velho continente. Por<br />

outro lado o protagonismo das ilhas não se fica só pelos séculos XV e XVI, pois as<br />

navegações e explorações oceânicas nos séculos XVIII e XIX levaram-nas a assumir uma<br />

nova função para os europeus. De primeiras terras descobertas passaram a campos de<br />

experimentação e escalas retemperadoras da navegação na rota de ida e regresso. Finalmente,<br />

no século XVIII desvendou-se uma nova vocação: as ilhas como campo de ensaio das<br />

técnicas de experimentação e observação directa da natureza. A afirmação da Ciência na<br />

Europa fez delas escala para as constantes expedições científicas dos europeus. O<br />

enciclopedismo e as classificações de Linneo (1735) tiveram nas ilhas um bom campo de<br />

experimentação. Tenha-se em conta as campanhas da Linnean Society e o facto de o próprio<br />

presidente da sociedade, Charles Lyall, ter-se deslocado em 1838 de propósito às Canárias.<br />

De entre as culturas que a Europa deu ao mundo atlântico aquelas que assumiram maior valor<br />

económico e condicionaram a História dos espaços onde foram lançadas merecem destaque a<br />

vinha, a cana sacarina e o pastel.<br />

ROTA DO VINHO.<br />

O ritual cristão valorizou o pão e o vinho que, por isso mesmo, acompanharam o avanço da<br />

Cristandade. Em ambos os casos foi fácil a adaptação às ilhas aquém do Bojador o mesmo<br />

não sucedendo com as da Guiné. A viticultura ficou reservada às do Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong>,<br />

onde o vinho adquiriu um lugar importante nas exportações. A partir da Madeira as cepas<br />

chegaram a todos os recantos do Novo mundo. A presença é resultado da intervenção de<br />

madeirenses. <strong>As</strong>sim da Madeira as primeiras cepas foram conduzidas à ilha do Pico donde se


expandiram às demais ilhas. Também temos notícia da presença sem sucesso em Cabo Verde.<br />

<strong>As</strong> mesmas cepas chegaram ao Brasil a partir da década de trinta do século XVI por mãos<br />

madeirenses, não obstante a actual produção vinícola ser resultado da emigração italiana a<br />

partir do século XIX.<br />

A evolução da safra vitivinícola madeirense dos séculos quinze e dezasseis só pode ser<br />

conhecida através do testemunho de visitantes estrangeiros, uma vez que é escassa a<br />

informação nas fontes diplomáticas. A documentação e os visitantes, entre os sécs.<br />

XVIII/XIX, foram unânimes em considerar o vinho como a principal e total riqueza da ilha, a<br />

única moeda de troca. A Madeira não tinha com que acenar aos navios que por aí passavam,<br />

ou a demandavam, senão o copo de vinho. Tudo isto fez aumentar a dependência da<br />

economia madeirense.<br />

Desde o século XVII o ilhéu traçou a rota no mercado internacional, acompanhando o<br />

colonialista nas expedições e fixação na Ásia e América. O comerciante inglês, aqui<br />

implantado desde o séc. XVII, soube tirar partido do produto fazendo-o chegar em<br />

quantidades volumosas às mãos dos compatriotas que se haviam espalhado pelos quatro<br />

cantos do mundo colonial europeu. O movimento do comércio do vinho da Madeira ao longo<br />

dos sécs. XVIII e XIX imbrica-se de modo directo no traçado das rotas marítimas coloniais<br />

que tinham passagem obrigatória na ilha. A estas juntavam-se outras subsidiárias, quase todas<br />

sob controlo inglês: são as rotas da Inglaterra colonial que fazem do Funchal porto de refresco<br />

e carga de vinho no rumo aos mercados das Índias Ocidentais e Orientais, donde regressavam,<br />

via Açores, com o recheio colonial; são os navios portugueses da rota das Índias, ou do Brasil<br />

que escalam a ilha onde recebem o vinho que conduzem às praças lusas; são, ainda, os navios<br />

ingleses que se dirigem à Madeira com manufacturas e fazem o retorno tocando Gibraltar,<br />

Lisboa, Porto; e, finalmente, os norte-americanos que trazem as farinhas para madeirense e<br />

regressam carregados de vinho. Por isto o vinho ilhéu conquistou, desde o séc. XVI, o<br />

mercado colonial em África, Ásia e América afirmando-se até meados do séc. XIX como a<br />

bebida por excelência do colonialista e das tropas coloniais em acção. Regressado o<br />

colonialista à terra de origem, depois do surto do movimento independentista, trouxe na<br />

bagagem o vinho da ilha e fá-lo apreciar pelos patrícios. Aqui releva-se a posição do mercado<br />

americano, dominado pelas colónias das Índias Ocidentais e portos norte-americanos. O<br />

último destino sedimentou-se, a partir da segunda metade do século XVII, mercê de um<br />

activo relacionamento. Desde então o vinho da Madeira foi uma presença assídua nos portos<br />

atlânticos - Boston, Charleston, N. York e Filadélfia, Baltimore, Virgínia - onde era trocado<br />

por farinhas 115 . Esta contrapartida reforçou o relacionamento comercial e actuou como<br />

circunstância favorecedora do progresso da economia vitivinícola. <strong>As</strong>sim, se nos séculos XV<br />

e XVI a afirmação da cultura dos canaviais foi conseguida com o suprimento de cereais dos<br />

Açores e Canárias, a partir de finais do século XVII é na América do Norte que se situa o<br />

celeiro madeirense. Cedo a Madeira entrou na esfera dos interesses norte-americanos, sendo o<br />

vinho o cartão de visita.<br />

Nos demais arquipélagos foi apenas nas Canárias e Açores que a cultura da vinha e o<br />

comércio do vinho atingiram posição similar à Madeira 116 . Os mercados foram os mesmos<br />

sendo disputados com extrema concorrência. Note-se que estas, entenda-se os arquipélagos<br />

115 Cf. Jorge Martins RIBEIRO, "Alguns aspectos do comércio da Madeira com a América na segunda metade XVIII", in Actas III<br />

Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1993, pp.389-401.<br />

116 António Béthencourt Massieu, Canarias e Inglaterra el Comercio de Vinos(1650-1800), Las Palmas, 1991;Manuel Lobo Cabrera, El<br />

Comercio del Vino entre Gran Cnaria y las Indias en el Siglo XVI, Las Palmas,,1993; Agustín Guimerá Ravina, Burguesia Extranjera y<br />

Comercio Atlantico, La Empresa Comercial Irlandesa en Canarias(1703 -1771), Madrid, 1985.


dos Açores, Canárias e Madeira, ficaram conhecidas na documentação oficial norteamericana<br />

como as ilhas do vinho 117 . A Madeira e os Açores, face aos privilégios concedidos<br />

pela coroa britânica no período após a Restauração-- as actas de navegação de 1660 e 1665 e<br />

o tratado de Methuen em 1703-- conseguiram firmar uma posição de destaque. Mas nos<br />

séculos seguintes apagaram-se as diferenças e o vinho das ilhas entrava em pé de igualdade<br />

nos portos e mesa dos norte-americanos.<br />

A ROTA DO AÇÚCAR.<br />

A cana-de-açúcar, pelo alto valor económico no mercado europeu e mediterrâneo, foi um dos<br />

primeiros e principais produtos que a Europa legou e definiu para as novas áreas de ocupação<br />

no <strong>Atlântico</strong>. O percurso iniciou-se na Madeira, alargando-se depois às restantes ilhas e<br />

continente americano. Na primeira experiência além Europa a cana sacarina evidenciou as<br />

possibilidades de desenvolvimento fora do habitat mediterrânico. Tal evidência catalisou os<br />

interesses do capital nacional e estrangeiro, que apostou no crescimento da cultura e comércio.<br />

Se nos primeiros anos de vida no solo insular a cana sacarina se apresentava como subsidiária, a<br />

partir de meados do século XV já aparecia como o produto dominante, situação que perdurou na<br />

primeira metade do século seguinte.<br />

O período de plena afirmação desta cultura situa-se entre 1450 e 1521. Durante estes anos os<br />

canaviais dominaram o panorama agrícola madeirense e o açúcar foi o principal produto de<br />

troca com o mercado externo. O ritmo de crescimento da cultura é quebrado apenas nos anos<br />

de 1497-1499, com uma crise momentânea na comercialização. A partir de 1516 os efeitos da<br />

concorrência fizeram-se sentir na ilha e conduziram a um paulatino abandono dos canaviais.<br />

A primeira metade do século dezasseis é definida como o momento de apogeu da cultura<br />

açucareira insular e pelo avolumar das dificuldades que entravaram a promoção em algumas<br />

áreas como a Madeira onde o cultivo era oneroso e os níveis de produtividade desciam em<br />

flecha. <strong>As</strong> ilhas de Gran Canária, La Palma, Tenerife e S. Tomé estavam melhor posicionadas<br />

para produzir açúcar a preços mais competitivos. Isto sucedeu na década de vinte do século<br />

dezasseis e avançou à medida que os novos mercados produtores de açúcar atingiam o<br />

máximo de produção.<br />

Na Madeira manteve-se a tradição das indústrias ligadas ao açúcar, isto é, da doçaria e<br />

conservas, não desaparecendo a cana sacarina que retornava sempre que havia dificuldades no<br />

abastecimento a partir do mercado brasileiro. Já no último quartel do século XIX os canaviais<br />

retornaram a recobrir o solo madeirense e a indústria de fabrico de aguardente e açúcar<br />

manteve-se com alguma pujança até à década de setenta da presente centúria 118 . <strong>As</strong> socas de<br />

cana foram levadas para os Açores pelos primitivos cabouqueiros, promovendo-se o cultivo<br />

em Santa Maria, S. Miguel, Terceira e Faial. Aqui a cultura foi tentada várias vezes, mas sem<br />

surtir os efeitos desejados. <strong>As</strong> condições geofísicas aliadas à inexistência ou reduzida<br />

dimensão dos capitais estrangeiros travaram o seu desenvolvimento. O Açúcar açoriano só<br />

ganhou importância a partir do século XX, mas apenas com a transformação da beterraba.<br />

Aos arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé os canaviais chegaram muito mais tarde e como<br />

noutras áreas a experiência madeirense foi importante. Apenas nas ilhas de Santiago e S.<br />

Nicolau nunca foi concorrencial do açúcar madeirense. <strong>As</strong> condições morfológicas e<br />

117 Veja-se A. GUIMERA RAVINA, "Las islas del vino (Madeira, Açores e Canarias) y la América inglesa durante el siglo XVIII. Una<br />

aproximación a su estudio", in II C.I.H.M. Actas, Funchal, 1990, pp. 900-934, confronte-se Albert SILBERT, art. cit., pp. 420-428.<br />

118 Alberto Vieira, A Rota do Açúcar na Madeira, Funchal, 1986


orográficas foram-lhe adversas. A introdução deverá ter sido feita, no início do povoamento<br />

na década de sessenta, não obstante a primeira referência datar de 1490. Por outro lado o<br />

açúcar produzido no arquipélago, a exemplo do que sucederá em S. Tomé, não apresentava a<br />

qualidade do madeirense, pois como nos refere Gaspar Frutuoso "nada deste chega ao da ilha<br />

da Madeira". No século XIX os canaviais expandiram-se às ilhas de Santiago, Santo Antão,<br />

Brava, S. Nicolau e Maio. A valorização tinha a ver com a solicitação de aguardente para o<br />

trato de escravos na Costa da Guiné .119<br />

Em S. Tomé os canaviais estendiam-se pelo norte e nordeste da ilha, fazendo lembrar,<br />

segundo um testemunho de 1580, os campos alentejanos 120 . Um dos factos que contribuiu<br />

para que ele se tornasse concorrencial do madeirense foi a elevada produtividade. Segundo<br />

Jerónimo Munzer 121 seria três vezes superior à madeirense. A partir do último quartel do<br />

século dezasseis a concorrência desenfreada do açúcar brasileiro definiu uma acentuada<br />

quebra no período de 1595 a 1600. A isto deverá juntar-se a revolta dos escravos (1595),<br />

agravada pela destruição dos engenhos provocada pelo saque holandês. A partir daí o<br />

arquipélago de São Tomé ficou a depender apenas do comércio de escravos e da pouca<br />

colheita de mandioca e milho. A crise do comércio de escravos a partir de princípios do<br />

século dezanove fez com que se operasse uma mudança radical na economia. Surgiram,<br />

então, novas culturas (cacau, café, gengibre coconote, copra e óleo de palma) que<br />

proporcionaram uma nova aposta agrícola e de dependência.<br />

ROTA DO PASTEL E PLANTAS TINTUREIRAS.<br />

Até ao século XVII com a introdução do anil na Europa ele foi a principal planta da tinturaria<br />

europeia, donde se extraía as cores preta e azul. A par disso a disponibilidade de outras<br />

plantas tintureiras, como a urzela (donde se tirava um tom castanho avermelhado) e o sanguede-drago,<br />

levaram ao aparecimento de italianos e flamengos, interessados no comércio, que<br />

por sua vez nos legaram a nova planta tintureira: o pastel. A exemplo do sucedido com o<br />

açúcar na Madeira, a coroa concedeu vários incentivos para a promoção da cultura, que com a<br />

incessante procura por parte dos mercados nórdicos, fizeram avançar rapidamente o cultivo.<br />

Em 1589 Linschoten referia que "o negócio mais frequente destas ilhas é o pastel" de que os<br />

camponeses faziam o "principal mister", sendo o comércio "o principal proveito dos<br />

insulares" 122 , enquanto em 1592 o Governador de S. Miguel atribuía a falta de pão ao<br />

domínio quase exclusivo do solo pelo cultivo do pastel 123 . Foi ainda um tradicional mercado<br />

produtor de linho com exportação para o mercado europeu, situação que perdurou até<br />

princípios do século XIX.<br />

Nos arquipélagos além do Bojador ignora-se a presença do pastel, não obstante a importância<br />

que aí assumiu a cultura do algodão e o consequente fabrico de panos. O clima e o<br />

desconhecimento das técnicas de tinturaria, demonstrados na entrega da exploração da urzela<br />

aos castelhanos João e pêro de Lugo, favoreceram a conjuntura. Mas aqui a cultura do<br />

algodão foi imposta pelos mercados costeiros africanos, carentes de fio para a indústria têxtil.<br />

No decurso dos séculos XVI e XVII o algodão apresentou-se como primordial para a<br />

economia cabo-verdiana, sendo o principal incentivo, ao lado do sal, para as trocas<br />

119 António Carreira, Estudos de Economia Caboverdiana, Lisboa, 1982.<br />

120 Isabel Castro HENRIQUES, "O Ciclo do Açúcar em S. Tomé nos Séculos XV e XVI", in Portugal no Mundo , I, Lisboa, 1989, 271.<br />

121 Monumenta Missionária Africana, IV, 1954, nº 6, 16-20.<br />

122 Ob. cit., 152-154.<br />

123 Arquivo dos Açores, II, 130.


comerciais com a costa africana, nomeadamente Casamansa e o rio de S. Domingos. No<br />

início apenas se produzia algodão com exportação para a Europa, mas depois passou a<br />

desenvolver-se a indústria de panos, face à grande procura que havia na costa africana a troco<br />

de escravos 124 . No séculos XVIII e XIX a exploração da urzela manteve-se activa em algumas<br />

das ilhas, sendo de destacar o caso das ilhas de Cabo Verde. A exploração do recurso segue<br />

lado a lado da do azeite de purgueira para a iluminação 125 .<br />

ROTA DA TECNOLOGIA<br />

“...com sua pouca ciência e menos experiência, saiu aquele assuqre assim tão bom e tão fino.”[ Gaspar Frutuoso,<br />

Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.211.]<br />

O processo de expansão europeia não se ficou apenas pelo processo de descobrimento de<br />

novos mundos, da abertura de novos mercados e o encontro de novas gentes e produtos. A<br />

história Tecnológica evidencia que a expansão europeia condicionou também a divulgação de<br />

técnicas e permitiu a invenção de novas que revolucionar a economia mundial. Os homens<br />

que circulam no espaço atlântico, e de forma especial os colonos, suo portadores de uma<br />

cultura tecnológica que divulgam nos quatro cantos e procuram adaptar às condições de cada<br />

espaço de povoamento agrícola. Á agricultura prende-se um indispensável suporte<br />

tecnológico que auxilia o homem no processo. <strong>As</strong>sumem particular significado as culturas do<br />

vinho e da cana sacarina. Ambas acompanham o processo de expansão atlântica e impõem-se<br />

no mercado europeu. A dominância e incessante procura condicionaram ao longo dos séculos<br />

o progresso tecnológico, mais evidente quanto ao fabrico do açúcar.<br />

A moenda e o consequente processo de transformação da guarapa em açúcar, mel, álcool ou<br />

aguardente projectaram as áreas produtoras de canaviais para a linha da frente das inovações<br />

técnicas, no sentido de corresponderem às cada vez maiores exigências. A madeira e o metal<br />

foram a matéria-prima que deram forma a capacidade inventiva dos senhores de canaviais e<br />

engenhos. Na moenda da cana utilizaram-se vários meios técnicos comuns ao mundo<br />

mediterrânico. A disponibilidade de recursos hídricos conduziu à generalização do engenho<br />

de água. Na Madeira, o primeiro particular que temos conhecimento foi o de Diogo de Teive<br />

em 1452. E terá sido o primeiro engenho que se veio juntar ao lagar do infante. O infante,<br />

donatário da ilha, detinha a o exclusivo destas infra-estruturas e quem quisessem segui-lo<br />

deveria ter autorização sua. O documento espelha apenas a situação. A estrutura resultou<br />

apenas nas áreas onde era possível dispor da força motriz da água fez-se uso da força animal<br />

ou humana. Os últimos eram conhecidos como trapiches ou almanjaras. O infante D.<br />

Fernando em 1468 refere as estruturas diferenciando os engenhos de água, alçapremas e<br />

trapiches de besta. Até à generalização dos engenhos de cilindros horizontais no século XVII,<br />

a infra-estrutura para espremer as canas era composta do engenho ou trapiche e da alçaprema.<br />

Não conhecemos qualquer dado que permita esclarecer os aspectos técnicos de engenho 126 .<br />

Apenas se sabe, segundo Giulio Landi, que na década de trinta do século XVI funcionava um<br />

com o <strong>sistema</strong> semelhante ao usado no fabrico de azeite: "Os lugares onde com enorme<br />

actividade e habilidade se fabrica o açúcar estão em grandes herdades, e o processo é o<br />

seguinte: primeiramente, depois que as canas cortadas foram levadas para os lugares acima<br />

124 António Carreira, Panaria Cabo-Verdeano-Guineense, Cabo Verde, 1983.<br />

125 António Carreira, Estudos de Economia Caboverdiana, Lisboa, 1982.<br />

126 Sobre a história dp engenho e a discussão das inovações tecnológicas o estudo mais importante foi publicado por John e Cristian<br />

DANIELS, The origin of rhe sugar cane roller mill , Technology and Culture, vol. 29, nº. 3, 1988, pp.493_535.


eferidos, põem-nos debaixo de uma mó movida a água, a qual triturando e esmagando a<br />

cana, extrai-lhes todo o suco" 127 .<br />

Na ilha de são Miguel a cultura da cana está inegavelmente ligada aos madeirenses. A eles se<br />

deveu o transplante das socas e da tecnologia 128 . Gaspar Frutuoso conta que em Ponta<br />

delgada Bastião Pires contratou o madeirense Fernão Vaz, “o qual deu ordem como se fez um<br />

engenho de besta, como de pastel, mas o assento da mó diferente, porque era de uma pedra<br />

grande e mui cavada, a maneira de gamela e furada pelo fundo, por onde o sumo das canas,<br />

que dentro nela se moiam, ia por debaixo do chão, por uma calle ou bica, sair fora do<br />

andaimo da besta que moia, e assim fez fazer também um fuso e caixa para espremer o<br />

bagaço, e uma fornalha com uma caldeira em cima, a maior que então se achou, onde cozia<br />

aquela calda, e cozida a deitava em uma tacha e ao outro dia fazia o mesmo, até que fez<br />

cópia de melado para se poder fazer assúqre. (...) com sua pouca ciência e menos<br />

experiência, saiu aquele assuqre assim tão bom e tão fino.” 129<br />

A TECNOLOGIA DOS ENGENHOS: A CONTROVÉRSIA DO SISTEMA DE<br />

CILINDROS. Uma das questões que mais tem gerado polémica prende-se com a evolução<br />

da tecnologia usada para espremer a cana. O aparecimento e generalização dos cilindros<br />

horizontais e depois verticais são um processo controverso que tem ocupado os especialistas<br />

nos últimos anos sem se conseguir alcançar qualquer consenso. O primitivo trapettum era já<br />

usado na Roma antiga para triturar azeitonas e sumagre, sendo, segundo Plínio, inventado por<br />

Aristreu, Deus dos Pastores 130 . Mas tornou-se um meio pouco eficaz com a generalização da<br />

produção e comércio no decurso do século XVI, sendo substituído pelo engenho de cilindros.<br />

São várias as hipóteses para a origem do <strong>sistema</strong>, sendo a mais antiga a que aponta a sua<br />

evolução como uma descoberta mediterrânica. Dois textos clássicos para o estudo do açúcar -<br />

F. O. Von Lippmann 131 e Noel Derr 132 - deram o mote atribuindo a descoberta a Pietro<br />

Speciale, prefeito da Sicília, um importante proprietário siciliano que fez testamento em<br />

1474133. Esta tese foi rebatida por Moacyr Soares Pereira(1955) e Gil Methodio de<br />

Maranhão(1953) que demonstram a falta de fundamento da tese siciliana. Alguma<br />

Historiografia castelhana atribui esta invenção a Gonzalo de Veloza, vizinho da ilha de La<br />

Palma casado com a jovem madeirense, Luísa Bettencourt que em 1518 é referido como<br />

“haber inventado un ingenio para azúcar” 134 na ilha de S. Domingos 135 . Todavia nos últimos<br />

anos os estudos sobre a História do Açúcar no oriente, nomeadamente na Índia e China,<br />

reforçaram a ideia de que o <strong>sistema</strong> de moagem da cana por cilindros tem aqui a sua<br />

origem 136 . Por outro lado os estudos sobre a História da Ciência revelam que o <strong>sistema</strong> de<br />

cilindros era conhecido na Europa sendo usado em diversas actividades industriais. A mais<br />

antiga referência refere-se ao uso na China e Índia para descaroçar o algodão, fabrico de<br />

127 António ARAGÃO, A Madeira vista por estrangeiros, Funchal, 1981, p.87.<br />

128 Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.209-212<br />

129 Gaspar Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.II, Ponta Delgada, 1981, p.211.<br />

130 São vários os estudos sobre o tema. Veja_se:Frederick C. GJESSING, The tower windmill for guindering sugar cane, Virgin Islands,<br />

1977; MORENO FRAGINALS, El ingenio, La Habana, 1978; Marie Clarie AMOURE, Jean Vienne BEREN(eds), La Production du vin et<br />

de l huile en Mediterranée, Paris, 1993, pp.477/481 e 540 e segs.<br />

131 The History of Sugar, 2 vols. Londres, 1940_50.<br />

132 The History of Sugar, 2 vols. Londres, 1940_50.<br />

133 Cf. Carmelo Trasselli, Storia dello zuchero siciliano, Caltamissetta -roma, 1982. A tese foi defendida com base nos textos Pietro Panzano(opusculum de autore, primordiis et progressu felicis urbis<br />

Panonri , 1471) e Gaspar Vaccaro Panebianco(Sul richiamo della canna zucherina in sicilia e sulle ragioni che lo exigono, Lipomi, 1826), que conforme a publicação por Moacyr Soares Pereira(1955) dos<br />

textos é evidente a falta de fundamento.<br />

134 RIO MORENO, Justo L. del, Los inicios de la agricultura europea en el Nuevo Mundo, (1492-1542), Sevilla, 1991, p.306<br />

135 Fernando ORTIZ, Los Primitivos Técnicos Azucareros de America, La Habana, 1955, pp. 13_18. Confronte-se Moacir Soares PEREIRA, A origem dos cilindros na moagem da cana (investigação em<br />

Palermo), Rio de Janeiro, 1955.<br />

136 Cf. Estudos de J. Daniels e S. Mazumbar que seguem Moacyr Soares Pereira e Gil Methodio de Maranhão.


papel, e terá chegado à Europa a partir de meados do século XV 137 . David Ferreira<br />

Gouveia138 apresenta esta evolução como resultado do invento do madeirense Diogo de<br />

Teive, patenteado em 1452. Outros apontam para a origem chinesa. O engenho de três eixos<br />

surge mais tarde no Brasil sendo considerado também uma invenção portuguesa,<br />

inegavelmente ligada aos madeirenses aí radicados. A primeira referência aos eixos para o<br />

engenho data já do último quartel do século XV. Entretanto em 1477 Álvaro Lopes tem<br />

autorização do capitão do Funchal para que "faça hum enjenho de fazer açúcar que seja de<br />

moo ou d'alçapremas, ou doutra arte...o qual enjenho será d'augoa com sua casa e casa de<br />

caldeiras..." 139 . Depois, em 1485, D. Manuel isentava da dizima "quaesquer teyxos que forem<br />

necesarios para eyxos esteos cassas latadas dos enjenhos e tapumes..." 140 . Em 1505<br />

Valentim Fernandes refere que o pau branco era usado no fabrico de "eixos e prafusos pera<br />

osenjenhos de açúcar" 141 . A isto associa-se o inventário do engenho de António Teixeira, no<br />

Porto da Cruz em que são referidos como aprestos: rodas eixos, prensas, fornalhas espeques<br />

(...) 142 . Também noutro documento de 1546 refere-se a existência deste tipo de engenho nas<br />

fazendas de Manuel damil em Câmara de Lobos, foreiras ao convento de Santa Clara, pois o<br />

mesmo declara que “aquelle anno mandou fazer a roda nova por ser velha a que estava e não<br />

aproveitar para servir e os eixos servirem hum anno...” 143 Por fim tenha-se em conta que os<br />

primeiros engenhos construídos no Brasil, mais propriamente em S. Vicente, são de eixos e<br />

que estes foram feitos por destros carpinteiros madeirenses que acompanharam o governador<br />

Mem de Sá 144 .<br />

A tudo isto deverá juntar-se o facto de que foi a partir da Madeira que se generalizou o<br />

consumo do açúcar, sendo necessário para isso uma produção em larga escala. A pressão do<br />

mercado europeu conduziu a uma rápida afirmação da cultura na segunda metade do século<br />

XVI, situação que só seria possível de alimentar com o recurso a inovações tecnológicas<br />

capazes de atenderem a tais solicitações. Note-se que a evolução para o <strong>sistema</strong> de cilindros<br />

não reverte no melhor aproveitamento do suco da cana, mas sim vantagens acrescentadas para<br />

a rapidez no processo de esmagamento. A situação que se vive na Madeira a partir de meados<br />

do século XV é de incremento da cultura que se alia a inovações tecnológicas, que certamente<br />

o engenho de Diogo de Teive foi o primeiro exemplo. Se as referências forem indício dos<br />

engenhos de cilindros quer dizer que é na Madeira que encontrámos a mais antiga referência<br />

desta tecnologia no espaço atlântico e será a partir da Madeira que a mesma se difundiu. Os<br />

madeirenses estiveram ligados à promoção da cultura e construção dos primeiros engenhos<br />

açucareiros nas ilhas Canárias, dos Açores, S. Tomé, e Brasil, chegando mesmo ao norte de<br />

África, situação que foi interditada pela coroa em 1537 145 . Por outro lado a sua origem não<br />

poderá associar-se a uma influência directa da Índia ou da China, onde estiveram muitos<br />

madeirenses, uma vez que as primeiras referências são anteriores à primeira viagem de Vasco<br />

da Gama. Perante tantas evidências não é possível afirmar com toda a certeza que a expansão<br />

137<br />

Cf. DANIELS, John e Christian Daniels, the origin of the sugar cane Roller mill, Tecnology and Culture; 1988, 29.3, pp. 493-535,<br />

SABBAN, François, l’industrie sucrire, le moulin a sucre et les relations Sino-Portugaises aux XVIe-XVIIIe sicles, Annales, 49.4<br />

(1994), 817-861, Idem, Continuité et rupture Histoire des Techniques sucrires en Chine Ancienne, Actas del Tercer Seminario<br />

Internacional. Producción y Comercio del Azúcar de caa en Época Preindustrial, Granada, 1993, 247-265, J. H. Galloway, The<br />

Technological Revolution in the Sugar Cane Industry During the Seventeenth century, ibidem, pp.211-228.<br />

138<br />

GOUVEIA, David Ferreira, O Açúcar da Madeira. A manufactura açucareira madeirense (1420-1550), in <strong>Atlântico</strong>, IV, 1985, 260-272<br />

139<br />

ANTT, Convento de Santa Clara, maço 13, nº 1, 4 Julho 1477.<br />

140<br />

AHM, Vol. XV, p. 150, Apontamentos de D. Manuel de 22 de Fevereiro<br />

141<br />

António BAIÃO,O manuscrito de Valentim Fernandes, Lisboa, 1940, p. 112.<br />

142<br />

A. ARTUR, "Apontamentos históricos de Machico", in DAHM, nº 1, pp. 8_9. A dúvida está na data a atribuir ao inventário, que está<br />

anexo ao seu testamento de 7 de Setembro de 1535, ou de 13 de Setembro de 1495, data do testamento de Isabel de Vasconcelos sua<br />

esposa.<br />

143 ANTT, convento de Santa Clara, nº.12, 21 de Janeiro de 1546.<br />

144 Eddi Stols, um dos primeiros documentos sobre o engenho Shetz, em São Vicente, Revista de História,1968<br />

145 . ARM., RGCMF, t. I, fl. 372v, publ. in Arquivo Histórico da Madeira, vol. XIX(1990)pp.79-80.


dos engenhos de cilindros se fez a partir do Funchal. Teremos de continuar no domínio das<br />

hipóteses, pois faltam-nos descrições e gravuras capazes de o testemunhar. Mas se olharmos<br />

ao que sucede com as demais áreas tudo se constrói no domínio da hipótese e dificilmente<br />

teremos conclusões plausíveis sobre os primórdios da evolução do <strong>sistema</strong> de cilindros na<br />

moagem da cana sacarina.<br />

AS ROTAS OCEÂNICAS E AS ESCALAS DAS ILHAS.<br />

Uma das funções privilegiadas das ilhas nos últimos quinhentos anos foi o serviço de escala<br />

oceânica, servindo de apoio a todos os que sulcavam o oceano em distintos sentidos. Primeiro<br />

escalas de descobrimento que abriram os caminhos para as rotas comerciais e depois escalas<br />

do percurso de afirmação da Ciência através das expedições científicas que dominaram os<br />

areópagos europeus a partir do século XVIII. Umas e outras entrecruzam-se por diversas<br />

vezes e revelam-nos quão importante foi para a Europa o mundo das ilhas.<br />

O <strong>Atlântico</strong> surge, a partir do século XV, como o principal espaço de circulação dos veleiros,<br />

pelo que se definiu um intricado liame de rotas de navegação e comércio que ligavam o velho<br />

continente às costas africana e americana e as ilhas. Esta multiplicidade de rotas que resultou<br />

da complementaridade económica das áreas insulares e continentais surge como consequência<br />

das formas de aproveitamento económico aí adoptadas. Tudo isto completa-se com as<br />

condições geofísicas do oceano, definidas pelas correntes e ventos que delinearam o traçado<br />

das rotas e os rumos das viagens.<br />

A mais importante e duradoura de todas as rotas foi sem dúvida aquela que ligava as Índias<br />

(ocidentais e orientais) ao velho continente. Foi ela que galvanizou o empenho dos monarcas,<br />

populações ribeirinhas e acima de tudo os piratas e corsários, sendo expressa por múltiplas<br />

escalas apoiadas nas ilhas que polvilhavam as costas ocidentais e orientais do mar: primeiro<br />

as Canárias e raramente a Madeira, depois Cabo Verde, Santa Helena e os Açores. Nos três<br />

arquipélagos, definidos como Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong>, a intervenção nas grandes rotas faz-se<br />

a partir de algumas ilhas, sendo de referir a Madeira, Gran Canaria, La Palma, La Gomera,<br />

Tenerife, Lanzarote e Hierro, Santiago, Flores e Corvo, Terceira e S. Miguel. Para cada<br />

arquipélago afirmou-se uma ilha, servida por um bom porto de mar como o principal eixo de<br />

actividade. No mundo insular português, por exemplo, evidenciaram-se, de forma diversa, as<br />

ilhas da Madeira, Santiago e Terceira como os principais eixos.<br />

<strong>As</strong> rotas portuguesas e castelhanas apresentavam um traçado diferente. Enquanto as primeiras<br />

divergiam de Lisboa, as castelhanas partiam de Sevilha com destino às Antilhas, tendo como<br />

pontos importantes do raio de acção os arquipélagos das Canárias e Açores. Ambos os<br />

centros de apoio estavam sob soberania distinta: o primeiro era castelhano desde o século<br />

XV, enquanto o segundo português, o que não facilitou muito o imprescindível apoio. Mas<br />

por um lapso tempo (1585-1642) o território entrou na esfera de domínio castelhano, sem que<br />

isso tivesse significado maior segurança para as armadas. Apenas se intensificaram as<br />

operações de represália de franceses, ingleses e holandeses. <strong>As</strong> expedições organizadas pela<br />

coroa espanhola na década de oitenta com destino à Terceira tinham uma dupla missão:<br />

defender e comboiar as armadas das Índias até porto seguro, em Lisboa ou Sevilha, e ocupar a<br />

ilha para aí instalar uma base de apoio e de defesa das rotas oceânicas. A escala açoriana<br />

justificava-se mais por necessidade de protecção das armadas do que por necessidade de<br />

reabastecimento ou reparo das embarcações. Era à entrada dos mares açorianos, junto da ilha


das Flores, que se reuniam os navios das armadas e se procedia ao comboiamento até o porto<br />

seguro na península, furtando-os à cobiça dos corsários, que infestavam os mares.<br />

Desde o início que a segurança das frotas foi uma das mais evidentes preocupações para a<br />

navegação atlântica pelo que as coroas peninsulares delinearam, em separado, um plano de<br />

defesa e apoio. Em Portugal tivemos, primeiro, o regimento para as naus da Índia nos Açores,<br />

promulgado em 1520, em que foram estabelecidas normas para impedir que as mercadorias<br />

caíssem nas mãos da cobiça do contrabando e corso. A necessidade de garantir com eficácia<br />

tal apoio e defesa das armadas levou a coroa portuguesa a criar, em data anterior a 1527, a<br />

Provedoria das Armadas, com sede na cidade de Angra 146 . A nomeação em 1527 de Pero<br />

Anes do Canto para provedor das armadas da Índia, Brasil e Guiné, marca o início da<br />

viragem. Ao provedor competia a superintendência de toda a defesa, abastecimento e apoio às<br />

embarcações em escala ou de passagem pelos mares açorianos. Além disso estava sob as suas<br />

ordens a armada das ilhas, criada expressamente para comboiar, desde as Flores até Lisboa,<br />

todas aquelas provenientes do Brasil, Índia e Mina. No período de 1536 a 1556 há notícia do<br />

envio de pelo menos doze armadas com esta missão. Depois, procurou-se garantir nos portos<br />

costeiros do arquipélago um ancoradouro seguro construindo-se as fortificações necessárias.<br />

Esta estrutura de apoio fazia falta aos castelhanos na área considerada crucial para a<br />

navegação atlântica, e por isso por diversas vezes solicitaram o apoio das autoridades<br />

açorianas. Mas a ineficácia ou a necessidade de uma guarda e defesa mais actuante obrigouos<br />

a reorganizar a carreira, criando o <strong>sistema</strong> de frotas. Desde 1521 as frotas passaram a<br />

usufruir de uma nova estrutura organizativa e defensiva. No começo foi o <strong>sistema</strong> de frotas<br />

anuais artilhadas ou escoltadas por uma armada. Depois a partir de 1555 o estabelecimento de<br />

duas frotas para o tráfico americano: Nueva Espana e Tierra Firme.<br />

O activo protagonismo do arquipélago açoriano e, em especial, da ilha Terceira é referenciado<br />

com frequência por roteiristas e marinheiros que nos deram conta das viagens ou os literatos<br />

açorianos que presenciaram a realidade. Todos falam da importância do porto de Angra que,<br />

no dizer de Gaspar Frutuoso, era "universal escala do mar do poente" 147 . A participação do<br />

arquipélago madeirense nas grandes rotas oceânicas foi esporádica, justificando-se a ausência<br />

pelo posicionamento marginal em relação ao traçado ideal. Mas a ilha não ficou alheia ao<br />

roteiro atlântico, evidenciando-se em alguns momentos como escala importante das viagens<br />

portuguesas com destino ao Brasil, Golfo da Guiné e Índia. Inúmeras vezes a escala<br />

madeirense foi justificada mais pela necessidade de abastecer as embarcações de vinho para<br />

consumo a bordo do que pela falta de água ou víveres frescos. Não se esqueça que o vinho era<br />

um elemento fundamental da dieta de bordo, sendo referenciado pelas suas qualidades na luta<br />

contra o escorbuto. Acresce ainda que ele tinha a garantia de não se deteriorar com o calor<br />

dos trópicos, antes pelo contrário ganhava um envelhecimento prematuro. Era o chamado<br />

vinho da roda, tão popular nos séculos seguintes. Motivo idêntico conduziu à assídua<br />

presença dos ingleses, a partir de finais do século dezasseis.<br />

A proximidade da Madeira em relação aos portos do litoral peninsular e as condições dos<br />

ventos e correntes marítimas foram o principal obstáculo à valorização da ilha no contexto<br />

das navegações atlânticas. <strong>As</strong> Canárias, porque melhor posicionadas e distribuídas por sete<br />

ilhas em latitudes diferentes, estavam em condições de oferecer o adequado serviço de apoio.<br />

Todavia a situação conturbada que aí se viveu, resultado da disputa pela posse entre as coroas<br />

peninsulares e a demorada pacificação da população indígena, fizeram com que a Madeira<br />

146 . Confronte-se o nosso estudo sobre O Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987, 17-24.<br />

147 Livro sexto das Saudades da Terra, Cap.II.


surgisse no século XV como um dos principais eixos do domínio e navegação portuguesa no<br />

<strong>Atlântico</strong>. Tal como nos refere Zurara a ilha foi desde 1445 o principal porto de escala para as<br />

navegações ao longo da costa africana. Mas o maior conhecimento dos mares, os avanços<br />

tecnológicos e náuticos retirou ao Funchal a posição charneira nas navegações atlânticas,<br />

sendo substituído pelos portos das Canárias ou Cabo Verde. Já a partir de princípios do<br />

século XVI a Madeira surgirá apenas como um ponto de referência para a navegação<br />

atlântica, uma escala ocasional para reparo e aprovisionamento de vinho. Apenas o surto<br />

económico da ilha conseguirá atrair as atenções das armadas, navegantes e aventureiros. Em<br />

síntese, as ilhas são as portas de entrada e saída e por isso mesmo assumiram um papel<br />

importante nas rotas atlânticas. Mas para sulcar longas distâncias rumo ao Brasil, à costa<br />

africana ou ao Indico, era necessário dispor de mais portos de escala, pois a viagem era longa<br />

e difícil.<br />

<strong>As</strong> áreas comerciais da costa da Guiné e, depois, com a ultrapassagem do cabo da Boa<br />

Esperança, as indicas tornaram indispensável a existência de escalas intermédias. Primeiro<br />

Arguim que serviu de feitoria e escala para a zona da Costa da Guiné, depois, com a<br />

revelação de Cabo Verde, foi a ilha de Santiago que se afirmou como a principal escala da<br />

rota de ida para os portugueses e podia muito bem substituir as Canárias ou a Madeira, o que<br />

realmente aconteceu. Outras mais ilhas foram reveladas e tiveram um lugar proeminente no<br />

traçado das rotas. É o caso de S. Tomé para a área de navegação do golfo da Guiné e de Santa<br />

Helena para as caravelas da rota do Cabo. Também a projecção dos arquipélagos de S. Tomé<br />

e Cabo Verde sobre os espaços vizinhas da costa africana levou a coroa a criar duas feitorias<br />

(Santiago e S. Tomé) como objectivo de controlar, a partir daí, todas as transacções<br />

comerciais da costa africana. No <strong>Atlântico</strong> sul as principais escalas das rotas do Índico<br />

assentavam nos portos das ilhas de Santiago, Santa Helena e <strong>As</strong>censão. Aí as armadas<br />

reabasteciam-se de água, lenha, mantimentos ou procediam a ligeiras reparações. A par disso<br />

releva-se, ainda, a de Santa Helena como escala de reagrupamento das frotas vindas da Índia<br />

depois de ultrapassado o cabo, isto é, missão idêntica à dos Açores no final da travessia<br />

oceânica. Esta função da ilha de Santiago com escala do mar oceano foi efémera. A partir da<br />

década de trinta do século XVI as escalas são menos assíduas. O mar era já conhecido e as<br />

embarcações de maior calado permitiam viagens mais prolongadas. Apenas os náufragos dos<br />

temporais aí aparecem à procura de refúgio.<br />

O posicionamento das ilhas no traçado das rotas de comércio e navegação atlântica fez com<br />

que as coroas peninsulares dirigissem para aí todo o empenho nas iniciativas de apoio, defesa<br />

e controlo do trato comercial. <strong>As</strong> ilhas foram, assim, os bastiões avançados, suportes e<br />

símbolos da hegemonia peninsular no <strong>Atlântico</strong>. A disputa pelas riquezas em circulação tinha<br />

lugar em terra ou no mar circunvizinho, pois para aí incidiam os piratas e corsários, ávidos de<br />

conseguir ainda que uma magra fatia do tesouro. Uma das maiores preocupações das<br />

autoridades terá sido a defesa dos navios. Mas no caso das ilhas da Guiné isso nunca foi<br />

conseguido, tardando, ao contrário do que sucedeu na Madeira, Açores e Canárias, o<br />

delineamento de um <strong>sistema</strong> defensivo em terra e no mar. Isto explica a extrema<br />

vulnerabilidade dos portos, evidente nas inúmeras investidas inglesas e holandesas na<br />

primeira metade do século XVII.<br />

O século é marcado por uma mudança total no <strong>sistema</strong> de rotas do <strong>Atlântico</strong>. Os progressos<br />

no desenvolvimento da máquina a vapor fizeram com que se elaborasse um novo plano de<br />

portos de escala, capazes de servirem de apoio à navegação como fornecedores dos produtos<br />

em troca e do carvão para a laboração das máquinas. Nos Açores o porto de Angra cedeu o<br />

lugar aos da Horta e Ponta Delgada, enquanto em Cabo Verde a ilha de Santiago foi


substituída pela de S. Vicente, lugar que disputava com as Canárias. Entretanto o Funchal viu<br />

reforçada pela dupla oferta como porto carvoeiro e do vinho da ilha, o que fez atrair inúmeras<br />

embarcações inglesas e americanas. A par disso a posição privilegiada que os ingleses<br />

gozavam na ilha levou a que eles se servissem do porto do Funchal como base para as<br />

actividades de corso contra os franceses e castelhanos. Esta nova aposta no sector de serviços<br />

de apoio à navegação comercial e de passageiros vai depender de uma outra política, a dos<br />

portos francos.<br />

<strong>As</strong> ilhas foram no século XVIII um centro chave das transformações sócio-políticas então<br />

operadas, de ambos os lados do oceano, fruto da forte presença da comunidade inglesa e o<br />

facto desta a ter transformado num importante centro para a sua afirmação colonial e<br />

marítima, a partir do século XVII. Esta vinculação da ilha ao império britânico é bastante<br />

evidente no quotidiano e devir histórico madeirenses dos séculos XVIII e XIX 148 . A Madeira,<br />

no decurso do século XVIII, firmou a vocação atlântica, contribuindo para isso o facto de os<br />

ingleses não dispensarem o porto do Funchal e o vinho madeirense na sua estratégia colonial.<br />

<strong>As</strong> diversas actas de navegação (1660, 1665), corroboradas pelos tratados de amizade, de que<br />

merece relevo especial o de Methuen (1703) 149 , foram os meios que abriram o caminho para<br />

que a Madeira entrasse na área de influência do mundo inglês150. Aos poucos, esta<br />

comunidade ganhou uma posição de respeito na sociedade madeirense que, por vezes, se<br />

tornava incomodativa151. A presença e importância da feitoria inglesa, no decurso do século<br />

XVIII, é uma realidade insofismável. A comunidade inglesa passou a usufruir na ilha de um<br />

estatuto diferenciado que lhe dava a possibilidade de possuir um cemitério próprio, desde<br />

1761. Também os mesmos tiveram direito a igreja própria, enfermaria, conservatória 152 e juiz<br />

privativo. A opção, embora colhesse o de surpresa Governador, parecia ser desejada, pois em<br />

1898 o governador de S. Miguel, depois de tomar conta do sucedido, manifestou o desejo que<br />

o mesmo sucedeu nos Açores, para evitar o perigo dos franceses 153 . A presença de armadas<br />

inglesas no Funchal era constante sendo o relacionamento com as autoridades locais<br />

amistoso, sendo recebidos pelo governador com toda a hospitalidade 154 . Destas relevam-se as<br />

de 1799 e 1805, compostas, respectivamente de 108 e 112 embarcações 155 . Para além disto<br />

era assídua a presença de uma esquadra inglesa a patrulhar o mar madeirense, sendo a de<br />

1780 comandada por Jonhstone 156 . A partir de meados do século XIX o Funchal especializase<br />

como porto de escala de navios de passageiros, com especial destaque para os ingleses.<br />

Para isso contribuiu a tradicional presença britânica e a afirmação da ilha com estância<br />

turística. Daqui resulta que o porto funchalense no viu quebrado o protagonismo na<br />

navegação atlântica, antes pelo contrário recobrou forças e novas funções face aos novos<br />

desafios da navegação oceânica.<br />

Nos Açores assiste-se no decurso do século XVII a uma clara mudança dos espaços<br />

portuários de dimensão intercontinental. <strong>As</strong>sim, a Horta pela posição charneira no grupo<br />

148<br />

Desmond GREGORY, The Beneficent Usurpers. A History of the British in Madeira, London, 1988.<br />

149<br />

Public Record Office, FO 811/1, cartas dos privilégios da nação britânica com Portugal desde 1401 a 1805.<br />

150<br />

J. H. FISHER,The Methuen a Pombal. O Comércio anglo-português de 1700 a 1770, Lisboa, 1984, p. 29.<br />

151<br />

Em 1754 o Governador Manuel Saldanha Albuquerque lamenta o exclusivo do comércio inglês na ilha (AHU, Madeira e Porto Santo, n1.48-49).<br />

152<br />

Public Record Office, FO 811/1, fls.278, 31 de Janeiro de 1724.<br />

153<br />

Em 27 de Fevereiro de 1808 o governador madeirense havia-lhe enviado uma carta relatando o sucedido. Confronte-se: Arquivo dos Açores, vol.XI, 359-360, 373-<br />

379; Francisco d'Atayde de Faria e MAIA,Subsídios para a História de S. Miguel e Terceira. Capitães-generais 1766-1831, 20 edição Ponta Delgada, 1988.<br />

154<br />

Public Record Office, FO 63/7, sabe-se que por ordem de 14 de Junho de 1722 as embarcações com destino às colónias permaneciam alguns dias no Funchal. A 20<br />

de Janeiro de 1786 são 20 barcos em tal situação, coordenada pelo cônsul.<br />

155<br />

AHU, Madeira e Porto Santo, n1.1125, 1620, 22 de Outubro de 1799 e 7 de Outubro de 1805<br />

156<br />

Ibidem, n1.545, 22 de Janeiro de 1780.


central e pelo destaque que assumiu no apoio à baleação dos americanos acabou por assumir a<br />

posição de porto oceânico de apoio às pescarias, ao comércio americano e de fornecimento de<br />

carvão, retirando importância ao de Angra. A posição foi reforçada na segunda metade do<br />

século XIX com a amarração aí dos cabos submarinos. Por outro lado o centro económico do<br />

arquipélago situava-se na ilha de S. Miguel, o que implicava a valorização do porto de mar.<br />

Também em Cabo Verde ocorreram idênticas mudanças que levaram à desvalorização de<br />

Santiago em favor de S. Vicente. O porto oceânico transformou-se num oásis oceânico das<br />

embarcações conduzidas a vapor que aí demandavam o necessário abastecimento de carvão e<br />

num eixo destacado de amarração de cabos submarinos. O processo foi evidente a partir 1838<br />

com a criação da vila nas proximidades do Porto Grande e a instalação do primeiro depósito<br />

de carvão pelo cônsul inglês John Rendall. A situação muda a partir de 1883, pois a<br />

agressividade espanhola através dos portos francos de Las Palmas e Santa Cruz de Tenerife<br />

associada à modernização do porto francês de Dakar conduziram à desvalorização dos portos<br />

portugueses nas ilhas.<br />

Já a presente centúria atribui uma dimensão distinta às ilhas. <strong>As</strong>sim, o jogo de interesses entre<br />

o continente europeu e americano fez com que algumas ilhas se transformassem em peças<br />

chave da hegemonia económica. Daqui resultou a evidente disputa entre Alemanha e<br />

Inglaterra por conseguir traze-las à esfera de influência. Note-se que a política dos sanatórios<br />

foi o subterfúgio usado pelos alemães para iludir as pretensões expansionistas no <strong>Atlântico</strong>.<br />

Na base disto está o conflito gerado pela questão dos sanatórios na Madeira, que teve como<br />

instigador a Inglaterra 157 . Aqui, mais uma vez a Inglaterra usufruiu de uma posição favorável<br />

ao reivindicar a tradição histórica da aliança 158 . A percepção da importância das ilhas na<br />

afirmação da hegemonia marítima britânica levou Thomas <strong>As</strong>he(1813) 159 a reivindicar para<br />

os Açores a transformação num protectorado britânico. Nos anos vinte os vapores começaram<br />

a ceder lugar às "máquinas voadoras" e paulatinamente a aviação civil foi conquistando o<br />

mercado de transporte de passageiros. Mesmo assim as ilhas continuaram por muito tempo a<br />

manter o papel de apoio às rotas transatlânticas. Nos Açores tivemos a ilha de Santa Maria,<br />

enquanto em Cabo Verde idêntico papel foi atribuído à ilha do Sal desde 1939 160 .<br />

Até ao aparecimento e vulgarização da telegrafia sem fios a estratégia de circulação da<br />

informação assentava nas ilhas. A Madeira, a Horta e São Vicente foram de novo motivo de<br />

disputa e interesses por ingleses e alemães161. A Horta rapidamente se transformou num nó<br />

de amarração de cabos submarinos que ligavam a Europa, América, África do Sul e Brasil,<br />

assinalando-se em 1926 a existência de quinze cabos 162 . O mesmo acontecia na ilha de S.<br />

Vicente onde amarrou o cabo submarino inglês em 1874.<br />

Outras mais ilhas se evidenciaram por esta função estratégica, de acordo com a navegação<br />

marítima e os interesses hegemónicos. A ilha de Santa Catarina do litoral sul do Brasil,<br />

funcionou para os portugueses a partir de finais do século XVII como uma fortaleza de apoio<br />

157<br />

.Gisela Medina Guevara:<strong>As</strong> Relações Luso-Alemãs antes da Primeira Guerra Mundial. A Questão da Concessão dos Sanatórios da Ilha da Madeira, Lisboa, 1997<br />

158<br />

.Cf. António José Telo, Os Açores e o Controlo do <strong>Atlântico</strong>, Lisboa, 1993.<br />

159<br />

. ASHE, T(homas), History of the Azores on Western Islands; Containing an Account of the Government, Laws and Religion, the Martners, Ceremonies and<br />

Character of the Inhabitants and demonstrating the Importance of these Valuable Islands to the British Empire, Ed. Sherwood, Neely, and Jones, Londres 1813.<br />

Confronte J. Reis Leite, " ,<br />

160 . Francis M. Rogers, Atlantic Islanders of the Azores and Madeiras, Massachusetts, 1979, pp.191-208; R. E. G. Davies, A History of the World´s Airlines, London,<br />

1964.<br />

161 . Paul Kennedy, "Imperial Cable Comunications and Strategy, 1870-1914", in The English Historical Review, vol. LXXXVI, 1971; Francis M Rogers, ob.cit.,<br />

pp.175-190, 209-230; Charles Bright, Submarine Telegraphs: Their History, Construction and Working, London, 1898; K. C. Baghahole, A Century of Service. A<br />

Brief History of Cable and Wireless Ltd 1868-1968, London, 1970; K. R. Haigh, Cableships and Submarine Cables, London, 1968; H. H. Schenck(org.), The World's<br />

Submarine Telephone Cable Systems, Washington DC, 1975.<br />

162 . F.S. Weston, "Os Cabos Submarinos nos Açores", in Boletim do Núcleo Cultural da Horta, vol. III, n1.2, 1963.


e defesa à navegação rumo ao Rio da Prata. Ao mesmo tempo jogou um papel fundamental na<br />

penetração e afirmação da soberania portuguesa no Sul. Esta posição favoreceu o<br />

estabelecimento de assíduos contactos com outros portos do litoral brasileiro, como Santos,<br />

Baía e Recife. 163<br />

ESCALAS DA CIÊNCIA. Desde o século dezoito que a literatura científica e de viagens<br />

definiu de modo claro este conjunto de ilhas como uma unidade merecedora de atenção. São<br />

as Western Islands que encabeçam os títulos das publicações 164 . Aqui entendia-se quase<br />

sempre os Açores, mas muitas vezes associava-se as Canárias, a Madeira e, raramente Cabo<br />

Verde. Esta unidade ficou estabelecida na designação de Macaronésia, dada às ilhas para<br />

fazer jus à mais antiga designação da Antiguidade Clássica. Note-se que o mais antigo<br />

testemunho que se conhece da vida vegetal e animal aparece nas volumosas Saudades da<br />

Terra de Gaspar Frutuoso (1522-1591), escritas no último quartel do século XVI. Aliás, ele<br />

pode ser considerado precursor dos naturalistas do século XVIII. Aí é possível fazer um<br />

percurso por todas as ilhas e constatar a riqueza natural e a que resultou da acção do colono<br />

europeu. Mesmo assim o rastreio não é exaustivo tornando-se difícil ao cientista saber com<br />

exactidão quais os elementos vegetais e animais indígenas e os que resultaram da ocupação<br />

europeia. A descoberta é tardia, como veremos. Apenas o homem do século XVIII sentido<br />

necessidade de o fazer e é a partir de então que temos notícia do quadro natural das ilhas.<br />

Mas. Entretanto haviam passado mais de três séculos de presença europeia em que as espécies<br />

do velho continente se haviam mesclado com as do novo.<br />

<strong>As</strong> ilhas entraram rapidamente no universo da ciência europeia dos séculos XVIII e XIX.<br />

Ambas as centúrias foram momentos de assinaláveis descobertas do mundo através de um<br />

estudo sistemático da fauna e flora 165 . Daqui resultou dois tipos de literatura com públicos e<br />

incidências temáticas distintas. Os textos turísticos, guias e memórias de viagem, que<br />

apelavam o leitor para a viagem de sonho à redescoberta deste recanto do paraíso que se<br />

demarca dos demais pela beleza incomparável da paisagem, variedade de flores e plantas. Já<br />

os tratados científicos apostam na divulgação através daquilo que o identifica. <strong>As</strong> técnicas de<br />

classificação das espécies da fauna e flora têm aqui um espaço ideal de trabalho. Algumas<br />

colecções foram feitas para deleite dos apreciadores, que figuram em lista que antecede a<br />

publicação 166 .<br />

O século XX anuncia-se como o momento ecológico. <strong>As</strong> preocupações com a preservação do<br />

pouco manto florestal existente e da recuperação dos espaços ermos eram acompanhadas da<br />

crítica impiedosa aos responsáveis. Não será inoportuno recordar que as preocupações<br />

ambientalistas que vão no sentido de estabelecer um equilíbrio do quadro natural e travar o<br />

impulso devastador do homem não são apenas apanágio do homem do século XX. Na<br />

Madeira como nas demais ilhas sucedem-se regimentos e posturas que regulamentam esta<br />

relação. Nas Canárias e nos Açores a situação das diversas ilhas não foi uniforme. Os<br />

problemas de desflorestação fizeram-se sentir com maior acuidade nas do primeiro<br />

arquipélago, <strong>As</strong>sim em Gran Canaria já em princípios do século XVI a falta de madeiras e<br />

lenhas era evidente, assim o testemunham as posturas e intervenção permanente das<br />

163 . Cf. Fernando Henriques Cardoso, Negros em Florianópolis. Relações Sociais e Económicas, Florianópolis, 2000, pp.41-42, 50, 79, 93.<br />

164 . Victor Morales Lezcano, Los Ingleses en Canarias. Libro de Viajes e Historias de Vida, Las Palmas de Gran Canaria, 1986, p.124<br />

165 . Mary L. Pratt, Imperial Eye.Travel Writing and Transculturation, N.Y., 1993; STAFFORD, B. M., Voyage into Substance - Science, Nature and the Illustrated<br />

Travel Account 1770-1840, Cambridge, Mass., 1984, pp. 565-634<br />

166 . Estampas, Aguarelas e desenhos da Madeira Romântica, Funchal, 1988.


autoridades locais e a coroa 167 . A solução estava no recurso às demais ilhas, nomeadamente<br />

Tenerife e La Palma. Mas mesmo nestas começaram a fazer-se a sentir as mesmas<br />

dificuldades. Nos Açores o facto de a cultura da cana não alcançar o mesmo sucesso da<br />

Madeira e Canárias salvou o espaço florestal deste efeito predador.<br />

O homem do século XVIII perdeu o medo ao meio circundante e passou a olhá-lo com maior<br />

curiosidade e, como dono da criação, estava-lhe atribuída a missão de perscrutar os segredos<br />

ocultos. É este impulso que justifica todo o afã científico que explode na centúria. A ciência é<br />

então baseada na observação directa e experimentação. A insaciável procura e descoberta da<br />

natureza circundante cativou toda a Europa, mas foram os ingleses quem entre nós marcaram<br />

presença, sendo menor a de franceses e alemães 168 . Aqui são protagonistas as Canárias e a<br />

Madeira. Tudo isto é resultado da função de escala à navegação e comércio no <strong>Atlântico</strong>. Foi<br />

também na Madeira que os ingleses estabeleceram a base para a guerra de corso no <strong>Atlântico</strong>.<br />

Se as embarcações de comércio, as expedições militares tinham escala obrigatória, mais<br />

razões assistiam às científicas para a paragem obrigatória. <strong>As</strong> ilhas, pelo endemismo que as<br />

caracteriza, história geo-botânica, permitiram o primeiro ensaio das técnicas de pesquisa a<br />

seguir noutras longínquas paragens. Também elas foram um meio revelador da incessante<br />

busca do conhecimento da Geologia e Botânica.<br />

Instituições seculares, como o British Museum, Linean Society, e Kew Gardens, enviaram<br />

especialistas para proceder à recolha das espécies. Os estudos no domínio da Geologia,<br />

botânica e flora são resultado da presença fortuita ou intencional dos cientistas europeus. Esta<br />

moda do século XVIII levou a que as instituições científicas europeias ficassem depositárias<br />

das mais importantes colecções de fauna e flora das ilhas: o Museu Britânico, Linnean<br />

Society, Kew Gardens, a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de<br />

História Natural de Paris. E por cá passaram destacados especialistas da época, sendo de<br />

realçar John Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. Darwin esteve nas Canárias e<br />

Açores (1836) e mandou um discípulo à Madeira. No arquipélago açoriano o cientista mais<br />

ilustre terá sido o Príncipe Alberto I do Mónaco que aí aportou em 1885. James Cook escalou<br />

a Madeira por duas vezes em1768 e 1772, numa réplica da viagem de circum-navegação<br />

apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam intrometeram-se no<br />

interior da ilha à busca das raridades botânicas para a classificação e depois revelação à<br />

comunidade científica. Em 1775 o navegador estava no Faial e no ano imediato em Tenerife.<br />

Os Arquipélagos da Madeira e Canárias, devido à posição estratégica na rota que ligava a<br />

Europa ao mundo colonial, foram activos protagonistas nos rumos da Ciência dos séculos<br />

XVIII e XIX. Já aos Açores estava, ao contrário, reservado o papel de ancoradouro seguro<br />

antes de se avistar a Europa. Foi este papel desempenhado pelo arquipélago desde o século<br />

XVI que o catapultou para uma posição privilegiada na história de navegação e comércio do<br />

<strong>Atlântico</strong>. Nas Canárias a primeira e mais antiga referência sobre a presença de naturalistas<br />

ingleses é de 1697, ano em que James Cuningham esteve em La Palma. Os Séculos XVIII<br />

anunciam-se como de forte presença, nomeadamente dos franceses. O contacto do cientista<br />

com o arquipélago açoriano fazia-se quase sempre na rota de regresso de Africa ou América.<br />

Para os americanos as ilhas eram a primeira escala de descoberta do velho mundo. Por outro<br />

167 . Francisco Morales Padron, Ordenanzas del Concejo de Gran Canaria(1531), Las Palmas, 1974; José Peraza de Ayala, Las Ordenanzas de Tenerife, Madrid, 1976;<br />

Pedro Cullen del Castilho, Libro Rojo de Gran Canaria o Gran Libro de Provisiones y Reales Cédulas, Las Palmas, 1974. Alfredo Herrera Piqué, La Destrucción de<br />

los Bosques de Gran Canaria a comienzos del siglo XVI, in Aguayro, n1.92, 1977, pp.7-10; James J. Pearsons, Human Influences on the Pine and Laurel Forests of the<br />

Canary Islands, inGeographical Review, LXXI, n13, 1981, pp.253-271.<br />

168 Cf. "Algumas das Figuras Ilustres Estrangeiras que Visitaram a Madeira", in Revista Portuguesa, 72, 1953; A. Lopes de Oliveira, Arquipélago da Madeira.<br />

Epopeia Humana, Braga, 1969, pp. 132-134.


lado os Açores despertaram a curiosidade das instituições e cientistas europeus. Os aspectos<br />

geológicos, nomeadamente os fenómenos vulcânicos foram o principal alvo de atenção.<br />

Mesmo assim o volume de estudos não atingiu a dimensão dos referentes à Madeira e<br />

Canárias pelo que Maurício Senbert em 1838 foi levado a afirmar que a "flora destas ilhas<br />

[fora]por tanto tempo despresada", o que o levou a dedicar-se ao estudo 169 .<br />

<strong>As</strong> ilhas recriavam os mitos antigos e reservavam ao visitante um ambiente paradisíaco e<br />

calmo para o descanso, ou, como sucedeu no século dezoito, o laboratório ideal para os<br />

estudos científicos. O endemismo insular propiciava a última situação. <strong>As</strong> ilhas forram o<br />

principal alvo de atenção de botânicos, ictiólogos, geólogos. A situação é descrita por Alfredo<br />

Herrera Piqué a considerar como "a escala científica do <strong>Atlântico</strong>" 170 . Os ingleses foram os<br />

primeiros a descobrir as qualidades de clima e paisagem e a divulgar junto dos compatriotas.<br />

É esta quase esquecida dimensão como motivo despertador da ciência e cultura europeia<br />

desde o século XVIII que importa realçar<br />

Na Madeira aquilo que mais os emocionou os navegadores do século XV foi o arvoredo, já<br />

para os cientistas, escritores e demais visitantes a partir do século XVIII o que mais chama à<br />

atenção é, sem dúvida, o aspecto exótico dos jardins e quintas que povoam a cidade. Nas<br />

Canárias a atenção está virada para os milenares dragoeiros de Tenerife. O Funchal<br />

transformou-se num verdadeiro jardim botânico e segue uma tradição secular europeia. Eles<br />

começaram a surgir na Europa desde o século XVI: em 1545 temos o de Pádua, seguindo-se o<br />

de Oxford em 1621. Em 1635 o de Paris preludia a arte de Versailles em 1662. Em todos é<br />

patente a intenção de fazer recuar o paraíso 171 . <strong>As</strong> ilhas não tinham necessidade disso pois já<br />

o eram. Diferente é a atitude do homem do século XVIII. Aliás, desde a segunda metade do<br />

século XVII que o seu relacionamento com as plantas mudou. Em 1669 Robert Morison<br />

publica Praeludia Botanica, considerada como o princípio do <strong>sistema</strong> de classificação das<br />

plantas, que tem em Carl Von Linné (Linnaeus) (1707-1778) o protagonista. A partir daqui a<br />

visão do mundo das plantas nunca foi a mesma. Contemporâneo dele é o Comte de Buffon<br />

que publicou entre 1749 e 1804 a "Histoire Naturelle, Générale et Particuliére" em 44<br />

volumes. Perante isto os jardins botânicos do século XVIII deixaram de ser uma recriação do<br />

paraíso e passaram a espaços de investigação botânica. O Kew Gardens em 1759 é a<br />

verdadeira expressão disso. Note-se que Hans Sloane (1660-1753), presidente do Royal<br />

College of Physicians, da Royal Society of London e fundador do British Museum, esteve na<br />

Madeira no decurso das expedições que o levaram às Antilhas inglesas 172 .<br />

A aclimatação das plantas com valor económico, medicinal ou ornamental adquiriu cada vez<br />

mais importância. Aliás, foi fundamentalmente o interesse medicinal que provocou desde o<br />

século XVII o desusado empenho pelo estudo 173 . <strong>As</strong>sim em 1757 o inglês Ricardo Carlos<br />

Smith fundou no Funchal um dos jardins onde reuniu várias espécies com valor comercial. Já<br />

em 1797 Domingos Vandelli (1735-1816) e João Francisco de Oliveira no estudo sobre a<br />

flora apresentou no ano imediato um projecto para um viveiro de plantas. O viveiro foi criado<br />

no Monte e manteve-se até 1828. O naturalista francês, Jean Joseph d'Orquigny, que em 1789<br />

se fixou no Funchal foi o mentor da criação da Sociedade Patriótica, Económica, de<br />

Comércio, Agricultura Ciências e Artes. Também na ilha de Tenerife, em Puerto de La Cruz,<br />

169<br />

. "Flora Azorica", in Archivo dos Açores, XIV(1983), pp.326-339.<br />

170<br />

.Las islas Canarias, Escala Científica en el Atlántico Viajeros y Naturalistas en el siglo XVIII, Madrid, 1987.<br />

171 . Richard Grove, Ecology, climate and Empire. Studies in colonial enviromental. History 1400-1940, Cambridge, 1997, p. 46; J. Prest, The Garden of Eden: The<br />

Botanic Garden and the Re-creation of Paradise, New Haven, 1981.<br />

172 Raymond R. Stearns, Science in the British Colonies of America, Urban, 1970<br />

173 K. Thomas, Man and the Natural World. Changing attitudes in England. 1500-1800, Oxford, 1983, p. 27, 65-67.


Alonso de Nava y Grimón criou em 1791 um jardim de Aclimatação de Plantas.<br />

Na Madeira tivemos a proposta de Frederico Welwistsch 174 para a criação de um jardim de<br />

aclimatação no Funchal e em Luanda 175 . A ilha cumpriria o papel de ligação das colónias aos<br />

jardins de Lisboa, Coimbra e Porto. O botânico alemão que fez alguns estudos em Portugal,<br />

passou em 1853 pelo Funchal com destino a Angola. Já a presença de outro alemão, o Padre<br />

Ernesto João Schmitz, como professor do seminário diocesano, levou à criação em 1882 um<br />

Museu de História Natural, que hoje se encontra integrado no actual Jardim botânico. Só<br />

passado um século a temática voltou a merecer a atenção dos especialistas. E, várias vozes se<br />

ergueram em favor da criação de um jardim botânico. Em 1936 refere-se uma tentativa<br />

frustrada de criação de um Jardim Zoológico e de Aclimatação nas Quintas Bianchi, Pavão e<br />

Vigia, que contava com o apoio do Zoo de Hamburgo 176 . A criação do Jardim Botânico por<br />

deliberação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal a 30 de Abril de 1960 foi o<br />

corolário da defesa secular das condições da ilha para a criação e a demonstração da<br />

importância científica revelada por destacados investigadores botânicos que procederam a<br />

estudos 177 .<br />

Nos Açores foi evidente a aposta nos jardins de aclimatação. Um dos principais<br />

empreendedores foi José do Canto que desde meados do século XIX criou diversos viveiros<br />

de plantas de diversas espécies que adquiriu em todo o mundo. Na década de setenta as suas<br />

propriedades enchiam-se de criptomérias, pinheiros, eucaliptos e acácias 178 . Tenha-se em<br />

conta os contactos com as sociedades científicas e de aclimatação francesas, as visitas aos<br />

mais considerados jardins europeus. Tudo isto permitiu que o mesmo e alguns dos<br />

compatriotas micaelenses transformassem a paisagem da ilha em densos arvoredos e<br />

paradisíacos jardins de flora exótica. A José do Canto podemos juntar António Borges que<br />

em 1850 lançou o parque das Sete Cidades e oito anos após o jardim de Ponta Delgada que<br />

ostenta o nome. Outro entusiasta da natureza foi José Jácome Correia que nos legou o jardim<br />

de Santana. Tenha-se em consideração o facto de António Borges ter permanecido desde<br />

1861 oito anos em Coimbra onde trabalhou no Jardim Botânico e manteve contactos estreitos<br />

com a universidade, mercê do apoio do patrício Carlos M. G. Machado. Daqui resultou uma<br />

estreita cooperação como envio à ilha de Edmond Goeze 179 com a finalidade de recolher<br />

espécies arbóreas para a estufa do jardim coimbrão. Já nas Canárias a preocupação<br />

fundamental foi a política de florestação. Para isso contribuíram a partir do séc.XVIII as<br />

Sociedades Económicas de los Amigos del Pais em Gran Canaria (1777), Tenerife(1776) e La<br />

Palma. Das actas da de Las Palmas rapidamente se extrai a preocupação e aposta na política<br />

de reflorestação 180 . Os Jardins botânicos surgem aqui a partir da década de quarenta do nosso<br />

século: em 1943 o de Puerto de La Cruz em Tenerife e em 1953 o de Viera y Calvijo em Gran<br />

Canaria.<br />

Em qualquer dos momentos assinalados as ilhas cumpriram o papel de ponte e espaço de<br />

adaptação da flora colonial. Os jardins de aclimatação foram a moda que na Madeira e Açores<br />

tiveram por palco as amplas e paradisíacas quintas. O Marquez de Jácome Correia 181<br />

174<br />

. Cf. Ebarhard Axel Wilhelm, "Visitantes de língua Alemã na Madeira(1815-1915)", in Islenha, 6, 1990, pp.48-67.<br />

175<br />

. "um Jardim de Aclimatação na ilha da Madeira", in Das Artes e da História da Madeira, n1. 2, 1950, pp.15-16<br />

176<br />

César A. Pestana, A Madeira Cultura e Paisagem, Funchal, 1985, p.65<br />

177<br />

Cf Boletim da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, Abril de 1960; Rui Vieira, "Sobre o 'Jardim Botânico' da Madeira ", in <strong>Atlântico</strong>, 2, 1985, pp.101-<br />

109.<br />

178 . Fernando Aires de Medeiros Sousa, José do Canto. Subsídios para a História micaelense (1820-1898), Ponta Delgada, 1982, pp.78-113<br />

179 . A Ilha de S. Miguel e o Jardim Botânico de Coimbra, in O Instituto, 1867, pp.3-61.<br />

180 . Jose de Viera y Clavijo, Extracto de las Actas de la Real Sociedad Económica de amigos del Pais de las Palmas(1777-1780), Las Palmas de Gran Canaria, 1981.<br />

181 . A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.173, 178


identifica para a Madeira as quintas do Palheiro Ferreiro e Magnólia como jardins botânicos.<br />

São viveiros de plantas, hospital para acolher os doentes da tísica pulmonar e outros<br />

visitantes. O deslumbramento acompanhou o interesse científico e os dois conviveram lado a<br />

lado nas inúmeras publicações que o testemunham no século XIX. Os jardins, através da<br />

harmonia arvoredo e das garridas cores das flores tiveram nos séculos XVII e XVIII um<br />

avanço evidente. Os bosques deixaram de ser espaços de maldição e as árvores entraram no<br />

quotidiano das classes altas. Os jardins adquiriram a dimensão de paraíso bíblico e como tal<br />

de espaço espiritual. Eles são a expressão do domínio humano sobre a Natureza 182 . A<br />

Inglaterra do século XIX popularizou os jardins e as flores 183 . A ambiência chegou à ilha<br />

através dos mesmos súbditos de Sua Majestade. <strong>As</strong> ilhas exerceram um fascínio especial em<br />

todos os visitantes e parece que nunca perderam a imortal característica de jardins à beira do<br />

oceano. Poderemos afirmar que as ilhas foram jardins e que os jardins continuam a ser o<br />

encanto dos que a procuram, sejam turistas ou cientistas.<br />

No século XVIII as ilhas assumiram um novo papel no mundo europeu. <strong>As</strong>sim, de espaços<br />

económicos passaram também a contribuir para alívio e cura de doenças. O mundo rural<br />

perde importância em favor da área em torno do Funchal, que se transforma num hospital<br />

para a cura da tísica pulmonar ou de quarentena na passagem do calor tórrido das colónias<br />

para os dias frios e nebulosos da vetusta cidade de Londres. A função catapultou as ilhas da<br />

Madeira e Canárias para uma afirmação evidente. O debate das potencialidades terapêuticas<br />

da climatologia propiciou um grupo numeroso de estudos e gerou uma escala frequente de<br />

estudiosos 184 . <strong>As</strong> estâncias de cura surgiram primeiro na bacia mediterrânica europeia e<br />

depois expandiram-se no século XVIII até à Madeira e só na centúria seguinte chegaram às<br />

Canárias 185 . Dos visitantes das ilhas merecem especial atenção três grupos distintos: invalids<br />

(=doentes), viajantes, turistas e cientistas. Enquanto os primeiros fugiam ao Inverno europeu<br />

e encontravam na temperatura amena das ilhas o alívio das maleitas, os demais vinham<br />

atraídos pelo gosto de aventura, de novas emoções, da procura do pitoresco e do<br />

conhecimento e descobrimento dos infindáveis segredos do mundo natural. O viajante<br />

diferencia-se do turista pelo aparato e intenções que o perseguem. Ele é um andarilho que<br />

percorre todos os recantos das ilhas na ânsia de descobrir os aspectos mais pitorescos. Na<br />

bagagem constava sempre um caderno de notas e um lápis. Através da escrita e desenho ele<br />

regista as impressões do que vê. Daqui resultou uma prolixa literatura de viagens, que se<br />

tornou numa fonte fundamental para o conhecimento da sociedade oitocentista das ilhas. Ao<br />

historiador está atribuída a tarefa de interpretar estas impressões 186 . Aqui são merecedoras de<br />

destaque duas mulheres: Isabella de França 187 para a Madeira e Olívia Stone 188 para as<br />

Canárias. O turista ao invés é pouco andarilho, preferindo a bonomia das quintas, e egoísta<br />

guardando para si todas as impressões da viagem. O testemunho da presença é documentado<br />

apenas pelos registos de entrada dos vapores na alfândega, das notícias dos jornais diárias e<br />

dos "títulos de residência" 189 , pois o mais transformou-se em pó.<br />

182<br />

. Peter J. Bowler, Fontana History of environmental Sciences. N. Y., 1993.,p.111.<br />

183<br />

. Cf. K. Thomas,ibidem, pp.207-209, 210-260<br />

184<br />

. James Clark, The Sanative Influence of Climate, Londres, 1840; W. Huggard, A Handbook of Climatic Treatment, Londres, 1906; Nicolás González Lemus, Las<br />

Islas de la Ilusión. Británicos en Tenerife 1850-1900, Las Palmas, 1995; Zerolo, Tomás, Climatoterapia de la Tuberculosis Pulmonar en la Península Española, Islas<br />

Baleares Y Canarias, Santa Cruz de Tenerife, 1889. O debate sobre o tema provocou a publicação de inúmeros estudos a favor e contra. Cf. Bibliografia textos de S.<br />

Benjamin (1870), John Driver (1850), W. Gourlay (1811), M. Grabham (1870), R. White (1825).<br />

185<br />

. M. J. Báguerra Cervellera, La Tuberculosis y su História, Barcelona, 1992.<br />

186<br />

.António Ribeiro Marques da Silva. Apontamentos sobre o Quotidiano Madeirense (1750-1900), Lisboa, 1994, N. González Lemus, Viajeros Victorianos en<br />

Canarias, Las Palmas, 1998.<br />

187 Journal of a visit to Madeira and Portugal (1853-1954), Funchal, 1970. Todavia, a primeira viajante na ilha foi Maria Riddel que em 1788 visitou a ilha durante<br />

11 dias:A Voyage to The Madeira..., Edinburgh, 1792.<br />

188 .Teneriffe and its six Satellites(1887)<br />

189 . Na Madeira as autorizações de residência estão registadas para os anos de 1869 a 1879 e 1922 a 1937.


A presença de viajantes e "invalids" nas ilhas conduziu à criação de infra-estruturas de apoio.<br />

Se num primeiro se socorriam da hospitalidade dos insulares, num segundo momento a cada<br />

vez mais maior afluência de forasteiros obrigou à montagem de uma estrutura hoteleira de<br />

apoio. Aos primeiros as portas eram franqueadas por carta de recomendação. A isto juntou-se<br />

a publicidade através da literatura de viagens e guias. Os guias forneciam as informações<br />

indispensáveis para a instalação no Funchal e viagem no interior da ilha, acompanhados de<br />

breves apontamentos sobre a História, costumes, fauna e flora. Para a Madeira, um dos mais<br />

antigos guias que se conhece é anónimo 190 , seguindo-se os de Robert White 191 , E. V.<br />

Harcourt 192 , J. Y. Johnson 193 e E. M. Taylor 194 . O primeiro guia de conjunto dos arquipélagos<br />

é de William W. Cooper 195 e A Samler Brown 196 . O último tornou-se num best-seller, pois<br />

atingiu 14 edições. Tenha-se em conta os destinatários dos guias. <strong>As</strong>sim em 1851 James Yate<br />

Johnson e Robert White197 fazem apelo aos "invalid and other visitors", enquanto em 1887<br />

Harold Lee 198 dirige-se aos "tourists" e em 1914 temos o primeiro guia turístico de C. A.<br />

Power 199 . Este deverá marcar nas ilhas o fim do chamado turismo terapeutico e o início do<br />

actual. Aos dois grupos junta-se um terceiro que também merece atenção dos guias, isto é, o<br />

naturalista ou cientista 200 .<br />

A Madeira firmou-se a partir da segunda metade do século dezoito como estância para o<br />

turismo terapêutico, mercê das qualidades profiláticas do clima na cura da tuberculose, o que<br />

cativou a atenção de novos forasteiros 201 . Aliás, a ilha foi considerada por alguns como a<br />

primeira e principal estância de cura e convalescença da Europa 202 . No período de 1834 a<br />

1852 a média anual de Invalid's oscilava entre os 300 e 400, maioritariamente ingleses. Em<br />

1859 construiu-se o primeiro sanatório. O último investimento foi dos alemães que em 1903<br />

através do príncipe Frederik Charles de Hohenlohe Oehringen constituiu a Companhia dos<br />

Sanatórios da Madeira. Da polémica iniciativa resultou apenas o imóvel do actual Hospital<br />

dos Marmeleiros 203 .<br />

Não temos dados seguros quanto ao desenvolvimento da hotelaria nas ilhas, pois os dados<br />

disponíveis são avulsos204. Os Hotéis são referenciados em meados do século XIX mas<br />

desde os inícios do século XV que as cidades portuárias de activo movimento de forasteiro<br />

deveriam possuir estalagens. A documentação oficial faz eco desta realidade como se poderá<br />

provar pelas posturas e actas da vereação dos municípios servidos de portos. No caso da<br />

Madeira assinala-se em 1850 a existência de dois hotéis (the London Hotel e Yate's Hotel<br />

190<br />

. A Guide to Madeira Containing a Short Account of Funchal, Londres, 1801.<br />

191<br />

. Madeira its Climate and Scenery containing Medical and General Information for Invalids and Visitors; a tour of the Island, Londres, 1825.<br />

192<br />

. A Sketch of Madeira Containing Information for the Traveller or Invalid Visitor, Londres, 1851.<br />

193<br />

Madeira its Climate and Scenery. A Handbook for Invalids and other Visitors, Edinburg, 20ed., 1857, 30ed., 1860.<br />

194<br />

.Madeira its Scenery and How to See it with Letters of a Year's Residence and Lists of the Trees, Flowers, Ferns, and Seaweeds, Londres, 10ed., 1882, 20 ed., 1889.<br />

195<br />

. The Invalid's Guide To Madeira With a Description of Tenerife..., Londres, 1840.<br />

196<br />

. Madeira and the Canary Islands.<br />

197<br />

. Madeira Its Climate and Scenery. A Handbook for Invalid and Other Visitors, Edimburgo, 1851.<br />

198<br />

. Madeira and the Canary islands. A Handbook for Tourists, Liverpool, 1887.<br />

199<br />

. Tourist´s Guide to the Island of Madeira, Londres, 1914.<br />

200<br />

. C. A. Gordon, The Island of Madeira for the Invalid and Naturalis- "the Flower of the Ocean. The Island of Madeira: A Resort for the Invalid; a Field for the<br />

Naturalist, Londres, 1896.<br />

201 . <strong>As</strong> mais antigas referências a esta situação surgem em 1751 em texto de Thomas Heberden em Philosophal Transactions, sendo corroborado pelo Dr. Fothergill em<br />

On Consuption Medical Observation (1775). Veja-se ainda J. Adams, Guide to Madeira with an Account of the Climate, Londres, 1801; W. Gourlay, Observations on<br />

the Natural History, Climate and Desease of Madeira During of Period os Sixteen Years, Londres, 1811.<br />

202 . Hugo C. de Lacerda Castelo Branco, Le Climat de Madère. Ébauche d'une étude Comparative:Le Meilleur Climat du Monde: Station Fixe et la Plus Belle<br />

d'Hiver, Funchal, 1936.<br />

203 . Nelson Veríssimo, A questão dos Sanatórios da Madeira, in Islenha, 6, 1990, 124-144; Desmond Gregory, The Beneficient Usurpers: A History of the British in<br />

Madeira, Londres, 1988, pp.112-124; F. A. Silva, Sanatórios da Madeira, in Elucidário Madeirense, 10 ed. 1921-22.<br />

204 . Apenas a partir de 1891 temos o Registo de Licenças de Botequins, tabernas, Hoteis, Estalagens, Clubes e Lotaria(1891-1901). Cf. Fátima Freitas Gomes, Hotéis<br />

e Hospedarias (1891-1901), in <strong>Atlântico</strong>, n1.19, 1989, 170-177.


Family) a que se juntaram outros dez em 1889 205 . Em princípios do século XX a capacidade<br />

hoteleira havia aumentado, sendo doze os hotéis em funcionamento que poderiam hospedar<br />

cerca de oitocentos visitantes 206 . A preocupação destes visitantes em conhecer o interior,<br />

nomeadamente a encosta norte levou ao lançamento de uma rede de estalagens que tem<br />

expressão visível em S. Vicente, Rabaçal, Boaventura, Seixal, Santana e Santa Cruz 207 .<br />

Tenha-se ainda em conta um conjunto de melhoramentos que tiveram lugar no Funchal para<br />

usufruto dos forasteiros. <strong>As</strong>sim, desde 1848 com José Silvestre Ribeiro temos o delinear de<br />

um moderno <strong>sistema</strong> viário, a que se juntaram novos meios de locomoção: em 1891 o<br />

Comboio do Monte, em 1896 o Carro Americano e finalmente o automóvel em 1904.<br />

<strong>As</strong> Canárias, nomeadamente Tenerife e Furteventura, juntaram-se à Madeira no turismo<br />

terapeutico desde meados do século XIX208. Note-se que em 1865 Nicolás Benitez de Lugo<br />

construiu em La Orotava (Tenerife) "un estabelecimiento para extranjeros enfermos". Deverá<br />

ter sido nesta época que a ilha de Tenerife se estreou como health resort, passando a fazer<br />

concorrencia com a Madeira, tendo a favor melhores condições climáticas 209 . O Vale de La<br />

Orotava, através do seu porto (hoje Puerto de La Cruz), afirma-se como a principal estância<br />

do arquipélago. Isto provocou o desenvolvimento da indústria hoteleira, que depois alastrou<br />

também à cidade de Santa Cruz de Tenerife 210 . Vários factores permitiram a rápida ascensão<br />

das ilhas de Tenerife e Gran Canária na segunda metade do século XIX que assumiram<br />

rapidamente a dianteira face à Madeira. A afirmação de Santa Cruz de Tenerife como porto<br />

abastecedor de carvão aos barcos a vapor, a declaração dos portos francos em 1852 fizera<br />

atrair para aqui todas as linhas francesas e inglesas de navegação e comércio no <strong>Atlântico</strong>. A<br />

aposta no turismo e serviços portuários permitiu uma saída para a crise económica do<br />

arquipélago e uma posição privilegiada face à concorrência da Madeira ou dos Açores 211 .<br />

Nos Açores o turismo teve um aparecimento mais recente. Não obstante Bullar (1841) referir<br />

a presença de doentes americanos na Horta foi reduzido o movimento no arquipélago.<br />

Todavia, isto conduziu ao aparecimento do primeiro hotel conhecido no Faial, em 1842. Em<br />

1860 chegou o primeiro grupo de visitantes norte-americanos, mas só a partir de 1894 ficaram<br />

conhecidos como tourists 212 .<br />

A partir de finais do século XIX o turismo dava os primeiros passos. Foi como corolário disso<br />

que se estabeleceram as primeiras infra-estruturas hoteleiras e que o turismo passou a ser uma<br />

actividade organizada e com uma função relevante na economia. E mais uma vez o inglês é o<br />

protagonista. Este momento de afluência de estrangeiros coincide ainda com a época de<br />

euforia da Ciência nas Academias e Universidades europeias. Desde finais do século XVII as<br />

expedições científicas tornaram-se comuns e a Madeira (Funchal) ou Tenerife (Santa Cruz de<br />

Tenerife e Puerto de La Cruz) foram portos de escala, para ingleses, franceses e alemãs.<br />

205<br />

. Isto de acordo com as informações de J. Driver (Guide to Visitors, Londres, 1850) e C. A. Mourão Pita (Madère, Station Mèdicale Fixe, Paris, 1889).<br />

206<br />

. Marquês de Jácome Correia, A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.232<br />

207<br />

. Para S. Vicente veja-se nossos estudos sobre "Retratos de Viajantes e Escritores", Boletim Municipal. São Vicente, n1.3, 1995,pp.3-7; "O Norte na História da<br />

Madeira", in Boletim Municipal. São Vicente, n1.8, 1996,pp.7-15<br />

208 . W. Cooper, The Invalid's Guide to Madeira with a Description of Tenerife, Londres, 1840; M Douglas, Grand Canary as a heatlth Resort for Consummptives and Others, London, 1887; John Whiteford, The Canary Islands as a Winter Resort,<br />

Londres, 1890; George Victor Pérez, Orotava as a Health Resort, Londres, 1893.<br />

209 . Note-se que em 1861 Richard F. Burton (Viajes a las Islas Canarias I. 1861, Puerto de La Cruz, 1999, p.26) que na sua viagem todos os tuberculosos ficaram na Madeira.<br />

210 .A. Hernández Gutiérrez, De la Quinta Roja al Hotel Taoro, Puerto de La Cruz, 1983; IDEM, Cuando los Hoteles eran Palacios, Islas Canarias, 1990; A.Guimera Ravina, EL Hotel Marquesa, Puerto de la Cruz, 1988; IDEM, El Hotel Taoro,<br />

1890-1990.Cien Años de Turismo en Tenerife, Santa Cruz de Tenerife, 1991.<br />

211 . Madeirenses e açorianos cedo se aperceberam desta realidade culpando as autoridades de Lisboa. Vide: João Augusto d'Ornellas, AMadeira e as Canárias, Funchal, 1884; João Sauvaire de Vasconcelos, Representação da Câmmara Municipal da<br />

Cidade do Funchal ao Governo de S. M. sobre Diversas Medidas Tendentes a Conservar e Arruinar a Navegação de passagem neste Porto dos Paquetes Transatlânticos, Funchal, 1884; Visconde Valle Paraizo, Propostas Apresentadas pela<br />

Commissão Nomeada em <strong>As</strong>sembleia da <strong>As</strong>sociação Commercial do Funchal de 14 de Novembro de 1894 para Estudar as Causas do Desvio da Navegação do Nosso Porto e do Afastamento de Forasteiros, Funchal, 1895; Maria Isabel João, Os<br />

Açores no século XIX, Economia, Sociedade e Movimento Autonomista, Lisboa, 1991.<br />

212. Ricardo Manuel Madruga da Costa, Açores, Western Islands. Um Contributo para o Estudo do Turismo nos Açores, Horta, 1989.


AS ILHAS, ATLÂNTICO E O NOVO MUNDO.<br />

Constroem-se em definitivo, a partir da Madeira, as linhas e redes de comércio atlânticos<br />

atraindo de modo decisivo as áreas e mercados europeus mais nevrálgicos e mais<br />

importantes e criando nas áreas ribeirinhas metropolitanas, insulares (Canárias, Açores,<br />

Cabo Verde) e continentais (Costa de Marfim-Magreb-Arguim-Fez) fortes relações de<br />

dependência e de solidariedade. Aurélio de Oliveira, A Madeira nas linhas de comércio do<br />

<strong>Atlântico</strong>. Séculos XV- XVII, III CIHM, Funchal, 1993, 923.<br />

A definição dos espaços económicos não resultou apenas dos interesses políticos e<br />

económicos derivados da conjuntura expansionista europeia mas também das condições<br />

internas, oferecidas pelo meio. Elas tornam-se por demais evidentes quando estamos perante<br />

um conjunto de ilhas dispersas no oceano. São ilhas com a mesma origem geológica, sem<br />

quaisquer vestígios de ocupação humana, mas com diferenças marcantes ao nível climático.<br />

Os Açores apresentavam-se como uma zona temperada, a Madeira como uma réplica<br />

mediterrânica, enquanto nos dois arquipélagos meridionais eram manifestas as influências da<br />

posição geográfica, que estabelecia um clima tropical seco ou equatorial. Daqui resultou a<br />

diversidade de formas de valorização económica e social. <strong>As</strong> condições morfológicas<br />

estabelecem as especificidades de cada ilha e tornam possível a delimitação do espaço e a<br />

forma de aproveitamento económico. Aqui o recorte e relevo costeiro foram importantes. A<br />

possibilidade de acesso ao exterior através de bons ancoradouros era um factor importante. É<br />

a partir daqui que se torna compreensível a situação da Madeira definida pela excessiva<br />

importância da vertente sul em detrimento da Norte.<br />

De acordo com as condições geo-climáticas é possível definir a mancha de ocupação humana<br />

e agrícola das ilhas. Isto conduziu a uma variedade de funções económicas, por vezes<br />

complementares. Deste modo nos arquipélagos constituídos por maior número de ilhas a<br />

articulação dos vectores da subsistência com os da economia de mercado foi mais harmoniosa<br />

e não causou grandes dificuldades. Os Açores apresentam-se como a expressão mais perfeita<br />

da realidade, enquanto a Madeira é o reverso da medalha. O processo de povoamento das<br />

ilhas definiu-lhes uma vocação de áreas económicas sucedâneas do mercado e espaço<br />

mediterrânicos. <strong>As</strong>sim o que sucedeu nos séculos XV e XVI foi a lenta afirmação do novo<br />

espaço, tendo como ponto de referência as ilhas.<br />

A mudança de centros de influência foi responsável porque os arquipélagos atlânticos<br />

assumissem uma função importante. A tudo isso poderá juntar-se a constante presença de<br />

gentes ribeirinhas do Mediterrâneo, interessadas em estabelecer os produtos e o necessário<br />

suporte financeiro. A constante premência do Mediterrâneo nos primórdios da expansão<br />

atlântica poderá ser responsabilizada pela dominante mercantil das novas experiências de<br />

arroteamento aqui lançadas. Certamente que os povos peninsulares e mediterrânicos, ao<br />

comprometerem-se com o processo atlântico, não puseram de parte a tradição agrícola e os<br />

incentivos comerciais dos mercados de origem. Por isso na bagagem dos primeiros<br />

cabouqueiros insulares foram imprescindíveis as cepas, as socas de cana, alguns grãos do<br />

precioso cereal, de mistura com artefactos e ferramentas. A afirmação das áreas atlânticas<br />

resultou deste transplante material e humana de que os peninsulares foram os principais<br />

obreiros. Foi a primeira experiência de ajustamento das arroteias às directrizes da nova<br />

economia de mercado. A sociedade e economia insulares surgem na confluência dos vectores<br />

externos com as condições internas dos multifacetado mundo insular. A concretização não foi


simultânea nem obedeceu aos mesmos princípios organizativos pelo facto de a mesma<br />

resultar da partilha pelas coroas peninsulares e senhorios ilhéus. Por outro lado a economia<br />

insular é resultado da presença de vários factores que intervêm directamente na produção e<br />

comércio.<br />

Ao nível do sector produtivo deverá ter-se em conta a importância assumida, por um lado,<br />

pelas condições geofísicas e, por outro, pela política distributiva das culturas. É da<br />

conjugação de ambas que se estabelece a necessária hierarquia. Os solos mais ricos eram<br />

reservados para a cultura de maior rentabilidade económica (o trigo, a cana de açúcar, o<br />

pastel), enquanto os medianos ficavam para os produtos hortícolas e frutícolas, ficando os<br />

mais pobres como pasto e área de apoio aos dois primeiros. A Madeira, que se encontrava a<br />

pouco mais de meio século de existência como sociedade insular, estava em condições de<br />

oferecer os contingentes de colonos habilitados para a abertura de novas arroteias e ao<br />

lançamento de novas culturas nas ilhas e terras vizinhas. <strong>As</strong>sim terá sucedido com o<br />

transplante da cana-de-açúcar para Santa Maria, S. Miguel, Terceira, Gran Canária, Tenerife,<br />

Santiago, S. Tomé e Brasil.<br />

A tendência uniformizadora da economia agrícola do espaço insular esbarrou com vários<br />

obstáculos que, depois, conduziram a um reajustamento da política económica e à definição<br />

da complementaridade entre os mesmos arquipélagos ou ilhas. <strong>As</strong> ilhas conseguiram criar no<br />

seu seio os meios necessários para solucionar os problemas quotidianos - assentes quase<br />

sempre no assegurar os componentes da dieta alimentar -, à afirmação nos mercados europeu<br />

e atlântico. <strong>As</strong>sim sucedeu com os cereais que, produzidos apenas nalgumas, foram<br />

suficientes, em condições normais, para satisfazer as necessidades da dieta insular, sobrando<br />

um grande excedente para suprir as carências do reino.<br />

Um dos iniciais objectivos que norteou o povoamento da Madeira foi a possibilidade de<br />

acesso a uma nova área produtora de cereais, capaz de suprir as carências do reino e depois as<br />

praças africanas e feitorias da costa da Guiné. A última situação era definida por aquilo que<br />

ficou conhecido como o saco de Guiné. Entretanto os interesses em torno da cultura<br />

açucareira recrudesceram e a aposta na cultura era óbvia. A mudança só se tornou possível<br />

quando se encontrou um mercado substitutivo. Sucedeu assim nos Açores que, a partir da<br />

segunda metade do século dezasseis, passaram a assumir o lugar da Madeira. O cereal foi o<br />

produto que conduziu a uma ligação harmoniosa dos espaços insulares, o mesmo não<br />

sucedendo com o açúcar, o pastel e o vinho, que foram responsáveis pelo afrontamento e a<br />

crítica desarticulação dos mecanismos económicos. A par disso todos os produtos foram o<br />

suporte do domínio europeu na economia insular. Primeiro o açúcar, depois o pastel e o vinho<br />

exerceram uma acção devastadora no equilíbrio latente na economia das ilhas. A incessante<br />

procura e rendoso negócio conduziram à plena afirmação, quase que exclusiva dos produtos,<br />

geradora da dependência ao mercado externo. Para além de consumidor exclusivo das<br />

culturas é o principal fornecedor dos produtos ou artefactos de que os insulares carecem.<br />

Perante isto qualquer eventualidade que pusesse em causa o sector produtivo era o prelúdio<br />

da estagnação do comércio e o prenúncio evidente de dificuldades, que desembocavam quase<br />

sempre na fome. A estrutura do sector produtivo de cada ilha moldou-se de acordo com isto,<br />

podendo definir-se em componentes da dieta alimentar (cereais, vinha, hortas, fruteiras, gado)<br />

e troca comercial (pastel, açúcar). Em consonância com a actividade agrícola verificou-se a<br />

valorização dos recursos disponibilizados por cada ilha, que integravam a dieta alimentar<br />

(pesca e silvicultura) ou as trocas comerciais (urzela, sumagre, madeiras).


A CONTEXTUALIDADE ATLÂNTICA.<br />

A ilha da Madeira... que Deus pôs no mar ocidental para escala, refúgio, colheita e remédio<br />

dos navegantes, que de Portugal e de outros regnos vão, e de outros portos e navegações<br />

vêm para diversas partes, além dos que para ela somente navegam, levando-lhe mercadorias<br />

estrangeiras e muito dinheiro para se aproveitar do retorno que dela levam para suas<br />

terras....(Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, P. Delgada, 1979, pp.99-<br />

100)<br />

A valorização do <strong>Atlântico</strong> nos séculos XV e XVI conduziu a um intrincado liame de rotas de<br />

navegação e de comércio que ligavam o Velho Continente ao litoral atlântico. A<br />

multiplicidade de rotas resultou das complementaridades económicas e de formas de<br />

exploração adoptadas. Se é certo que estes vectores geraram as referidas rotas, não é menos<br />

certo que as condições mesológicas do oceano, dominadas pelas correntes, ventos e<br />

tempestades, delinearam o rumo. <strong>As</strong> mais importantes e duradouras de todas as traçadas neste<br />

mar foram sem dúvida a da Índia e a das Índias, que galvanizaram as atenções dos monarcas,<br />

da população europeia e insular, dos piratas e corsários.<br />

No traçado de ambas situava-se o Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong> com actuação primordial na<br />

manutenção e apoio à navegação atlântica. <strong>As</strong> ilhas da Madeira e das Canárias surgem nos<br />

séculos XV e XVI como entreposto para o comércio no litoral africano, americano e asiático.<br />

Os portos principais da ilha da Madeira, Gran Canaria, La Gomera, Hierro, Tenerife e<br />

Lanzarote animam-se de forma diversa com o apoio à navegação e comércio nas rotas da ida,<br />

enquanto nos Açores, com as ilhas de Flores, Corvo, Terceira, e S. Miguel, surgem como a<br />

escala da rota de retorno. Segundo Pierre Chaunu a rota das Índias de Castela assentou em<br />

quatro vértices fundamentais: Sevilha, Canárias, Antilhas, Açores 213 . A Madeira mantinha-se<br />

numa posição excêntrica, pois apenas servia as rotas portuguesas do Brasil e da costa<br />

africana.<br />

A participação madeirense na carreira das Índias foi esporádica, justificando-se a ausência<br />

pela posição marginal em relação à rota. A Madeira representa um porto de escala muito<br />

importante para as navegações portuguesas para o Brasil, Golfo da Guiné e Índia. Desde o<br />

século XV que ficou demarcada a posição da escala madeirense para as explorações<br />

geográficas e comerciais dos portugueses na costa ocidental africana. A opção madeirense<br />

adveio dos conflitos latentes com Castela pela posse das Canárias. A expansão comercial de<br />

finais do século XV, com a abertura da rota do Cabo, veio valorizar mais uma vez a escala<br />

aquém equador, surgindo inúmeras referências, em roteiros e relatos de viagens, à escala<br />

madeirense. Os mesmos ingleses que utilizaram as Canárias tocavam com assiduidade a<br />

Madeira, onde se proviam de vinho para a viagem.<br />

A Madeira, como as Canárias, muito raramente foi escolhida como escala de retorno - uma<br />

vez que a missão estava, por condicionalismos geográficos, reservada aos Açores.<br />

Ocasionalmente a escala das embarcações vindas da Mina Índias e Índias na Madeira. A<br />

posição do Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong> no comércio e na navegação atlântica fez com que as<br />

coroas peninsulares investissem aí todas as tarefas de apoio, defesa e controlo do trato<br />

comercial. <strong>As</strong> ilhas eram os bastiões avançados, suportes e símbolos da hegemonia peninsular<br />

no <strong>Atlântico</strong>. A disputa da riqueza em movimento no oceano foi na área definida por elas,<br />

213 . Sevilla y América. Siglos XVI y XVII, 43-48.


pois para aí incidiam piratas e corsários ingleses, franceses e holandeses, ávidos das riquezas<br />

em circulação nas rotas americanas e índicas. Uma das maiores preocupações das coroas<br />

peninsulares terá sido a defesa das embarcações que sulcavam o <strong>Atlântico</strong> em relação às<br />

investidas dos corsários europeus. A área definida pela Península Ibérica, Canárias e Açores<br />

era o principal foco de intervenção do corso europeu sobre os navios que transportavam<br />

açúcar ou pastel ao velho continente.<br />

A FORTUNA DOS EUROPEUS. A definição dos espaços políticos fez-se, primeiro de<br />

acordo com os paralelos e, depois, com o avanço dos descobrimentos para Ocidente, no<br />

sentido dos meridianos. A expressão disso resultava apenas da conjuntura favorável e do<br />

acatamento da situação pelos demais estados europeus. Mas o oceano e terras circundantes<br />

podiam ainda ser subdivididos em novos espaços de acordo com o protagonismo económico.<br />

<strong>As</strong>sim podemos situar, dum lado as ilhas orientais e ocidentais e do outro o litoral dos<br />

continentes americano e africano.<br />

A partilha não foi resultado de um pacto negocial, mas sim da confluência das<br />

potencialidades económicas de cada uma das áreas em causa. Neste contexto assumiram<br />

particular importância as condições internas e externas de cada área. <strong>As</strong> primeiras foram<br />

resultado dos aspectos geo-climáticos, enquanto as últimas derivam dos vectores definidos<br />

pela economia europeia. A partir da maior ou menor intervenção de ambas as situações<br />

estaremos perante espaços agrícolas, vocacionados para a produção de excedentes capazes de<br />

assegurar a subsistência dos que haviam saído e dos que ficaram na Europa, de produtos<br />

adequados a um activo <strong>sistema</strong> de trocas inter-continentais, que mantinha uma forte<br />

vinculação do velho ao novo mundo. O açúcar e o pastel foram os produtos que deram corpo<br />

à conjuntura.<br />

De acordo com isso podemos definir múltiplos e variados espaços agro-mercantis: áreas<br />

agrícolas orientadas para as trocas com o exterior e para assegurar a subsistência dos<br />

residentes; áreas de intensa actividade comercial, vocacionadas para a prestação de serviços<br />

de apoio, como escalas ou mercados de troca. No primeiro caso incluem-se as ilhas orientais<br />

e ocidentais e a franja costeira da América do Sul, conhecida como Brasil. No segundo,<br />

merecem referência as ilhas que, mercê da posição ribeirinha da costa (Santiago e S. Tomé),<br />

ou do posicionamento estratégico no traçado das rotas oceânicas (como sucede com as<br />

Canárias, Santa Helena e Açores), fizeram depender o processo económico disso. A estratégia<br />

de domínio e valorização económica do <strong>Atlântico</strong> passava necessariamente pelos pequenos<br />

espaços que polvilham o oceano. Foi nos arquipélagos (Canárias e Madeira) que se iniciou a<br />

expansão atlântica e foi aí que a Europa assentou toda a estratégia de desenvolvimento<br />

económico nos séculos XV e XVI. Ninguém melhor que os portugueses entendeu a realidade,<br />

definindo para o empório lusíada um carácter anfíbio. <strong>Ilhas</strong> desertas ou ocupadas, bem ou mal<br />

posicionadas para a navegação foram os verdadeiros pilares do mundo português no<br />

<strong>Atlântico</strong>.<br />

A definição dos espaços económicos não resultou apenas dos interesses políticos e<br />

económicos derivados da conjuntura expansionista europeia mas também das condições<br />

internas, oferecidas pelo meio. Isto torna-se por demais evidente quando estamos perante um<br />

conjunto de ilhas dispersas no oceano. No conjunto estávamos perante ilhas com a mesma<br />

origem geológica, sem quaisquer vestígios de ocupação humana, mas com diferenças<br />

marcantes ao nível climático. Os Açores apresentavam-se como uma zona temperada, a<br />

Madeira como uma réplica mediterrânica, enquanto nos dois arquipélagos meridionais eram


manifestas as influências da posição geográfica na definição de um clima tropical seco ou<br />

equatorial. Daqui resultou a diversidade de formas de valorização económica e social.<br />

Para os europeus a Madeira e os Açores ofereciam melhores requisitos, pelas semelhanças do<br />

clima com o de Portugal, do que Cabo Verde ou S. Tomé. Nos dois últimos arquipélagos<br />

foram inúmeras as dificuldades de adaptação do homem e das culturas europeiomediterrânicas.<br />

Aí deu-se lugar ao africano e as culturas mediterrânicas de subsistência foram<br />

substituídas pelas trocas na vizinha costa africana. A preocupação pelo aproveitamento dos<br />

recursos locais surge num segundo momento. Por fim é necessário ter em conta que as<br />

condições morfológicas estabeleceram as especificidades de cada ilha e tornaram possível a<br />

delimitação do espaço e forma de aproveitamento económico. O relevo costeiro foi<br />

importante pois, as possibilidades de acesso ao exterior através de bons ancoradouros, era um<br />

factor importante. A partir daqui se torna compreensível a situação da Madeira, definida pela<br />

excessiva importância da vertente sul em detrimento do norte, como ao facto de Fernando Pó<br />

ser preterida em favor de S. Tomé. Estávamos perante a plena dominância do litoral como<br />

área privilegiada de fixação ainda que, por vezes, o não fosse em termos económicos. Nas<br />

ilhas em que as condições orográficas propiciavam uma fácil penetração no interior, como<br />

sucedeu em S. Miguel, Terceira, Graciosa, Porto Santo, Santiago e S. Tomé, a presença<br />

humana alastrou até aí e gerou os espaços arroteados. Para as demais a omnipresença do<br />

litoral é evidente e domina a vida dos insulares, sendo o mar a via privilegiada. Os exemplos<br />

da Madeira e S. Jorge são paradigmáticos.<br />

<strong>As</strong> condições geo-climáticas definiram a mancha de ocupação humana e agrícola das ilhas,<br />

conduzindo a uma variedade de funções económicas, por vezes, complementares. Nos<br />

arquipélagos constituídos por maior número de ilhas a articulação dos vectores da<br />

subsistência com os da economia de mercado foi mais harmoniosa não causando grandes<br />

desequilíbrios. Os Açores apresentam-se como a expressão perfeita da realidade, enquanto a<br />

Madeira pode ser considerada o reverso da medalha. A mudança de centros de influência<br />

levou a que os arquipélagos atlânticos assumissem uma função importante. Poderá juntar-se a<br />

presença de gentes ribeirinhas do Mediterrâneo, interessadas em estabelecer os produtos de<br />

troca e o necessário suporte financeiro. A constante premência do Mediterrâneo nos<br />

primórdios da expansão atlântica poderá ser responsabilizada pela dominante mercantil das<br />

novas experiências de arroteamento. Certamente que os povos peninsulares e mediterrânicos,<br />

ao comprometerem-se com o processo atlântica, não puseram de parte a tradição agrícola e os<br />

incentivos comerciais dos mercados de origem. Por isso, na bagagem dos primeiros<br />

cabouqueiros insulares foram imprescindíveis as cepas, as socas de cana, alguns grãos do<br />

precioso cereal, de mistura com artefactos e ferramentas. A afirmação das áreas atlânticas<br />

resultou do transplante material e humana de que os peninsulares foram os principais<br />

obreiros. O processo foi a primeira experiência de ajustamento das arroteias às directrizes da<br />

nova economia de mercado.<br />

A aposta foi numa agricultura capaz de suprir as faltas do velho continente, quer os cereais,<br />

quer o pastel e açúcar, do que o usufruto das novidades propiciadas pelo meio. <strong>As</strong>sim, em<br />

Cabo Verde e São Tomé onde as dificuldades de implantação das tradicionais culturas de<br />

subsistência europeia não foi facilmente compensada com a oferta dos produtos africanos<br />

como o milho zaburro e inhames. Em Cabo Verde, cedo se reconheceu a impossibilidade da<br />

rendosa cultura dos canaviais, mas tardou em valorizar-se o algodão como produto<br />

substitutivo, tal era a obsessão pelo açúcar e trocas na costa da Guiné.<br />

A sociedade e economia insulares surgem na confluência dos vectores externos com as


condições internas dos multifacetado mundo insular. A concretização não foi simultânea nem<br />

obedeceu aos mesmos princípios organizativos pelo facto de resultar da partilha pelas coroas<br />

peninsulares e senhorios ilhéus. Por outro lado a economia insular resultou da presença de<br />

vários factores que intervêm directamente na produção e comércio. Não basta dispor de solo<br />

fértil ou de produtos de permanente procura, pois a isso deverão associar-se os meios<br />

propiciadores do escoamento e a existência de técnicas e meios de troca adequados ao nível<br />

mercantil atingido pelos circuitos comerciais. Deste modo, para conhecermos os aspectos<br />

produtivos e de troca das economias insulares torna-se necessária a referência aos factores<br />

que estão na origem. Quanto ao sector produtivo deverá ter-se em conta a importância<br />

assumida, por um lado, pelas condições geofísicas e, por outro, pela política régia de<br />

distribuição das culturas. É desta conjugação que se estabelece a necessária hierarquia. Os<br />

solos mais ricos eram reservados para a cultura de maior rentabilidade económica (o trigo, a<br />

cana de açúcar, o pastel), enquanto os medianos ficavam para os produtos hortícolas e<br />

frutícolas, e os mais pobres para pasto e área de apoio às primeiras actividades. A esta<br />

hierarquia definida pelas condições do solo e persistência do mercado podemos adicionar, no<br />

caso da Madeira, outra de acordo com a geografia da ilha e os microclimas que a mesma gera.<br />

O arquipélago açoriano e as demais ilhas na área da Guiné surgem numa época tardia, sendo<br />

o processo de valorização económica atrasado mercê de vários factores de ordem interna a<br />

que não são alheias as condições mesológicas. O clima e solo áridos, num lado, sismos e<br />

vulcões, no outro, eram um cartaz pouco aliciante para os primeiros povoadores. Em ambos<br />

os casos o lançamento da cultura da cana sacarina esteve ligado aos madeirenses. A Madeira,<br />

que se encontrava a pouco mais de meio século de existência como sociedade insular, estava<br />

em condições de oferecer os contingentes de colonos habilitados para a abertura de novas<br />

arroteias e ao lançamento de novas culturas nas ilhas e terras vizinhas. <strong>As</strong>sim terá sucedido<br />

com o transplante da cana-de-açúcar para Santa Maria, S. Miguel, Terceira, Gran Canária,<br />

Tenerife, Santiago, S. Tomé e Brasil.<br />

A tendência uniformizadora da economia agrícola do espaço insular esbarrou com vários<br />

obstáculos que conduziram a um reajustamento da política económica e à definição da<br />

complementaridade entre os mesmos arquipélagos ou ilhas, através de soluções assentes,<br />

quase sempre, no assegurar os componentes da dieta alimentar, e em corresponder à<br />

afirmação nos mercados europeu e atlântico. Foi o que sucedeu com os cereais que,<br />

produzidos apenas nalgumas ilhas, foram suficientes, em condições normais, para satisfazer<br />

as necessidades da dieta insular, sobrando um excedente para suprir as carências do reino.<br />

Um dos objectivos que norteou o povoamento da Madeira foi a possibilidade de acesso a uma<br />

nova área produtora de cereais, capaz de suprir as carências do reino e depois das praças<br />

africanas e feitorias da Costa da Guiné, conhecida como o "saco de Guiné". Os interesses em<br />

torno da cultura açucareira recrudesceram e a aposta na cultura era óbvia. A mudança só se<br />

tornou possível quando se encontrou um mercado substitutivo para o abastecimento de cereal.<br />

Sucedeu assim com os Açores que a partir da segunda metade do século dezasseis passaram a<br />

assumir o lugar da Madeira. O cereal foi o único produto que conduziu à ligação harmoniosa<br />

entre os espaços insulares, o mesmo não sucedendo com o açúcar, o pastel e o vinho, que<br />

foram responsáveis pelo afrontamento e crítica desarticulação dos mecanismos económicos.<br />

A par disso foram o suporte do domínio europeu sobre a economia insular. O açúcar, o pastel<br />

e o vinho exerceram acção devastadora no equilíbrio latente na economia das ilhas.<br />

Diferente foi o que sucedeu aos colonos portugueses quando chegaram a Santiago e S. Tomé.<br />

Aqui houve necessidade de estruturar de forma diversa o povoamento das ilhas e as culturas a


implantar. O recurso aos africanos, como escravos ou não, foi a solução mais acertada para<br />

transpor o primeiro obstáculo. A alimentação era diferente, sendo baseada no milho zaburro,<br />

no arroz e inhame, culturas que aí, nas ilhas ou vizinha costa africana, medravam com<br />

facilidade. Perante isto os poucos europeus que aí se fixaram estiveram sempre dependentes<br />

do trigo, biscoito ou farinha, enviados das ilhas ou do reino, ou foram obrigados a adaptar-se<br />

à dieta africana.<br />

A dependência dos espaços continentais, com especial destaque para o europeu, não foi<br />

apenas apanágio dos primórdios da ocupação das ilhas. A situação persistiu por mais de<br />

quatro séculos, mantendo-se as ilhas na periferia da economia europeia e do mercado<br />

colonial, actuando de acordo com os ditames da política colonial. <strong>As</strong> culturas dominantes<br />

quase sempre em <strong>sistema</strong> de monocultura obedeceram a estes requisitos. Sucedeu assim com<br />

os panos e a cana sacarina em Cabo Verde, com o cacau em S. Tomé e Príncipe, com a<br />

laranja nos Açores e o vinho na Madeira.<br />

A segunda metade do século XIX pode ser considerada como uma das fases mais conturbadas<br />

da economia insular. Aqui é evidente a capacidade da ilha de S. Miguel no reajustamento da<br />

economia. A crise da laranja é prontamente suplantada com a aposta numa variedade de<br />

culturas (batata doce, chá tabaco, e ananás) e indústrias (tabaco, álcool). O reajustamento do<br />

processo de exploração agrícola é parceiro de uma discussão política sobre a forma de acabar<br />

com os entraves ao desenvolvimento económico. <strong>As</strong> orientações vão desde a discussão do<br />

<strong>sistema</strong> tradicional de propriedade ao novo regime de portos francos.<br />

O MUNDO ENVOLVENTE: ROTAS E MERCADOS. <strong>As</strong> ilhas assumiram um papel<br />

evidente no traçado das rotas comerciais atlânticas, sendo os principais pilares. A posição<br />

estratégica no meio do <strong>Atlântico</strong> valorizou-se nas transacções oceânicas. Ao mesmo tempo a<br />

riqueza reforçou a vinculação ao velho continente através da exploração desenfreada dos<br />

recursos ou da imposição de culturas destinadas ao mercado europeu, como foi o caso da cana<br />

sacarina e pastel. Mais a Sul as feitorias de Santiago, Príncipe e S. Tomé, para além de<br />

centralizarem o tráfico comercial em cada arquipélago, firmaram-se como os principais<br />

entrepostos de comércio com o litoral africano. Santiago manteve, até meados do século<br />

dezasseis o controlo do trato da costa da Guiné e das ilhas do arquipélago com o exterior. E<br />

foi também o centro de redistribuirão dos artefactos e mantimentos europeus e de escoamento<br />

do sal, chacinas, courama, panos e algodão. Enquanto a primeira situação, com o evoluir da<br />

conjuntura económica, foi perdendo importância, a segunda manteve-se por muito tempo,<br />

definindo uma trama complicada de rotas.<br />

O relacionamento entre as ilhas dos três arquipélagos atlânticos resultava não só da<br />

complementaridade económica, definida pelas assimetrias propiciadas pela orografia e clima,<br />

mas também da proximidade e assiduidade dos contactos. O intercâmbio de homens, produto<br />

e técnicas, dominou o <strong>sistema</strong> de contactos entre os arquipélagos. A Madeira, mercê da<br />

posição privilegiada entre os Açores e as Canárias e do parcial alheamento das rotas indica e<br />

americana, apresentava melhores possibilidades para o estabelecimento e manutenção de<br />

intercâmbios. Os contactos com os Açores resultaram da forte presença madeirense na<br />

ocupação e da necessidade de abastecimento em cereais, que o arquipélago dos Açores era<br />

um dos principais produtores. Com as Canárias as imediatas ligações foram resultado da<br />

presença de madeirenses, ao serviço do infante D. Henrique, na disputa pela posse do<br />

arquipélago e da atracção que elas exerceram sobre os madeirenses. Tudo isto contrastava<br />

com as hostilidades açorianas à rota de abastecimento de cereais à Madeira. Acresce, ainda,


que o Funchal foi por muito tempo um porto de apoio aos contactos entre as Canárias e o<br />

velho continente. A assiduidade de contactos entre os arquipélagos, evidenciada pela<br />

permanente corrente emigratória, define-se como uma constante do processo histórico dos<br />

arquipélagos, até ao momento que o afrontamento político ou económico os veio separar. A<br />

última situação emerge na segunda metade do século dezassete como resultado da<br />

concorrência do vinho produzido, em simultâneo, nos três arquipélagos.<br />

O trigo foi, sem dúvida, o principal móbil das conexões inter-insulares. O comércio entre a<br />

Madeira e as Canárias era muito anterior ao estabelecimento dos primeiros contactos com os<br />

Açores. O relacionamento iniciara-se em meados do século quinze, activado pela<br />

disponibilidade no arquipélago de escravos, carne, queijo e sebo. Mas a insistência dos<br />

madeirenses nos contactos com as Canárias não terá sido do agrado ao infante D. Fernando,<br />

senhor da ilha, interessado em promover os contactos com os Açores. Apesar disso eles<br />

continuaram e a rota adquiriu um lugar relevante nas relações externas da ilha, valendo-lhe a<br />

disponibilidade de cereal e carne, que eram trocados por artefactos, sumagre e escravos<br />

negros. A última situação surge, na primeira metade do século dezassete, com evidência nos<br />

contactos entre a Madeira, Lanzarote e Fuerteventura. Algo diferente sucedeu nos contactos<br />

comerciais entre os Açores e as Canárias, que nunca assumiram a mesma importância das<br />

madeirenses. A pouca facilidade nas comunicações, a distância entre os dois arquipélagos e a<br />

dificuldade em encontrar os produtos justificativos de intercâmbio fizeram com que as trocas<br />

fossem sazonais. Só as crises cerealíferas do arquipélago de Canárias fizeram com que o trigo<br />

açoriano aí chegasse em 1563 e 1582. Por vezes a permuta fazia-se a partir da Madeira, como<br />

sucedeu em 1521 e 1573. A contrapartida de Canárias baseava-se no vinho, tecidos europeus<br />

e o breu.<br />

<strong>As</strong> relações inter-insulares com os arquipélagos além do Bojador situavam-se num plano<br />

distinto. Primeiro as dificuldades na ocupação só conduziram ao imediato e pleno<br />

povoamento de uma ilha em cada área --Santiago e S. Tomé --, que passou a actuar como o<br />

principal eixo do trato interno e externo. Depois, o aproveitamento económico não foi<br />

uniforme e de acordo com as solicitações do mercado insular aquém do Bojador, assumindo,<br />

por vezes, como sucede com S. Tomé uma posição concorrencial. Por fim, registe-se que os<br />

espaços existiam mais para satisfazer as necessidades do vizinho litoral africano do que pela<br />

importância económica interna. Do relacionamento com os do Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong> é<br />

evidente o empenho dos últimos no tráfico negreiro, com maior evidência para os<br />

madeirenses e canarianos 214 . Os madeirenses que aí aparecem foram favorecidos pelo<br />

comprometimento com as viagens de exploração e comércio ao longo da costa africana e da<br />

presença, ainda que temporária, do porto do Funchal no traçado das rotas. Ao invés, os<br />

Açores mantiveram-se por muito tempo como portos receptores das caravelas que faziam a<br />

rota de retorno ao velho continente.<br />

Os contactos com as ilhas do golfo da Guiné eram exíguos, uma vez que estiveram por muito<br />

tempo aquém dos interesses das gentes do Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong>. Na verdade, se retiramos a<br />

eventual presença de madeirenses para transmitir os segredos da cultura açucareira, o<br />

aparecimento é tardio e rege-se pela necessidade de capturar escravos nas costas vizinhas,<br />

situação comum também com as Canárias. A malagueta, pimenta e marfim não eram<br />

produtos capazes de despertarem o interesse das gentes insulares e, além disso, tinha como<br />

destino obrigatório a Casa da Mina em Lisboa.<br />

214 . Manuel Lobo Cabrera," Relaciones entre Gran Canaria Africa y América a través de la trata de negros", in II Colóquio de Historia Canario Americana, Las Palmas,<br />

1977, 77-91; idem, La esclavitud en las Canarias orientales en el siglo XVI. negros, moros y moriscos, Las Palmas, 1979, 104-110; Elisa TORRES SANTANA, "El<br />

comércio de Gran Canaria con Cabo Verde a principios del siglo XVII", in II Coloquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1990, 761-778.


O posicionamento periférico do mundo insular condicionou a subjugação do comércio aos<br />

interesses hegemónicos do velho continente. Os europeus foram os cabouqueiros,<br />

responsáveis pela transmigração agrícola, mas também os primeiros a usufruir da qualidade<br />

dos produtos lançados à terra e a desfrutar dos elevados réditos que o comércio propiciou. Daí<br />

resultou a total dependência dos espaços insulares ao velho continente, sendo a vivência<br />

económica moldada de acordo com as necessidades, que, por vezes, se apresentavam<br />

estranhas. Por isso é evidente a preferência pelo velho continente nos contactos com o<br />

exterior dos arquipélagos. Só depois surgiram as ilhas vizinhas e os continentes africano e<br />

americano. Do velho rincão de origem vieram os produtos e instrumentos necessários para a<br />

abertura das arroteias, mas também as directrizes institucionais e comerciais que os<br />

materializaram. O usufruto das possibilidades de um relacionamento com outras áreas<br />

continentais, no caso do Mediterrâneo <strong>Atlântico</strong>, foi consequência de um aproveitamento<br />

vantajoso da posição geográfica e em alguns casos uma tentativa de fuga à omnipresente rota<br />

europeia.<br />

O arquipélago canário, mercê da posição e condições específicas criadas após a conquista, foi<br />

dos três o que tirou maior partido do comércio com o Novo Mundo. A proximidade ao<br />

continente africano, bem como o posicionamento correcto nas rotas atlânticas, permitiram-lhe<br />

a intervir no trato intercontinental. Para os Açores, o facto de as ilhas estarem situadas na<br />

recta final das grandes rotas oceânicas possibilitou-lhes algum proveito com a prestação de<br />

inúmeros serviços de apoio e eventual contrabando. Fora disso encontrava-se a Madeira, a<br />

partir de finais do século XV. Por muito tempo o comércio foi apenas uma miragem e só se<br />

tornou realidade quando o vinho começou a ser o preferido dos que embarcaram na aventura<br />

americana ou índica. Perante isto o vinho madeirense afirmou-se em pleno a partir da segunda<br />

metade do século dezassete. Rumos diferentes tiveram os arquipélagos de S. Tomé e Príncipe<br />

e Cabo Verde: a proximidade da costa africana e a permanente actividade comercial<br />

definiram a vinculação ao continente africano. Por muito tempo os dois arquipélagos pouco<br />

mais foram que portos de ligação entre a América ou a Europa e as feitorias da costa africana.<br />

O comércio das ilhas com o litoral africano, exceptuando o caso de Cabo Verde e S. Tomé,<br />

fazia-se com maior assiduidade a partir das Canárias do que da Madeira ou dos Açores.<br />

Mesmo assim a Madeira, mercê da posição charneira no traçado das rotas quatrocentistas,<br />

teve um papel relevante. Os madeirenses participaram activamente nas viagens de exploração<br />

geográfica e comércio no litoral africano, surgindo o Funchal, nas últimas décadas do século<br />

XV, como um importante entreposto para o comércio de dentes de elefante. Além disso, a<br />

iniciativa madeirense bifurcou-se. Dum lado as praças marroquinas, a quem a ilha forneceu os<br />

homens para a defesa, os materiais para a construção das fortalezas e cereais para sustento<br />

dos homens aí aquartelados. Do outro a área dos Rios e Golfo da Guiné abastecia-se de<br />

escravos, necessários para assegurar a força de trabalho na safra do açúcar.<br />

Ao invés do que sucedia com as Canárias, Cabo Verde e S. Tomé, as ilhas dos arquipélagos<br />

da Madeira e Açores estiveram até ao século dezassete afastadas do comércio com o<br />

continente americano. Restava-lhes aguardar pela chegada das embarcações daí oriundas e<br />

aspirar pelo contrabando ou trocas ocasionais. Ao porto do Funchal chegaram algumas<br />

embarcações desgarradas. O desvio era considerado pela coroa como intencional, para aí se<br />

fazer o contrabando, pelo que foram determinadas medidas proibitivas, de pouca aplicação<br />

prática.<br />

<strong>As</strong> ilhas de Santiago e S. Tomé, mercê da proximidade da costa africana, afirmaram-se como


importantes entrepostos do trato negreiro africano no século XVI, tendo como principal<br />

destino, a partir do século dezasseis, o novo continente americano. A primeira feitoria<br />

dominava a vasta área, conhecida como os Rios de Guiné, enquanto a segunda estendia-se<br />

desde S. Jorge da Mina até Angola, passando por Axem e Benim. Aqui o povoamento só foi<br />

possível à custa de facilidades concedidas aos moradores para o comércio na cobiçada costa.<br />

S. Tomé assumiu lugar relevante no comércio do Golfo da Guiné até o último quartel do<br />

século dezasseis, sendo a crise, a partir de 1578, resultado do desvio das rotas para o litoral<br />

africano. Em Santiago, principal ilha do arquipélago de Cabo Verde e feitoria do comércio<br />

dos escravos dos Rios de Guiné, o comércio foi definido por outros rumos. No começo<br />

resultou da oferta das produções locais mas depois, com a abertura de novos mercados de<br />

escravos, foram solicitações externas que o motivaram. Eles passaram a ser conduzidos,<br />

primeiros à Europa e ilhas atlânticas e depois ao Brasil e Antilhas 215 . Para o último destino o<br />

comércio fazia-se sob a forma de contratos entre a coroa e os mercadores. A importância dos<br />

mercados no comércio de escravos para o continente americano ficou demonstrada em finais<br />

do século dezasseis, altura em que os povos estrangeiros se lançaram ao ataque dos principais<br />

entrepostos do tráfico negreiro, com particular relevo para os castelhanos. Os séculos<br />

seguintes não foram pautados por mudanças significativas na trama de rotas e mercados. A<br />

vinculação aos mercados tradicionais manteve-se e apenas mudaram os produtos<br />

propiciadores da troca. Nos Açores o mais significativo será a valorização dos portos de<br />

Horta e Ponta Delgada como eixos fundamentais do mercado externo. Enquanto a primeira<br />

evidencia a vinculação à América do Norte o segundo vê reforçada a posição com os<br />

mercados nórdicos.<br />

<strong>As</strong> mudanças mais significativas ocorreram nos arquipélagos de S. Tomé e Príncipe e Cabo<br />

Verde. A abolição do trato negreiro a partir de 1811 acabou com a tradição dependência dos<br />

arquipélagos ao mercado africano e a rota de ligação ao outro lado do <strong>Atlântico</strong> e conduziu a<br />

um reforço da presença e vinculação à metrópole. Toda a exploração económica foi orientada<br />

no sentido do fornecimento de produtos e matérias-primas indispensáveis ao<br />

desenvolvimento industrial da metrópole que, por sua vez, os abastecia de produtos<br />

manufacturados 216 .<br />

A ROTAS DOS PIRATAS E CORSÁRIOS.<br />

O século quinze marca o início da afirmação do <strong>Atlântico</strong>, novo espaço oceânico revelado<br />

pelas gentes peninsulares. O mar, que até meados do século catorze se mantivera alheio à vida<br />

do mundo europeu, atraiu as atenções e em pouco tempo veio substituir o mercado e via<br />

mediterrâneos. Os franceses, ingleses e holandeses que, num primeiro momento, foram<br />

apenas espectadores atentos, entraram também na disputa a reivindicar um mare liberum e o<br />

usufruto das novas rotas e mercados. Nestas circunstâncias o <strong>Atlântico</strong> não foi apenas o<br />

mercado e via comercial, por excelência, da Europa, mas também um dos principais palcos<br />

em que se desenrolaram os conflitos que definiam as opções políticas das coroas europeias,<br />

expressas muitas vezes na guerra de corso. Em 1434, ultrapassado o Bojador, o principal<br />

problema não estava no avanço das viagens, mas sim na forma de assegurar a exclusividade a<br />

partir daí, já que na área aquém deste limite isso não fora conseguido. Primeiro foi a<br />

concessão em 1443 ao infante D. Henrique do controlo exclusivo das navegações e o direito<br />

215 . E. VILA VILAR, Hispano-America y el Comercio de Esclavos. Los <strong>As</strong>ientos Portugueses, Sevilha, 1977; T. B. DUNCAN, Ob.cit., 198/238.<br />

216 Elisa Silva ANDRADE, <strong>As</strong> <strong>Ilhas</strong> de Cabo Verde da *Descoberta+ à Independência Naciona(1460-1975), Lisboa, Paris, 1996: Armando de CASTRO, O Sistema<br />

Colonial Português em África(meados do século XX), Lisboa, 1980.


de fazer guerra a sul do mesmo cabo. Depois a procura do beneplácito papal, na qualidade de<br />

autoridade suprema estabelecida pela "res publica christiana" para tais situações 217 .<br />

A presença de estrangeiros foi considerada um serviço ao Infante, como sucedeu com<br />

Cadamosto, António da Noli, Usodimare, Valarte e Martim Behaim, ou uma forma de<br />

usurpar o domínio e afronta ao papado. Os castelhanos, a partir da década de setenta,<br />

intervêm na Costa da Guiné como forma de represália às pretensões portuguesas pela posse<br />

das Canárias. Não obstante as medidas repressivas, definidas em 1474 contra os intrusos no<br />

comércio da Guiné, a presença castelhana continuará a ser um problema de difícil solução,<br />

alcançada apenas com cedências mútuas através do tratado exarado em 1479 em Alcáçovas e<br />

depois confirmado a 6 de Março do ano seguinte em Toledo. À partilha do oceano, de acordo<br />

com os paralelos, sucedeu mais tarde outra no sentido dos meridianos, provocada pela viagem<br />

de Colombo. O encontro do navegador em Lisboa com D. João II, no regresso da primeira<br />

viagem, despoletou, de imediato, o litígio diplomático, uma vez que o monarca português<br />

entendia estarem as terras descobertas na área de domínio. O conflito só encontrou solução<br />

com novo tratado, assinado em 7 de Julho de 1494 em Tordesilhas e ratificado pelo papa<br />

Júlio II em 24 de Janeiro de 1505. A partir de então ficou estabelecida uma nova linha<br />

divisória do oceano, a trezentos e setenta léguas de Cabo Verde. Estavam definidos os limites<br />

do mar ibérico.<br />

Para os demais povos europeus só lhes restava uma reduzida franja do <strong>Atlântico</strong>, a Norte, e o<br />

Mediterrâneo. Mas tudo isto seria verdade se fosse atribuída força de lei internacional às<br />

bulas papais e às opções das coroas peninsulares, o que na realidade não sucedia. O cisma do<br />

Ocidente, por um lado, e a desvinculação de algumas comunidades da alçada papal, por outro,<br />

retiraram aos actos jurídicos a medieval plenitude "potestatis". Em oposição à doutrina<br />

definidora do mare clausum antepõe-se a do mare liberum, que teve em Grócio o principal<br />

teorizador. A última visão da realidade oceânica norteou a intervenção de franceses,<br />

holandeses e ingleses 218 .<br />

A guerra de corso foi a principal resposta e teve uma incidência preferencial nos mares<br />

circunvizinhos do Estreito de Gibraltar e ilhas, e levou ao domínio de múltiplos espaços de<br />

ambas as margens do <strong>Atlântico</strong>. Podemos definir dois espaços de permanente intervenção: os<br />

Açores e a Costa da Guiné e da Malagueta. Os ingleses iniciaram em 1497 as incursões no<br />

oceano, ficando célebres as viagens de W. Hawkins (1530), John Hawkins (1562-1568) e<br />

Francis Drake (1578, 1581-1588). Entretanto os franceses fixaram-se na América, primeiro<br />

no Brasil (1530, 1555-1558), depois em San Lorenzo (1541) e Florida (1562-1565). Os<br />

huguenotes de La Rochelle afirmaram-se como o terror dos mares, tendo assaltado em 1566 a<br />

cidade do Funchal.<br />

A última forma de combate ao exclusivismo do atlântico peninsular foi a que ganhou maior<br />

adesão dos estados europeus no século XVI. A partir de princípios da centúria o principal<br />

perigo para as caravelas não resultou das condições geo-climáticas, mas sim da presença de<br />

intrusos, sempre disponíveis para assalta-las. A navegação foi dificultada e as rotas<br />

comerciais tiveram de ser adequadas à nova realidade. Surgiu a necessidade de artilhar as<br />

embarcações e de uma armada para as comboiar até porto seguro. <strong>As</strong> insistentes reclamações,<br />

nomeadamente dos vizinhos de Santiago em Cabo Verde, levaram a coroa a estabelecer<br />

217 .<strong>As</strong> bulas de Eugénio IV (1445), Nicolau V (1450 e 1452) preludiaram o que veio a ser definido pela célebre bula "Romanus Pontifex" de 8 de Janeiro de 1454 e<br />

"inter coetera" de 13 de Março de 1456. Nela se legitimava a posse exclusiva aos portugueses dos mares além do Bojador pelo que a sua ultrapassagem para nacionais e<br />

estrangeiros só seria possível com a anuência do infante D.Henrique.<br />

218 . Frei Serafim de Freitas, Do Justo Império <strong>As</strong>iático dos Portugueses, vol. I, Lisboa, 1960.


armadas para protecção e defesa das áreas e rotas de comércio: armada da costa ocidental do<br />

reino, do litoral algarvio, dos Açores, da costa e golfo da Guiné, do Brasil 219 .<br />

Cedo os franceses começaram a infestar os mares próximos da Madeira (1550, 1566), Açores<br />

(1543, 1552-53, 1572) e Cabo Verde, e depois os ingleses e holandeses seguiram-lhe o<br />

encalço. Os primeiros fizeram incidir a acção nos arquipélagos da Madeira e Açores, patente<br />

na primeira metade do século XVI, pois em Cabo Verde apenas se conhecem alguns assaltos<br />

em 1537-1538 e 1542. Os navegantes do norte escolhiam os mares ocidentais ou a área do<br />

Golfo e costa da Guiné, tendo os das ilhas de Santiago e S. Tomé o principal centro de<br />

operações. Nos arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé, ao perigo inicial dos castelhanos e<br />

franceses, vieram juntar-se os ingleses e, fundamentalmente, os holandeses. Na década de<br />

sessenta o corso inglês era aí exercido por John Hawkins e John Lovell. Os ingleses não<br />

macularam a Madeira, onde tinham uma importante comunidade residente e empenhada no<br />

comércio atlântico, fazendo incidir a acção nos Açores (1538, 1561, 1565, 1572) e Cabo<br />

Verde.<br />

A presença de corsários nos mares insulares deve ser articulada, por um lado, de acordo com<br />

a importância que as ilhas assumiram na navegação atlântica e, por outro, pelas riquezas que<br />

geraram, despertadoras da cobiça de estranhos. Mas, se estas condições definem a incidência<br />

dos assaltos, os conflitos políticos entre as coroas europeias justificam-nos à luz do direito da<br />

época. Deste modo na segunda metade do século XV o afrontamento entre as coroas<br />

peninsulares definiu a presença dos castelhanos na Madeira ou em Cabo Verde, enquanto os<br />

conflitos entre as famílias régias europeias atribuíam a legitimidade necessária às iniciativas,<br />

fazendo-as passar de mero roubo a acção de represália: primeiro, desde 1517, o conflito entre<br />

Carlos V de Espanha e Francisco I de França, depois a partir de 1580 os problemas<br />

decorrentes da união ibérica, que foi um dado mais no afrontamento das coroas castelhana e<br />

inglesa, despoletado a partir de 1557.<br />

São evidentes os esforços da diplomacia europeia no sentido de conseguir solução para as<br />

presas do corso. Portugal e França haviam acordado em 1548 a criação de dois tribunais de<br />

arbitragem, cuja função era anular as autorizações de represália e cartas de corso. Mas a<br />

existência não teve reflexos evidentes na acção dos corsários. É precisamente em 1566 que<br />

tivemos o mais importante assalto francês a um espaço português. Em Outubro de 1566<br />

Bertrand de Montluc ao comando de uma armada composta de três embarcações perpetrava<br />

um dos mais terríveis assaltos à vila Baleira e à cidade do Funchal. Acontecimento parecido<br />

só o dos argelinos em 1616 no Porto Santo e Santa Maria, ou dos holandeses em S. Tomé.<br />

A incessante investida de corsários no mar e em terra firme criou a necessidade de definir<br />

uma estratégia de defesa adequada. No mar optou-se por artilhar as embarcações comerciais e<br />

a criação de uma armada de defesa das naus em trânsito, conhecida como a armada das ilhas,<br />

fixa nos Açores e que daí procedia ao comboiamento das naus até porto seguro. Em terra foi o<br />

delinear de um incipiente linha de defesa dos principais portos, ancoradouros e baías, capaz<br />

de travar o possível desembarque dos intrusos. O espaço insular não poderá considerar-se<br />

uma fortaleza inexpugnável, pois a disseminação por ilhas, servidas de uma extensa orla<br />

costeira impossibilitou uma iniciativa concertada de defesa. Qualquer das soluções que fosse<br />

encarada, para além de ser muito onerosa, não satisfazia uma necessária política de defesa.<br />

Perante isto era sempre protelada até que surgissem ameaças capazes de impelir a<br />

219 . Vitorino Magalhães Godinho, "<strong>As</strong> incidências da pirataria e da concorrência na economia marítima portuguesa no século XVI", in Ensaios II, Lisboa, 1978, pp.<br />

186-200.


concretização. O <strong>sistema</strong> de defesa costeiro surge com a dupla finalidade: desmobilizar ou<br />

barrar o caminho ao invasor e de refúgio para populações e haveres. Por isso a norma foi a<br />

construção de fortalezas após uma ameaça e nunca de uma acção preventiva, pelo que após<br />

qualquer assalto de grandes proporções sucedia, quase sempre, uma campanha para fortificar<br />

os portos e localidades e organizar as milícias e ordenanças.<br />

A instabilidade provocada pela permanente ameaça dos corsários, a partir do último quartel<br />

do século XV, condicionou o delineamento de um plano de defesa do arquipélago, assente<br />

numa linha de fortificação costeira e de um serviço de vigias e ordenanças. Até ao assalto de<br />

1566 pouca ou nenhuma atenção foi dada à questão ficando a ilha e as gentes entregues à sua<br />

sorte. Em termos de defesa este assalto teve o mérito de empenhar a coroa e os locais na<br />

definição de um adequado plano de defesa. O assalto francês de 1566 veio a confirmar a<br />

ineficácia das fortificações existentes e a reivindicar uma maior atenção das autoridades.<br />

<strong>As</strong>sim realmente aconteceu, pois pelo regimento de 1572 220 foi estabelecido um plano de<br />

defesa a ser executado por Mateus Fernandes, fortificador e mestre-de-obras. Daqui resultou<br />

o reforço do recinto abaluartado da fortaleza velha, a construção de outra junto ao pelourinho,<br />

um lanço de muralha entre as duas e o Castelo de S. Filipe do Pico (1582-1637) 221 .<br />

O plano de defesa das ilhas açorianas começou a ser esboçado em meados do século dezasseis<br />

por Bartolomeu Ferraz, como forma de resposta ao recrudescimento do corso, mas só teve<br />

plena concretização no último quartel da centúria. Bartolomeu Ferraz apresentou à coroa o<br />

rastreio: as ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge, Faial e Pico estavam expostas a qualquer<br />

eventualidade de corsários ou hereges; os portos e vilas clamavam por mais adequadas<br />

condições de segurança. Segundo ele os açorianos precisavam de estar preparados para isso,<br />

pois "ome percebido meo combatido". Daí terá resultado a reorganização do <strong>sistema</strong> de defesa<br />

levado a cabo por D. João III e D. Sebastião. Foram eles que reformularam o <strong>sistema</strong> de<br />

vigilância e defesa através de novos regimentos. A construção do castelo de S. Brás em Ponta<br />

Delgada e, passados vinte anos, do castelo de S. Sebastião no Porto de Pipas (em Angra) e de<br />

um baluarte na Horta, eis os resultados mais evidentes da política defensiva.<br />

Pior foi o estado em que permaneceram as ilhas da costa e golfo da Guiné, pois as insistentes<br />

acções de piratas e corsários não foram suficientes para demover os insulares e autoridades a<br />

avançar com um adequado <strong>sistema</strong> defensivo. São poucas as referências à sua defesa mas o<br />

suficiente para atestar a precariedade. Em S. Tomé começou a erguer-se a primeira fortaleza<br />

na Povoação com o capitão Álvaro Caminha, que lhe chamava apenas torre, concluída com o<br />

seu sucessor Fernão de Melo. No tempo de D. Sebastião, as constantes investidas de corsários<br />

franceses -ficou célebre o de 1567— levaram à construção da fortaleza de São Sebastião,<br />

concluída em 1576 e reformulada em 1596. Todavia, tornou-se ineficaz no assalto holandês<br />

de 1599 pelo que se ergueu outra de apoio em Nossa Senhora da Graça. Em Cabo Verde o<br />

empenho na defesa das povoações e portos costeiros tardou uma vez que o principal alvo dos<br />

corsários, nomeadamente franceses, estava no mar. Mais do que construir fortalezas havia<br />

necessidade de limpar os mares e rotas da presença dos intrusos. Para isso, e correspondendo<br />

aos pedidos incessantes dos moradores, a coroa criou uma armada para guarda e defesa do<br />

mar e costa. Além disso a petição dos moradores da Ribeira Grande em 1542 apontava a<br />

necessidade de apetrechar o porto da cidade com um <strong>sistema</strong> de defesa adequado. Os assaltos<br />

de Francis Drake a Santiago (1578 e 1585) levaram à construção de uma fortaleza na Ribeira<br />

Grande apoiada por um lanço de muralha, no período filipino.<br />

220 . Rui Carita, O Regimento de Fortificação de D. Sebastião(1572), Funchal, 1984.<br />

221 Saudades da Terra, livro segundo, 109-110.


<strong>As</strong> mudanças no domínio político e económicas operadas ao longo dos séculos dezoito e<br />

dezanove não retiraram às ilhas a função primordial de escala e espaço de disputa do mar<br />

oceano. A frequência de embarcações manteve-se enquanto o corso ficou marcado por uma<br />

forte escalada, entre finais da primeira centúria e princípios da seguinte. Aos tradicionais<br />

corsários de França, Inglaterra, Holanda vieram juntar-se os americanos do Norte e Sul. A<br />

presença dos holandeses na disputa rege-se por condições específicas. Eles, porque detinham<br />

importantes interesses na cultura açucareira americana, procuravam assegurar o domínio de S.<br />

Tomé, Santiago e demais feitorias do comércio de escravos. A isso juntava-se o empenho na<br />

manutenção das rotas do tráfico e o objectivo de destruir os interesses açucareiros da área.<br />

Em 1598 foi o ataque a Santiago e no ano imediato a S. Tomé. Na última destruíram todos os<br />

engenhos em actividade. Mais tarde, com a ocupação da Baía e Pernambuco, os holandeses<br />

voltaram-se de novo para a Guiné com o objectivo de dominarem as rotas do comércio dos<br />

escravos. Daqui resultou a passagem em 1624 e 1625 de duas armadas para a Baía, com o<br />

objectivo de aí tomar posição, retornando depois em 1628 para conquistar Santiago e em<br />

1641 para ocupar S. Tomé e Angola. Nas últimas áreas mantiveram se até 1648, momento em<br />

que foram expulsos pelos portugueses. Perante a incessante investida de corsários no mar e<br />

em terra firme houve necessidade de definir uma estratégia de defesa adequada.<br />

No mar optou-se pelo necessário artilhamento das embarcações comerciais e pela criação de<br />

uma armada de defesa das naus em trânsito. Esta ficou conhecida como a armada das ilhas,<br />

fixa nos Açores e que daí procedia ao comboiamento das naus até porto seguro. Em terra foi o<br />

delinear de um incipiente linha de defesa dos principais portos, ancoradouros e baías, capaz<br />

de travar o possível desembarque destes intrusos. A partir da década de 70 e até aos<br />

princípios do século seguinte os conflitos que têm como palco o continente europeu e<br />

americano alargaram-se ao <strong>Atlântico</strong>. Aliás, o oceano é um activo protagonista das disputas<br />

entre os três principais beligerantes: Espanha, França e Inglaterra. Por isso Mário Hernandez<br />

Sánchez-Barba 222 define o século XVIII por três realidades: guerra, diplomacia e comércio.<br />

Entre elas existe uma perfeita sintonia. A tudo isto junta-se a permanente preocupação com a<br />

organização militar e a defesa da costa, porque o perigo espreita no mar a qualquer momento.<br />

É de acordo com esta ambiência que deverá considerar-se a presença dos corsários. Os<br />

arquipélagos da Madeira e Açores foram a encruzilhada de intercepção do fogo resultante da<br />

guerra de represália americana e europeia. O corso europeu incidia preferencialmente sobre as<br />

embarcações espanholas e francesas e motivava uma resposta violenta das partes molestadas,<br />

como sucederá com a investida francesa contra os ingleses em 1793, 1797, 1814. Os últimos<br />

foram de todos aqueles que actuaram com maior segurança, pois haviam montado um plano<br />

de domínio do <strong>Atlântico</strong>, servindo-se do Funchal como principal porto de apoio para as<br />

incursões.<br />

O mar açoriano era o alvo preferencial dos corsários americanos pelo que a maioria dos<br />

assaltos têm aí lugar. <strong>As</strong> principais vítimas do corso americano foram os portugueses e<br />

espanhóis. A permanente ameaça de corsários redobrou o empenho nas obras de defesa, que<br />

resultaram várias campanhas, entre finais do século dezoito e princípios do seguinte. A<br />

incidência foi mais acentuada nas ilhas da Madeira, S. Miguel e Terceira. Concluídas as obras<br />

de restauro das fortificações, apaziguado o ímpeto dos corsários, viveu-se, a partir da década<br />

de trinta, um período de relativa acalmia, seguido nas décadas de cinquenta e sessenta com<br />

novas campanhas de rectificação dos recintos fortificados, conforme os princípios<br />

222 El mar en la Historia de América, Madrid, 1992, p. 239.


orientadores da Engenharia Militar. Isto não tem paralelo nas ilhas de Cabo Verde, onde as<br />

dificuldades económicas com que as populações se deparavam inviabilizaram tais medidas,<br />

não obstante o interesse demonstrado por alguns governadores.<br />

Em todos os momentos a Madeira funcionou como base para as inúmeras incursões dos<br />

corsários ingleses. A neutralidade, insistentemente proclamada no papel não passava disso,<br />

pois os ingleses afrontaram por diversas formas a atitude do governador 223 . Desde a guerra de<br />

sucessão da Casa de Áustria que a Madeira teve esta vocação. Aí estacionaram alguns navios<br />

corsários como sucedeu com a balandra do capitão Filipe Maré e o corsário rei Jorge. Da<br />

resposta castelhana temos a presença do bergantim Santelmo Nossa Senhora Candelária, sob<br />

o comando do capitão Pascoal de Sousa Viúvo, possuidor desde 1739 de carta de corso 224 .<br />

Todavia não foi feliz nas suas presas. Em 14 de Abril de 1748 apresou junto ao Cabo Girão,<br />

uma balandra inglesa que ao pretender vender o recheio viu embargado pelo bispo<br />

governador a favor dos ingleses. Depois tomou uma escuna inglesa na Ponta do Sol, mas<br />

acabou apresada pela nau inglesa Chesterfield, sendo arrematada pela alfândega do<br />

Funchal 225 . Mais tarde em 1762 recomenda-se ao Governador José Correia de Sá para manter<br />

uma posição neutral em face dos acontecimentos, mas que exerça represália sobre os navios<br />

espanhóis e franceses, o que ia de encontro às pretensões inglesas. 226 Mesmo assim os<br />

ingleses não aceitaram este pacto de vizinhança, atacando os navios costeiros ou de pescarias,<br />

como sucedeu em 1780. 227 E a situação continuou nos anos subsequentes, afirmando-se a<br />

Madeira como base para as incursões inglesas contra os navios castelhanos e franceses. O<br />

facto da ilha estar sob as ordens de Sua Majestade, entre 1801-1802 e 1807-1814, favoreceu<br />

isso. <strong>As</strong>sim tivemos duas presas francesas e 21 castelhanas. 228 Por seu turno os franceses<br />

faziam incidir mais a sua acção sobre as embarcações portuguesas, porque menos seguras e<br />

protegidas, do que as inglesas. Esta permanente ameaça da esquadra de Brest sobre o Funchal<br />

justificava-se mais pelo colaboracionismo madeirense aos ingleses do que pela guerra<br />

declarada entre as coroas peninsulares. Os dados que documentam esta preocupante presença<br />

são elucidativos. Em 1785 229 é uma esquadra de 12 embarcações sob o comando do general Le<br />

Comte d'Albert Derions. Depois a partir de 1718 instalou-se o pânico com os franceses a<br />

estabelecerem um bloqueio à ilha, o que lesou o comércio externo. 230 Nos Açores o corso<br />

teve maior incidência nos primeiros anos do século XIX. Os protagonistas europeus são<br />

ingleses e castelhanos. 231 Todavia é entre os originários do continente americano que temos<br />

as acções mais violentas. A intervenção dos corsários americanos é uma forma de reclamar o<br />

direito à independência. <strong>As</strong> acções são lançadas contra as embarcações da metrópole e<br />

aliados, o que vem a atingir os portugueses. A isto acresce a guerra entre ingleses e norteamericanos<br />

no período de 1812 a 1815 que provocou um aumento desmesurado do número de<br />

corsários. Com as pazes muitos deles passaram-se para o serviço dos insurgentes. 232<br />

<strong>As</strong> transformações político-ideológicas porque passaram os continentes americano e europeu<br />

fizeram do <strong>Atlântico</strong> o espaço privilegiado de embate, sendo o corso o meio usado. O oceano<br />

223 Em 1780 o Governador João Gonçalves da Câmara participa a Martinho de Mello e Castro a presença de uma esquadra inglesa no<br />

Funchal, pedindo instruções para manter absoluta neutralidade Ibidem, nº.545, 22 de Janeiro).<br />

224 A.N.T.T.,P.J.R.F.F.,nº972, fls.233-235vº, 24 de Novembro.<br />

225 A.N.T.T., P.J.R.F.F., nº 109, fls. 79, 82, 83vº; A.F., nº 970, fls. 16vº-17.<br />

226 A.N.T.T., P.J.R.F.F., nº 985, fls. 16vº-19.<br />

227 A.N.T.T., P.J.R.F.F., nº 985, fls. 16vº-19.<br />

228 Ibidem, nº 1556-60, 1584, 1589, 1594.<br />

229 Ibidem, nº760-761.<br />

230 A.H.U, Madeira e Porto Santo, nº 1019 e 1126; veja-se também A.H.U, Madeira e Porto Santo, nº 1476.<br />

231 A.H.U, Açores, Maço 11.<br />

232 José Calvet de Magalhães, História das relações diplomáticas entre Portugal e os Estados Unidos de América, Lisboa, 1991, p.92.


foi assim a via de mútua troca de ideias, mas também o palco de debate e defesa. E as ilhas<br />

jogaram um papel fundamental. Os três arquipélagos do Mediterrâneo atlântico (Madeira,<br />

Açores e Canárias) foram, mais uma vez, a área charneira para a expressão disso.<br />

Os contactos preferenciais com o continente americano, a assídua presença de gentes<br />

(mercadores ou corsários) destas paragens, foram um poderoso veículo de expansão do novo<br />

ideário político saído da declaração da independência dos E.U.A.(1776). O facto marca um<br />

novo momento da vida do até então conhecido como Novo Mundo e do oceano que o separa<br />

do Velho Mundo, 233 e também uma nova função para a guerra de corso. Por iniciativa dos<br />

norte-americanos o corso é utilizado como arma de afrontamento à metrópole e de afirmação<br />

do ideário de independência das colónias. A ideia contagiou também as colónias espanholas<br />

(Argentina, Bolívia, Colômbia e Peru) e portuguesas (o Brasil). 234 No caso das Canárias eles<br />

chegaram mesmo a incitar os moradores de Tenerife a sublevarem-se contra a metrópole. 235<br />

Ambas as situações surgem como corolário da Revolução liberal (em Espanha no ano de<br />

1808 e em Portugal no de 1820). No primeiro caso, de acordo com a aceitação ou reprovação<br />

da Junta Central, tivemos as colónias leais e as insurgentes. É no seio das últimas que<br />

surgirão, com o patrocínio dos norte-americanos os corsários insurgentes. Note-se que estes<br />

arvoravam habitualmente a bandeira dos E.U.A., sendo a tripulação das embarcações<br />

composta por marinheiros de diversas proveniências, onde pontuavam, mais uma vez, os<br />

norte-americanos. 236<br />

CONCLUSÃO<br />

Hoje parece que as ilhas retomaram o deslumbramento do passado. Esgotados os recursos<br />

económicos resta-lhes apenas aquilo que as diferencia dos espaços continentais e que está na<br />

origem do nome dado na Antiguidade Clássica. <strong>As</strong> Afortunadas continuam ainda como o<br />

paraíso atlântico que continua a atrair o europeu. E no milénio que agora começou não está<br />

provado que percam o protagonismo que as marcou no passado. O europeu continuará a fazer<br />

depender destes pilares erguidos no atlântico para sedimentar protagonismos. Ontem como<br />

hoje, as ilhas não se fizeram rogadas aos desafios do devir histórico.<br />

Nos últimos cinco séculos às ilhas foram atribuídos diversos papéis. De espaços económicos<br />

rapidamente avançaram para faróis do <strong>Atlântico</strong> que acompanhavam as inúmeras<br />

embarcações que sulcavam o vasto oceano atlântico. <strong>As</strong> ilhas foram escalas imprescindíveis<br />

para abastecimento de víveres frescos, água e carvão, mas paulatinamente se transformaram<br />

em espaços aprazíveis, primeiro para a cura da tísica pulmonar e depois repouso e deleite de<br />

aristocratas e aventureiros. O turismo é hoje a evidência, mas convém referir que foi nas ilhas<br />

atlânticas e, de forma especial na Madeira, que a actual indústria do lazer deu os primeiros<br />

passos.<br />

233<br />

Confronte-se François-Xavier GUERRA, Modernidad e Independencias, Madrid, 19 92; Merle E. SIMMONS, La Revolucion Norte-<br />

Americana en la Independencia de Hispano-America, Madrid, 1992; Eric BEERMAN, España y la Independencia de Estados Unidos,<br />

Madrid, 1992; Carlos MELÉNDEZ, La Independencia de Centro América, Madrid, 1993.<br />

234 Para o período das hostilidades, que decorre de 1822 até à assinatura do tratado de 29 de Agosto de 1823 conhece-se apenas uma presa<br />

nos Açores em 1823 (AHU, Açores, maço 83, 23 de Setembro).<br />

235 Manuel PAZ, art. cit., p. 686.<br />

236 A.H.U., Açores, maço 69, 24 e Dezembro 1816, 14 de Fevereiro, 27 Março, 29 de Abril, 27 de Maio, 20 de Junho, e 12 de Dezembro de<br />

1816.


BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL<br />

GERAL: BITTERLI, URS, (1981): Los "Salvages" y los "Civilizados" El Encuentro de Europa y Ultramar,<br />

Mexico, BRAUDEL, Fernand, civilização material e capitalismo séculos XV-XVIII - o tempo do Mundo,<br />

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