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As Ilhas e o sistema Atlântico

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escravos nas ilhas, mas as condições específicas do <strong>sistema</strong> de propriedade permitiram uma<br />

diversidade de relações sociais em torno da produção. Na Madeira, ao contrário do que<br />

sucedeu nas áreas supracitadas, a cultura dos canaviais adquiriu expressão fundiária diversa.<br />

Neste caso deparamo-nos com um excessivo parcelamento dos canaviais e a afirmação de<br />

uma nova forma de posse e usufruto da terra -- o arrendamento -- que colocava em segundo<br />

plano a função do escravo no processo produtivo. Depois a crise açucareira provocou a<br />

afirmação de outra cultura -- a vinha -- que relegou para um plano secundário a presença do<br />

escravo no sector produtivo. Acresce ainda que o binómio engenho/canaviais era pouco<br />

frequente, sendo usual o recurso ao engenho de outrem para a moenda das canas e fabrico do<br />

açúcar. A divisão de tarefas e a pequenez dos canaviais não facilitaram a permanência de uma<br />

mão-de-obra fixa, antes possibilitando uma afirmação da força de trabalho eventual. Perante<br />

isto só nos resta dizer que no caso da Madeira e mesmo das Canárias as tarefas da cultura e<br />

fabrico do açúcar foram executadas por uma mão-de-obra mista: escravos e livres trabalham a<br />

terra e animam a vida do engenho, mas os últimos dominam, ao contrário do que sucedeu nas<br />

Antilhas ou em S. Tomé. Também nos Açores o escravo misturou-se com o criado e<br />

trabalhador na prestação de serviços domésticos, agro-pecuários e artesanais. Mas aqui a<br />

escravatura não adquiriu a dimensão que assumiu na sociedade madeirense. Para isso terão<br />

contribuído a forma de organização da estrutura fundiária e o relativo afastamento dos<br />

mercados abastecedores de escravos.<br />

Em Cabo Verde e S. Tomé, porque próximos do mercado de resgate e funcionando como<br />

feitorias para este tráfico, a situação era diversa. No primeiro arquipélago, por exemplo, foi<br />

apenas a disponibilidade nos Rios da Guiné. A coroa havia determinado em 1472 que os<br />

moradores de Santiago pudessem "haver escravos, escravas, machos e fêmeas para seus<br />

serviços e sua melhor vivenda e povoação". Até mesmo o clero não dispensava os seus<br />

serviços, como se depreende de uma carta de 1607 do padre Barreira, missionário na Serra<br />

Leoa. Dizia ele: "a experiência nos tem demonstrado que nem a ilha (Santiago) nem cá<br />

podemos viver sem escravos". Nas ilhas do Golfo da Guiné o processo foi diferente uma vez<br />

que se deverá juntar o facto de o açúcar ter vingado em larga escala, necessitado de enormes<br />

excedentes de mão-de-obra africana, mais justificados pela reduzida dimensão dos europeus.<br />

Aqui laboravam mais de trezentos engenhos, no século dezasseis, todos eles alimentados pela<br />

força do trabalho escravo. De acordo com uma relação de 1554 cada engenho teria ao dispor<br />

entre cento e cinquenta a trezentos escravos. Álvaro de Caminha declara no testamento, feito<br />

em finais do século XV, ter ao serviço "nas obras, roças e sementeiras" mais de quinhentos<br />

escravos. É o prelúdio do que iria suceder, depois, aos africanos escravizados e obrigados a<br />

fazer a travessia do oceano.<br />

Quer em Cabo Verde, quer em S. Tomé o trabalho dos escravos era a força motriz da<br />

economia agrícola. O dia à dia era estabelecido pela tradição africana de uma forma peculiar.<br />

Seis dias era o tempo reservado para os escravos tornarem produtivas as terras do amo e<br />

apenas um dia lhes era facultado para encontrarem os meios de subsistência diária. Ao<br />

contrário do que sucedia na Madeira ou nos Açores "o senhor não dá coisa alguma àqueles<br />

negros (...) nem mesmo faz despesa em dar-lhes vestidos, nem de comer, nem em mandar-lhes<br />

construir choupanas porque eles por si mesmo fazem todas as coisas" 105 . Contra isto<br />

reclamava o Padre Manuel de Barros em 1605, dizendo que os escravos aos domingos e dias<br />

santificados não cumpriam o preceito religioso, porque "tais dias dá Deus ao cativo para<br />

trabalhar para as suas necessidade (...) e nada para o senhor". Isto não era novidade para os<br />

negros, que sendo escravos no continente já estavam submetidos a tal regime de trabalho e foi<br />

105 Viagem de Lisboa à ilha de S. Tomé, Lisboa, s.d., 54-60.

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