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uma contabilização exacta. No caso da Madeira refere-se, com base em Gaspar Frutuoso, que<br />
os escravos representariam em 1552 cerca de 14% do total dos habitantes do Funchal e 29 %<br />
de toda a ilha, mas os dados por nós compulsados para toda a ilha e relacionados com o<br />
recenseamento de 1598 ficam-se por 5%, enquanto nas Canárias orientais tal percentagem<br />
rondaria os 15%. 104 .<br />
A presença da mão-de-obra resultou só das dificuldades sentidas no recrutamento de colonos<br />
derivadas das inúmeras exigências da safra do açúcar e da facilidade do resgate nas Canárias<br />
ou costa africana. Mais tarde, uma maior procura por outros mercados carentes causou aqui<br />
dificuldades à manutenção sendo mais fácil e barato e recurso à mão-de-obra livre. Os<br />
escravos tiveram uma função marcante no processo socio-económico nos séculos XV e XVI.<br />
Para isso terão contribuído, por um lado, as facilidades no acesso ao mercado africano e, por<br />
outro, a incessante procura da força braçal derivada das dificuldades no recrutamento de<br />
colonos no reino, conjugada com a permanente solicitação em face das más condições do solo<br />
a desbravar e da inusual necessidade pela safra e fabrico do açúcar.<br />
Na Madeira o processo de abertura de frentes de arroteamento foi moroso e necessitava de<br />
mão-de-obra numerosa e barata. A preparação do solo para as sementeiras foi demorada: as<br />
queimadas, a construção de paredes para retenção das terras e a abertura de levadas para a<br />
utilização da água no regadio e fruição da força motriz nos engenhos. Depois foram as<br />
culturas agrícolas. A situação, aliada à forte presença madeirense nas campanhas de defesa<br />
das praças africanas, de conquista das Canárias e reconhecimento da costa africana, implicou<br />
a solução da escravatura de canários ou africanos, muitos deles presas das façanhas. Deste<br />
modo estava aberta a via para a afirmação da escravatura na ilha, dispondo para isso de<br />
múltiplas frente de recrutamento: primeiro as Canárias, depois a costa africana, desde<br />
Marrocos até Angola. Mas o principal surgidouro de escravos foi a área da Costa e Rios de<br />
Guiné. Aí chegaram os madeirenses e estabeleceram, em Santiago e depois em S. Tomé, um<br />
importante entreposto para comércio com destino à ilha. Mais tarde alargaram os interesses<br />
até ao tráfico transatlântico. A situação contribuiu para que a Madeira fosse um importante<br />
entreposto de comércio de escravos para o reino ou Canárias. A escravatura na Madeira<br />
adquiriu uma dimensão diferente das ilhas de Cabo Verde e S. Tomé ou das Antilhas. A<br />
diferença não se radica apenas no número deles, pois também se alarga à mundividência<br />
estabelecida pela estrutura social madeirense. Na Madeira o escravo é parte integrante da<br />
sociedade. O mundo do escravo entrecruzava-se com o do livre.<br />
Os regimentos régios, as posturas municipais, insistiam na necessidade de controlo do<br />
acanhado espaço de convívio do escravo, procurando evitar qualquer situação propiciadora da<br />
revolta. Perante isto o escravo estava amarrado ao quotidiano do senhor e só poderia<br />
desprender-se dele em condições especiais e mediante o seu consentimento. O escravo só<br />
existia perante a sociedade associado ao senhor. A par disso a mulher escrava mantinha um<br />
estreita ligação com o proprietário, seja ele do sexo feminino ou masculino, servindo-o em<br />
tudo o que era necessário. <strong>As</strong> disposições testamentárias favorecem-nas.<br />
É comum associar-se o escravo à cultura e fabrico do açúcar: o binómio escravo/açúcar é uma<br />
realidade insofismável. ANTONIL chega mesmo a afirmar que os “escravos são as mãos e os<br />
pés do senhor de engenho.” É-o sim em S. Tomé Antilhas e Brasil, mas na Madeira e<br />
Canárias a situação é diversa. Na verdade, a cultura foi a mola propulsora da afirmação dos<br />
104 Para a situação da Madeira nos séculos XV a XVII veja-se o nosso estudo Os escravos no arquipélago da Madeira.séculos XV a XVII,<br />
Funchal, 1991.