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É nos Açores e no Brasil onde ainda hoje a manifestação preserva a antiga tradição. Esta<br />
constatação tem dado lugar a alguns erros de interpretação. Para muitos folcloristas brasileiras<br />
ela confunde-se com os açorianos, apontando-se a influência dos momentos de colonização<br />
dos séculos XVII e XVIII. Sucede que esta vaga não se resumiu apenas a casais açorianos,<br />
mas das ilhas em que se incluía a Madeira. Madeirenses e Açorianos, como antes outros<br />
ilhéus ou reinos, levaram para os novos espaços os usos, costumes, tradicionais e rituais<br />
religiosos em que não podia faltar a festa do divino.<br />
Tudo isto diz-nos que a produção científica é uma tarefa séria e que as conclusões não podem<br />
nunca ser apressadas, mas sim fruto de um aturado trabalho de análise e estudo. É por tudo<br />
isto que continuámos a afirmar que estamos perante uma aportação portuguesa, e não<br />
açoriana, que contou com o contributo de todos os que atravessaram o <strong>Atlântico</strong> rumo às<br />
esperanças dos brasis. A matriz de inúmeras tradições que persistem nos recantos brasileiros<br />
é portuguesa e a sua sobrevivência lá como cá não pode ser uma relação de causa e efeito.<br />
Um discurso histórico deste tipo, só por distracção ou traição à verdade histórica.<br />
A ROTA DOS ESCRAVOS<br />
A expansão europeia abriu aos europeus as portas do <strong>Atlântico</strong> propiciando a migração<br />
das mais importantes rotas comerciais para este palco dominado pelos reinos peninsulares.<br />
Ligado ao processo está o da afirmação e definição da rota e mercado dos escravos. <strong>As</strong><br />
viagens de reconhecimento da costa africana abriram aos portugueses a possibilidade de<br />
acesso fácil através das razias. Todavia não poderá afirmar-se que foram os portugueses que<br />
estiveram na origem da escravização do negro e na criação do mercado negreiro, pois já<br />
existia há muito tempo no mundo mediterrânico e africano. O papel dos portugueses resumese<br />
a estabelecer as rotas atlânticas e a iniciar a partir daqui a colonização assente nesta mãode-obra.<br />
A Madeira assume mais uma vez um papel relevante, todavia nunca assumiu uma<br />
posição dominante na sociedade e processo produtivo, situação que sucederá em Cabo Verde<br />
e S. Tomé. Note-se ainda que em ambos os arquipélagos um dos principais incentivos à<br />
fixação de colonos europeus foi o privilégio do resgate de escravos na costa africana vizinha.<br />
A escravatura está habitualmente ligada a actividade de extracção mineira e a um conjunto de<br />
culturas que implicam uma grande exigência por parte do Homem, como é o caso da cana<br />
sacarina, do tabaco e do algodão. Para o Brasil o Padre António Vieira afirma o seguinte:<br />
“sem açúcar não há Brasil e sem negros não há açúcar.” Isto quer dizer que no Brasil a<br />
interdependência do açúcar e escravo é evidente.<br />
O comércio de escravos, a exemplo das demais transacções comerciais no espaço atlântico<br />
alem do Bojador, esteve sujeito a apertada regulamentação. Primeiro tivemos a reserva de<br />
espaço no litoral africano para intervenção exclusiva dos vizinhos de Cabo Verde e S. Tomé.<br />
Ambos os arquipélagos funcionaram como placas giratórias do trato negreiro para o novo<br />
continente. Depois com a união das duas coroas, a partir de 1595, manteve-se o controlo<br />
régio, sendo o comércio sujeito a um <strong>sistema</strong> de contratos e assentos. A situação só persistiu<br />
até 1650, altura em que o mercado de escravos africanos abriu as portas a todos os<br />
intervenientes. Isto acontece num momento de retracção do mercado brasileiro que recuperará<br />
trinta e nove anos mais tarde com a necessidade da mão-de-obra para a mineração.