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de lá que os portugueses o copiaram.<br />
Os escravos assumiam aqui uma posição muito mais importante na composição da sociedade,<br />
do que nas ilhas aquém do Bojador. Aqui devemos diferenciar, quer em Santiago, quer em S.<br />
Tomé, os escravos residentes e os de resgate. Os últimos, depois de alguns dias de<br />
permanência nos armazéns da feitoria, seguiam rumo ao seu destino, para a América, a<br />
Europa ou as ilhas atlânticas. Eram numerosos mas de permanência limitada. Valentim<br />
Fernandes dá-nos conta disso em princípios do século XVI, referenciando para S. Tomé, entre<br />
os mil moradores livres, o dobro de escravos residentes e entre cinco a seis mil de resgate.<br />
Com o decorrer dos tempos a relação entre os livres e os escravos residentes aumentou, de<br />
modo que em 1546 existiam seiscentos brancos para igual número de mulatos e dois mil<br />
escravos. Na ilha do Príncipe em 1607 nos cinco engenhos em funcionamento contavam-se<br />
dez homens brancos casados, dezoito crioulos e quinhentos escravos 106<br />
. Em Cabo Verde os<br />
dados disponíveis sobre a presença dos escravos cobrem apenas as ilhas povoadas desde o<br />
início (Santiago e Fogo) no período de 1513 e 1582. Na primeira data referencia-se na Ribeira<br />
Grande a residência de cento e sessenta e dois vizinhos, sendo destes trinta e dois escravos.<br />
Para o segundo surgem já 13.700 escravos (87%) e 1.008 vizinhos (13%), nas duas ilhas.<br />
Aqui é evidente a maior concentração na Ribeira Grande, onde representam mais de 92% da<br />
população 107 . Perante isto torna-se evidente a diferença entre o fenómeno da escravatura dos<br />
dois arquipélagos com os atrás citados. Em todas as ilhas a presença do escravo negro não era<br />
pacífica, sendo considerada em muitos momentos como um factor de forte instabilidade<br />
social. Os fugitivos, num e noutro lado, geravam a habitual apreensão das autoridades, que<br />
tudo faziam para sanar os aspectos nocivos que a sua presença poderia causar. Mas enquanto<br />
na Madeira e nos Açores a conflituosidade era sazonal, não assumindo proporções graves, o<br />
mesmo não se podendo dizer das ilhas da Guiné. Em S. Tomé, os fugitivos reuniam-se nas<br />
montanhas em quadrilhas e assaltavam esporadicamente as vilas. Daí resultaram também<br />
algumas sublevações importantes (em 1547 e 1595) que puseram em causa a permanência dos<br />
europeus e a continuidade da cultura da cana-de-açúcar açucareira. Ficou célebre a revolta de<br />
1595, comandada por Amador, escravo fugitivo de Bernardo Vieira 108 . O afrontamento dos<br />
escravos fugitivos começou a ser evidente a partir de 1531, ano em que os moradores de S.<br />
Tomé manifestaram apreensão ao rei pela presença de tais grupos de cativos fugidos,<br />
considerados ameaça permanente para a ilha. Daí resultava a necessidade de medidas por<br />
parte da coroa, caso contrário "se perderá esa ylha e cedo será toda dos negros". Também<br />
nos Açores, mais propriamente em Vila Franca do Campo, ficou registada uma revolta de<br />
escravos em 1522, tendo por chefe um Badail, escravo de Rui Gonçalves da Câmara, mas<br />
sem qualquer efeito para a sociedade. Na Madeira onde o grupo era mais numeroso não se<br />
conhece qualquer tipo de revolta, para além dos casos isoladas de violência dos escravos<br />
fugitivos nos caminhos que circundavam as serranias da ilha.<br />
A ROTA DA DIÁSPORA<br />
A comunidade judaica assumiu um papel de destaque no processo dos descobrimentos<br />
portugueses. A sua presença é notória desde o início do processo. Aos judeus serão atribuídas<br />
responsabilidades na definição das rotas comerciais que ligam o atlântico agora descoberto<br />
106 Monumenta Missionária Africana, I, nº 137, 383.<br />
107 .António Carreira, Cabo Verde, Lisboa, 1983, pp.373-374<br />
108 Rui RAMOS, "Rebelião e Sociedade colonial: alvoroço e levantamento em S. Tomé (1545-1555)", in Revista Internacional de Estudos<br />
Africanos, nº 4/5, 1986, 17-74.