Prêmio Territórios Quilombolas - Ministério do Desenvolvimento ...
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Projetos de liberdade<br />
Uma das formas mais pobres de abordar a prática de grupos negros com o fi m <strong>do</strong> regime<br />
escravista (e durante ele) é tomar por parâmetro de análise o par de opostos: passividade<br />
versus rebeldia. A aceitação desse parâmetro geralmente se faz acompanhar da idéia<br />
de que a “passividade” de alguns negros manifestava sua coisifi cação e alienação; em<br />
suma, suas ações nada mais fariam <strong>do</strong> que espelhar os valores da classe <strong>do</strong>minante. 9<br />
Cada projeto de liberdade estava submeti<strong>do</strong> a uma condição comum: o racismo imperante<br />
no pós-abolição. Também é verdade que cada um desses projetos tinha suas especifi<br />
cidades, suas limitações, possibilidades e contingências próprias. Vários fatores<br />
pesavam na a<strong>do</strong>ção por tal ou qual estratégia de resistência por parte <strong>do</strong>s negros. 10<br />
Assim sen<strong>do</strong>, a existência de diferentes projetos de liberdade signifi ca que os caminhos<br />
da liberdade e as estratégias de resistência não são homogêneos, oferecen<strong>do</strong> uma riqueza<br />
de possibilidades e mobilidade dentro das margens <strong>do</strong> sistema. Signifi ca, acima<br />
de tu<strong>do</strong>, ponderar que a liberdade era uma meta e para conquistá-la, uma série de fatores<br />
deveriam ser considera<strong>do</strong>s. Sen<strong>do</strong> assim, estamos a falar de agentes sociais, que<br />
fazem sua própria história, e que não precisam recorrer a outras lentes para enxergar.<br />
A contraposição aos valores e ao poder das classes dirigentes não se limita à negação<br />
aberta (como no caso de fugas, justiçamentos, assassinatos, etc.). Outros meios foram<br />
emprega<strong>do</strong>s pelos agentes sociais para atuação nas bordas <strong>do</strong> sistema, ou mesmo por<br />
dentro da ideologia senhorial e paternalista. (CHALHOUB, 2003)<br />
O conjunto das práticas <strong>do</strong>s vizinhos José Martimiano Macha<strong>do</strong> (Martimiano) e Manoel<br />
Thomé da Silva (Thomé) operou em esferas diferenciadas. Ambos eram descendentes<br />
<strong>do</strong>s pretos forros aqui aludi<strong>do</strong>s. Ambos são antecessores diretos de duas famílias de<br />
Cambará: Macha<strong>do</strong> e Trindade. Martimiano e membros de sua família saqueavam ga<strong>do</strong><br />
das fazendas <strong>do</strong> entorno. Thomé era capataz de um grande produtor. Enquanto um nutria<br />
uma violenta resposta aos fazendeiros, outro nutria relações de simbiose com estes.<br />
Não cabe ao pesquisa<strong>do</strong>r indagar qual dessas práticas era mais efi caz. Cada uma delas<br />
operava sob lógicas específi cas, agin<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> de melhorar suas condições de vida.<br />
Vários fatores pesavam na a<strong>do</strong>ção de um ou outro projeto de liberdade. Contar com<br />
o apoio de fazendeiros poderia ser importante em alguns casos – como no acesso às<br />
instâncias jurídicas em uma medição judicial, por exemplo. Por outro la<strong>do</strong>, saques a<br />
fazendas era uma peremptória resposta às tentativas de esbulho e cobranças judiciais<br />
das custas de procedimentos legais. Em suma, ao menos que o pesquisa<strong>do</strong>r atribua a<br />
9 Para uma crítica <strong>do</strong> postula<strong>do</strong> <strong>do</strong> escravo-coisa, remetemos ao livro de Chalhoub (1990), Visões de<br />
liberdade, especialmente o capítulo 1 desta obra. Sua obra Macha<strong>do</strong> de Assis, historia<strong>do</strong>r (2003), também é digna<br />
de ser consultada.<br />
10 O conceito de “projeto de liberdade” é usa<strong>do</strong> e discuti<strong>do</strong> intensivamente por Moreira (2003), certamente<br />
inspira<strong>do</strong> no trabalho de Chalhoub (1990).<br />
49<br />
Do passa<strong>do</strong> geral ao passa<strong>do</strong> que se presentifica.<br />
Memória e história em uma comunidade negra rural