Prêmio Territórios Quilombolas - Ministério do Desenvolvimento ...
Prêmio Territórios Quilombolas - Ministério do Desenvolvimento ...
Prêmio Territórios Quilombolas - Ministério do Desenvolvimento ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
De acor<strong>do</strong> com o processo-crime, Martimiano, réu confesso, juntamente com seu “comparsa”<br />
Estevam Gomes Macha<strong>do</strong> (mora<strong>do</strong>r de outra localidade, segun<strong>do</strong> os relatos),<br />
admite que derrubou o “preto” Thomé da sela de sua montaria com uma bor<strong>do</strong>ada na<br />
cabeça, estrangulan<strong>do</strong>-o com uma corda (fornecida por Estevam). Em seguida, amarrou<br />
a chincha na presilha <strong>do</strong> cavalo, que, à galope, arrastou o corpo insepulto de Thomé<br />
até a beira da Lagoa <strong>do</strong> Meio. Este é o facto delictuoso narra<strong>do</strong> pelos próprios réus,<br />
segun<strong>do</strong> o promotor Irineu Ilha. 12 Após narrar minuciosamente o crime (vide cita<strong>do</strong>),<br />
Irineu Ilha, qualifi ca o réu Martimiano como:<br />
um barbaro e perverso mata<strong>do</strong>r, actuan<strong>do</strong> unicamente por uma in<strong>do</strong>le<br />
feroz e sanguinaria, que tão tragicamente desperta com conhecimento<br />
da autoria <strong>do</strong>s crimes de outra natureza. Sem sermos partidarios da<br />
eschóla antrophologica, alías decadente, forçoso é convir que em certos<br />
organismos as leis atavicas actuam poderosamente, determinan<strong>do</strong><br />
n’um sem numero de individuos phenomenos physhicos oriun<strong>do</strong>s das<br />
modifi cacoes <strong>do</strong> systema nervoso – Bevilaqua-Criminologia e Direito,<br />
pagina 16; ora, dadas as circunstancias altamente aggravantes com que<br />
José Martimiano praticou o delicto, a resolucao tomada de mommento,<br />
a calma e frieza da execução annte a passividade (3f) da victima, tu<strong>do</strong><br />
induz a crêr que o denuncia<strong>do</strong> e delinquente tem uma constituição<br />
physiologica adequada á colisão <strong>do</strong> crime, dignan<strong>do</strong> <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
competentes (fl .2v).<br />
Não apenas as palavras <strong>do</strong> promotor Irineu Ilha discursam sobre a ín<strong>do</strong>le de José Martimiano<br />
Macha<strong>do</strong> e Manoel Thomé da Silva. As quatro testemunhas convocadas a depor<br />
são instadas a assim proceder. Clemente Borges declara que Thomé era “honesto e trabalha<strong>do</strong>r”<br />
(fl .5). Albino J. Trindade, qualifi ca Thomé como “honesto e serviçal”(fl .5v).<br />
Outra testemunha, Ana Marciana, nada declara. Já, Damascena Macha<strong>do</strong>, diz que<br />
“sabe que Thomé andava com intrigas com brancos, falan<strong>do</strong> de to<strong>do</strong>s”(fl .6).<br />
Todas as testemunhas são residentes <strong>do</strong> terceiro distrito. Um detalhe a ser percebi<strong>do</strong> é<br />
que não fi ca explícita a vinculação de Clemente e Albino com o réu. Não fi ca claro se<br />
eram apenas vizinhos, ou se tinham alguma relação de amizade, inimizade ou mesmo<br />
convivência. Do contrário, a vinculação das testemunhas Damascena e Ana Marciana<br />
fi ca explícita logo de início. Os termos de depoimento das duas começam de forma<br />
similar, referin<strong>do</strong> que ambas eram “amásias” <strong>do</strong>s réus (fl .6). Damascena era também,<br />
irmã de Martimiano.<br />
Pode-se sugerir que as vinculações expressas no processo entre testemunhas e réus<br />
soam como artifícios discursivos que atuam como sutis formas de conferir, ou não,<br />
autoridade aos discursos. Deste mo<strong>do</strong>, o peso das palavras de Damascena e Ana cer-<br />
12 Apers. Processo-crime José Martimiano Macha<strong>do</strong>. Cartório <strong>do</strong> júri. Cachoeira <strong>do</strong> Sul. M 02, E 09, nº.31.<br />
fl .2. A partir de agora, farei a referência da folha <strong>do</strong>s trechos seleciona<strong>do</strong>s entre parênteses. Outras fontes serão<br />
citadas em notas de rodapé.<br />
51<br />
Do passa<strong>do</strong> geral ao passa<strong>do</strong> que se presentifica.<br />
Memória e história em uma comunidade negra rural