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Versão eletrônica - Furb

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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU<br />

CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO<br />

DEPARTAMENTO DE ARTES<br />

MEMORIAL DESCRITVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO<br />

REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />

BLUMENAU<br />

2007<br />

LUCIANA MAY VENDRAMI<br />

LEOMAR PERUZZO


LUCIANA MAY VENDRAMI<br />

LEOMAR PERUZZO<br />

MEMORIAL DESCRITVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETACULO<br />

REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />

Trabalho apresentado à disciplina Trabalho de<br />

Conclusão de Curso, do Departamento de<br />

Artes, do Centro de Ciências da Educação, da<br />

Universidade Regional de Blumenau, como<br />

requisito parcial para a obtenção do título de<br />

Bacharel em Teatro - Interpretação Teatral.<br />

Fábio Luis Hostert - Orientador<br />

BLUMENAU<br />

2007


MEMORIAL DESCRITVO DO PROCESSO DE CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO<br />

REALIZADO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III.<br />

Por<br />

LUCIANA MAY VENDRAMI<br />

LEOMAR PERUZZO<br />

Trabalho apresentado para a obtenção do<br />

título de Bacharel em Teatro – Interpretação<br />

Teatral pela banca examinadora formada por:<br />

Presidente: ________________________________________________<br />

Prof. Fábio Luis Hostert – Orientador, FURB<br />

Membro: ________________________________________________<br />

Profª. Ms. Olívia Camboim Romano, FURB<br />

Membro: ________________________________________________<br />

Profª. Ivana Vitoria Deeke Fuhrmann, FURB<br />

Blumenau, 20 de novembro.


AGRADECIMENTOS<br />

Agradecemos ao nosso Professor Orientador, Fábio Luiz Hostert, pela paciência<br />

e dedicação ao trabalho de oferecer caminhos e possibilidades para construir este<br />

escrito. Aos acadêmicos da oitava fase de Teatro que cultivaram o amor pela arte de<br />

representar e pela vida: ao Leonardo, pelas lutas e realizações; à Sabrina Marthendal,<br />

pelos diálogos, à Daniela, pela amizade; à Mariana pela persistência; ao Roberto, pela<br />

generosidade; a Sabrina Moura, pelos questionamentos; ao Rafael, pelo empenho; à<br />

Kátia, pela diferença; à Alessandra, pela força de superação; à Joanna, pela voz<br />

companheira; à Gisele Big, pelas espontaneidade. Obrigado ao professor Roberto<br />

Murphy, pela inteligência e paciência. Ao departamento de Artes, aos coordenadores do<br />

curso e a todos aqueles que contribuíram com seus bons exemplos e participações,<br />

nestes oito semestres de estudos teatrais, para a construção do conhecimento em<br />

teatro. Gratidão eterna a todos.


A criação é, antes de mais nada , a<br />

plena concentração de toda a natureza<br />

espiritual e física.<br />

konstantin Stanislavski


SUMÁRIO<br />

RESUMO.....................................................................................................................7<br />

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................8<br />

2 CONSTRUINDO UMA DRAMATURGIA ............................................................10<br />

2.1 CLARIM E SUA VOZ DISPERSA .....................................................................14<br />

2.2 SEGISMUNDO .................................................................................................15<br />

3.0 O PROCESSO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III .......................16<br />

3.1 DISCIPLINA DE INTERPRETAÇÃO TEATRAL VII ..........................................20<br />

3.2 DISCIPLINA DE TREINAMENTO VOCAL V.....................................................26<br />

3.3 DISCIPLINA DE PREPARAÇÃO CORPORAL PARA A CENA III ....................27<br />

4 CONCLUSÃO.....................................................................................................32<br />

5 REFERÊNCIAS..................................................................................................35<br />

5.1 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA…………………………………………............36<br />

6 ANEXOS, ...............................................................................................................37


RESUMO<br />

Este Memorial Descritivo pretende descrever o processo de montagem do espetáculo<br />

“A Vida é Sonho?”, que foi desenvolvido nas disciplinas Prática de Montagem III,<br />

Interpretação teatral VII, Preparação Corporal para a Cena III e Preparação Vocal V e<br />

Dramaturgia II, da oitava fase do curso de Bacharelado em Teatro da Universidade<br />

Regional de Blumenau. O espetáculo foi concebido pelo grupo de acadêmicos<br />

objetivando uma prática colaborativa, onde todos os envolvidos têm efetiva<br />

participação. O texto utilizado no espetáculo originou-se a partir do estudo das obras “A<br />

Vida é Sonho” do dramaturgo espanhol Calderón de La Barca, do qual utilizamos a<br />

fabula e os personagens e “A Vida em Comum – Um tratado de Antropologia Universal”<br />

de Tzevetan Todorov que forneceu-nos a temática do espetáculo. O objetivo desta<br />

montagem teatral é discutir o homem sendo formatado por uma sociedade, um tirano<br />

produzido pelas circunstâncias impostas, por um sistema de regras que representam os<br />

mecanismos de construção dos indivíduos e seus comportamentos. O poder e as<br />

nuances que envolvem a batalha para obtê-lo passam a ser o subtexto motivador dos<br />

fatos presentes na trama. As disciplinas da grade do curso de Bacharelado em Teatro<br />

estão concebidas para atender as necessidades do espetáculo a ser construído. Este<br />

escrito objetiva o registro dos fatos e processos recorrentes ao caminho percorrido na<br />

concepção, e estruturação do espetáculo da última fase de estudos.<br />

7


1 INTRODUÇÃO<br />

Atuar em um espetáculo teatral é o desejo de todo acadêmico de teatro.<br />

Passamos por cinco semestres de estudos, necessários a preparação do ator.<br />

Improvisações, práticas vocais, aulas de interpretação, preparação corporal, dança e<br />

história do teatro. Somente no terceiro ano de estudos, trabalhamos na montagem de<br />

nosso primeiro espetáculo teatral dentro da universidade.<br />

O nosso primeiro contato acadêmico com o palco foi através da comédia. O<br />

texto Cala a Boca Já Morreu do dramaturgo brasileiro Luis Alberto de Abreu, foi um<br />

presente. Trabalhamos a leveza, a graça a simplicidade que o ator cômico precisa<br />

trazer consigo.<br />

O Segundo espetáculo, na nossa sétima fase de estudos veio como um<br />

contraponto ao primeiro. Desta vez buscamos na tragédia a nossa inspiração. O<br />

espetáculo montado foi Senhora dos Afogados do consagrado dramaturgo Nelson<br />

Rodrigues. A densidade dos personagens, a profundidade das interpretações e a<br />

complexidade da trama nos envolveram intensamente.<br />

Nos dois primeiros espetáculos montados optamos por uma metodologia<br />

texto-centrista, onde o ponto de partida para a montagem do espetáculo é o texto<br />

dramático. Cada personagem tem suas características físicas e psicológicas sugeridas<br />

pelo dramaturgo, ainda que implícitas na trama. Esta metodologia é amplamente<br />

utilizada por grupos teatrais e traz um direcionamento imediato ao espetáculo.<br />

Chegamos a nossa oitava fase de estudos e ao nosso tão esperado<br />

espetáculo de formatura. O desejo por uma montagem inovadora, uma nova<br />

experimentação enquanto acadêmicos, nos levou a prática colaborativa. Nesta<br />

metodologia o espetáculo é montado a partir dos desejos, idéias, criação de cada<br />

8


integrante do grupo e o professor diretor atua como mediador deste processo. Assim,<br />

nos deparamos com um grande desafio.<br />

O espetáculo que encerra nossos trabalhos na universidade, “A Vida é<br />

Sonho?”, nasceu da junção de duas obras, “A Vida é Sonho” de Calderon de La Barca<br />

e “A Vida em Comum – Um tratado de Antropologia Universal” de Tzevetan Todorov.<br />

Um tema complementou o outro. A fábula da obra de Calderón oferece um individuo<br />

formatado por uma situação incomum: o isolamento. A obra de Todorov apresenta<br />

teorias sobre a construção do indivíduo e seu comportamento na vida social. Então<br />

porque não juntar os dois temas e construir uma dramaturgia que comunicasse a<br />

formatação de um indivíduo? Os ingredientes certos para construir um nova trama<br />

espetacular.<br />

Iniciamos a construção textual do espetáculo na disciplina de Deamaturgia II,<br />

juntamente com o professor responsável Roberto C. Murphy, porém, trabalhamos<br />

durante todo o semestre letivo adaptando e ajustando o texto, pois o mesmo não se<br />

encontrou finalizado, continuou a sofrer modificações até o final do processo, de acordo<br />

com a necessidade da encenação. A concepção estética do espetáculo deu-se em<br />

conjunto. Cada equipe de trabalho construiu suas propostas e apresentou ao grande<br />

grupo para discussões e ajustes.<br />

A direção estabeleceu a organização dos elementos pesquisados em outras<br />

disciplinas como Preparação Corporal para a Cena III e Interpretação Teatral VII,<br />

determinando as necessidades para cada momento do espetáculo. Adiante neste<br />

escrito esclareceremos mais detalhes em torno do processo de montagem espetacular.<br />

9


2.0- CONSTRUINDO UMA DRAMATURGIA: CAMINHOS E OPÇÕES<br />

METODOLÓGICAS<br />

Na proposta de montagem do oitavo semestre do curso de Teatro,<br />

juntamente com o professor diretor, Roberto Murphy, da disciplina de Prática de<br />

Montagem III, tanto o texto, quanto o espetáculo foram concebidos em conjunto pelo<br />

grupo de alunos e professor, objetivando uma prática colaborativa.<br />

Iniciamos com o processo de montagem na disciplina de Dramaturgia II, onde<br />

analisamos, através de um fichamento e discussão do livro “A vida em Comum” de<br />

Tzevetan Todorov, que trata da antropologia universal, um estudo do homem, sua<br />

relação com a sociedade e consigo mesmo. “A antropologia geral situa-se, pois, no<br />

meio caminho entre as ciências humanas e a filosofia, sem se opor a nenhuma delas,<br />

ou melhor, construíndo uma ponte de ligação entre ambas”.(TODOROV. 1996, p. 9 ).<br />

Todorov aborda o tema a sociedade no indivíduo e não o indivíduo na<br />

sociedade, como normalmente somos vistos “Tratar não do lugar do homem na<br />

sociedade, mas, ao contrário, do lugar da sociedade no homem. O que significa, na<br />

verdade, o fato amplamente aceito de que o homem é um ser social?” (Todorov. 1996,<br />

p. 10). Segundo ele, o homem é formado pelo seu meio e as relações que ele foi<br />

submetido ao crescer e ser identificado pelo olhar de sua mãe, primeiro ser humano<br />

que oferece o espelho de um olhar ao filho. Neste momento o ser humano estabelece<br />

como que seu segundo nascimento, o nascimento da consciência humana. A<br />

consciência de ser homem de existir nesta condição. As relações estabelecidas na<br />

infância determinarão o comportamento deste novo ser pelo tempo de existência.<br />

O autor de “A Vida em Comum”, acredita na necessidade de o ser humano<br />

ser reconhecido pelo olhar do outro, o que pode causar um sentimento de não<br />

reconhecimento. Tanto o olhar de reconhecimento materno, como o da sociedade é o<br />

que o personagem principal de nosso espetáculo, Segismundo, está privado. Essa<br />

privação inicial constrói um ser sem idéia real de si mesmo de suas capacidades e de<br />

sua face.<br />

10


A análise do texto “A vida é sonho” de Calderón de La Barca, foi o segundo<br />

passo, que trouxe para a montagem a fábula e os personagens. Na história original o<br />

rei, antes do nascimento de seu filho Segismundo, consulta um Oráculo. Nesta consulta<br />

ele é informado que seu filho será um tirano e que o rei deverá matá-lo para livrar o<br />

povo do que poderá acontecer se o príncipe assumir o reinado.<br />

Sem coragem para tanto, o rei o tranca numa torre onde um tutor é incumbido<br />

de ensinar-lhe ciências e religião. Após vários anos, com o príncipe já adulto, o rei<br />

decide socializá-lo, para se certificar do que no passado o Oráculo lhe comunicou. A<br />

socialização ocorre de forma Iinadequada. A revolta do príncipe é tamanha ao tomar<br />

conhecimento das privações em que foi submetido, desde seu primeiro suspiro de vida,<br />

que a profecia confirma-se nas atitudes homicidas que Segismundo apresenta diante<br />

de seu tutor e das pessoas do reinado. Não há outra solução, o rei ordena que<br />

tranquem-no novamente em seu lugar de origem: a torre. Mas o povo o salva e o traz<br />

para a vida, transformando-o em homem justo e bom. Segismundo casa-se com<br />

Estrela, também aspirante ao trono.<br />

A terceira etapa de nosso trabalho consistiu em unir as idéias, utilizando a<br />

fábula e os personagens de “A Vida é Sonho” e o contexto de “A Vida em Comum”.<br />

Usamos na montagem textos extraídos das duas obras. Textos da bibliografia de<br />

Todorov estão nas falas dos personagens e textos da peça original estão também<br />

permeando a trama.<br />

Nos concentramos na formatação de um criminoso e os poderes sociais<br />

como forças que impulsionam o comportamento humano. Para tanto alguns<br />

personagens mantiveram-se como na trama original e outros foram criados.<br />

O Rei Astrólogo representa o absoluto, o determinante do destino e dos<br />

desígnios de seu filho. Representa o Pai Onipotente (Deus) que confina seu rebento<br />

numa redoma, onde precisará sofrer com a sua sensação de incompletude e de<br />

dependência incondicional. Sua vontade é lei, a qual não se pode burlar.<br />

Clotaldo representa os mecanismos de condicionar e formatar o indivíduo,<br />

mantendo-o sob os ditames da redoma. É a educação e é Religião enquanto<br />

ferramentas sociais de detenção dos impulsos de libertação do indivíduo. Como no<br />

11


original, é o Tutor que, com esmero e dedicação, não deixa de ser caridoso e carinhoso<br />

com o Príncipe, como algumas professoras do ensino básico, por exemplo, que não<br />

deixam de ser disciplinadoras e castradoras, mesmo que maternalmente dispostas e<br />

disponíveis. Aparece sob mantos, revelando a ausência do olhar que determinaria o<br />

sentido de existir de Segismundo.<br />

Segismundo representa o Indivíduo, o indivisível. O sujeito diante de si<br />

mesmo e da sociedade em que está. Representa o foco da discussão do espetáculo.<br />

Enquanto cativo, aceita sua condição de um ser submetido a Deus e que se conforma<br />

com tal condição. Durante o “sonho” torna-se o homem querendo suplantar sua<br />

condição humana, buscando superar a Deus e ao Diabo. Detém consigo o dilema do<br />

ser ou não ser.<br />

Astolfo e Estrela representam a ambição pelo poder. Durante o “sonho”<br />

instigam a tirania do príncipe, por saber que isso determinará ascender ao trono. São<br />

ambiciosos e ardilosos. Criam situações que envolvem e comprometem tudo e todos<br />

em suas buscas pelo poder. Representam o conflito. Entre si nutrem conveniências e<br />

favores. Inventam um amor que irá uni-los no poder, mas tão frágil quanto um cristal,<br />

que corre riscos constantes de se desfazer. São patéticos, portanto cômicos.<br />

Rosaura o símbolo da determinação e da coragem. Servirá de espelho para<br />

Segismundo. Mostrará que o ser humano é (ou poderia ser) um ser sem limites na<br />

busca de sua transcendência. Veste-se de homem para burlar os ditames impostos,<br />

apesar de não acreditar que o ser humano precise se definir como homem ou mulher<br />

para impor-se diante da vida. É o estopim das descobertas de Segismundo e o alvo de<br />

seu amor e encantamento pelas possibilidades da vida.<br />

A mãe representa a lacuna existencial de Segismundo. Ao morrer no parto,<br />

priva-lhe do olhar inicial de aceitação e reconhecimento. Aparece em outros momentos<br />

da peça, servindo de consolo e amparo. Não tem um rosto definível. É mais uma<br />

sensação, uma presença não física para Segismundo. Não existe no original, sendo um<br />

elemento de ligação entre as duas obras referenciais de nossa obra (A Vida é Sonho de<br />

Calderón de La Barca, A Vida em Comum de Tzevetan Todorov).<br />

12


Clarim e Sua Voz Dispersa tem a função da crítica e da situação do público<br />

diante da trajetória de Segismundo. Serve de ponte entre os personagens “abstratos” e<br />

os “naturais” do espetáculo. Divide-se em dois – por esse motivo feito por dois atores –<br />

sendo uma das partes aquela irônica e inconseqüente e outra a reflexiva, que faz com<br />

que todos ali não se afastem de uma avaliação de si mesmos diante do mundo. É uma<br />

adaptação do original, mantendo nuances. Ás vezes contundente e desconcertante.<br />

Os Signos são os mais significativos personagens “abstratos” da peça,<br />

representam os presságios contidos no “inconsciente universal”, segundo o Rei<br />

Astrólogo. Agem e discursam como analogia. São símbolos. Seres ficcionais de outra<br />

ordem. Exercem a função de trazer os temas de Todorov ao espetáculo, que são<br />

levados adiante na dramaturgia através do Rei Astrólogo e de Clarim e sua Voz<br />

Dispersa.<br />

Os 4 Poderes são funções sociais representadas, as quais são confrontadas<br />

por Segismundo em seu “sonho”. São forças que aparecem personificadas por<br />

simbologias. Exercem o “gestus social” brechtiano, sobre o qual se tece a<br />

desfamiliarização da sociedade, portanto o distanciamento no espetáculo. São eles: O<br />

Ilusionista – A Mídia que sustenta a ilusão de tirania de Segismundo. O Magistrado (o<br />

Legislador, o que estabelece as normas), o Religioso (o apaziguador dos ânimos. O<br />

que exerce uma ação nas emoções das pessoas), o General (a força bruta. O bélico e o<br />

disciplinador).<br />

Os Guardas representam as paredes da torre. Não tem rosto, portanto, sem<br />

identidade. Servem a Clotaldo.<br />

Abstraindo qualquer relação paralela que a obra apresentasse e nos atendo a<br />

questão do indivíduo, chegamos na essência da história, que trata do isolamento de um<br />

indivíduo e a privação das interações sociais, construindo um tirano.<br />

O primeiro texto que recebemos do professor Roberto C. Murhy, na Disciplina<br />

de Dramaturgia, foi um Roteiro básico da adaptação de “A Vida é Sonho” de Calderón<br />

de La Barca sob a luz de “A Vida em Comum” de Tzvetan Todorov (Texto 1 anexo).<br />

Neste texto encontramos uma indicação inicial das características psicológicas e a<br />

13


epresentação de cada personagem dentro do espetáculo. Assim como a discrição e<br />

ações que permeiam o Prólogo, as vinte e duas cenas e o Epílogo.<br />

Após o estudo do texto “A Vida em Comum”, elegemos assuntos que<br />

pudessem ser incorporados ao Roteiro Básico que havíamos recebido. Extraímos<br />

trechos desta obra e o inserimos na íntegra em nosso Roteiro. Nos preocupamos em<br />

observar que assunto ou frase caberia a cada personagem. Alguns diálogos foram<br />

escritos pelo professor diretor da montagem, que se baseou no texto original “A Vida é<br />

Sonho” (Texto 2 anexo).<br />

A etapa seguinte foi transformar os trechos transcritos da obra “A Vida em<br />

Comum” em diálogos. Compreender o que Todorov diz e transcrever em diálogos<br />

menos formalizados. Neste ponto tivemos certa dificuldade, pois os textos de Todorov<br />

são extremamente complexos e não direcionados para dramaturgia. Não queríamos<br />

que a platéia tivesse dificuldade em compreender o que estamos dizendo (Texto 3<br />

anexo).<br />

2.1- SOBRE O CLARIM E SUA VOZ DISPERSA<br />

Sobre a personagem Clarim e Sua Voz Dispersa a indicação foi que<br />

representaria uma dualidade. Sua representação é feita por duas atrizes, as<br />

acadêmicas Sabrina Marthendal e Luciana May Vendrami que passaram a dividir a<br />

tarefa de pesquisar e construir esta personagem.<br />

A Personagem Clarim na história original, A Vida é Sonho, de Calderón de La<br />

Barca, apresenta-se como um bobo da corte e é subserviente à sua ama, a<br />

personagem Rosaura. Na nossa versão, Clarim é crítico e sarcástico exercendo sua<br />

função pelo deboche e pela ironia. Sua Voz Dispersa faz a reflexão de seus “desatinos”,<br />

já que Clarim não mede o que fala. É um mesmo personagem dividido em dois e um<br />

complementa o outro, como energias opostas que se atraem.<br />

Buscamos no livro “A vida em Comum” de Todorov a motivação para a criação<br />

deste personagem duplo. Quantos de nós existem dentro de nós? Essa é uma das<br />

discussões que aparecem neste Tratado de Antropologia Universal. Sempre estamos<br />

brigando com nós mesmos. Constantemente precisamos chegar a um consenso sobre<br />

14


o que realmente pensamos, pois nos desdobramos em nossos pensamentos. A<br />

sociedade tem grande papel influenciador na dualidade do ser humano, pois impõe,<br />

condena de acordo com os princípios culturais década povo. Porém cada ser humano<br />

tem seus próprios sentimentos e pensamentos, somos diferentes uns dos outros, mas<br />

muitas vezes, sentimos a cobrança social de que tenhamos um único pensamento à<br />

cerca de tudo que nos rodeia. Este único pensamento está sendo representado no<br />

espetáculo pela junção de dois corpos. Quando aparecemos unidas, envoltas por um<br />

tecido, representamos uma única pessoa. O desdobramento dos pensamentos aparece<br />

quando nos dividimos e demonstramos duas personalidades, “duas cabeças”, em um<br />

único corpo.<br />

O Texto da personagem Clarim e sua Voz Dispersa sofreu inúmeras<br />

modificações, assim como todos os demais. Porém especificamente este personagem<br />

não poderia comunicar um texto de maneira formalizada, parecendo um discurso de<br />

oratória. Buscamos simplicidade, um tom mais cotidiano e para tanto, trabalhamos<br />

inúmeras vezes sobre ele, inclusive durante a construção das cenas e ensaios do<br />

espetáculo. Sempre que percebíamos que algum trecho do texto não estava condizente<br />

com a ação ou ainda repetitivo, modificávamos ou o abstraíamos. O texto final da<br />

personagem ficou condensado, com frases simples, diretas e objetivas..<br />

2.2- SEGISMUNDO<br />

Em relação ao personagem Segismundo, interpretado por Leomar Peruzzo, tanto<br />

na trama original quanto em nossa versão, está enclausurado em uma torre. Somente<br />

recebe a visita de Clotaldo seu tutor para lhe instruir nas ciências e na religião católica.<br />

Um aspecto muito importante no início da construção da personagem é que ela<br />

não possui referências de sentimentos e relações construídas em relação com os<br />

outros. Ele está privado do contexto social e apresenta um comportamento formatado<br />

por seu tutor.<br />

A linha de desenvolvimento da personagem divide-se em duas fases distintas:<br />

inicialmente está em seu estado condicionado, restrito a sua torre. Quem estabelece as<br />

15


egras e o mantém em uma redoma é seu tutor. Este aspecto está evidente na cena em<br />

que ele é alimentado.<br />

A segunda fase inicia-se quando a torre é invadida por Rosaura, que estabelece<br />

a primeira relação com outro indivíduo. A imagem da personagem no olhar da Rosaura<br />

representa o reconhecimento de si e a abertura para novas possibilidades. O encontro<br />

representa a entrada de Segismundo num contexto social. Daí a vontade de romper<br />

com sua condição e explorar o meio humano.<br />

A partir deste encontro surge a questão principal para esta montagem. Será que<br />

as relações introduzem o ser em uma vida de descobertas ou somente o coloca em<br />

uma situação de submissão ao sistema de regras estabelecido em um grupo social?<br />

Esta idéia sugere um paralelo com a vida real: as condições das relações<br />

sociais permitem termos liberdade para fazermos nossas escolhas? E que papel<br />

assumimos para atender as novas necessidades estabelecidas pelas convenções<br />

sociais e culturais?<br />

Esta temática está profundamente presente no drama que envolve a<br />

personagem. É também o estímulo para as ações que construíram as relações<br />

estabelecidas em cada cena. Esta personagem representa o indivíduo, formatado pelas<br />

regras de Clotaldo e depois encontra os universos sociais, que oferece regras e<br />

condições que não cabem para sua condição de prisioneiro. Ele foi formatado para<br />

estar só, quando oferecem um convívio social, ele não possui referências para se<br />

relacionar coletivamente. Temos um tirano, alguém que busca de todos os meios<br />

conquistar o que lhe foi privado.<br />

Na sua apatia, Segismundo conhece somente as referencias animalescas que<br />

ouve e as referências que seu tutor oferece. As ações da personagem passam por uma<br />

linha sutil, entre a revolta descontrolada, ira e desespero. Ele oscila entre estes estados<br />

e finaliza a peça quase em estado neurótico, sem saber o que pode ser realidade e o<br />

que é sonho.<br />

16


3. O- PROCESSO NA DISCIPLINA PRÁTICA DE MONTAGEM III<br />

A construção das cenas iniciou-se por meio de improvisações e foram<br />

adequadas e trabalhadas em seus aspectos específicos, nas disciplinas de Preparação<br />

Corporal para a Cena III, Interpretação VII, Preparação Vocal V e Prática de Montagem<br />

III.<br />

O processo de construção deste espetáculo está fundamentado em uma<br />

concepção colaborativa. A prática colaborativa consiste em uma metodologia, em que<br />

os envolvidos estão trabalhando para a construção do espetáculo. Os atores: Leomar,<br />

Luciana, Sabrina Moura, Sabrina Marthendal, Kátia, Roberto, Leonardo, Joanna,<br />

Rafael, Gisele, Daniela, Alessandra e Mariana, dramaturgo e diretor: Roberto Carlos<br />

Murphy, constroem o enredo, texto, dramaturgia, cenas, pesquisa de personagens de<br />

forma participativa. As vontades do grupo são elementos para a montagem, as<br />

descobertas da pesquisa de cada ator também são importantes.<br />

A prática colaborativa apresentou-nos possibilidade de experimentação, deu-<br />

nos voz ativa e assim nos obrigou a pensar não só como atores, mas também como<br />

diretores, figurinistas, cenógrafos, iluminadores. Sempre que uma dúvida surgia, o<br />

professor diretor parava o ensaio e em discussão com a turma, chegávamos a um<br />

consenso. Todos sempre tiveram seu pensamento respeitado.<br />

O que torna este processo complicado é o curto tempo. Como acadêmicos,<br />

temos um tempo pré-determinado para a apresentação final de nossa montagem e<br />

precisamos respeitá-lo. Para que todos possam participar necessitamos ouvir,<br />

compreender e discutir todas as opiniões, para que as opiniões passem por um<br />

consenso, objetivando as necessidades espetaculares. Desta forma os ensaios tornam-<br />

se arrastados, lentos. Apesar de estarmos compreendendo e integrados a cada nova<br />

cena levantada, temos a sensação de lentidão. .<br />

A transformação é um elemento muito presente em todo o processo, tudo o<br />

que surge nas improvisações pode ser utilizado desde que seja conveniente para a<br />

proposta. O elemento que parece não ter utilidade pode momentaneamente ser<br />

17


descartado, e em outro momento pode-se perceber que este mesmo elemento precisa<br />

ser reintegrado.<br />

Sabemos que um espetáculo criado, pensado, elaborado por todo o grupo<br />

envolvido na montagem, traz uma outra experiência para o mesmo. Saber que<br />

podemos e devemos opinar sobre cada detalhe do espetáculo, desde a fábula,<br />

personagens e seus enredos e até a parte técnica, nos torna ainda mais responsáveis<br />

por ele. Neste caso o professor diretor do espetáculo, torna-se mediador, um<br />

organizador de todo material criado.<br />

O único ponto em que o professor diretor Roberto C. Murphy determinou, foi<br />

as personagens que cada acadêmico representaria, pois não poderíamos iniciar a<br />

pesquisa corporal, emocional e vocal das personagens, nas demais disciplinas, se não<br />

soubéssemos qual personagem representaríamos.<br />

Em relação aos aspectos cenotécnicos (cenário, figurino, sonoplastia e<br />

iluminação) fomos divididos em equipes, responsáveis por cada etapa necessária a<br />

realização do espetáculo. Cada equipe apresentou uma proposta ao restante do grupo<br />

do que considerava ser o mais adequado, dentro de sua área pesquisada, ao<br />

espetáculo. Faremos uma explanação do material pesquisado na área da sonoplastia.<br />

Para criar a atmosfera específica de cada cena, como estímulo a criatividade<br />

o professor diretor utilizou músicas do grupo Barbatuques, que apresentam alto nível de<br />

percussão corporal. A pesquisa e criação sonora partiram então desta proposta, não só<br />

a transposição, mas a criação de novos sons convenientes para as cenas<br />

desenvolvidas.<br />

As sonoridades estão presentes durante grande parte do espetáculo. Nas cenas<br />

do nascimento e apresentação de Segismundo os sons envolvem-no em uma<br />

atmosfera de serenidade. Quando Rosaura e Clarim e Sua Voz Dispersa entram em<br />

cena pela primeira vez, estão em uma caminhada pela floresta e avistam a torre onde<br />

Segismundo está aprisionado, este clima também é reforçado pelos sons vocais<br />

produzidos pelos atores.<br />

A música de Gonzaguinha, “Tudo Pro Meu Próprio Bem”, embala a cena em que<br />

o príncipe é posto novamente em sua condição de prisioneiro. O coro é formado por<br />

18


personagens que estão em cena e atores nas coxias. A música original foi adaptada,<br />

extraindo alguns trechos que se tornaram textos da personagem Segismundo, as partes<br />

que estavam em primeira pessoa. Segue letra da música adaptada para o espetáculo.<br />

(Letra original, anexo 4)<br />

Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

...Um punhal, uma corda e o açúcar na mão<br />

Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

... A carícia da cobra, o sorriso do bom<br />

Meça teus paços pro teu próprio bem<br />

Sim pro teu próprio bem<br />

Jamais perguntaram<br />

Se eu queria ou não<br />

Se era isso ou não<br />

Se era aquilo ou não<br />

Que eu queria viver<br />

Pra quê?!...<br />

Marcaram caminhos<br />

Nem deixaram pra mim<br />

Minha morte<br />

Meu próprio fim escolher<br />

Pro meu próprio bem<br />

...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Gravado nas Lages, nos muros, nas mentes<br />

...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Palavras formosas lançadas ao vento<br />

...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Pro meu próprio bem<br />

O recurso de sonoplastia por meio de aparelhos mecânicos também está<br />

presente para conduzir o clima de algumas cenas, como por exemplo, a cena em que<br />

os sobrinhos do rei, aspirantes ao trono, estão disputando quem fica mais tempo no<br />

trono. Aqui o som do grupo Barbatuques e reproduzido integralmente. Outro momento<br />

em que aparece este recurso é quando inicia a cena em que é realizado o show de<br />

apresentação de Segismundo a sociedade. O grupo de pesquisa e concepção sonora<br />

expôs a proposta de sonoridade do espetáculo baseada na percussão corporal.<br />

Para levantar as cenas do espetáculo, formamos grupos de trabalho, que se<br />

dividiram de acordo com as cenas. Trabalhamos simultaneamente, dois ou três grupos,<br />

em cenas diferentes, levantando-as e criando ações para os personagens. Cada cena<br />

19


criada e levantada do espetáculo iniciou através de improvisação. Próximo ao final de<br />

cada encontro, mostrávamos o que havíamos criado para o restante da turma e ao<br />

professor, que comentavam a respeito.<br />

Durante o processo de organizar o material levantado nas outras disciplinas,<br />

também pesquisamos ações para os personagens a partir de diferentes estímulos.<br />

Usamos da improvisação teatral para pesquisar movimentações, e possíveis ações.<br />

Um dos momentos importantes para o entendimento do espetáculo foi a<br />

compreensão do meta texto, o significado do que estávamos dizendo e fazendo em<br />

cena. Para tanto foram necessários diversos ensaios, onde cada ator<br />

concomitantemente ao grupo, foi questionado sobre suas ações e diálogos. Com essa<br />

reflexão passamos a compreender detalhadamente a proposta do espetáculo e suas<br />

especificações.<br />

Quando todas as cenas já estavam levantadas passamos a ensaiar o espetáculo<br />

como um todo, observando então as dificuldades de entradas e saídas de cena, troca<br />

de figurinos e composição do cenário e finalizamos as necessidades da iluminação.<br />

O passo seguinte foi repetir o espetáculo diversas vezes, buscando<br />

maturidade aos personagens. Cada ação passa a ter significado, em uma busca<br />

constante por uma organicidade, como sugere Renato Ferracini, “[...] organicidade é<br />

uma inter-relação integral corpo-mente-alma, uma espécie de totalidade psicofísica. É<br />

como ser o verbo ESTAR. Um estar pleno, vivo e integrado.” (FERRACINI, 2001. p.<br />

111)<br />

3.1- A DISCIPLINA DE INTERPRETAÇÃO TEATRAL VII<br />

O corpo do ator necessita alcançar um estado em que emane energia como<br />

se assemelhasse a um refletor, ondas que cheguem até o público e o envolva na<br />

atmosfera de cada ação em cena. Este encontro com o público, no momento da<br />

representação, caracteriza-se na arte teatral. Acontece algo quando este momento se<br />

confirma. Yoshi Oida claramente apresenta definições em sua obra “O Ator Errante”<br />

20


“[...] essa “alguma coisa” não é de ordem emocional ou psicológica e sim de outra<br />

natureza mais fundamental. Ocorre uma troca autêntica entre duas pessoas. Uma<br />

sensação física, energia humana fundamental.” (OIDA. 1999, p. 26)<br />

Para se chegar a essa troca autêntica de energia entre os atores em cena e<br />

estes com a platéia, desenvolvemos e aprimoramos os personagens na disciplina de<br />

Interpretação Teatral VII, que nos possibilitou maior pesquisa sobre as especificidades<br />

de cada personagem.<br />

Em todas as aulas iniciamos com um aquecimento corporal, de forma a preparar<br />

o corpo do ator, abrindo caminhos para a criatividade. “Antes de iniciar qualquer<br />

trabalho, o ator deve aquecer seu corpo. Isto é uma práxis comprovada e executada,<br />

não somente no teatro, pelos atores, mas por qualquer pessoa, em qualquer atividade<br />

física.” (FERRACINI, 2001 p. 136).<br />

Os exercícios de aquecimentos foram os mais variados, na maioria dos<br />

encontros precedidos por um alongamento individual. Dentre os exercícios realizados<br />

podemos destacar o “aquecimento das articulações” (nomenclatura forjada pela profª<br />

responsável pela disciplina, Olívia C. Romano), este envolve o movimento preciso e<br />

individualizado de todas as articulações do corpo humano, focando somente em um<br />

ponto do corpo de cada vez. Para realizar este exercício iniciamos em posição de base,<br />

em pé, com a coluna reta e joelhos semiflexionados. Passamos a movimentar apenas<br />

um dos dedos do pé direito, em seguida outro dedo e assim por diante, passamos<br />

então aos dedos do outro pé, em seguida para o tornozelo. A movimentação segue até<br />

atingirmos o pescoço, objetivando sempre a individualização de cada articulação<br />

movimentada.<br />

Outro exercício utilizado foi um rápido energético, partindo do espreguiçar. A<br />

palavra energético nos sugere a busca de energia necessária a atuação e<br />

expressividade dos atores.<br />

“Uma proposta inicial é que o ator comece com um longo e<br />

generoso espreguiçar de toda a musculatura. Esse espreguiçar deve<br />

“rasgar a musculatura”, começando pelo chão, passando pelo plano<br />

médio e terminando em pé. A partir daí, esse espreguiçar começa e ser<br />

dinamizado até que o ator esteja pronto, física e organicamente, para<br />

21


puxar o “fio” que conduzirá seu trabalho pelo resto do tempo de<br />

treinamento.” (FERRACINI, 2001. p. 137).<br />

Logo após o aquecimento passávamos a trabalhar sobre a construção de cada<br />

personagem, individualmente e nas cenas, contracenando com os demais atores. Um<br />

primeiro passo para a pesquisa e criação dos personagens nas aulas de interpretação,<br />

foi especificar à professora Olívia Camboim, o que havíamos decidido sobre eles na<br />

disciplina de Prática de Montagem III.<br />

Clarim e Sua Voz Dispersa tem uma forma exótica, diferenciando-se das demais<br />

personagens. Fisicamente as duas atrizes deveriam trabalhar constantemente unidas,<br />

envoltas por um tecido que representa uma segunda pele. Individualmente passei a<br />

pesquisar posturas que me deixassem com uma base bem firme, pois sabia que em<br />

determinado momento teria que carregar a outra atriz e que esta base seria necessária.<br />

Por sugestão da professora, logo nas primeiras aulas, Sabrina Marthendal e<br />

Luciana May Vendrami passaram a trabalhar sempre juntas. Desde o momento do<br />

alongamento, durante os exercícios de aquecimento e preparação do corpo até a<br />

criação, buscando com isso uma ligação mais orgânica e movimentação precisa. O<br />

primeiro passo foi criar posturas, maneiras de se movimentarem, procurando listar as<br />

posturas e movimentos criados, tais como:<br />

* Levantar juntas de frente (sentadas no chão, de costas uma para a outra, cós os<br />

braços entrelaçados);<br />

* Levantar juntas de costas (sentadas no chão, de frente uma para a outra, segurando<br />

pelas mãos);<br />

* Abraço de criança (uma em pé, a outra abraçada no pescoço e com as pernas<br />

entrelaçadas na barriga);<br />

* De ponta cabeça (uma em pé, a outra “plantando bananeira”, com as pernas para o<br />

alto, segurando no pescoço da outra);<br />

* Canguta (uma sentada sobre os ombros da outra).<br />

* Carrinho de mão (uma em pé, a outra com as pernas presas pela cintura da que está<br />

em pé, com as mãos no chão, como em um “carrinho de mão”. Dá para correr.);<br />

22


* Abraço de criança 2 (uma em pé, a outra com as pernas entrelaçadas na barriga e o<br />

corpo pendendo para traz.);<br />

* Carregar feito “saco” (uma carrega a outra, feito um “saco”, em um ombro só.);<br />

* Duas cabeças (Em pé, abraçadas. Uma cabeça para cada lado.);<br />

Após essa pesquisa inicial percebemos que, devido ao fato desta movimentação<br />

ser bastante complexa (carregar uma pessoa nas costas, pendurada pela cintura,<br />

pescoço...), nossos corpos e expressões, estavam tensos, rígidos e o próximo passo foi<br />

conquistar uma fluidez para essa figura exótica.<br />

Durante o processo de criação, a personagem sofreu diversas modificações. Em<br />

determinado momento chegamos à conclusão que poderia ser alternado ora uma<br />

representaria a Voz Dispersa ora a outra e o mesmo aconteceria com o Clarim,<br />

alterando assim a critica e o sarcasmo. Porem essa definição também foi alterada<br />

durante o processo já que chegamos à conclusão que a idéia original deveria<br />

prevalecer, salientar, definir exatamente o Clarim como sarcasmo e a Voz Dispersa<br />

como crítica.<br />

Encontramos dificuldades na execução dos movimentos propostos para o<br />

personagem quando introduzimos o pano, que representa nossa segunda pele, o que<br />

os une, transforma-os em um outro ser. Essas dificuldades foram sanadas durante os<br />

ensaios e pesquisa corporal, quando conseguimos aprimorar nossa movimentação e<br />

adequar às posturas.<br />

A compreensão total do que se está fazendo em cena é fundamental para que o<br />

público tenha um bom entendimento do espetáculo. Para tanto a professora durante os<br />

ensaios nos questionava constantemente sobre o que estávamos fazendo. Após a<br />

resposta, repetíamos a cena procurando demonstrar o que havíamos dito. Muitas vezes<br />

temos tudo pronto em nossa mente, mas não estamos conseguindo transmitir<br />

corporalmente estas intenções, para que isso seja sanado a repetição se faz<br />

necessária.<br />

Já o processo de construção do personagem Segismundo, possui<br />

particularidades desafiadoras quanto ao trabalho de atuação do acadêmico Leomar.<br />

Este personagem oferece possibilidades para buscar romper com o que já foi<br />

pesquisado, indo para lugares obscuros e instáveis.<br />

23


Ele está enclausurado em sua torre, somente recebe a visita de Clotaldo seu<br />

tutor para lhe instruir nas ciências e na religião católica. Inicialmente não possui<br />

referências de sentimentos provenientes de relações com outros. Para desenvolver<br />

este momento realizamos exercícios que proporcionassem a pesquisa da relação entre<br />

o tutor e seu “submisso”.<br />

Este momento trabalhamos com o sapo, buscando a movimentação e<br />

características que apresentassem a inércia e submissão. Ainda com este animal<br />

interagimos com outros animais para buscar outras referências. O exercício passou<br />

pela fase de imitação e manutenção das características e este foi posto em uma<br />

situação imaginária, um elevador, com outros animais. Neste ambiente os animais<br />

estabeleceram relações que foram significativas para a construção de momentos<br />

animalescos para o Segismundo.<br />

Imitar os animais escolhidos, de forma que as características permanecessem<br />

dominadas, e também esgotar as possibilidades de movimentações do mesmo, permitiu<br />

memorizar fisicamente as caracterizações e qualidades encontradas. Neste momento<br />

percebemos como as características do animal puderam estar presentes no corpo dos<br />

atores.Os exercícios realizados na disciplina de Interpretação Teatral VII consistiam em<br />

buscar referenciais para a interpretação do personagem.<br />

A invasão da torre por Rosaura estabelece a primeira relação olho no olho com<br />

o Segismundo. A imagem da personagem no olhar da Rosaura representa o<br />

reconhecimento de si e a abertura para novas possibilidades. O encontro tem<br />

significado único na existência: a entrada deste indivíduo em uma rede de relações que<br />

pode ser perigosa, este contexto novo representa a motivação do personagem de<br />

romper com sua condição de prisioneiro e inserir-se num meio humano. Este momento<br />

o animal trabalhado foi o macaco em relação com o personagem da Rosaura.<br />

Para comunicar o momento em que a personagem percebe seu reflexo pela<br />

primeira vez foi necessário aproximar o olhar com olhar da Rosaura e as mãos dele<br />

estão tentando abrir o olhar para se perceber com mais nitidez. A maneira de trabalhar<br />

a interpretação deste encontro foi desenvolver a movimentação que comunique a<br />

identificação e reconhecimento de Segismundo. A relação inicia com um susto inicial,<br />

no momento do encontro, e segue quase com uma coreografia de exploração. Para que<br />

24


o momento comunique a sensação de estar conhecendo o novo ser que está a sua<br />

frente, foi necessário que uma movimentação precisa fosse construída. Esta<br />

movimentação surgiu de improvisações estabelecidas com o tema reconhecer-se e<br />

sentir de forma tátil.<br />

Outro estímulo que permitiu buscar referenciais de ações para o personagem<br />

foram as indicações apresentadas nos momentos de ensaio coletivamente. A<br />

professora instigou e questionou o que o personagem está fazendo em sua ação em<br />

relação com outros personagens e á situação. Os questionemos são válidos para<br />

estabelecer um ponto de reflexão e buscar realizar o que a situação necessita para<br />

comunicar o objetivo da cena. As contribuições das aulas de interpretação para a<br />

construção do Segismundo foram direcionados a fim de instigar a pesquisa por um<br />

personagem que está em contato com o meio social de forma forçada.<br />

Para desenvolver os momentos de agressividade presentes no contato com o<br />

universo social utilizou-se do tigre. As características do tigre que foram transpostas<br />

para o Segismundo. São a agressividade ao atacar sua presa, o comportamento<br />

sorrateiro que calcula seus movimentos para atingir seus objetivos.<br />

Outro exercício desenvolvido na disciplina foi do gato. Consiste em deitar na<br />

posição de um gato na varanda. Ao estímulo sonoro, oferecido pela professora, o gato<br />

necessita reagir, primeiro com a cabeça e depois com o corpo executando no máximo<br />

cinco movimentos. Estes movimentos podem ser de ordem qualquer, imediata,<br />

atendendo ao estímulo. Neste exercício podemos experimentar as reações imediatas<br />

do olhar a um acontecimento e estabelecer ações para reagir a este momento.<br />

Este exercício pode ser estímulo para construir ações das personagens.<br />

Construir referências motivacionais, preenchendo as ações que virão a ser construídas.<br />

A dificuldade encontrada no processo refere-se á encontrar a interpretação necessária<br />

para um personagem que não conhece a vida social, onde buscar estímulos para<br />

construir esta fisicidade e ações que representem esta ausência de reconhecimento, de<br />

referências de estruturas construídas na convivência social. É nesta ausência de<br />

referências que está a necessidade do personagem estar nu. De estar sem a roupagem<br />

estabelecida pela convenção social.<br />

25


O momento de nudez representa a condição nascer, crescer e tornar-se ser<br />

humano. A interpretação para este momento é bem específica o corpo está em<br />

evidência e necessita apresentar movimentação precisa para comunicar este momento.<br />

O texto não está presente, não temos falas, mas o subtexto que está subentendido é o<br />

nascimento, aprendendo a andar, crescimento e a apresentação da sua condição de<br />

enclausurado.<br />

3.2- A DISCIPLINA DE TREINAMENTO VOCAL V<br />

Nos momentos de preparação vocal experimentamos encontrar o ponto de apoio<br />

principal para produzir qualquer som, para após dar inicio a pesquisa de situações<br />

vocais do espetáculo. A respiração compreende elemento fundamental para a produção<br />

sonora vocal. Seja o som cantado ou somente falado, a voz é um instrumento<br />

importante na comunicação teatral. Assim como necessitamos dominar o corpo e a<br />

expressividade para comunicar em cena, também necessitamos conhecer a voz e suas<br />

possibilidades sonoras para utilizá-la como recurso comunicativo e objetivo.<br />

As aulas de Preparação Vocal nos oportunizaram pesquisar as possibilidades<br />

sonoras do espetáculo, conduzida a partir da pesquisa da equipe responsável pela<br />

sonoplastia. O professor da disciplina André Ricardo de Souza, sugeriu que os<br />

momentos sonoros construídos no prólogo da peça deveriam aparecer em diversos<br />

momentos em intensidade e volume diferenciados, ambientando as cenas, oferecendo<br />

ao público uma referência para o espaço em que se passa a cena.<br />

Nos momentos iniciais de pesquisa sonora encontramos o ponto de apoio<br />

necessário pra a voz ser corretamente produzida, sem riscos de lesionarmos as pregas<br />

vocais. Nos momentos seguintes concentramo-nos nas possibilidades de sonoridade<br />

que o espetáculo poderia apresenta.<br />

É importante destacar que a concepção sonora do espetáculo compreende toda<br />

a sonoridade presente para comunicar o que se objetiva com a montagem. As falas, os<br />

26


gestos vocais comunicam pelo tom vocal as emoções, sensações e intenções de cada<br />

expressão vocal do personagem que está comunicando-se pelo recurso oral.<br />

Os movimentos vocais presentes nas cenas atendem a interpretação e a<br />

necessidade de comunicar um estado momentâneo ou não de cada personagem. Nesta<br />

perspectiva a pesquisa direcionou-se ao mapeamento da sonoridade de cada<br />

personagem, procurando usar a imaginação para estabelecer criativamente a<br />

caracterização vocal pertinente para cada personagem.<br />

3.3- A DISCIPLINA DE PREPARAÇÃO CORPORAL PARA A CENA III<br />

O trabalho de preparação para a atuação está permeado pela busca<br />

incessante de conhecimento do corpo e as maneiras de usá-lo para a comunicação<br />

teatral. De um corpo desperto e extra-cotidiano, com mente e físico abertos e<br />

ampliados.<br />

O ator necessita buscar dentro de si impulsos, estímulos, romper<br />

aculturações com a finalidade de buscar a energia necessária para doar-se em<br />

representação teatral para um determinado público. Renato Ferracini, pesquisador<br />

contemporâneo no que se refere a treinar-se fisicamente para atuação, afirma: “O<br />

energético é um impulso inicial para o ator descobrir a sua flor, o primeiro contato com<br />

sua segunda natureza, com suas energias dilatadas e extra-cotidianas...” (FERRACINI,<br />

2001 p. 143). O energético é abordado como um caminho na busca por possibilidades<br />

expressivas.<br />

Na disciplina de Preparação Corporal pra a Cena III buscamos despertar este<br />

corpo energético e torná-lo disponível, sensível, possibilitando o ator usá-lo para a<br />

realização de sua arte. Na prática e pesquisa de atuação o ator necessita desconstruir<br />

seu corpo cotidiano para então abrir caminho ao corpo energético e presente, orgânico.<br />

Ferracini em sua pesquisa corpórea para a atuação aborda a busca por um corpo<br />

disposto de forma equilibrada.<br />

27


Na prática, um ator que possui técnica, quando em Estado Cênico, busca<br />

recriar um comportamento corpóreo que, de certa forma, habite este espaço<br />

“entre”. Nem um corpo somente mecânico e formalizado, nem um corpo<br />

somente “vivo”, informe e caótico; nem um comportamento cotidiano puro, nem<br />

um comportamento extracotidiano puro, mas um corpo ao mesmo tempo<br />

formal e orgânico, um corpo que se auto-alimentasse de sua própria<br />

potencialidade criando e recriando um comportamento extracotidiano<br />

transbordado dele mesmo e nele mesmo e que se lançasse para o espaço<br />

gerando, nesse lançamento uma zona de arte e de inclusão. (FERRACINI,<br />

2006. p. 82)<br />

Para se chegar a esta “zona de arte e de inclusão” durante o Estado Cênico,<br />

que fala Ferracini, faz-se necessário intensa preparação corporal, a qual acreditamos,<br />

passe também por um conhecimento de nós mesmos, nossas habilidades e limitações<br />

corporais. As limitações presentes na pesquisa de material espetacular, podem ser de<br />

diferentes ordens, desde físicas até psicológicas. O corpo pode se defender, ou criar<br />

mecanismos para impedir a desconstrução.<br />

O movimento necessita de precisão e intensidade adequada, precedido da<br />

intenção e significação para objetivarmos a comunicação que exige a proposta da<br />

montagem teatral. Temos então um aspecto importante que pode definir a<br />

representação teatral: a ação. Considerando que estamos em situação de<br />

representação, representando um personagem, para que este seja definido e<br />

percebido por sua caracterização e movimentação, necessita-se compreender o<br />

processo de criação deste movimento até a significação da ação.<br />

Na obra “A Arte de Não Interpretar como Poesia Corpórea do Ator”, Renato<br />

Ferracini expõe uma analogia em torno do nascimento do movimento, onde deixa claro<br />

o caráter compositor do ator que desenvolve sua organicidade de ações. Ele afirma:<br />

...a ação física nasce: da intenção vêm do élan e o impulso (ou impulsos) que,<br />

posteriormente, transformam-se em movimento na relação tempo/espaço; esse<br />

28


movimento é preenchido pelo ator com uma presença e uma dilatação corpórea<br />

que correspondem, em primeiro lugar, a um contato do ator com sua pessoa, sua<br />

“alma”, sua “verdade” e suas energias potenciais, configurando, assim, uma ação<br />

fisica orgânica. Essa organicidade deve gerar uma energia expandida e/ou<br />

dilatada e, finalmente, todos esses elementos devem ser manipulados, pelo ator,<br />

de forma clara, objetiva e precisa. (Ferracini, 2001. p 113)<br />

Nesta perspectiva podemos perceber os princípios da ação orgânica, onde<br />

ela pode surgir e externar no corpo energético as nuances do interior do ator. A<br />

natureza dos sentimentos despertados por esta pesquisa e energias surgidas podem<br />

ser uma maneira do ator perceber seu eu. Para isso o ator, posto em pesquisa, deve<br />

fundamentalmente perceber o que surge e identificar o que acontece fisicamente e<br />

emocionalmente com seu corpo em estado de pesquisa energética.<br />

Mas de que maneira podemos perceber ou identificar o que ocorre com<br />

nosso estado corporal? A dedicação e entrega podem ser passo inicial para se<br />

estabelecer uma relação de pesquisa. Depois de alcançar um nível de atenção corporal<br />

e mental dilatado, o ator pode observar e sentir de forma mais ampla o que seu corpo<br />

está apresentando. Quase um processo de auto-análise.<br />

A dedicação constante, a entrega à pesquisa e disciplina na busca deste<br />

princípio fundamental do teatro são elementos que definem as descobertas dos<br />

princípios que exercem fundamental influência na comunicação teatral. A resultante da<br />

pesquisa intensa corporal tende a ser um corpo dilatado energeticamente presente, um<br />

corpo orgânico.<br />

O trabalho físico está ligado a uma busca da ação orgânica e presente do ator.<br />

Segundo Ferracini, esta organicidade pode ser definida por verdade. “A palavra<br />

chave, então, para definir organicidade, parece ser verdade. Ou ainda, para<br />

Eugênio Barba, vida e credibilidade. Para se ter organicidade o ator deve estar<br />

pleno e verdadeiro em cena.” (FERRACINI. 2006, p. 66)<br />

Uma maneira de desconstruir o corpo cotidiano e permitir que o<br />

extracotidiano apareça pode ser o energético. Uma energia que possa emanar de<br />

29


nosso corpo possibilitando ao público perceber a representação de forma não racional,<br />

mas de forma energética, não reflexiva, mas sentida.<br />

Este trabalho de preparação consiste em estabelecer novas corporeidades, é<br />

como se o ator destruísse seus vícios corporais cotidianos para estabelecer um<br />

novo corpo dilatado. “O trabalho de treinamento energético busca quebrar o que<br />

é conhecido e viciado no ator, para que ele possa descobrir suas energias<br />

potenciais escondidas e guardadas” (FERRACINI, 2001. p. 138).<br />

Nesta perspectiva dos princípios citados anteriormente, buscamos objetivar o<br />

trabalho da disciplina de Preparação Corporal Para a Cena III, ao preparo físico dos<br />

atores para a montagem teatral e a busca de materiais criativos que possam ser usados<br />

para as cenas do espetáculo. Buscamos construir uma fisicidade específica para cada<br />

personagem, por meio de diferentes estímulos, pesquisar qualitativamente ações que<br />

os sustentem.<br />

Uma das técnicas utilizadas pelo grupo de alunos atores durante a<br />

preparação e pesquisa corporal, é a mímese de animais. Temos a mímese corpórea,<br />

que é uma linha de pesquisa praticada pelo Lume (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas<br />

Teatrais, da UNICAMP-Campinas-SP) que busca a imitação, codificação e teatralização<br />

de ações físicas e vocais encontradas no cotidiano.<br />

Já a prática estabelecida nesta pesquisa está cunhada na imitação e<br />

apropriação das caracterÍsticas de um animal determinado, para posterior humanização<br />

destas mesmas características, objetivando construir o aspecto físico das<br />

personagens. Este elemento de pesquisa pode ser estímulo para a criação de novas<br />

posturas. Pode significar ainda estímulo qualitativo na construção da fisicidade dos<br />

personagens.<br />

A pedido do professor da disciplina de Preparação Corporal para a Cena III,<br />

os alunos atores coletaram imagens ligadas ao tema “A Vida é Sonho”. Estas poderiam<br />

ser representações de pessoas, lugares, objetos, cores que sugerissem sensações e<br />

obrigatoriamente algumas deveriam ser de animais. A cada encontro novas imagens<br />

foram sendo solicitadas.<br />

30


As características de um animal transformam-se em elementos<br />

caracterizadores do personagem. As imagens coletadas pelos alunos sugerem uma<br />

ação. A imagem pode ser estímulo criativo quando sugere possibilidades de imaginar<br />

um contexto. Também podemos encontrar o ator permitindo-se estabelecer uma<br />

relação imaginária com este elemento.<br />

O processo de pesquisa a partir de imagens ocorreu da seguinte forma:<br />

primeiro imita-se fisicamente o animal, o mais preciso possível. Após esta etapa<br />

procuramos humanizar as características deste animal pesquisando possibilidades de<br />

movimentações. As posturas passam por uma etapa de memorização, energização<br />

física e dinamização das possibilidades levantadas. As ações levantadas oferecem<br />

possibilidades para organizar e definir a partitura de ações para as situações que foram<br />

desenvolvidas do personagem.<br />

Para o personagem Segismundo, o animal trabalhado inicialmente foi o macaco,<br />

dele construiu-se uma movimentação que curva o corpo, traz as mãos para frente<br />

quase tocando o chão. Neste momento a movimentação possui peso, curvatura da<br />

coluna, os olhos bem abertos e a boca fazem movimentos amplos.<br />

O corpo não é totalmente animalesco, possui algumas características do animal,<br />

por considerar que a personagem recebe instruções de um tutor que lhe oferece<br />

referências humanas, mas limitadas pelo capuz que o cobre o tempo todo. As<br />

características animalescas aparecem e desaparecem, quando ele se torna<br />

transtornado.<br />

Por sugestão do professor da disciplina de Preparação Corporal para a Cena III,<br />

Fábio Luis Hostert, outros animais foram utilizados para a construção da movimentação,<br />

para que as características não apresentassem um caráter óbvio. O outro estímulo<br />

animalesco teve sua fonte num pássaro nada comum, o albatroz. Quando Segismundo<br />

na torre, os sons mais constantes são os da natureza e de pássaros, que supostamente<br />

ele vê.<br />

O pássaro permitiu encontrar novas possibilidades físicas para construir novos<br />

movimentos. Os braços receberam um estímulo novo, ficam abertos e sugerem um<br />

31


elevar do corpo, um flutuar. De braços fechados encontrou-se uma postura de joelhos<br />

que se assemelha com o pássaro andando.<br />

Aqui surgiu um contraponto de energias que significaram as tensões que<br />

sustentam a movimentação. A dinâmica interna está estruturada em oposições que<br />

oferecem a movimentação sustentação e energia. O contraponto propõe momentos de<br />

ações leves, referentes ao albatroz, e pesada relacionadas ao macaco.<br />

Durante a pesquisa dos animais e apropriação das características, partimos<br />

para a “humanização” dos mesmos, ou seja, passar a andar, agir, de forma mais<br />

humana e manter a essência do animal que possibilitou aparecer caracterizações para<br />

os devidos personagens. As caracterizações físicas provenientes dos dois animais<br />

distintos foram mescladas para chegar a um outro aspecto de movimentação.<br />

Pesquisamos as ações com estímulos diversos, músicas, exercícios e imagens.<br />

O estímulo musical está diretamente ligado á construção de referenciais rítmicos para<br />

as cenas e para as ações. Representa um elemento significativo para a criatividade.<br />

Cada melodia pode sugerir movimentações e sensações que o ator pode memorizar e<br />

direcionar para seu objetivo o material levantado.<br />

4.0-CONCLUSÃO<br />

Construir uma dramaturgia fundindo dois textos complexos foi enriquecedor.<br />

A obra “A Vida em Comum” de Tzevetan Todorov é rica em detalhes e nos faz refletir a<br />

condição em que nos encontramos perante a sociedade, que influencia diretamente em<br />

nossas escolhas. A “Vida é Sonho” de Calderón de La Barca retrata o homem e suas<br />

relações de poder e influências perante a sociedade.<br />

Porém o trabalho de dramaturgia, demandou grande parte do tempo que<br />

tínhamos para a construção do espetáculo. Constatamos que a prática colaborativa<br />

necessita maior tempo para pesquisa e aprofundamento dos personagens e concepção<br />

do espetáculo.<br />

32


Levantar um espetáculo por meio da metodologia da prática colaborativa nos<br />

trouxe significativo aprendizado. Nos envolvemos amplamente em cada detalhe do<br />

espetáculo “A Vida é Sonho?” Discutimos com o professor diretor da disciplina de<br />

Prática de Montagem III as características físicas e psicológicas dos personagens, não<br />

só dos personagens que estávamos representando, mas também dos demais<br />

acadêmicos envolvidos. As decisões tomadas em conjunto nos tornam também<br />

diretores e responsáveis por cada ação apresentada. As conseqüências dessa prática<br />

é que tivemos uma ampla visão das necessidades de um espetáculo teatral. Suas<br />

possibilidades de construção e que um grupo de atores pode construir um trabalho<br />

espetacular com objetivos em comum, chegando a um resultado mais apropriado e<br />

orgânico.<br />

O corpo do ator compõe principal elemento na comunicação teatral. Ele, por<br />

meio de sua ação imprime significado ao que está realizando. O público age como co-<br />

criador, estabelecendo uma relação de recepção e transformação dos códigos<br />

presentes na ação. O espectador recebe pelos sentidos os signos presentes na<br />

encenação e eles ativam as suas lembranças e referencias que possibilitam identificar<br />

ou não aquilo que está à sua frente.<br />

A percepção da arte teatral está mais na esfera do sentir a atmosfera, sentir a<br />

energia da cena. O teatro possibilita ativar ao máximo as vias de percepção. Enquanto<br />

o espectador assiste a uma peça de teatro, ele pode estar com seus canais de<br />

percepção ativados para tentar perceber tudo o que se apresenta em tal espetáculo.<br />

O espetáculo”A Vida é Sonho?” apresenta possibilidades sensitivas que<br />

podem levar o espectador sentir-se envolvido de tal maneira que possibilite quase que<br />

um mergulho na historia de Segismundo. O início é marcado pela sonoridade e<br />

iluminação leve. Depois o visual e sonoro se fundem para apresentar a evolução e<br />

aprisionamento do então príncipe. A cena seguinte apresenta o ser dominado em sua<br />

realidade ociosa. Quando ele e encontra a Rosaura, sua mente encontra inquietação e<br />

dúvida. A socialização inadequada faz do príncipe um tirano. E as cenas finais<br />

apresentam-se com muita força dramática para representar o estado neurótico e<br />

inquieto do seu fim.<br />

33


“ A Vida é Sonho” possibilitou–nos pesquisar novas metodologias de<br />

construção, onde os atores assumem papel de construtores espetaculares. Eles<br />

passam a ser atores criadores, transformadores, interferindo na obra de arte e a obra<br />

de arte ganhando vida. O processo de criação, o nascimento da arte, necessita estar<br />

presente em qualquer campo artístico. Para sentirmo-nos artistas necessitamos<br />

estabelecer uma relação com a obra a ponto que a mesma seja um constante resultado<br />

de criação e expressão do interior,da visão particular de determinado artista. Uma obra<br />

de arte para existir como obra de arte necessita ser concebida por certo artista. A arte<br />

apresenta uma característica fundamental que é a criação. Quando este elemento não<br />

está presente a arte também se ausenta. Na criação encontramos a transformação,<br />

expressão e comunicação de algum signo determinado pelo artista.<br />

Este final de curso, apesar das condições precárias de pesquisa espetacular<br />

que ocorreu por conta de um TCC não previsto na grade curricular até o último<br />

semestre, conseguimos apresentar um trabalho que no permitiu sentir a arte criada,<br />

estruturada e entregue à um público. Estamos concluindo o curso de Bacharelado em<br />

Teatro e experimentamos a criação constante e intensa de uma obra de arte. Sentimo-<br />

nos artistas. Este é o maior e mais significativo Trabalho de Conclusão de Curso que<br />

nos torna artistas. Estamos felizes com o resultado e esperando que este exemplo de<br />

força, luta e amor pela arte possa ser exemplo para outros acadêmicos que queiram ser<br />

verdadeiros Artistas, criadores e recriadores de sua realidade e Arte.<br />

34


5.0-REFERÊNCIAS<br />

- FERRACINI, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator.<br />

Campinas: Ed. da UNICAMP; São Paulo: FAPESP: Imprensa Oficial do Estado de São<br />

Paulo, 2001. 300 p, il. , um CD-ROM.<br />

- OIDA, Yoshi; MARSHALL, Lorna. Um ator errante. São Paulo: Beca, 1999. 220p.<br />

- TODOROV, Tzvetan. A vida em comum: ensaio de antropologia geral. Campinas :<br />

Papirus, 1996. 175p. (Travessia do século). Traducao de: La vie commune: Essai<br />

dïanthropologie generale.<br />

- CALDERÓN DE LA BARCA, Pedro. La vida es sueño. Italien : La Spiga Languages,<br />

2001. 107 p. (Clásicos de bolsillo, 4).<br />

35


5.1-BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA<br />

- BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação: elaboração,<br />

codificação e sistematização de técnicas corpóreas e vocais de representação para o<br />

ator. Campinas: UNICAMP, 2001. 313p.<br />

- SAVARESE, Nicola, et al. A arte secreta do ator : dicionário de antropologia teatral.<br />

São Paulo: Hucitec, 1995. 271p.<br />

- STANISLAVSKI, Konstantin. Manual do ator. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 169p.<br />

- BRIKMAN, Lola. A linguagem do movimento corporal. São Paulo: Summus, 1989.<br />

111p.<br />

- BROOK, Peter. O ponto de mudança: quarenta anos de experiências teatrais : 946-<br />

1987. 2.ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1995. 321p.<br />

- GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. 4.ed. Rio de Janeiro :<br />

Civilização Brasileira, 1992. 220p.<br />

- ROUBINE, Jean-Jacques. A arte do ator. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. 98p.<br />

36


6.0-ANEXOS<br />

6.1 Anexo I<br />

ROTEIRO BÁSICO DA ADAPTAÇÃO DE 'A VIDA É SONHO' DE CALDERÓN DE LA<br />

Personagens:<br />

BARCA SOB A LUZ DE 'A VIDA EM COMUM' DE TZVETÁN TODOROV<br />

REI ASTRÓLOGO = Representa o Absoluto, o determinante do destino e dos desígnios<br />

de seu filho. Representa o Pai Onipotente (Deus) que confina seu rebento numa<br />

redoma, onde precisará sofrer com a sua sensação de incompletude e de dependência<br />

incondicional. Sua vontade é lei, a qual não se pode burlar.<br />

CLOTALDO = Representa os Mecanismos de condicionar e formatar o indivíduo,<br />

mantendo-o sob os ditames e limites da redoma. É a Educação e a Religião enquanto<br />

ferramentas sociais de detenção dos impulsos de libertação do indivíduo. Como no<br />

original, é o Tutor que, com esmero e dedicação, não deixa de ser caridoso e carinho<br />

com o Príncipe, como algumas professoras do ensino básico, por exemplo, que não<br />

deixam de ser disciplinadoras e castradoras, mesmo que maternalmente dispostas e<br />

disponíveis. Aparece sob mantos, revelando a ausência do olhar que determinaria o<br />

sentido de existir de Segismundo.<br />

SEGISMUNDO = Representa o Indivíduo, o indivisível. O sujeito diante de si mesmo e<br />

da sociedade em que está. Representa o foco da discussão do espetáculo. Enquanto<br />

cativo, é PROMETEICO (isto é, o homem aceitando sua condição de um ser submetido<br />

a Deus e que se conforma com tal condição). Durante o “sonho” torna-se FÁUSTICO<br />

(ou seja, o homem querendo suplantar sua condição humana, buscando superar a<br />

Deus e ao Diabo). Detém consigo o dilema do ser ou não ser.<br />

37


ASTOLFO e ESTRELA = Representam a ambição pelo poder. Durante o “sonho”<br />

instigam a tirania do príncipe, por saber que isso determinará ascender ao trono. São<br />

ambiciosos e ardilosos. Criam situações que envolvem e comprometem tudo e todos<br />

em suas buscas pelo poder. Representam o conflito. Entre si nutrem conveniências e<br />

favores. Inventam um amor que irá uni-los no poder, mas tão frágil quanto um cristal,<br />

que corre riscos constantes de se desfazer. São patéticos, portanto cômicos.<br />

ROSAURA = O símbolo da determinação e da coragem. Servirá de espelho para<br />

Segismundo. Mostrará que o ser humano é (ou poderia ser) um ser sem limites na<br />

busca de sua transcendência. Veste-se de homem para burlar os ditames impostos,<br />

apesar de não acreditar que o ser humano precise se definir como homem ou mulher<br />

para impor-se diante da vida. É o estopim das descobertas de Segismundo e o alvo de<br />

seu amor e encantamento pelas possibilidades da vida.<br />

Obs.: Até aqui os personagens têm uma profunda ligação com o original, porém,<br />

diferenciados pelo novo roteiro e enfoque seguidos no espetáculo. Ficar atento a isso<br />

na composição dos personagens.<br />

A MÃE = Representa a lacuna existencial de Segismundo. Ao morrer no parto, priva-lhe<br />

do olhar inicial de aceitação e reconhecimento. Aparece em outros momentos da peça,<br />

servindo de consolo e amparo. Também não tem um rosto definível. É mais uma<br />

sensação, uma presença não física para Segismundo. Não existe no original, sendo um<br />

elemento de ligação entre as duas obras referenciais de nossa obra (i.e., Calderón e<br />

Todorov).<br />

CLARIM E SUA VOZ DISPERSA = Tem a função da crítica e da situação do público<br />

diante da trajetória de Segismundo. Serve de ponte entre os personagens “abstratos” e<br />

os “naturais” do espetáculo. Divide-se em dois – por esse motivo feito por dois atores –<br />

sendo uma das partes aquela irônica e inconsequente e outra a reflexiva, que faz com<br />

38


que todos ali não se afastem de uma avaliação de si mesmos diante do mundo. É uma<br />

adaptação do original, mantendo nuances. Às vezes contundente e desconcertante.<br />

OS SIGNOS = Os mais significativos personagens “abstratos” da peça, representam os<br />

presságios contidos no “inconsciente universal”, segundo o Rei Astrólogo. Agem e<br />

discursam como analogia. São símbolos. Seres ficcionais de outra ordem. Exercem a<br />

função de trazer os temas de Todorov ao espetáculo, que são levados adiante na<br />

dramaturgia através do Rei Astrólogo e de Clarim e sua voz dispersa.<br />

OS 4 PODERES = São funções sociais representadas, as quais são confrontadas por<br />

Segismundo em seu “sonho”. São forças que aparecem personificadas por<br />

simbologias. Exercem o “gestus social” brechtiano, sobre o qual se tece a<br />

desfamiliarização da sociedade – portanto o distanciamento - no espetáculo. São eles:<br />

O ILUSIONISTA = A Mídia que sustenta a ilusão de tirania de Segismundo<br />

O MAGISTRADO= O legislador, o que estabelece as normas<br />

O RELIGIOSO = O Apaziguador dos ânimos. O que exerce uma ação nas emoções das<br />

pessoas.<br />

O GENERAL = A Força Bruta. O bélico e o Disciplinador.<br />

GUARDAS = Representam as paredes da torre. Não têm rosto, portanto, sem<br />

identidade. Servem a Clotaldo.<br />

PRÓLOGO<br />

Rei Astrólogo e os signos = Quando o rei estabelece o destino de seu filho, uma vez<br />

que lê nos astros que ele será um tirano quando ascender ao trono. É quando decide<br />

trancá-lo numa torre.<br />

A Mãe e os signos = Quando acontece o parto de Segismundo e a morte da mãe,<br />

motivo da confirmação da decisão do rei.<br />

39


Segismundo e os signos = Quando se apresenta Segismundo já adulto, nú e confinado.<br />

Os signos enfatizam seus desígnios.<br />

JORNADA ÚNICA<br />

Cena 1<br />

Segismundo e Clotaldo = Quando se mostra a real condição de Segismundo. Ou seja,<br />

um indivíduo sem a noção de suas potencialidades, totalmente dominado por Clotaldo,<br />

que o mantém fraternalmente numa redoma. Há indícios da tutoria exercida de um para<br />

o outro.<br />

Cena 2<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa = Quando aparece Rosaura vestida de homem em<br />

busca de algo. Está em busca de alguém que não sabe muito bem quem é, mas que é<br />

– segundo sua mãe – o seu pai. Dar enfoque nela como a humanidade em busca de<br />

um Deus que não se vê, mas que se ouviu falar da existência. Dar um toque becketiano<br />

(godot) à cena.<br />

Cena 3<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa e Segismundo = Quando Segismundo é descoberto<br />

pelos demais e quando vê pela primeira vez um rosto humano, isto é, o de Rosaura.<br />

Reconhece-se através dos olhos dela. Percebe-a como uma extensão de si mesmo.<br />

Questiona sua condição. Acende em si a necessidade de transcender sua condição. É<br />

– metaforicamente – a passagem da condição prometeica para os primeiros indícios da<br />

fáustica.<br />

Cena 4<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa, Segismundo, Clotaldo e seus guardas = Quando<br />

os intrusos são flagrados em sua audácia e são ameaçados e retirados de cena pela<br />

40


vigilância, que após um vacilo, está novamente de prontidão. Segismundo dá indícios<br />

de querer ir além de si mesmo. Blecaute.<br />

Cena 5<br />

Estrela e Astolfo = Apresentam a real situação do Rei Astrólogo, as suas<br />

descendências, ambições e ligações com o poder. Traçam seus planos e firmam<br />

compromissos.<br />

Cena 6<br />

Estrela, Astolfo e o Rei Astrólogo = Reencontram-se depois de muito tempo. Falam<br />

sobre Segismundo e a decisão de colocá-lo na sociedade para que se certifiquem de<br />

que os presságios estejam corretos ou não. O rei quer, antes de delegar o reino ao<br />

casal de sobrinhos, perceber o seu filho, até então tido como natimorto, em ação com o<br />

poder.<br />

Cena 7<br />

Estela, Astolfo, o Rei Astrólogo e Clotaldo = Clotaldo chega trazendo a notícia da<br />

invasão de Rosaura e seu acompanhante, quando é informado pelo próprio rei que ele,<br />

o príncipe, deverá ser socializado, tomando o poder. Para isso combinam colocá-lo na<br />

ilusão de que é um “sonho”, para aí decidirem o seu destino na “vida real”.<br />

Cena 8<br />

Clotaldo e o Rei Astrólogo, Clarim e sua voz dispersa às escondidas = O rei e Clotaldo<br />

confidenciam a execução do plano. Clotaldo descreve a ação. Basílio – o rei – pede<br />

para que se esteja preparado para caso o novo rei seja realmente um tirano, ficando<br />

acordado que o mesmo, neste caso, deveria voltar à torre e achar que teve um sonho<br />

apenas. Clarim ouve tudo e permanece quando os dois saem.<br />

41


Cena 9<br />

Clarim e a sua voz dispersa = Fala do destino que traçaram para Segismundo e avalia<br />

algo sobre a formatação de um criminoso. Se assim plantaram, assim colherão.<br />

Cena 10<br />

Clarim e sua voz dispersa e Rosaura = Rosaura chega trazendo a angústia de não<br />

encontrar quem procura. Clarim lhe diz sobre o “sonho” que o rei encomendou e a<br />

necessidade de interferir, não deixando que os presságios se confirmem e o príncipe<br />

possa ter outra referência, além daquela que estão 'armando' para ele. Ela decide<br />

interceder quando e o quanto possível. Anunciam a mudança de ares. O show devia<br />

começar naquele exato momento.<br />

Cena 11<br />

Um clima de show em um cabaré vagabundo se instaura e diversos personagens-tipo<br />

confundem-se com os demais personagens que até agora estiveram no espetáculo,<br />

exceção feita aos signos e guardas. Todos tomam ares de um artificialismo sem igual.<br />

Tudo se torna exagerado e forçado. Há muita música e uma sensação de embriagues.<br />

É um típico clima brechtiano. Clotaldo, Estrela e Astolfo perambulam pelo espaço como<br />

marionetes, tais como os personagens que representam os 4 poderes. Clarim e sua voz<br />

dispersa sente-se à vontade para agir e interagir num ambiente como aquele. O caos é<br />

a tônica da cena, demonstrando a “babel” humana, sua sociedade e seu<br />

funcionamento. Além disso, demonstrar o quanto estranhos são os hábitos do indivíduo<br />

em sociedade e o quanto a própria sociedade se policia e se monitora, tornando-se não<br />

humana.<br />

Cena 12<br />

Os quatro poderes tomam a cena juntamente com Segismundo, os demais ficam em<br />

segundo plano, em movimentos lentos e caricatos. Os 4 vestem Segismundo com os<br />

tons do “sonho”. Apresentam-se e percebem-se. Cada poder está pintado com cores<br />

42


muito fortes e em traços grotescos até. Segismundo foi artificializado em sua forma<br />

exterior.<br />

Cena 13<br />

Um dos poderes se contrapõe ao novo rei. É o legislador impondo regras há muito tidas<br />

como consenso naquele reino. Insuflado pela sutileza de sugestões dadas por Estrela e<br />

Astolfo, decide livrar-se dele, anulando o poder legislativo constituído para reinar<br />

absoluto, impondo as regras conforme as suas necessidades pessoais. Para tal, manda<br />

matá-lo, deixando atônitos todos os presentes.<br />

Cena 14<br />

Clarim e sua voz dispersa e os demais = Clarim comenta sobre o indício de que os<br />

presságios estavam sendo cumpridos. Fala do primeiro passo de qualquer tirano: a<br />

eliminação das legislaturas. Os comentários são tão ambíguos e intrigantes que todos<br />

se percebem tocados, sem acreditar em tamanha audácia. Segismundo dá sinais de<br />

uma reação quando é interceptado pelo ilusionista, que o chama a atenção quanto à<br />

condição de bobo do audacioso.<br />

Cena 15<br />

Clotaldo se manifesta. Diz a Segismundo que seja mais comedido se desejar reinar e<br />

que não deve sentir-se já o todo-poderoso, porque ainda está vivo o legítimo rei.<br />

Roubando uma espada que estava à mão, Segismundo desfere – com uma espada de<br />

alegoria,daquelas retráteis – um golpe “mortal” em Clotaldo, dizendo que se sentia feliz<br />

em eliminar de vez a redoma em que o velho que acaba de matar o mantinha.<br />

Cena 16<br />

Rosaura intercede. Entra de maneira natural, destoando totalmente dos demais<br />

componentes do quadro do “sonho”. Tal interferência chama muito a atenção de<br />

Segismundo que ordena que tudo pare para que ele possa se aproximar e conhecer tal<br />

criatura tão ímpar. Ao olharem-se nos olhos, ele imediatamente muda. Aliás a cena<br />

43


muda e um foco concentra-se no mesmo reconhecimento do olhar. Diz que já se<br />

espelhou em olhos tão grandiosos, mas que não se lembra de ninguém parecido com<br />

ela. Volta a ser o ser poético e puro que encontrou Rosaura vestida de homem.<br />

Cena 17<br />

O rei astrólogo percebe toda a cena e percebe que seu filho, ali, naquele momento,<br />

mostrou seu lado humano mais louvável. O ilusionista aproveita a deixa e enaltece as<br />

virtudes e valores do novo rei, tentando persuadir a todos para a tese de que isso<br />

suplanta os ajustes que foram precisos na equipe do novo governo.<br />

Cena 18<br />

O rei se manifesta repudiando dois assassinatos no primeiro dia do novo governo. É<br />

confrontado por Segismundo, como quem contesta a autoridade de um pai ausente e<br />

longínquo, invisível.<br />

Cena 19<br />

Mesmo assim, o rei astrólogo decide levá-lo de volta à torre, fazendo valer seu plano de<br />

concluir o “sonho”. Astolfo oferece-lhe um brinde. Bebem juntos. Segismundo cambaleia<br />

até cair. Blecaute.<br />

Cena 20<br />

Cena de transição, na qual todo o elenco transforma a cena para o Epílogo. Há música<br />

cantada, acompanhada por percussão corporal.<br />

Cena 21<br />

Segismundo é preso novamente tal como o vimos no início do espetáculo. Está<br />

adormecido. Clotaldo e os Guardas o repõem na torre. Estão novamente cobertos.<br />

44


Cena 22<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa estão novamente clandestinos, desta vez fugindo<br />

daquele castelo. Antes de irem, Segismundo desperta e os três discutem a sua situação<br />

de prisioneiro. Um tirano formatado pela sociedade. Despedem-se.<br />

EPÍLOGO<br />

Segismundo conversa com os signos e conclui ser a vida um sonho, ilusão é realidade.<br />

Fala sobre as razões sociais do ser. NOVAMENTE 'A VIDA EM COMUM' INSPIRA O<br />

CONTEÚDO.<br />

A mãe retorna e ele se pergunta se ela é sonho. Ela não lhe responde nada, a não ser<br />

um beijo que ela lhe dá. Ele adormece.<br />

Há um encontro entre ela e o rei astrólogo. Depois ela some como por encanto, no meio<br />

de uma conversa. Resta ao rei conversar com os signos, que são implacáveis com ele.<br />

OS SIGNOS RELUZEM NO CÉU.<br />

F I M<br />

45


6.2- ANEXO 2<br />

A VIDA É SONHO<br />

PRÓLOGO<br />

I<br />

Rei Astrólogo e os signos = Quando o rei estabelece o destino de seu filho, uma vez<br />

que lê nos astros que ele será um tirano quando ascender ao trono. É quando decide<br />

trancá-lo numa torre.<br />

Do alto os 'Signos' sonorizam a cena e projetam fachos de luz no piso, como<br />

pontos de referência para o Rei Astrólogo que tenta decifrar as indicações, ao<br />

mesmo tempo que desenha um complexo esquema no chão com um pedaço de<br />

giz. O esquema deverá lembrar um mapa astral, cujo centro é o local do<br />

nascimento de Segismundo. Palavras – frases - são ditas ao léu. O Rei responde<br />

com as suas interpretações dos enigmas proferidos.<br />

Depois de reflexões e rompantes passionais, o Rei estabelece:<br />

Rei Astrólogo – Teu destino está traçado... não verás ninguém e nada mais, a não<br />

ser os muros de uma torre que estará construída para quando chegares, lá tu<br />

nascerás e passarás teus dias... terá a tua dimensão... terás um tutor que ouvirás,<br />

apenas, ouvirás falar do mundo... Viverás, mas não terás nenhum sentido de<br />

existir... Vamos conter a tua tirania...<br />

II<br />

46


A Mãe e os signos = Quando acontece o parto de Segismundo e a morte da mãe,<br />

motivo da confirmação da decisão do rei.<br />

Os fachos de luz vão se dissipando com a saída abrupta do Rei Astrólogo. Sons<br />

tomam novamente a cena. Os fachos de luz voltam a ser direcionados, desta vez<br />

confluindo para a barriga da mãe que está em trabalho de parto.<br />

“... o filho do rei está nascendo... conduzam bem este parto... não deixem que se<br />

perca esse olhar... pois o olhar da mãe introduz o ser na existência... Olhar para<br />

alguém é reconhecer a existência desse alguém... o olhar da mãe é o primeiro<br />

espelho pelo qual a criança quer ser vista... não deixem que se dissipe esse olhar!<br />

Não, não deixem!... (Pausa) É tarde demais!” (Purpurina é jogada na cena, sobre a<br />

figura da mãe que silenciou.)<br />

Gritos anunciam a morte da rainha e de seu filho, o herdeiro do trono da Polônia...<br />

O rei chora a perda e confirma sua decisão de trancafiar o filho como vingança<br />

pela morte da amada rainha. E que ninguém saiba da sobrevivência dele.<br />

“O filho ao crescer tem a necessidade de rejeitar o consolo dos pais e deseja uma<br />

pluralidade de reconhecimentos.”<br />

III<br />

Segismundo e os signos = Quando se apresenta Segismundo já adulto, nu e confinado.<br />

Os signos enfatizam seus desígnios.<br />

Sons do cosmos tomam a cena. Os fachos de luz concentram-se, cada qual, nos<br />

rostos dos atores.<br />

Signo 1 - Se pudéssemos criar um ser humano no isolamento, ele não poderia<br />

nada julgar, Signo 2 - ...nem a si próprio...<br />

Signo 3 - ... não teria um espelho para se olhar...<br />

Signo 4 - Coloque essa pessoa na sociedade e terá o espelho que lhe faltava.<br />

47


JORNADA ÚNICA<br />

Cena 1<br />

Segismundo e Clotaldo = Quando se mostra a real condição de Segismundo. Ou seja,<br />

um indivíduo sem a noção de suas potencialidades, totalmente dominado por Clotaldo,<br />

que o mantém fraternalmente numa redoma. Há indícios da tutoria exercida de um para<br />

o outro.<br />

Clotaldo - Há coisas que não estão ao teu alcance, nem na tua compreensão.<br />

Concentra-te no mundo dos objetos... Explorar o mundo não significa modificá-<br />

lo... Tudo é assim há séculos... Tudo de que se precisa para viver tens a teu<br />

dispôr... Os mistérios da existência são de outra ordem... da ordem dos deuses...<br />

A eles devemos deixar tais questões... Hoje te concentra nos sons do mundo e ...<br />

Segismundo – Por que não posso olhar teu rosto, Clotaldo? És de outra ordem,<br />

que não seja a minha?<br />

Clotaldo – Um intermediário, digamos assim...<br />

Segismundo – Quem está além de ti, a quem intermedias?<br />

Clotaldo – Teu pai... a quem deves conformar-te, aceitando os desígnios por ele<br />

traçados para ti...<br />

Segismundo – Por que não o vejo? Ele, o arquiteto dos meus desígnios, não<br />

expõe sua face...<br />

Clotaldo – Ele é semelhante a ti... aliás, tu és semelhante a ele... Já tens o seu<br />

reconhecimento... Ele olha por ti... A ti cabe a obrigação de exercer a tua função,<br />

essencialmente...<br />

Segismundo – E qual seria a minha função...<br />

Clotaldo – Viver, apenas... o que já é de grande significação... (Sai. Segismundo<br />

volta ao seu estado original.)<br />

Temas:<br />

Reconhecimento de conformidade: aquele que obtêm seu reconhecimento pelo<br />

fato de se conformarem aos usos das normas que consideram apropriados a sua<br />

condição.<br />

Reconhecimento superior: obrigados a exercer uma função essencial.<br />

48


Cena 2<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa = Quando aparece Rosaura vestida de homem em<br />

busca de algo. Está em busca de alguém que não sabe muito bem quem é, mas que é<br />

– segundo sua mãe – o seu pai. Dar enfoque nela como a humanidade em busca de<br />

um Deus que não se vê, mas que se ouviu falar da existência. Dar um toque becketiano<br />

(godot) à cena.<br />

Os dois, Rosaura e Clarim são mendigos, tal como os mendigos Estragon e<br />

Vladimir de 'Esperando Godot'. Ela é homem nesse momento e ele, Clarim, é, na<br />

verdade, dois.<br />

Rosaura – Tem certeza que é aqui?<br />

Clarim – O que?<br />

Rosaura – Que era para esperar.<br />

Clarim – Ele disse aqui... Que é que tu queres insinuar, que a gente errou o lugar<br />

de novo?<br />

Rosaura – Ele já devia estar aqui.<br />

Clarim – Ele não garantiu que vinha.<br />

Rosaura – E se ele não vier?<br />

Clarim – A gente volta amanhã.<br />

Rosaura – E se ele não vier, depois de amanhã.<br />

Clarim - É possível...<br />

Rosaura – Veja... uma torre...<br />

Clarim – Como qualquer outra nestas paragens...<br />

Rosaura – Estou determinada ao descanso esta noite... Chega de vagarmos em<br />

busca de alguém que nunca encontramos... Estou cansada...<br />

Clarim – Prudente...muito prudente... escalamos, então, a montanha de pedras...<br />

Rosaura – Como uma última atitude de hoje...<br />

Cena 3<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa e Segismundo = Quando Segismundo é descoberto<br />

pelos demais e quando vê pela primeira vez um rosto humano, isto é, o de Rosaura.<br />

49


Reconhece-se através dos olhos dela. Percebe-a como uma extensão de si mesmo.<br />

Questiona sua condição. Acende em si a necessidade de transcender sua condição. É<br />

– metaforicamente – a passagem da condição prometeica para os primeiros indícios da<br />

fáustica.<br />

Os dois chegam na torre. Segismundo é despertado por Rosaura. Os dois se<br />

olham nos olhos. Segismundo encanta-se e se reconhece como num espelho. Até<br />

aquele momento nunca um objeto ou superfície reflexível havia sido colocado a<br />

sua frente.<br />

Clarim – Esse é um momento que pode interferir no modo do indivíduo ver a sua<br />

realidade.<br />

Rosaura – (Olhando fundo nos olhos dele) Onde estão as tuas lembranças?<br />

Pareces nunca ter visto um par de olhos, meu jovem...<br />

Segismundo – É a primeira vez que vejo... somente o toque de minhas mãos na<br />

minha cara me sugeriam uma imagem minha... agora me reconheço em ti.<br />

Clarim - O reconhecimento determina a entrada do indivíduo na existência<br />

especificamente humana.<br />

Rosaura – A quanto tempo esperas aqui?<br />

Segismundo – Desde criança indefesa... não sei nada mais que as coisas que<br />

Clotaldo, meu tutor, me ensinou...<br />

Rosaura – Então, conhece outros olhos,...<br />

Segismundo – Nunca... os outros seres que conheço usam mantos... suas faces<br />

são para mim um mistério, assim como a minha própria face...<br />

Rosaura – Sempre ouvi dizer que precisamos da imagem do outro para construir<br />

a nossa... O sujeito identifica-se em seu sentimento de si à imagem do outro.<br />

Segismundo – Eu me encontrei ao ver os teus olhos... creio que há algo a mais...<br />

Rosaura – Tens agora o sentido do existir...<br />

Clarim - A fronteira que separa viver e existir é a mesma que separa o homem dos<br />

animais.<br />

Segismundo – Quem és?<br />

Clotaldo – (dentro) Guardas desta torre, deixaram duas pessoas violarem o<br />

cárcere...<br />

50


Cena 4<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa, Segismundo, Clotaldo e seus guardas = Quando<br />

os intrusos são flagrados em sua audácia e são ameaçados e retirados de cena pela<br />

vigilância, que após um vacilo, está novamente de prontidão. Segismundo dá indícios<br />

de querer ir além de si mesmo. Blecaute.<br />

Os guardas cercam o trio: Segismundo e os dois intrusos.<br />

Clotaldo – (entrando) O que isso quer dizer? Como podem ter entrado...<br />

Rosaura – Estávamos exaustos e o acaso nos trouxe até aqui... Achávamos que<br />

era outra torre abandonada dessa região...<br />

Clotaldo – Na proibição passaram contra o decreto do rei da Polônia... devem ser<br />

imediatamente levados a ele que passará pessoalmente o fio da navalha...<br />

Clarim - Cremos erroneamente que os outros nos querem bem; se nos<br />

tornássemos lúcidos, a sociedade desaparecia.<br />

Rosaura - Não tínhamos a mínima intenção de burlar a lei... não sabíamos...<br />

estamos indo embora agora...<br />

Clotaldo – Não há volta... tal invasão vai além... quebram com um plano<br />

estipulado e um destino traçado...<br />

Segismundo – Que dizes, Clotaldo? Que plano é esse? Falas do meu destino?<br />

Clotaldo – Para o teu bem... para o teu bem, meu caro... Se tu sabes – porque já te<br />

falei muitas vezes – que teus males são tão grandes e que por lei do céu morreste<br />

antes de nascer, porque reclamas? (Aos guardas.) Levem estes dois intrusos<br />

para a morte que merecem... Isolem a torre, fechem as celas... (Dois dos guardas<br />

levam Rosaura e Clarim que não reagem. Outros cuidam de Segismundo.<br />

Segismundo – Que bem fazes ao me tirar a liberdade? Por que me tiras os<br />

direitos? (Continua a clamar por liberdade.)<br />

Rosaura – (A Clotaldo, que instiga a truculência) As relações com os outros<br />

desenvolvem o ser. Isso faz o homem ser o que é, elas são a fonte de suas<br />

virtudes e de seus vícios.<br />

51


Clotaldo - O selvagem vive em si mesmo, o homem sociável sempre fora de si<br />

mesmo, não sabe viver senão de acordo com a opinião dos outros e é, por assim<br />

dizer, que o preservamos nesta redoma...<br />

Rosaura – Preservam?<br />

Clotaldo - A sociabilidade é o real. O ideal é a solidão, pois também verdade<br />

profunda de nossa natureza: nestes anos todos, esse foi sempre o meu mote,<br />

aquilo que me justifica...<br />

Rosaura – O que esperar de alguém de quem foram retirados os sentimentos de<br />

sua própria existência? Sabem que formatam um sujeito apto para o crime?<br />

Clotaldo – Guardas, levem estes dois daqui...<br />

Clarim - O reconhecimento de nosso ser e a confirmação de nosso valor são o<br />

oxigênio da existência.<br />

Cena 5<br />

Estrela e Astolfo = Apresentam a real situação do Rei Astrólogo, as suas<br />

descendências, ambições e ligações com o poder. Traçam seus planos e firmam<br />

compromissos.<br />

Cena que apresenta os dois primos em sua busca pelo poder. Cena intermediária,<br />

com função de entreter, além de 'discutir' os seguintes temas: “Façamos com que<br />

nosso contentamento dependa de nós mesmos.” e “Todo apego é um sinal de<br />

insuficiência.”<br />

Cena 6<br />

Estrela, Astolfo e o Rei Astrólogo = Reencontram-se depois de muito tempo. Falam<br />

sobre Segismundo e a decisão de colocá-lo na sociedade para que se certifiquem de<br />

que os presságios estejam corretos ou não. O rei quer, antes de delegar o reino ao<br />

casal de sobrinhos, perceber o seu filho, até então tido como natimorto, em ação com o<br />

poder.<br />

Estrela – Sábio, Douto, Basílio...<br />

Astolfo – Nosso tio, senhor nosso, que entre os signos...<br />

Estrela - ... Entre os astros...<br />

Astolfo – Hoje governas... Resides...<br />

52


Estrela – E seus caminhos, seus rastros, descreves, marcas e medes...<br />

Astolfo – Deixa que em ternos abraços nos encontre...<br />

Rei – Sobrinhos, venham ao meu encontro, já que a meu chamado atenderam tão<br />

afetivamente. (Abraçam-se)<br />

Estrela – Salve, Polônia...<br />

Astolfo - ...estamos a vossa disposição, tio<br />

Rei – Chamei-os para que eu faça um acordo...<br />

Astolfo – Acordo?<br />

Rei – Sabem vocês, que os herdeiros mais diretos do trono da Polônia são vocês<br />

e que eu, velho, preciso de continuidade... (Os dois se sentem melindrados e<br />

cheios do poder) Mas, há algo que eu preciso que saibam... uma condicional...<br />

Estrela – Condicional? O que poderia impedir essa ordem natural das coisas?<br />

Rei – Meu filho, Segismundo...<br />

Estrela – Filho, meu senhor?<br />

Astolfo – Teríamos nós um primo, com prioridade na sucessão?<br />

Rei – Sim, minha amada Clorilena, minha esposa, rainha esplendorosa, como<br />

sabem, morreu no parto de nosso primogênito.<br />

Estrela – Como todos sabemos...<br />

Rei – Mas, o filho que dissemos ter morrido, na verdade vive mísero, pobre e<br />

cativo numa torre, onde Clotaldo lhe tem falado, tratado e visto, ensinando-lhe<br />

ciências. Na lei católica o tem instruído...<br />

Astolfo – Uma notícia aterradora... se formos ver ... quer dizer...<br />

Estrela – Com certeza, inesperada e contundente...<br />

Rei – Os astros disseram – em sua clara referência – que das entranhas de minha<br />

mulher nasceria um monstro em forma de homem e, no seu sangue, lhe dava a<br />

morte, nascendo víbora humana do signo. Correndo aos meus estudos neles vi<br />

um grande aviso que Segismundo seria o mais atrevido e cruel monarca que se<br />

ouviria falar... Considerando a morte da mãe como o primeiro indício dos<br />

presságios, resolvi encurralar a fera que tinha nascido. Fiz constar que ele viera<br />

natimorto e, prevenido, mandei erguer uma torre entre penhascos e abismos,<br />

onde apenas a luz encontra brecha e os sons vêm dos ventos e pássaros...<br />

53


Estrela – Não consigo deixar de dizer que estou estupefata...<br />

Astolfo – Eu... nem sei... o que... dizer...<br />

Rei - Os homens não viveriam muito tempo em sociedade se não enganassem<br />

uns aos outros. (Pausa. O rei se surpreende com sua própria audácia.) Cada um<br />

de nós nasce duas vezes: na natureza e na própria sociedade, para a vida e para a<br />

existência; tanto uma quanto a outra são frágeis. No caso de Segismundo, nasceu<br />

apenas uma vez. Somente na natureza, para a vida. Tal história tem mantido em<br />

mim uma lacuna, a de não ter percebido o meu filho na sociedade. Não me sinto<br />

muito longe da idéia de um tirano. Sinto-me um tirano ao privá-lo do convívio e do<br />

reconhecimento de sua existência.<br />

Astolfo – Não devias sentir-se assim, nosso soberano. Há de existir uma solução<br />

para isso...<br />

Estrela – Sim, uma solução que possamos colocá-lo assim na verdade... sem ser<br />

verdade... assim... sei lá... entende?<br />

Rei – Sei, sim... uma solução genial: pediremos um remédio tal que lhe conturbe<br />

os sentidos. Hei de pô-lo amanhã, sem que saiba, no convívio com o social,<br />

elevando-lhe à condição de soberano. Daremos a impressão de um sonho. Isso<br />

mesmo, um sonho em que poderá viver os seus dias de reinado e perceber se se<br />

cumprem os presságios. Caso seja benigno, cordato e prudente, deixemos que o<br />

sonho seja eterno, porém, se surgir soberbo, atrevido e cruel, o sonho lhe será<br />

breve.<br />

Estrela – Que devemos fazer?<br />

Astolfo – Devemos... fazer... algo,... mesmo?<br />

Clotaldo – (de fora) Senhor rei, peço-vos a atenção... É grave a situação...<br />

Cena 7<br />

Estela, Astolfo, o Rei Astrólogo e Clotaldo = Clotaldo chega trazendo a notícia da<br />

invasão de Rosaura e seu acompanhante, quando é informado pelo próprio rei que ele,<br />

o príncipe, deverá ser socializado, tomando o poder. Para isso combinam colocá-lo na<br />

ilusão de que é um “sonho”, para aí decidirem o seu destino na “vida real”.<br />

Rei – Entre e diga o que há...<br />

54


Clotaldo – (entrando, reverência rápida e incompleta) capturamos intrusos na<br />

torre... (referindo-se aos demais ouvintes, pedindo um aparte) na torre principal...<br />

Rei – Calma, estamos todos a par da situação de Segismundo...<br />

Clotaldo – Pensei que...<br />

Rei – Repensei... Vamos socializá-lo... colocá-lo em sua função de soberano, para<br />

observar seus atos. Não podemos fazer um julgamento sobre nós mesmos sem<br />

sair de nós e sem nos olhar pelos olhos dos outros.<br />

Clotaldo – Um caso de reconhecimento obtido à força: a soberania como meio de<br />

julgamento.<br />

Rei - Nosso comportamento é o resultado de fatores múltiplos, passados e<br />

presentes; ele ilustra o exercício de nossa liberdade.<br />

Clotaldo – E se ele não souber lidar com sua liberdade...<br />

Rei – Terá de perdê-la. (Saem.)<br />

Astolfo - Comparamo-nos aos outros, gostaríamos de estar no lugar deles.<br />

Estela – De quem?<br />

Astolfo - Deles... dos que dispõem do poder sobre todos com essa facilidade... No<br />

fundo são tiranos e isso nos fascina...<br />

Estela – Somos tiranos, então...<br />

Astolfo - Não podemos amar nada que não se relacione a nós mesmos. Não é isso<br />

que nos dizem sempre?<br />

(Saem)<br />

Cena 8<br />

Clotaldo e o Rei Astrólogo, Clarim e sua voz dispersa às escondidas = O rei e Clotaldo<br />

confidenciam a execução do plano. Clotaldo descreve a ação. Basílio – o rei – pede<br />

para que se esteja preparado para caso o novo rei seja realmente um tirano, ficando<br />

acordado que o mesmo, neste caso, deveria voltar à torre e achar que teve um sonho<br />

apenas. Clarim ouve tudo e permanece quando os dois saem.<br />

Clarim – (entrando sozinho, cansado, mas atento) Todo pedido de<br />

reconhecimento é uma luta, mas também toda luta é um pedido de<br />

reconhecimento. A tirania não leva ao reconhecimento inicialmente desejado e<br />

55


esse fracasso requer uma mudança de nível, sem causar uma mudança de<br />

método.<br />

Clotaldo – (de fora, conversando com o rei que o acompanha na entrada em cena)<br />

Se pudéssemos criar um ser humano no isolamento, ele não poderia nada julgar,<br />

nem a si próprio; não teria um espelho para se olhar. Coloquem essa pessoa na<br />

sociedade e terá o espelho que lhe faltava.<br />

Clarim – (ficando escondido, a parte) Os diálogos que travamos dentro de nós<br />

mesmos nos quais engajamos com um interlocutor em carne e osso.<br />

Rei – Comenta, Clotaldo, o que se passou.<br />

Clotaldo – Tudo, assim como mandaste, tudo se cumpriu. Com a aprazível bebida<br />

que de misturas foi feita juntando virtudes de algumas ervas, cujo tirano poder e<br />

cuja força secreta priva o humano da palavra, deixando o cadáver vivo, tirando-<br />

lhe apenas os sentidos e potências... Há venenos que adormentam... Antes de<br />

sedá-lo, tive de ouvir acusações e insultos... Vem dizendo que sou o símbolo da<br />

ausência de perspectivas...<br />

Rei – E onde está Segismundo neste momento?<br />

Clotaldo – As gentes de quem tu fias colocaram-no num carro e levaram-no para<br />

o seu quarto, onde acordará como quem acorda de outro sonho.<br />

Rei – Quero que tudo seja bem realizado... Não deixem suspeitas de que não seja<br />

um sonho...<br />

Clotaldo – Há um sinal que me alerta dizendo que acordou e que logo por aqui<br />

estará.<br />

Rei – Tenho de me retirar. Tu como seu aio, chega e conta-lhe toda a verdade.<br />

Clotaldo – Contar a verdade?<br />

Rei – Sim. Poderá ser que sabendo, já conhecendo o perigo, mais facilmente se<br />

vença.<br />

Cena 9<br />

Clarim e a sua voz dispersa = Fala do destino que traçaram para Segismundo e avalia<br />

algo sobre a formatação de um criminoso. Se assim plantaram, assim colherão.<br />

56


Clarim - O indivíduo que não obtém reconhecimento, por motivos diversos, o<br />

tentará à força, recorrendo à violência. A ação do sujeito se alimenta do reflexo<br />

dos outros, que se alimenta da ação e assim por diante. As disfunções nas<br />

relações iniciais são a causa de patologias na vida adulta. Quem será vítima e<br />

quem será tirano? A origem ou o destino?<br />

Cena 10<br />

Clarim e sua voz dispersa e Rosaura = Rosaura chega trazendo a angústia de não<br />

encontrar quem procura. Clarim lhe diz sobre o “sonho” que o rei encomendou e a<br />

necessidade de interferir, não deixando que os presságios se confirmem e o príncipe<br />

possa ter outra referência, além daquela que estão 'armando' para ele. Ela decide<br />

interceder quando e o quanto possível. Anunciam a mudança de ares. O show devia<br />

começar naquele exato momento.<br />

Clarim - O homem nasce sujeito aspirante à liberdade.<br />

Rosaura – (entra) Aquilo que ouvi falar do príncipe na torre é verdade, Clarim?<br />

Clarim – Sim, tudo arquitetado para um exame de consciência do rei astrólogo...<br />

Darão nuances de um sonho... mas estarão todos presentes... colocando à prova<br />

a tirania do príncipe... O indivíduo nunca saberá se é ele quem fala por sua<br />

própria boca ou se tornou digno daquele que queriam que fosse.<br />

Rosaura - Desde que vivem em sociedade os homens sentem a necessidade de<br />

atrair o olhar dos outros sobre si. Precisa-se legitimar a existência de cada<br />

indivíduo e isso é impossível... Daí o conflito...<br />

Clarim – O que faremos?<br />

Rosaura – Interceder quando e o quanto for possível nesse tal sonho...<br />

Clarim – Ouça, minha ama... parece que o show está começando... (Saem.)<br />

Cena 11<br />

Um clima de show em um cabaré vagabundo se instaura e diversos personagens-tipo<br />

confundem-se com os demais personagens que até agora estiveram no espetáculo,<br />

exceção feita aos signos e guardas. Todos tomam ares de um artificialismo sem igual.<br />

57


Tudo se torna exagerado e forçado. Há muita música e uma sensação de embriagues.<br />

É um típico clima brechtiano. Clotaldo, Estrela e Astolfo perambulam pelo espaço como<br />

marionetes, tais como os personagens que representam os 4 poderes. Clarim e sua voz<br />

dispersa sente-se à vontade para agir e interagir num ambiente como aquele. O caos é<br />

a tônica da cena, demonstrando a “babel” humana, sua sociedade e seu<br />

funcionamento. Além disso, demonstrar o quanto estranhos são os hábitos do indivíduo<br />

em sociedade e o quanto a própria sociedade se policia e se monitora, tornando-se não<br />

humana.<br />

Clarim - A pluralidade interna de cada ser e a pluralidade das pessoas que o<br />

rodeiam,... a multiplicidade de papéis que cada uma delas assume; é uma<br />

característica que distingue a espécie humana. O ser humano está preso na rede<br />

das relações sociais, o que cria uma dependência, a qual está sujeito. Cada um<br />

começou olhar o outro querendo também ser olhado.<br />

Cena 12<br />

Os quatro poderes tomam a cena juntamente com Segismundo, os demais ficam em<br />

segundo plano, em movimentos lentos e caricatos. Os 4 vestem Segismundo com os<br />

tons do “sonho”. Apresentam-se e percebem-se. Cada poder está pintado com cores<br />

muito fortes e em traços grotescos até. Segismundo foi artificializado em sua forma<br />

exterior.<br />

Segismundo - Valha-me o céu, o que vejo? Eu despertar em leito tão excelente?<br />

Eu rodeado de gente ajudando-me a vestir? Dizer que sonho é engano,bem sei<br />

que estou acordado. Eu, Segismundo, não sou?<br />

Ilusionista – Que melancólico está. Um rei novo deve ter outra imagem. A imagem<br />

de alguém de sucesso, com ares de quem não esteja nem aí para ninguém. Os<br />

olhares dos outros é que devem ter um só alvo: a tua pessoa... os teus olhares<br />

são relativos, escuta bem...<br />

Legislador – Correção de posturas e decoro legislativo e judiciário. Os pilares...<br />

meu jovem... sabe do que estou falando, pois não?!<br />

Segismundo – Ah, ah, ah,...<br />

58


Legislador – Uma gafe pode ser sempre passível de interpretações...<br />

Segismundo – Entenda como quiser...<br />

Religioso – (para o militar) A origem do orgulho reside provavelmente no desejo<br />

da criança de proteger-se dos golpes desferidos contra seu amor próprio. Um<br />

sistema de proteção, em circunstâncias difíceis.<br />

Ilusionista – Peço mais música?<br />

Segismundo – Não. Não quero que cantem mais.<br />

Ilusionista – Tão admirado estais que quis divertir-vos.<br />

Militar – Não devemos nos divertir com tais vozes, só músicas militares é que me<br />

agradam ouvir. (Indo até Segismundo) Vossa Alteza, meu senhor, sua mão dê-me<br />

a beijar; serei o primeiro a mostrar obediência e fervor.<br />

Religioso – O maior exemplo de um rei é a devoção... Deus é...<br />

Segismundo – Deus sou eu... Ópio meu! Deus sou eu!<br />

Legislador – Neste caso, Deus necessita de leis para que...<br />

Segismundo – Deus não tem limites. Cuidado com o que dizes.<br />

Legislador – Um rei se legitima pelo cumprimento das leis que seu reino<br />

formulou...<br />

Segismundo – E quem és tu, diz?<br />

Legislador – O legislador do reino, voz e ouvido do povo.<br />

Segismundo – Um lacaio bifacial?<br />

Legislador – Uma referência para que o povo dimensione o rei que tem...<br />

Segismundo – Insiste em insultar-me?<br />

Religioso – Nada precisa ser sempre obrigatoriamente do nosso ponto de vista,<br />

se me permite, senhor... Não há insulto e sim o clamor por justiça em teu<br />

reinado... Somos os poderes nos quais está fundamentado o teu reino, senhor...<br />

Negligência a estes parâmetros pode não ser um bom começo...<br />

Segismundo – Chega de limites impostos, vivi uma vida inteira de privações e<br />

humilhações, quero agora a recompensa e o reconhecimento de todos pela minha<br />

autoridade... Sou o rei...<br />

Militar – Guardar teus passos e cumprir teus imperativos: eis minha função,<br />

senhor... Sou movido a impetuosidade e força bruta...<br />

59


Ilusionista – Saberei honrá-lo, senhor, em sua autoridade. Cuidarei de tua imagem<br />

diante da opinião popular... Basta que tenhamos jeito para a coisa...<br />

Religioso – Sou teu braço direito junto aos ânimos de teu populacho... Saberei<br />

como induzi-lo ao desmerecimento e a conformação...<br />

Legislador – Serei sempre o fiel de tua balança, senhor... Para que não pendas<br />

para lado nenhum...<br />

Cena 13<br />

Um dos poderes se contrapõe ao novo rei. É o legislador impondo regras há muito tidas<br />

como consenso naquele reino. Insuflado pela sutileza de sugestões dadas por Estrela e<br />

Astolfo, decide livrar-se dele, anulando o poder legislativo constituído para reinar<br />

absoluto, impondo as regras conforme as suas necessidades pessoais. Para tal, manda<br />

matá-lo, deixando atônitos todos os presentes.<br />

Astolfo – (aproximando-se meio irônico) Um rei não tem limites, meu caro primo...<br />

Estrela – (num tom provocador) Seja o que essa fera magoada sempre guardou e<br />

quis libertar: é agora e pode ser nunca...<br />

Segismundo – (ao legislador) As tuas leis me amputaram a vida. Tua sabedoria<br />

me anulou e isso não é motivo que justifique um crime, uma bala de fuzil na testa<br />

de ninguém? A vingança pelos anos todos de cadeia por algo que nem sei o por<br />

que... Reconheçam-me... sou a falta de limites, sou o poder sem pitacos...<br />

Legislador – O que pretende o senhor?<br />

Segismundo - A submissão, na verdade a destruição física do outro...<br />

Legislador – Um meio sórdido...<br />

Segismundo - O meio para provar a meus próprios olhos, ou aos olhos de um<br />

terceiro, a minha soberania... (Pega-o pelo braço e o ameaça. Sai.)<br />

Astolfo – Que é isso?<br />

Estrela – Corre para o acalmar.<br />

Segismundo – (voltando) Foi-se no tanque afundar.<br />

Astolfo – Maior prudência, meu primo...<br />

Segismundo – Me instiga e agora me recrimina?<br />

60


Cena 14<br />

Clarim e sua voz dispersa e os demais = Clarim comenta sobre o indício de que os<br />

presságios estavam sendo cumpridos. Fala do primeiro passo de qualquer tirano: a<br />

eliminação das legislaturas. Os comentários são tão ambíguos e intrigantes que todos<br />

se percebem tocados, sem acreditar em tamanha audácia. Segismundo dá sinais de<br />

uma reação quando é interceptado pelo ilusionista, que o chama a atenção quanto à<br />

condição de bobo do audacioso.<br />

Clarim - Não nos contentamos com a vida que temos em nosso ser, queremos<br />

viver na idéia dos outros, uma vida imaginária. Nem que para isso a gente se<br />

torne o símbolo do medo e da imposição no imaginário desse alguém. Matar o<br />

legislador é um passo para a tirania absoluta...<br />

Segismundo – Quem és, deboche?... quem ousa apontar-me os atos? Sou a nova<br />

lei, a lei sou eu...<br />

Ilusionista – Ninguém com quem se preocupar... um maltrapilho falador não<br />

agrada a ninguém... não vale a pena tanta exposição por um débil bobo da corte,<br />

alguém que não se sustenta... Veja só, a imagem da derrota... Espelhe-se em mim,<br />

não nele... sou uma esfera encantatória em suas mãos...<br />

Cena 15<br />

Clotaldo se manifesta. Diz a Segismundo que seja mais comedido se desejar reinar e<br />

que não deve sentir-se já o todo-poderoso, porque ainda está vivo o legítimo rei.<br />

Roubando uma espada que estava à mão, Segismundo desfere – com uma espada de<br />

alegoria,daquelas retráteis – um golpe “mortal” em Clotaldo, dizendo que se sentia feliz<br />

em eliminar de vez a redoma em que o velho que acaba de matar o mantinha.<br />

Clotaldo – (entra cerimonioso. Beija a mão de Segismundo) Meu senhor...<br />

Segismundo – És Clotaldo. Como assim? Quem me maltratou na prisão esse<br />

tempo todo agora me respeita? O que é que se passa em mim?<br />

Clotaldo – Uma grande confusão que esse novo estado te dá. Saiba que és o<br />

herdeiro do trono da Polônia. E, o teres estado retirado e escondido para<br />

obedecer, tem sido às inclemências do teu destino... Teu pai, o rei, vem ver-te<br />

aqui onde estás e dele o mais vais saber.<br />

61


Segismundo – Infame, traidor, que tenho mais que saber, depois de saber quem<br />

sou e mostrar que começou minha soberba e poder? Me negaste esse direito,<br />

agora aceite... (Desfere-lhe um golpe “mortal” com sua espada de alegoria.) Para<br />

me vingar do que se recusaram me conceder!<br />

Clarim - Todo ser humano é dominado por uma 'sede imperiosa de poder'...<br />

Religioso - O homem é egoísta e profundamente solitário, pensa apenas na<br />

satisfação de seus desejos, é a vida em sociedade que lhe ensina o altruísmo e a<br />

generosidade...<br />

Segismundo – (Ao cadáver) Manipulador, manipulando-me como um objeto.<br />

Cena 16<br />

Rosaura intercede. Entra de maneira natural, destoando totalmente dos demais<br />

componentes do quadro do “sonho”. Tal interferência chama muito a atenção de<br />

Segismundo que ordena que tudo pare para que ele possa se aproximar e conhecer tal<br />

criatura tão ímpar. Ao olharem-se nos olhos, ele imediatamente muda. Aliás a cena<br />

muda e um foco concentra-se no mesmo reconhecimento do olhar. Diz que já se<br />

espelhou em olhos tão grandiosos, mas que não se lembra de ninguém parecido com<br />

ela. Volta a ser o ser poético e puro que encontrou Rosaura vestida de homem.<br />

Rosaura entra em cena tão natural quanto um anjo, aos olhos de Segismundo.<br />

Segismundo – Os olhos que tanto busco! Os olhos inesquecíveis... os que me<br />

fizeram nascer para a existência! Parem todos, seus tolos, parem tudo! (Aquele<br />

sistema 'social' de funcionamento pára imediatamente de funcionar. Um foco<br />

muda completamente a cena, dando a impressão de uma volta ao interior da torre<br />

de Segismundo.<br />

Segismundo – (Para Rosaura, sua amada) Não há existência humana sem o olhar<br />

que trocamos entre nós.<br />

Rosaura - Somos felizes porque amamos. O eu não vem antes do outro. O rosto<br />

humano reconheço pelo olhar.<br />

Segismundo - O homem vive talvez inicialmente em sua pele, mas começa a<br />

existir apenas a partir do olhar do outro. Há algo além de seus olhos. Eu preciso<br />

do seu olhar para me sentir vivo, ser reconhecido como humano.<br />

62


Rosaura - Você é meu espelho e em você está minha imagem.<br />

Segismundo – (como num rompante, procurando alcançar com a voz mais<br />

pessoas) E quando isso não nos é permitido, hein, meu pai? Sei que me<br />

monitoras dias e noites, então, me responde! (Chora.)<br />

Cena 17<br />

O rei astrólogo percebe toda a cena e percebe que seu filho, ali, naquele momento,<br />

mostrou seu lado humano mais louvável. O ilusionista aproveita a deixa e enaltece as<br />

virtudes e valores do novo rei, tentando persuadir a todos para a tese de que isso<br />

suplanta os ajustes que foram precisos na equipe do novo governo.<br />

Ilusionista - Um rei que chora é um rei que tem em si a ternura necessária para<br />

governar. Mesmo que ajustes sejam necessários na equipe de seu governo, o<br />

novo rei promete... Vejam as virtudes desse ato copioso de chorar diante de seu<br />

público. Só pode ser de um espírito que a Polônia precisa neste momento:<br />

transparência e paixão... (Surpreendendo-se consigo mesmo) Isso mesmo,<br />

transparência e paixão!<br />

Cena 18<br />

O rei se manifesta repudiando dois assassinatos no primeiro dia do novo governo. É<br />

confrontado por Segismundo, como quem contesta a autoridade de um pai ausente e<br />

longínquo, invisível.<br />

Rei – (ao adentrar no recinto, tudo passa a ser em segundo plano, nada sequer se<br />

completa em cena) Isso tudo foi longe demais, príncipe Segismundo...<br />

Segismundo – Creio que, pela impetuosidade, sejas meu pai... o legítimo rei ainda<br />

vivo... finalmente presente...<br />

Rei - A exigência que você me faz, ou seja, de reconhecê-lo em sua existência,<br />

traz para mim a confirmação da minha: sou reconhecido como aquele de quem<br />

você tem necessidade.<br />

Segismundo – Já tive mais... muito mais necessidade de vossa majestade...<br />

Principalmente nos momentos em que não sabia para que viver... mas, ausência<br />

não capta olhares... e os meus olhos arregalados de pavor diante da solidão<br />

nunca serão vistos, quanto mais reconhecidos...<br />

63


Rei – Nada disso justifica um a perversidade.<br />

Segismundo - Não existe instinto perverso. O sofrimento é que faz alguém<br />

perverso. Não será justo julgar-me... sou uma vítima...<br />

Rei - Quem não pode ser feliz a não ser segundo a escolha dos outros, sente-se a<br />

justo título infeliz.<br />

Segismundo - A agressividade somente existe em função de um objetivo,<br />

combater os rivais. Deixe-me em paz. (O rei sai.)<br />

Cena 19<br />

Astolfo - (oferecendo-lhe um brinde) Deixe seus problemas de lado e brinde à<br />

vida. (Bebem juntos. Segismundo cambaleia até cair. Blecaute)<br />

Cena 20<br />

Cena de transição, na qual todo o elenco transforma a cena para o Epílogo. Há música<br />

cantada, acompanhada por percussão corporal.<br />

Cena 21<br />

Segismundo é preso novamente tal como o vimos no início do espetáculo. Está<br />

adormecido. Clotaldo e os Guardas o repõem na torre. Estão novamente cobertos.<br />

Clotaldo - Aqui tenho que deixá-lo, hoje a soberba precisa ter fim. Volta ao<br />

mesmo. E assim as tuas algemas volto a atar.<br />

O Rei Astrólogo observa a cena de longe.<br />

Clotaldo – (para o rei) Olha teu filho ali, reduzido ao miserável estado. Vejo passar<br />

pelo sonho que ora sonha a necessidade de romper com os muros da torre...<br />

Matar-me como fez no momento que vivemos e que ele sonhou... Fique oculto,<br />

senhor rei, que ele se inquieta... Deve estar acordando de um sonho ruim... veja<br />

que desgaste e que necessidade de respirar todo ar que existe no mundo...<br />

Segismundo – Fui à grandiosa praça que é o teatro do mundo para uma afronta<br />

vingar... Sou eu, porventura? Estou novamente aqui, preso,... que coisas tenho<br />

sonhado... eu vi mesmo aqueles olhos? Eu me vi ali e perdi a calma que tinha, a<br />

aceitação que tinha! Rompi uma barreira em minha alma e pelo que vejo terei<br />

64


sempre um corpo fadado à prisão... Clotaldo, me dê a solução para isso! Meu<br />

tutor, que sonho eu tive!... um sonho não sonho... real e sentido como agora me<br />

encontro...<br />

Clotaldo - Já é hora de acordar...<br />

Segismundo – Acordar?<br />

Clotaldo – Não queiras dormir mais... Desde que estive contigo há dois dias não<br />

acordastes...<br />

Segismundo - Um sono profundo... um sonho profundo...<br />

Clotaldo – Não mais acordastes mesmo?<br />

Segismundo – Não. Nem agora despertei... Tenho medo de não acordar tão cedo...<br />

Não posso estar enganado, pois, se tudo foi sonhado eu vi tudo palpável, certo,<br />

quanto agora... Se sonhar é assim tão intenso, posso duvidar que esse momento<br />

seja real...<br />

Clotaldo – Conte-me o sonho, então...<br />

Segismundo – Se por sonhos o tomei, não direi o que sonhei, mas sim o que vi...<br />

Os poderes do império e seus nobres, com rostos de porcelana, rendidos a meus<br />

pés... Me deram nome e disseram ser seu príncipe... Estenderam galas, jóias e<br />

vestidos... Desde então perdi a calma de meus sentidos. Se estou assim agora, eu<br />

fui príncipe até hoje manhã...<br />

Clotaldo – E eu, estive em teus sonhos?<br />

Segismundo – Sim e eu o matei...<br />

Clotaldo – Quanto rigor!<br />

Segismundo – De todos era senhor e todos me vingava...<br />

Clotaldo – Vingava-se de que?<br />

Segismundo – De terem me feito um tirano... agora posso entender a fúria que me<br />

assolava por dentro aqui sozinho, sem saber por que... dentro de mim um<br />

sensação de vazio... e tu nem sequer um olhar... cadê os teus olhos? Por que me<br />

privas de teu olhar? Depois do olhar da mulher que amo vim para a vida e isso...<br />

Clotaldo – São os delírios do sonho... nada mais... nada mais, meu menino... a<br />

vida não tem rosto, como tu, como eu, como qualquer um aqui... somos<br />

65


identidades secretas que perambulam umas entre as outras, sem sabermos ou<br />

querermos saber parar para ouvir...<br />

Segismundo – Mas, não é justo...<br />

(O rei, sob mantos, sai)<br />

Clotaldo - Não nos cabe tal discussão, meu pequeno aprendiz... Foi o império do<br />

sonho, vamos aos fatos...<br />

Segismundo – Os fatos?<br />

Clotaldo – O aqui e o agora... a tua condição de aprendiz...<br />

Segismundo – Prisioneiro!<br />

Clotaldo - ... e a minha de tutor...<br />

Segismundo - ... assassino!<br />

Clotaldo - Não traga as confusões dos sonhos para a tua vida...<br />

Segismundo – A fúria cega dos atos que pretensamente sonhei vieram de uma<br />

ausência que de repente eu percebera, uma ausência do olhar de alguém... Eu<br />

pude me espelhar e aí então eu percebi que haviam me tirado aquilo que mais<br />

precisava para não ser um tirano... A culpa não pode ser minha!<br />

Clotaldo – Mesmo em sonho é dado como um dever fazer o bem a quem te criou<br />

com tal cuidado... e também aos outros... (Sai)<br />

Segismundo - ... um tirano... formatado... por todos vocês... e só a mim cabe essa<br />

prisão... tiranos, tiranos,... (Adormece, sedado)<br />

Cena 22<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa estão novamente clandestinos, desta vez fugindo<br />

daquele castelo. Comentam sobre o príncipe prisioneiro.<br />

Rosaura – Um príncipe... um ser transtornado pelo sofrimento e pela rejeição...<br />

um espírito corrompido... O efeito de uma causa injusta. Primeiro retiram dele<br />

tudo que possa construir um cidadão e depois julgam-no sem deixar alternativa,<br />

sem deixar sequer uma possibilidade de defesa...<br />

Clarim - O homem (...) é um ser puramente egoísta e interesseiro, para quem os<br />

outros não passam de rivais ou obstáculos.<br />

Rosaura – Um indivíduo é um resultado do todo que o cerca...<br />

66


Clarim - O homem essencial é solitário, reúne-se a seus semelhantes apenas por<br />

fraqueza e falta de coragem, a sociedade está do lado da civilização e da moral, o<br />

inconsciente é silencioso e violento.<br />

Rosaura - Todo pedido de reconhecimento é uma luta...<br />

Clarim - Toda luta é um pedido de reconhecimento...<br />

Rosaura – À luta, então... (Saem)<br />

EPÍLOGO<br />

Segismundo conversa com os signos e conclui ser a vida um sonho, ilusão é realidade.<br />

Fala sobre as razões sociais do ser. NOVAMENTE 'A VIDA EM COMUM' INSPIRA O<br />

CONTEÚDO.<br />

A mãe retorna e ele se pergunta se ela é sonho. Ela não lhe responde nada, a não ser<br />

um beijo que ela lhe dá. Ele adormece.<br />

Há um encontro entre ela e o rei astrólogo. Depois ela some como por encanto, no meio<br />

de uma conversa. Resta ao rei conversar com os signos, que são implacáveis com ele.<br />

OS SIGNOS RELUZEM NO CÉU.<br />

“As palavras que lhe são dirigidas pelos outros adquirem uma força mágica: elas<br />

criam aquilo que afirmam, dando a impressão de ser bem verdadeiras quando são<br />

apenas eficazes.”<br />

“Multiplicidade do ser.” (variedade de pensamento que estão sempre ativas em<br />

nós)<br />

“Outra forma de reconhecimento substitutivo é o de manter a ilusão do<br />

reconhecimento, imaginar que os outros o reconhecem. Cria mundos imaginários<br />

onde detém o reconhecimento. O despertar é doloroso.”<br />

67


• Penso que o Segismundo sendo ou demonstrando ser um tirano, como diz a<br />

profecia, nada mais é do que um sistema de proteção, devido ao que passou.<br />

“O que permite o indivíduo perceber-se como ser humano?”<br />

A criança procura imitar os seus pais. O combate é uma atividade determinada<br />

por seu objetivo de conquistar um objeto ou a atenção de uma pessoa.<br />

“... a sociabilidade é congênita no homem e a estrutura de cada homem não seria<br />

concebível se o isolássemos dos laços que outros ataram com ele e que ele atou<br />

com outros indivíduos.”<br />

... o homem não vive em sociedade por interesse ou por virtude ou por força de<br />

qualquer razão; assim o faz pois não há para ele outra forma de existência<br />

possível.”<br />

F I M<br />

68


6.3 ANEXO 3<br />

A VIDA É SONHO?<br />

69<br />

Texto adaptado da obra “A Vida é Sonho”, de<br />

Pedro Calderón de La Barca, pela VIII Fase de<br />

Teatro com supervisão do professor Roberto<br />

Murphy.<br />

PRÓLOGO<br />

I<br />

Rei Astrólogo e os signos = Quando o rei estabelece o destino de seu filho, uma vez<br />

que lê nos astros que ele será um tirano quando ascender ao trono. É quando decide<br />

trancá-lo numa torre.<br />

Do alto os 'Signos' sonorizam a cena e projetam fachos de luz no piso, como<br />

pontos de referência para o Rei Astrólogo que tenta decifrar as indicações, ao<br />

mesmo tempo que desenha um complexo esquema no chão com um pedaço de<br />

giz. O esquema deverá lembrar um mapa astral, cujo centro é o local do<br />

nascimento de Segismundo. Palavras – frases - são ditas ao léu. O Rei responde<br />

com as suas interpretações dos enigmas proferidos.<br />

Signo (Alessandra) – Toda pessoa nasce com o instinto natural pelo poder.<br />

Signo (Joanna) – O homem é egoísta e profundamente solitário.<br />

Signo (Mariana) – Toda idéia de liberdade é ilusória.<br />

Signo (Rafael) – A solidão absoluta é um estado triste e contrário à natureza.


(Depois de reflexões e rompantes passionais, o Rei estabelece o destino do filho)<br />

Rei Astrólogo – Poder. (pausa). Poder. Isolamento. (pausa). Solidão. O sentindo de<br />

existir provém da vida em sociedade. Em toda a história da humanidade não se<br />

encontra o sujeito isolado. (pausa. rei observa os astros). Tirania. Torre. Teu destino<br />

está traçado... não verás ninguém e nada mais, a não ser os muros de uma torre que<br />

estará construída para quando chegares, lá tu nascerás e passarás teus dias... terás<br />

um tutor que ouvirás. Vamos conter a tua tirania...<br />

II<br />

A Mãe e os signos = Quando acontece o parto de Segismundo e a morte da mãe,<br />

motivo da confirmação da decisão do rei.<br />

Os fachos de luz vão se dissipando com a saída abrupta do Rei Astrólogo. Sons<br />

tomam novamente a cena. Os fachos de luz voltam a ser direcionados, desta vez<br />

confluindo para a barriga da mãe que está em trabalho de parto.<br />

Signo (Rafael) – ... o filho do rei está nascendo...<br />

Signo (Joanna) – Não deixem que se perca esse olhar...<br />

Signo (Mariana) – Pois o olhar da mãe introduz o ser na existência...<br />

Signo (Alessandra) – Olhar para alguém é reconhecer a existência desse alguém...<br />

Signo (Mariana) – Não deixem que se dissipe esse olhar!<br />

Signos (todos) - Não, não deixem!... (duas vezes cada signo)<br />

70


(Pausa)<br />

Signo (Joanna) - É tarde demais!<br />

(Purpurina é jogada na cena, sobre a figura da mãe que silenciou.)<br />

Gritos anunciam a morte da rainha e de seu filho, o herdeiro do trono da Polônia...<br />

O rei chora a perda e confirma sua decisão de trancafiar o filho como vingança<br />

pela morte da amada rainha.<br />

Rei Astrólogo – Confirma-se a minha decisão. E que ninguém saiba de sua<br />

sobrevivência.<br />

III<br />

Segismundo e os signos = Quando se apresenta Segismundo já adulto, nu e confinado.<br />

Sons do cosmos tomam a cena. Os fachos de luz concentram-se, cada qual, nos<br />

rostos dos atores.<br />

JORNADA ÚNICA<br />

Cena 1<br />

Segismundo, Clotaldo e Guardas = Quando se mostra a real condição de Segismundo.<br />

Ou seja, um indivíduo sem a noção de suas potencialidades, totalmente dominado por<br />

Clotaldo, que o mantém fraternalmente numa redoma. Há indícios da tutoria exercida<br />

de um para o outro. Os Guardas estão de prontidão nas quatro portas da torre.<br />

Clotaldo - Há coisas que não estão ao teu alcance, nem na tua compreensão.<br />

Concentra-te no mundo dos objetos... Explorar o mundo não significa modificá-lo...<br />

71


Tudo é assim há séculos... Tudo de que se precisa para viver tens a teu dispôr... Os<br />

mistérios da existência são de outra ordem... da ordem dos deuses... A eles devemos<br />

deixar tais questões... Hoje te concentra nos sons do mundo e ...<br />

Segismundo – Por que não posso olhar teu rosto, Clotaldo? És de outra ordem, que<br />

não seja a minha?<br />

Clotaldo – Um intermediário, digamos assim...<br />

Segismundo – Quem está além de ti, a quem intermedias?<br />

Clotaldo – Teu pai... a quem deves conformar-te, aceitando os desígnios por ele<br />

traçados para ti...<br />

Segismundo – Por que não o vejo? Ele, o arquiteto dos meus desígnios, não expõe<br />

sua face...<br />

Clotaldo – Ele é semelhante a ti... aliás, tu és semelhante a ele... Já tens o seu<br />

reconhecimento... Ele olha por ti... A ti cabe a obrigação de exercer a tua função,<br />

essencialmente...<br />

Segismundo – E qual seria a minha função...<br />

Clotaldo – Viver, apenas... o que já é de grande significação... (Sai de dentro da torre).<br />

Guardas! (Saem de cena. Segismundo volta ao seu estado original.)<br />

Cena 2<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa = Quando aparece Rosaura em busca de alguém<br />

que não sabe muito bem quem é, mas que é – segundo sua mãe – o seu pai. Dar<br />

72


enfoque nela como a humanidade em busca de um Deus que não se vê, mas que se<br />

ouviu falar da existência. Dar um toque becketiano (godot) à cena.<br />

Os dois, Rosaura e Clarim estão com roupas simples, tal como os mendigos<br />

Estragon e Vladimir de 'Esperando Godot'. Ela representa a busca da humanidade<br />

e ele, Clarim, é, na verdade, dois.<br />

Rosaura – Estou determinada ao descanso esta noite... Chega de vagarmos em busca<br />

de alguém que nunca encontramos... Estou cansada...<br />

Clarim – Prudente...muito prudente...<br />

Voz dispersa – Escalemos, então, a montanha de pedras...<br />

Rosaura – Como uma última atitude de hoje...<br />

Cena 3<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa e Segismundo = Quando Segismundo é descoberto<br />

pelos demais e quando vê pela primeira vez um rosto humano, isto é, o de Rosaura.<br />

Reconhece-se através dos olhos dela. Percebe-a como uma extensão de si mesmo.<br />

Questiona sua condição. Acende em si a necessidade de transcender sua condição. É<br />

– metaforicamente – a passagem da condição prometeica para os primeiros indícios da<br />

fáustica.<br />

Os dois chegam na torre. Segismundo é despertado por Rosaura. Os dois se<br />

olham nos olhos. Segismundo encanta-se e se reconhece como num espelho. Até<br />

aquele momento nunca um objeto ou superfície reflexível havia sido colocado a<br />

sua frente.<br />

Voz Dispersa – O olhar!<br />

73


Clarim – Que olhar é esse?<br />

Rosaura – Parece nunca ter visto um par de olhos, meu jovem. Onde estão tuas<br />

lembranças?<br />

Segismundo – É a primeira vez que vejo... Somente o toque de minhas mãos me<br />

sugeriam uma imagem... Agora me reconheço em ti.<br />

Voz Dispersa – Esse é um dos momentos que podem fazer o homem mudar a sua<br />

maneira de ver a realidade.<br />

Clarim – Reconhecimento... Ele se reconheceu no olho dela.<br />

Voz Dispersa – Tu me reconheces?<br />

Clarim – Olha pra mim.<br />

Clarim e Voz Dispersa – Aaaah, agora sim! (riem)<br />

Rosaura – Há quanto tempo esperas aqui?<br />

Segismundo – Desde sempre... Não sei nada mais que as coisas que Clotaldo me<br />

ensinou...<br />

Rosaura – Então, conhece outros olhos...<br />

Segismundo – Nunca... Os outros seres que conheço usam mantos... suas faces são<br />

para mim um mistério, assim como a minha própria face...<br />

Rosaura – Sempre ouvi dizer que precisamos da imagem do outro para construir a<br />

nossa...<br />

74


Segismundo – Creio que há algo a mais...<br />

Rosaura – Tens agora o sentido de existir...<br />

Clotaldo – Guardas desta torre, deixaram duas pessoas violarem o cárcere...<br />

Cena 4<br />

Rosaura, Clarim e sua voz dispersa, Segismundo, Clotaldo e seus guardas = Quando<br />

os intrusos são flagrados em sua audácia e são ameaçados e retirados de cena pela<br />

vigilância, que após um vacilo, está novamente de prontidão. Segismundo dá indícios<br />

de querer ir além de si mesmo. Blecaute.<br />

Os guardas cercam o trio: Segismundo e os dois intrusos.<br />

Clotaldo – (entrando) O que isso quer dizer? Como podem ter entrado...<br />

Rosaura – Estávamos exaustos e o acaso nos trouxe até aqui... Achávamos que era<br />

outra torre abandonada dessa região...<br />

Clotaldo – Na proibição passaram contra o decreto do rei da Polônia... devem ser<br />

imediatamente levados a ele que passará pessoalmente o fio da navalha...<br />

Rosaura – Não tínhamos a mínima intenção de burlar a lei... não sabíamos... estamos<br />

indo embora agora...<br />

Clotaldo – Não há volta... tal invasão vai além... quebram com um plano estipulado e<br />

um destino traçado...<br />

Segismundo – Que dizes, Clotaldo? Que plano é esse? Falas do meu destino?<br />

75


Clotaldo – Para o teu bem... para o teu bem, meu caro... Se tu sabes – porque já te<br />

falei muitas vezes – que teus males são tão grandes e que por lei do céu morreste<br />

antes de nascer, porque reclamas? (Aos guardas.) Levem estes dois intrusos para a<br />

morte que merecem... Isolem a torre, fechem as celas... (Dois dos guardas levam<br />

Rosaura e Clarim que não reagem. Outros cuidam de Segismundo.<br />

Segismundo – Que bem fazes ao me tirar a liberdade? Por que me tiras os direitos?<br />

(Continua a clamar por liberdade.)<br />

Rosaura – (A Clotaldo, que instiga a truculência) Só crescemos quando nos<br />

relacionamos com os outros. Isso faz o homem ser o que é.<br />

Clotaldo – Essas relações removem a pureza do homem, por isso o preservamos<br />

aqui…<br />

Rosaura – Preservam?<br />

Clotaldo - O ideal é a solidão, esse foi sempre o meu lema, aquilo que me justifica...<br />

Rosaura – O que esperar de alguém de quem foram retirados os sentimentos de sua<br />

própria existência? Sabem que formatam um sujeito apto para o crime?<br />

Clotaldo – Guardas, levem estes dois daqui...<br />

Cena 5<br />

Estrela e Astolfo = Apresentam suas ambições e ligações com o poder. Traçam seus<br />

planos e firmam compromissos.<br />

Cena que apresenta os dois primos em sua busca desenfreada pelo poder. Cena<br />

intermediária, com função de entreter.<br />

76


Cena 6<br />

Estrela, Astolfo, o Rei Astrólogo e os Guardas = Reencontram-se depois de muito<br />

tempo. Falam sobre Segismundo e a decisão de colocá-lo na sociedade para que se<br />

certifiquem de que os presságios estejam corretos ou não. O rei quer, antes de delegar<br />

o reino ao casal de sobrinhos, perceber o seu filho, até então tido como natimorto, em<br />

ação com o poder.<br />

Estrela – Sábio, Douto, Basílio...<br />

Astolfo – Nosso tio, senhor nosso, que entre os signos...<br />

Estrela - Entre os astros...<br />

Astolfo – Hoje governas... Resides...<br />

Estrela – E seus caminhos, seus rastros, descreves, marcas e medes...<br />

Astolfo – Deixa que em ternos abraços nos encontre...<br />

Rei – Sobrinhos, venham ao meu encontro, já que a meu chamado atenderam tão<br />

afetivamente. (Abraçam-se)<br />

Estrela – Salve, Polônia...<br />

Astolfo - Estamos a vossa disposição, tio.<br />

Rei – Chamei-os para que eu faça um acordo...<br />

Astolfo – Acordo?<br />

77


Rei – Sabem vocês, que os herdeiros mais diretos do trono da Polônia são vocês e que<br />

eu, velho, preciso de continuidade... (Os dois se sentem melindrados e cheios do<br />

poder) Mas, há algo que eu preciso que saibam... uma condicional...<br />

Estrela – Condicional? O que poderia impedir essa ordem natural das coisas?<br />

Rei – Meu filho, Segismundo...<br />

Estrela – Filho, meu senhor?<br />

Astolfo – Teríamos nós um primo, com prioridade na sucessão?<br />

Rei – Sim, minha amada Clorilena, minha esposa, rainha esplendorosa, como sabem,<br />

morreu no parto de nosso primogênito.<br />

Estrela – Como todos sabemos...<br />

Rei – Mas, o filho que dissemos ter morrido, na verdade vive mísero, pobre e cativo<br />

numa torre, onde Clotaldo lhe tem falado, tratado e visto, ensinando-lhe ciências. Na lei<br />

católica o tem instruído...<br />

Astolfo – Uma notícia aterradora... se formos ver ... quer dizer...<br />

Estrela – Com certeza, inesperada e contundente...<br />

Rei – Os astros disseram – em sua clara referência – que das entranhas de minha<br />

mulher nasceria um monstro em forma de homem e, no seu sangue, lhe dava a morte,<br />

nascendo víbora humana do signo. Correndo aos meus estudos neles vi um grande<br />

aviso que Segismundo seria o mais atrevido e cruel monarca que se ouviria falar...<br />

Considerando a morte da mãe como o primeiro indício dos presságios, resolvi<br />

encurralar a fera que tinha nascido. Fiz constar que ele viera natimorto e, prevenido,<br />

78


mandei erguer uma torre entre penhascos e abismos, onde apenas a luz encontra<br />

brecha e os sons vêm dos ventos e pássaros...<br />

Estrela – Não consigo deixar de dizer que estou estupefata...<br />

Astolfo – Eu... nem sei... o que... dizer...<br />

Rei - Os homens não viveriam muito tempo em sociedade se não enganassem uns aos<br />

outros. (Pausa. O rei se surpreende com sua própria audácia.) Cada um de nós nasce<br />

duas vezes: na natureza e na própria sociedade, para a vida e para a existência; tanto<br />

uma quanto a outra são frágeis. No caso de Segismundo, nasceu apenas uma vez.<br />

Somente na natureza, para a vida. Tal história tem mantido em mim uma lacuna, a de<br />

não ter percebido o meu filho na sociedade. Não me sinto muito longe da idéia de um<br />

tirano. Sinto-me um tirano ao privá-lo do convívio e do reconhecimento de sua<br />

existência.<br />

Astolfo – Não devias sentir-se assim, nosso soberano. Há de existir uma solução para<br />

isso...<br />

Estrela – Sim, uma solução que possamos colocá-lo assim na verdade... sem ser<br />

verdade... assim... sei lá... entende?<br />

Rei – Sei, sim... uma solução genial: pediremos um remédio tal que lhe conturbe os<br />

sentidos. Hei de pô-lo amanhã, sem que saiba, no convívio com o social, elevando-lhe<br />

à condição de soberano. Daremos a impressão de um sonho. Isso mesmo, um sonho<br />

em que poderá viver os seus dias de reinado e perceber se se cumprem os presságios.<br />

Caso seja benigno, cordato e prudente, deixemos que o sonho seja eterno, porém, se<br />

surgir soberbo, atrevido e cruel, o sonho lhe será breve.<br />

Estrela – Que devemos fazer?<br />

79


Astolfo – Devemos... fazer... algo,... mesmo?<br />

Clotaldo – (de fora) Senhor rei, peço-vos a atenção... É grave a situação...<br />

Cena 7<br />

Estela, Astolfo, o Rei Astrólogo e Clotaldo = Clotaldo chega trazendo a notícia da<br />

invasão de Rosaura e seu acompanhante, quando é informado pelo próprio rei que ele,<br />

o príncipe, deverá ser socializado, tomando o poder. Para isso combinam colocá-lo na<br />

ilusão de que é um “sonho”, para aí decidirem o seu destino na “vida real”.<br />

Rei – Entre e diga o que há...<br />

Clotaldo – (entrando, reverência rápida e incompleta) capturamos intrusos na torre...<br />

(referindo-se aos demais ouvintes, pedindo um aparte) na torre principal...<br />

Rei – Calma, estamos todos a par da situação de Segismundo...<br />

Clotaldo – Pensei que...<br />

Rei – Repensei... Vamos socializá-lo... colocá-lo em sua função de soberano, para<br />

observar seus atos. Não podemos fazer um julgamento sobre nós mesmos sem sair de<br />

nós e sem nos olhar pelos olhos dos outros.<br />

Clotaldo – Um caso de reconhecimento obtido à força: a soberania como meio de<br />

julgamento.<br />

Rei - Nosso comportamento é o resultado de fatores múltiplos, passados e presentes;<br />

ele ilustra o exercício de nossa liberdade.<br />

80


Clotaldo – E se ele não souber lidar com sua liberdade...<br />

Rei – Terá de perdê-la.<br />

Astolfo - Gostaríamos de estar no lugar deles.<br />

Estela – De quem?<br />

Astolfo - Deles... No fundo são tiranos e isso nos fascina...<br />

Estela – Somos tiranos, então... (Saem)<br />

Clotaldo – O que faço com os intrusos? Eles fugiram.<br />

Rei – Deixem-nos soltos; talvez possam ser úteis.<br />

Cena 8<br />

Clotaldo e o Rei Astrólogo, Clarim e sua voz dispersa às escondidas = O rei e Clotaldo<br />

confidenciam a execução do plano. Clotaldo descreve a ação. Basílio – o rei – pede<br />

para que se esteja preparado para caso o novo rei seja realmente um tirano, ficando<br />

acordado que o mesmo, neste caso, deveria voltar à torre e achar que teve um sonho<br />

apenas. Clarim ouve tudo e permanece quando os dois saem.<br />

Rei – Comenta, Clotaldo, o que se passou.<br />

Clotaldo – Tudo, assim como mandaste, tudo se cumpriu. Com a aprazível bebida que<br />

de misturas foi feita juntando virtudes de algumas ervas, cujo tirano poder e cuja força<br />

secreta priva o humano da palavra, deixando o cadáver vivo, tirando-lhe apenas os<br />

81


sentidos e potências... Há venenos que adormentam... Antes de sedá-lo, tive de ouvir<br />

acusações e insultos...<br />

Rei – E onde está Segismundo neste momento?<br />

Clotaldo – As gentes de quem tu fias colocaram-no num carro e levaram-no para o seu<br />

quarto, onde acordará como quem acorda de outro sonho.<br />

Rei – Quero que tudo seja bem realizado... Não deixem suspeitas de que não seja um<br />

sonho...<br />

Clotaldo – Há um sinal que me alerta dizendo que acordou e que logo por aqui estará.<br />

Rei – Tenho de me retirar. Tu como seu aio, chega e conta-lhe toda a verdade.<br />

Clotaldo – Contar a verdade?<br />

Rei – Sim. Poderá ser que sabendo, já conhecendo o perigo, mais facilmente se vença.<br />

Cena 9<br />

Clarim e a sua voz dispersa = Fala do destino que traçaram para Segismundo e avalia<br />

algo sobre a formatação de um criminoso. Se assim plantaram, assim colherão.<br />

Clarim – Alguém que não consegue ter reconhecimento o tentará a força.<br />

Voz Dispersa – Tudo o que o ser humano faz é reflexo do que ele viu os outros<br />

fazendo.<br />

Clarim – E o que os outros fazem é reflexo do que?<br />

82


Voz Dispersa – E no caso de Segismundo, como vamos saber quem será a vítima e<br />

quem será o tirano?<br />

Cena 10<br />

Clarim e sua voz dispersa e Rosaura = Rosaura chega trazendo a angústia de não<br />

encontrar quem procura. Clarim lhe diz sobre o “sonho” que o rei encomendou e a<br />

necessidade de interferir, não deixando que os presságios se confirmem e o príncipe<br />

possa ter outra referência, além daquela que estão 'armando' para ele. Ela decide<br />

interceder quando e o quanto possível. Anunciam a mudança de ares. O show devia<br />

começar naquele exato momento.<br />

Rosaura – (entra) Aquilo que ouvi falar do príncipe na torre é verdade, Clarim?<br />

Clarim – Sim, tudo arquitetado para um exame de consciência do rei astrólogo...<br />

Estarão todos presentes, mas darão nuances de um sonho... Colocando à prova a<br />

tirania do príncipe...<br />

Voz Dispersa – Ele nunca saberá se o que ele viveu foi realidade ou sonho.<br />

Rosaura – Mais uma mentira?<br />

Clarim – O que faremos?<br />

Rosaura – Interceder nesse sonho...<br />

Clarim e Voz Dispersa – Ouça minha ama... Parece que o show está começando...<br />

(Saem.)<br />

83


Cena 11<br />

Um clima de show em um cabaré vagabundo se instaura e diversos personagens-tipo<br />

confundem-se com os demais personagens que até agora estiveram no espetáculo,<br />

exceção feita aos signos e guardas. Todos tomam ares de um artificialismo sem igual.<br />

Tudo se torna exagerado e forçado. Há muita música e uma sensação de embriagues.<br />

É um típico clima brechtiano. Clotaldo, Estrela e Astolfo perambulam pelo espaço como<br />

marionetes, tais como os personagens que representam os 4 poderes. Clarim e sua voz<br />

dispersa sente-se à vontade para agir e interagir num ambiente como aquele. O caos é<br />

a tônica da cena, demonstrando a “babel” humana, sua sociedade e seu<br />

funcionamento. Além disso, demonstrar o quanto estranhos são os hábitos do indivíduo<br />

em sociedade e o quanto a própria sociedade se policia e se monitora, tornando-se não<br />

humana.<br />

Clarim – Olha lá. Olha lá… Poxa, quantos heim?<br />

Voz Dispersa – Quantos de você tem em você?<br />

Cena 12<br />

Os quatro poderes tomam a cena juntamente com Segismundo, os demais ficam em<br />

segundo plano, em movimentos lentos e caricatos. Os 4 vestem Segismundo com os<br />

tons do “sonho”. Apresentam-se e percebem-se. Segismundo foi artificializado em sua<br />

forma exterior.<br />

Segismundo - Valha-me o céu, o que vejo? Eu despertar em leito tão excelente? Eu<br />

rodeado de gente ajudando-me a vestir? Dizer que sonho é engano,bem sei que estou<br />

acordado. Eu, Segismundo, não sou?<br />

84


Ilusionista – Que melancólico está. Um rei novo deve ter outra imagem. A imagem de<br />

alguém de sucesso, com ares de quem não esteja nem aí para ninguém. Os olhares<br />

dos outros é que devem ter um só alvo: a tua pessoa... os teus olhares são relativos,<br />

escuta bem...<br />

Legislador – Correção de posturas e decoro legislativo e judiciário. Os pilares... meu<br />

jovem... sabe do que estou falando, pois não?!<br />

Segismundo – Ah, ah, ah,...<br />

Legislador – Uma gafe pode ser sempre passível de interpretações...<br />

Segismundo – Entenda como quiser...<br />

Religioso – (para o militar) A origem do orgulho reside provavelmente no desejo da<br />

criança de proteger-se dos golpes desferidos contra seu amor próprio. Um sistema de<br />

proteção, em circunstâncias difíceis.<br />

Ilusionista – Peço mais música?<br />

Segismundo – Não. Não quero que cantem mais.<br />

Ilusionista – Tão admirado estais que quis divertir-vos.<br />

Militar – Não devemos nos divertir com tais vozes, só músicas militares é que me<br />

agradam ouvir. (Indo até Segismundo) Vossa Alteza, meu senhor, sua mão dê-me a<br />

beijar; serei o primeiro a mostrar obediência e fervor.<br />

Religioso – O maior exemplo de um rei é a devoção... Deus é...<br />

Segismundo – Deus sou eu... Ópio meu! Deus sou eu!<br />

85


Legislador – Neste caso, Deus necessita de leis para que...<br />

Segismundo – Deus não tem limites. Cuidado com o que dizes.<br />

Legislador – Um rei se legitima pelo cumprimento das leis que seu reino formulou...<br />

Segismundo – E quem és tu, diz?<br />

Legislador – O legislador do reino, voz e ouvido do povo.<br />

Segismundo – Um lacaio bifacial?<br />

Legislador – Uma referência para que o povo dimensione o rei que tem...<br />

Segismundo – Insiste em insultar-me?<br />

Religioso – Nada precisa ser sempre obrigatoriamente do nosso ponto de vista, se me<br />

permite, senhor... Não há insulto e sim o clamor por justiça em teu reinado... Somos os<br />

poderes nos quais está fundamentado o teu reino, senhor... Negligência a estes<br />

parâmetros pode não ser um bom começo...<br />

Segismundo – Chega de limites impostos, vivi uma vida inteira de privações e<br />

humilhações, quero agora a recompensa e o reconhecimento de todos pela minha<br />

autoridade... Sou o rei...<br />

Militar – Guardar teus passos e cumprir teus imperativos: eis minha função, senhor...<br />

Sou movido a impetuosidade e força bruta...<br />

Ilusionista – Saberei honrá-lo, senhor, em sua autoridade. Cuidarei de tua imagem<br />

diante da opinião popular... Basta que tenhamos jeito para a coisa...<br />

86


Religioso – Sou teu braço direito junto aos ânimos de teu populacho... Saberei como<br />

induzi-lo ao desmerecimento e a conformação...<br />

Legislador – Serei sempre o fiel de tua balança, senhor... Para que não pendas para<br />

lado nenhum...<br />

Cena 13<br />

Um dos poderes se contrapõe ao novo rei. É o legislador impondo regras há muito tidas<br />

como consenso naquele reino. Insuflado pela sutileza de sugestões dadas por Estrela e<br />

Astolfo, decide livrar-se dele, anulando o poder legislativo constituído para reinar<br />

absoluto, impondo as regras conforme as suas necessidades pessoais. Para tal, manda<br />

matá-lo, deixando atônitos todos os presentes.<br />

Astolfo – (aproximando-se meio irônico) Um rei não tem limites, meu caro primo...<br />

Estrela – (num tom provocador) Seja o que essa fera magoada sempre guardou e quis<br />

libertar: é agora e pode ser nunca...<br />

Segismundo – (ao legislador) As tuas leis me amputaram a vida. Tua sabedoria me<br />

anulou e isso não é motivo que justifique um crime? A vingança pelos anos todos de<br />

cadeia por algo que nem sei o por que... sou a falta de limites, sou o poder sem<br />

pitacos...<br />

Legislador – O que pretende o senhor?<br />

Segismundo - O meio para provar a meus próprios olhos, ou aos olhos de um terceiro,<br />

a minha soberania... (Pega-o pelo braço e o ameaça. Sai.)<br />

87


Astolfo – Que é isso?<br />

Estrela – Corre para o acalmar.<br />

Segismundo – (voltando) Foi-se no tanque afundar.<br />

Astolfo – Maior prudência, meu primo...<br />

Segismundo – Me instiga e agora me recrimina?<br />

Cena 14<br />

Clarim e sua voz dispersa e os demais = Clarim comenta sobre o indício de que os<br />

presságios estavam sendo cumpridos. Fala do primeiro passo de qualquer tirano: a<br />

eliminação das legislaturas. Os comentários são tão ambíguos e intrigantes que todos<br />

se percebem tocados, sem acreditar em tamanha audácia. Segismundo dá sinais de<br />

uma reação quando é interceptado pelo ilusionista, que o chama a atenção quanto à<br />

condição de bobo do audacioso.<br />

Voz Dispersa – Não nos contentamos com a vida que temos, queremos viver a dos<br />

outros, uma vida imaginária.<br />

Clarim – Nem que para isso a gente se torne o símbolo do medo e da imposição. Matar<br />

o legislador é um passo para a tirania absoluta.<br />

Segismundo – Quem és, deboche?... quem ousa-me apontar os fatos? Sou a nova lei,<br />

a lei sou eu...<br />

88


Ilusionista – Ninguém com quem se preocupar... um maltrapilho falador não agrada a<br />

ninguém... não vale a pena tanta exposição por um débil bobo da corte, alguém que<br />

não se sustenta... Veja só, a imagem da derrota... Espelhe-se em mim, não nele... sou<br />

uma esfera encantatória em tuas mãos...<br />

Cena 15<br />

Clotaldo se manifesta. Diz a Segismundo que seja mais comedido se desejar reinar e<br />

que não deve sentir-se já o todo-poderoso, porque ainda está vivo o legítimo rei.<br />

Roubando uma espada que estava à mão, Segismundo desfere – com uma espada de<br />

alegoria,daquelas retráteis – um golpe “mortal” em Clotaldo, dizendo que se sentia feliz<br />

em eliminar de vez a redoma em que o velho que acaba de matar o mantinha.<br />

Clotaldo – (entra cerimonioso. Beija a mão de Segismundo) Meu senhor...<br />

Segismundo – És Clotaldo. Como assim? Quem me maltratou na prisão esse tempo<br />

todo agora me respeita? O que é que se passa em mim?<br />

Clotaldo – Uma grande confusão que esse novo estado te dá. Saiba que és o herdeiro<br />

do trono da Polônia. E, o teres estado retirado e escondido para obedecer, tem sido às<br />

inclemências do teu destino... Teu pai, o rei, vem ver-te aqui onde estás e dele o mais<br />

vais saber.<br />

Segismundo – Infame, traidor, que tenho mais que saber, depois de saber quem sou e<br />

mostrar que começou minha soberba e poder? Me negaste esse direito, agora aceite...<br />

(Desfere-lhe um golpe “mortal” com sua espada de alegoria.) Para me vingar do que se<br />

recusaram me conceder!<br />

Religioso - O homem pensa apenas na satisfação de seus desejos, é a vida em<br />

sociedade que lhe ensina o altruísmo e a generosidade...<br />

89


Segismundo – (Ao cadáver) Manipulador, manipulando-me como um objeto.<br />

Cena 16<br />

Rosaura intercede. Entra de maneira natural, destoando totalmente dos demais<br />

componentes do quadro do “sonho”. Tal interferência chama muito a atenção de<br />

Segismundo que ordena que tudo pare para que ele possa se aproximar e conhecer tal<br />

criatura tão ímpar. Ao olharem-se nos olhos, ele imediatamente muda. Aliás a cena<br />

muda e um foco concentra-se no mesmo reconhecimento do olhar. Diz que já se<br />

espelhou em olhos tão grandiosos, mas que não se lembra de ninguém parecido com<br />

ela. Volta a ser o ser poético e puro que encontrou Rosaura vestida de homem.<br />

Rosaura entra em cena tão natural quanto um anjo, aos olhos de Segismundo.<br />

Segismundo – Os olhos que tanto busco! Os olhos inesquecíveis... os que me fizeram<br />

nascer para a existência! Parem todos, seus tolos, parem tudo! (Aquele sistema 'social'<br />

de funcionamento pára imediatamente de funcionar. Um foco muda completamente a<br />

cena, dando a impressão de uma volta ao interior da torre de Segismundo).<br />

Segismundo – (Para Rosaura, sua amada) Não há existência humana sem o olhar que<br />

trocamos entre nós.<br />

Rosaura - Somos felizes porque amamos. O eu não vem antes do outro. O rosto<br />

humano reconheço pelo olhar.<br />

Segismundo - Há algo além de seus olhos. Eu preciso do seu olhar para me sentir<br />

vivo.<br />

Rosaura - Você é meu espelho e em você está minha imagem.<br />

90


Segismundo – (como num rompante, procurando alcançar com a voz mais pessoas) E<br />

quando isso não nos é permitido, hein, meu pai? Sei que me monitoras dias e noites,<br />

então, me responde! (Chora.)<br />

Cena 17<br />

O rei astrólogo percebe toda a cena e percebe que seu filho, ali, naquele momento,<br />

mostrou seu lado humano mais louvável. O ilusionista aproveita a deixa e enaltece as<br />

virtudes e valores do novo rei, tentando persuadir a todos para a tese de que isso<br />

suplanta os ajustes que foram precisos na equipe do novo governo.<br />

Ilusionista – Um rei que chora é um rei que tem em si a ternura necessária para<br />

governar. Mesmo que ajustes sejam necessários na equipe de seu governo, o novo rei<br />

promete... Vejam as virtudes desse ato copioso de chorar diante de seu público. Só<br />

pode ser de um espírito que a Polônia precisa neste momento: transparência e paixão...<br />

(Surpreendendo-se consigo mesmo) Isso mesmo, transparência e paixão!<br />

Cena 18<br />

O rei se manifesta repudiando dois assassinatos no primeiro dia do novo governo. É<br />

confrontado por Segismundo, como quem contesta a autoridade de um pai ausente e<br />

longínquo, invisível.<br />

Rei – (ao adentrar no recinto, tudo passa a ser em segundo plano, nada sequer se<br />

completa em cena) Isso tudo foi longe demais, príncipe Segismundo...<br />

Segismundo – Creio que, pela impetuosidade, sejas meu pai... o legítimo rei ainda<br />

vivo... finalmente presente...<br />

91


Rei - A exigência que você me faz, ou seja, de reconhecê-lo em sua existência, traz<br />

para mim a confirmação da minha: sou reconhecido como aquele de quem você tem<br />

necessidade.<br />

Segismundo – Já tive mais... muito mais necessidade de vossa majestade...<br />

Principalmente nos momentos em que não sabia para que viver... mas, ausência não<br />

capta olhares... e os meus olhos arregalados de pavor diante da solidão nunca serão<br />

vistos, quanto mais reconhecidos...<br />

Rei – Nada disso justifica um a perversidade.<br />

Segismundo - Não existe instinto perverso. O sofrimento é que faz alguém perverso.<br />

Não será justo julgar-me... sou uma vítima...<br />

Rei - Quem não pode ser feliz a não ser segundo a escolha dos outros, sente-se a justo<br />

título infeliz.<br />

Segismundo - A agressividade somente existe em função de um objetivo, combater os<br />

rivais. Deixe-me em paz. (O rei sai.)<br />

Cena 19<br />

Astolfo – (oferecendo-lhe um brinde) Deixe seus problemas de lado e brinde à vida.<br />

(Bebem juntos. Segismundo cambaleia até cair. Blecaute)<br />

Cena 20<br />

Cena de transição, na qual todo o elenco transforma a cena para o Epílogo. Há música<br />

cantada, acompanhada por percussão.<br />

92


Tudo Pro Meu Próprio Bem<br />

Compositor: Gonzaga Jr.<br />

Todos: Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Joanna: ...Um punhal, uma corda e o açúcar na mão<br />

Todos: Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Alessandra: ...A carícia da cobra, o sorriso do bom<br />

Todos: Meça teus passos pro teu próprio bem<br />

Sim pro teu próprio bem<br />

Leomar falando: Sim pro meu próprio bem<br />

Jamais me perguntaram<br />

Se eu queria ou não<br />

Se era aquilo ou não<br />

Que eu queria viver<br />

Pra quê?...<br />

Marcaram caminhos<br />

Nem deixaram pra mim<br />

Minha morte<br />

Meu próprio fim escolher<br />

Pro meu próprio bem<br />

Todos: Sim, pro teu próprio bem<br />

Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Mariana: Gravados nas lages, nos muros, nas mentes<br />

Todos: ...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Rafael: Palavras formosas lançadas ao vento<br />

Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Leomar falando: Pro meu próprio bem<br />

93


Cena 21<br />

Segismundo é preso novamente tal como o vimos no início do espetáculo. Está<br />

adormecido. Clotaldo e os Guardas o repõem na torre. Estão novamente cobertos.<br />

Clotaldo - Aqui tenho que deixá-lo, hoje a soberba precisa ter fim. Volta ao mesmo. E<br />

assim as tuas algemas volto a atar.<br />

(O Rei Astrólogo observa a cena de longe.)<br />

Clotaldo – (para o rei) Olha teu filho ali, reduzido ao miserável estado. Deve estar<br />

acordando de um sonho ruim... veja a necessidade que tem de respirar todo ar que<br />

existe no mundo... (Rei sai).<br />

Segismundo – Fui à grandiosa praça que é o teatro do mundo para uma afronta<br />

vingar... Sou eu, porventura? Que coisas tenho sonhado... eu vi mesmo aqueles olhos?<br />

Eu me vi ali e perdi a calma e a aceitação que tinha! Rompi uma barreira em minha<br />

alma e pelo que vejo terei sempre um corpo fadado à prisão... Clotaldo, me dê a<br />

solução para isso! Meu tutor, que sonho eu tive!... real como agora...<br />

Clotaldo - Já é hora de acordar...<br />

Segismundo – Acordar?<br />

Clotaldo – Não queiras dormir mais... Desde que estive contigo há dois dias não<br />

acordastes...<br />

Segismundo – Um sono profundo... um sonho profundo... Não. Não posso estar<br />

enganado, pois, se tudo foi sonhado eu vi tudo palpável, certo, quanto agora... Se<br />

sonhar é assim tão intenso, posso duvidar que esse momento seja real...<br />

94


Clotaldo – Conte-me o sonho, então...<br />

Segismundo – Não direi o que sonhei, mas sim o que vi... Os poderes do império e<br />

seus nobres, com rostos de porcelana, rendidos a meus pés... Me deram nome e<br />

disseram ser seu príncipe... Estenderam galas, jóias e vestidos... Desde então perdi a<br />

calma de meus sentidos. Se estou com esta sensação até agora, eu fui príncipe até<br />

hoje manhã...<br />

Clotaldo – E eu, estive em teus sonhos?<br />

Segismundo – Sim e eu o matei...<br />

Clotaldo – Quanto rigor!<br />

Segismundo – De todos era senhor e todos me vingava...<br />

Clotaldo – Vingava-se de que?<br />

Segismundo – De terem me feito um tirano... agora posso entender a fúria que me<br />

assolava por dentro aqui sozinho, sem saber por que... dentro de mim um sensação de<br />

vazio... e tu nem sequer um olhar... cadê os teus olhos? Por que me privas de teu<br />

olhar? (Clotaldo chama os guardas e os mesmos entram na torre).<br />

Clotaldo – São os delírios do sonho... nada mais... nada mais, meu menino... a vida<br />

não tem rosto, como tu, como eu, como qualquer um aqui... somos identidades secretas<br />

que perambulam umas entre as outras, sem parar para ouvir...<br />

Segismundo – Mas, não é justo...<br />

Clotaldo – Não nos cabe tal discussão, meu pequeno aprendiz... Foi o império do<br />

sonho, vamos aos fatos...<br />

95


Segismundo – Os fatos?<br />

Clotaldo – O aqui e o agora... a tua condição de aprendiz...<br />

Segismundo – Prisioneiro!<br />

Clotaldo - ... e a minha de tutor...<br />

Segismundo - ... assassino!<br />

Clotaldo - Não traga as confusões dos sonhos para a tua vida...<br />

Segismundo – A fúria cega dos atos que pretensamente sonhei vieram de uma<br />

ausência que de repente eu percebera, uma ausência do olhar de alguém... Eu pude<br />

me espelhar e aí então eu percebi que haviam me tirado aquilo que mais precisava<br />

para não ser um tirano... A culpa não pode ser minha! ... um tirano... formatado... por<br />

todos vocês... e só a mim cabe essa prisão... tiranos, tiranos,...<br />

(Segismundo adormece, sedado. Clotaldo sai de cena e os Guardas voltam a ocupar<br />

seu lugares fora da torre.)<br />

Cena 22<br />

Rosaura e Clarim e sua voz dispersa estão novamente clandestinos, desta vez fugindo<br />

daquele castelo. Comentam sobre o príncipe prisioneiro.<br />

Rosaura – Um príncipe... um ser transtornado pelo sofrimento e pela rejeição... um<br />

espírito corrompido... O efeito de uma causa injusta. Primeiro retiram dele tudo que<br />

possa construir um cidadão e depois julgam-no sem deixar alternativa, sem deixar<br />

sequer uma possibilidade de defesa...<br />

96


Voz Dispersa – O homem é solitário e reúne-se em sociedade apenas por fraqueza e<br />

falta de coragem.<br />

Rosaura – Um indivíduo é um resultado do todo que o cerca... (Saem)<br />

EPÍLOGO<br />

Segismundo e os Signos: os mesmos sons feitos no Prólogo III preenchem a cena,<br />

enquanto isso Segismundo se questiona se a vida é sonho.<br />

Segismundo – Sonho? Vida? Isso é um sonho? A vida é sonho?<br />

(Neste momento a mãe retorna como espírito e coloca-o para ninar, sem que o filho a<br />

veja ou a toque. Os signos reluzem no céu)<br />

F I M<br />

97


TUDO PRO MEU PRÓPRIO BEM<br />

AUTOR: Gonzaga Jr.<br />

CANTA: Gonzaga Jr.<br />

Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

6.4 ANEXO 4<br />

...Um punhal, uma corda e o açúcar na mão<br />

Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

... A carícia da cobra, o sorriso do bom<br />

Meça teus paços pro teu próprio bem<br />

Siga o gesto do mestre<br />

Sim pro teu próprio bem<br />

E na hora do tiro fatal em meu peito<br />

...Fazemos isso pro teu próprio em<br />

Depois arrastando o meu corpo no chão<br />

...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Jogando meu peso de morto na cova<br />

Me cobrindo com a terra<br />

Sim pro meu próprio bem<br />

Jamais perguntaram<br />

Se eu queria ou não<br />

Se era isso ou não<br />

Se era aquilo ou não<br />

Que eu queria viver<br />

Ah... Pra quê?!...<br />

Marcaram caminhos (limite nasci)<br />

Nem deixaram pra mim<br />

98


Minha morte<br />

Meu próprio fim escolher<br />

Pro meu próprio bem<br />

Gravado nas Lages, nos muros, nas mentes<br />

...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

No pano da calça limpando a ação<br />

...Fazemos isso pro teu próprio bem<br />

Palavras formosas lançadas ao vento<br />

Lavando esse tempo<br />

Pro meu próprio bem<br />

99

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