Interpretando o espaço na literatura de temática ... - ppgel/ileel/ufu
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INTERPRETANDO O ESPAÇO NA LITERATURA DE TEMÁTICA HOMOERÓTICA:<br />
DESEJOS ESCONDIDOS E SEXUALIDADES TRANSGRESSORAS<br />
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Huma<strong>na</strong>s, Letras e Artes<br />
Carlos Eduardo Albuquerque Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s (UEPB) 1<br />
Introduzindo a questão<br />
estudo do <strong>espaço</strong> <strong>na</strong> <strong>literatura</strong>, <strong>de</strong> uma maneira geral, revela que diversos<br />
aspectos po<strong>de</strong>m ser interpretados a partir <strong>de</strong>ste marcador, que Dimas<br />
(1987) <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong> <strong>de</strong> armadilhas virtuais <strong>de</strong> um texto, uma vez que ele<br />
<strong>de</strong>fine em muitas obras ou em gêneros específicos nuances<br />
importantíssimas ao leitor atento. Além disso, problematizar os sujeitos ficcio<strong>na</strong>is é também<br />
perceber on<strong>de</strong> eles estão situados, relacio<strong>na</strong>ndo assim o ser ao seu estar, <strong>de</strong> modo que<br />
<strong>de</strong>scobrir on<strong>de</strong> se passa uma ação, no plano da enunciação ficcio<strong>na</strong>l, e quais as eventuais<br />
funções <strong>de</strong>sse <strong>espaço</strong> no <strong>de</strong>senvolvimento do enredo e <strong>na</strong> interferência psíquica da<br />
perso<strong>na</strong>gem, tor<strong>na</strong>-se relevante à leitura da <strong>literatura</strong> <strong>de</strong> ficção.<br />
A relação entre a construção do <strong>espaço</strong> ficcio<strong>na</strong>l e a <strong>temática</strong> homoerótica <strong>na</strong> <strong>literatura</strong><br />
constitui a problemática central <strong>de</strong>ste ensaio. A <strong>literatura</strong> gay2 O<br />
– aquela em que se lê, no plano<br />
geral da obra, a <strong>temática</strong>, a vivência e os <strong>de</strong>sejos gays – será o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>ssa reflexão,<br />
para observar em que aspectos os <strong>espaço</strong>s nela construídos contribuem para interferir <strong>na</strong><br />
condição homoafetiva das perso<strong>na</strong>gens e suas relações, po<strong>de</strong>ndo caracterizar assim um gênero<br />
literário específico como propõe Silva (2007b), <strong>de</strong>ntre outros tantos elementos.<br />
Trabalhamos com a hipótese <strong>de</strong> que, sendo a relação homoerótica concebida como<br />
transgressora pelo discurso domi<strong>na</strong>nte, falocêntrico e heterossexual, e sendo esta relação<br />
abordada <strong>de</strong> maneira central <strong>na</strong> <strong>literatura</strong> gay, os elementos espaciais refletem esse “<strong>de</strong>svio”,<br />
configurando ambientes fechados e isolados que po<strong>de</strong>m escon<strong>de</strong>r as relações <strong>de</strong>sviantes. Do<br />
ponto <strong>de</strong> vista cultural, supomos que os <strong>espaço</strong>s pelos quais <strong>de</strong>slizam as perso<strong>na</strong>gens reflitam<br />
os <strong>de</strong>sejos e a vivência dos sujeitos homoeróticos, <strong>de</strong> acordo com a época a que cada obra se<br />
refere.<br />
A reflexão sobre <strong>espaço</strong> e <strong>literatura</strong> é discutida a partir <strong>de</strong> Dimas (1987); Moisés (1981);<br />
Schüler (1989); Soares (1993); Santos e Oliveira (2001) e Gancho (2006), no intuito <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o<br />
<strong>espaço</strong> ficcio<strong>na</strong>l e quais suas possíveis funções em um texto literário.<br />
Primeiramente, apresentamos um breve panorama teórico da noção <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> e as<br />
variações semânticas vinculadas a ela, precisando assim a <strong>de</strong>finição adotada neste trabalho. Em<br />
seguida, discutimos sucintamente a questão do <strong>espaço</strong> ficcio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> <strong>literatura</strong> homoerótica, aqui<br />
tomada como corpus <strong>de</strong> análise: Bom-Crioulo (2002), <strong>de</strong> Adolfo Caminha; O segredo <strong>de</strong><br />
Brokeback Mountain (2006), <strong>de</strong> Annie Proulx; Outros sabores (2005), <strong>de</strong> Rafael Luz Serafim e<br />
Sobre rapazes e homens (2006).<br />
1 Graduando em Letras pela Universida<strong>de</strong> Estadual da Paraíba; bolsista do PIBIC/UEPB/CNPq.<br />
E-mail: eduardo-af-@hotmail.com<br />
2 Partimos da concepção <strong>de</strong> <strong>literatura</strong> gay, principalmente, <strong>de</strong>senvolvida por Silva (2007a e 2007b) e das reflexões sobre o<br />
homoerotismo <strong>na</strong> <strong>literatura</strong>, a partir <strong>de</strong> Barcellos (2006).<br />
A MARgem - Estudos, Uberlândia - MG, ano 2, n. 3, p. 45-55, jan./jun. 2009<br />
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O <strong>espaço</strong> ficcio<strong>na</strong>l: discutindo e <strong>de</strong>limitando conceitos<br />
Revista Eletrônica <strong>de</strong> Ciências Huma<strong>na</strong>s, Letras e Artes<br />
Espaço (físico, social, psicológico), ambiente e ambientação, são termos utilizados<br />
pelos estudos literários para referir-se aos locais ficcio<strong>na</strong>is, sobretudo <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas.<br />
Antonio Dimas (1987), em obra que trata especificamente <strong>de</strong>ssa <strong>temática</strong> no romance,<br />
faz referência ao <strong>espaço</strong> e à ambientação distintamente. O autor, ao discutir esse elemento a<br />
partir <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> Lins (1976 apud DIMAS, 1987), afirma que o <strong>espaço</strong> é <strong>de</strong>scrito como<br />
fazendo referência a dados da realida<strong>de</strong>; já ambientação/ambiente faz menção aos significados<br />
simbólicos que po<strong>de</strong>m ser estabelecidos a partir dos filtros <strong>de</strong> cada texto. Ainda divi<strong>de</strong><br />
ambientação em franca, reflexa e dissimulada, categorias sobre as quais não nos <strong>de</strong>teremos.<br />
Concordando com Dimas (1987), Gancho (2006, p. 27) afirma que “O termo <strong>espaço</strong>, <strong>de</strong> um<br />
modo geral, só dá conta do lugar físico on<strong>de</strong> ocorrem os fatos da história; para <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r um<br />
‘lugar’ psicológico, social, econômico etc., empregamos o termo ambiente”.<br />
Os <strong>de</strong>mais autores não fazem distinção entre <strong>espaço</strong> e ambiente, tomando-os como<br />
sinônimos. Santos & Oliveira (2001) abordam o conceito <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> a partir da perspectiva<br />
<strong>de</strong>terminista – que concebe ape<strong>na</strong>s os componentes físicos e psicológico-social – <strong>na</strong> qual os<br />
<strong>espaço</strong>s são referentes aos lugares sociais representados e/ou à configuração <strong>de</strong> cenários<br />
íntimos das mentes das perso<strong>na</strong>gens, embora aconselhem não reduzir o <strong>espaço</strong> a essas duas<br />
perspectivas (uma, <strong>de</strong>terminista; a outra, psicológica e social) que, por vezes, funcio<strong>na</strong>m como<br />
camisas-<strong>de</strong>-força, inflexibilizando, portanto, um maior aproveitamento do termo, uma vez que<br />
ambas as perspectivas po<strong>de</strong>m estar imbricadas ou até mesmo configurar como inseparáveis.<br />
(SANTOS; OLIVEIRA, 2001, p. 81)<br />
Assim, semelhante à <strong>de</strong> Soares (1993), adotamos como <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> ficcio<strong>na</strong>l o<br />
conjunto <strong>de</strong> elementos paisagísticos em um texto literário, quer se apresente exterior e físico ou<br />
interior e psicológico, on<strong>de</strong> são situadas as ações das perso<strong>na</strong>gens. Aqui, o conceito <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> é<br />
entendido <strong>de</strong> maneira generalizada e, partindo <strong>de</strong> uma percepção do <strong>espaço</strong> físico mediada por<br />
valores, projetamos significados por meio <strong>de</strong> impressões culturais no intuito <strong>de</strong>, assim, tentar<br />
inferir em que medidas os cenários guardam tocaias3 <strong>na</strong> construção das obras <strong>de</strong> <strong>temática</strong><br />
homoerótica, estudadas neste ensaio.<br />
As funções <strong>de</strong>sse elemento, <strong>de</strong> maneira geral, para os autores consultados, são situar as<br />
perso<strong>na</strong>gens no tempo, no <strong>espaço</strong>, no grupo social; ser a projeção dos conflitos vividos pelos<br />
sujeitos ficcio<strong>na</strong>is ou estar em conflito com os mesmos; bem como fornecer indícios para o<br />
andamento do enredo, principalmente em <strong>na</strong>rrativas policiais (Cf. GANCHO, 2006, p. 29).<br />
Todavia, Dimas (1987) adverte que toda tipologia literária <strong>de</strong>ve ser vista com extremo<br />
relativismo, uma vez que po<strong>de</strong>mos encontrar várias modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apresentação espacial, às<br />
vezes dispersas ao longo das pági<strong>na</strong>s, às vezes <strong>de</strong> modo contíguo, quando não mesclado,<br />
cabendo a nós, leitores, <strong>de</strong>tectá-las e avaliá-las em sua funcio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> (DIMAS, 1987, p. 32).<br />
Sabemos que a geografia literária é discutida com relevância <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas. Na poesia,<br />
não há, a rigor, a preocupação a<strong>na</strong>lítica com esse marcador “típico” da prosa, salvo quando este<br />
aparece como “a <strong>na</strong>tureza”, e <strong>na</strong> poesia épica, segundo Moisés (1981, p. 44-5). Esse mesmo<br />
crítico ainda afirma que “A poesia não remete para lugar algum, nem se situa em <strong>espaço</strong> algum:<br />
3 Termo utilizado por Dimas (1987) para <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r o que ele também chama <strong>de</strong> “armadilhas virtuais <strong>de</strong> um texto”.<br />
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é a-geográfica”. Moisés (1981, p. 44). Todavia, no que tange à questão <strong>de</strong> limites <strong>de</strong> análise do<br />
texto literário em prosa ou poesia, concordamos com a afirmação <strong>de</strong> Santos e Oliveira (2001),<br />
que ampliam e flexibilizam as possibilida<strong>de</strong>s da interpretação:<br />
No texto literário, tanto em formas poéticas quanto em formas <strong>na</strong>rrativas, é possível<br />
simular simultaneida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> normalmente se encontra sucessão, propor a<br />
coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> elementos a princípio subordi<strong>na</strong>dos, instigar <strong>de</strong>rivas nos caminhos<br />
já traçados, incerteza on<strong>de</strong> há normas a serem respeitadas, liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> olhar<br />
quando o olhar ten<strong>de</strong> a ser aprisio<strong>na</strong>do. (SANTOS; OLIVEIRA, 2001, p. 77-8)<br />
Dessa forma, atentamos para o fato <strong>de</strong> que em alguns poemas <strong>de</strong> Rafael Luz Serafim<br />
(2005) há menções diretas a <strong>espaço</strong>s que servem <strong>de</strong> pano <strong>de</strong> fundo aos <strong>de</strong>sejos do sujeito<br />
poético. Seja uma padaria, um encontro no shopping ou no interior <strong>de</strong> um ônibus, alguns<br />
poemas nos remetem a <strong>espaço</strong>s físicos, o que nos fez observar os cenários <strong>de</strong>scritos nestes<br />
poemas, ainda que contrariem regras <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> análise literária, que resistem a tratar os<br />
ambientes representados no poema.<br />
Homoafetivida<strong>de</strong> em Bom-crioulo<br />
A <strong>na</strong>rrativa Bom-Crioulo (2002) <strong>de</strong> Adolfo Caminha, publicada em 1895 e inscrita <strong>na</strong><br />
história da <strong>literatura</strong> sob rótulo <strong>na</strong>turalista, é consi<strong>de</strong>rada o primeiro romance <strong>de</strong> tema<br />
exclusivamente homoerótico da <strong>literatura</strong> brasileira (sem querer relegar a discussão <strong>de</strong> outras<br />
questões socioculturais presentes <strong>na</strong> obra). Nessa obra, o homoerotismo masculino é o motivo<br />
através do qual se estrutura todo o relato. O negro Amaro (vulgo Bom-Crioulo, p. 52) e o<br />
grumete Aleixo, protagonistas da <strong>na</strong>rrativa, vestem os uniformes da marinha <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e ocupam,<br />
sobretudo, dois <strong>espaço</strong>s marcantes <strong>na</strong> obra: a corveta – cenário cuja <strong>de</strong>scrição abre o romance e<br />
on<strong>de</strong> se inicia a paixão <strong>de</strong> Amaro por Aleixo e subseqüente relacio<strong>na</strong>mento – e o quarto da Rua<br />
da Misericórdia – lugar on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolve a relação <strong>de</strong>sses dois marujos, apontando para<br />
diferentes aspectos semânticos <strong>de</strong> acordo com a evolução do enredo.<br />
A corveta, “a velha e gloriosa corveta” (p. 13), como assim <strong>de</strong>screve o <strong>na</strong>rrador, é o<br />
cenário central on<strong>de</strong> se passa a fábula. Conhecemos as perso<strong>na</strong>gens nesse <strong>espaço</strong>. Amaro –<br />
escravo fugido que encontrou sua liberda<strong>de</strong> ao servir a Marinha – permanece <strong>na</strong> embarcação e<br />
passa a associar o lugar à sua liberda<strong>de</strong>, lembrando sempre da corveta, atribuindo-lhe boas<br />
referências. A vida em alto mar, a chegada <strong>de</strong> Aleixo e a paixão avassaladora que <strong>de</strong>sperta em<br />
Amaro constituem relatos ocorridos <strong>na</strong> corveta, que funcio<strong>na</strong> para Bom-Crioulo como o cenário<br />
<strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> vida, um lugar <strong>de</strong> recomeço.<br />
É importante ressaltar que apesar <strong>de</strong> a influência do meio sobre o indivíduo ser uma<br />
característica do romance realista-<strong>na</strong>turalista, <strong>na</strong> obra <strong>de</strong> Caminha o homoerotismo <strong>de</strong> Amaro<br />
não é colocado pelo <strong>na</strong>rrador heterodiegético como fruto <strong>de</strong> uma influência do ambiente em<br />
que a perso<strong>na</strong>gem vive. Embora se mencione a prática <strong>de</strong> relações entre marujos (e até entre<br />
superiores), a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Amaro não atravessa essas práticas, sendo sua condição<br />
homoafetiva apresentada enquanto “força da <strong>na</strong>tureza”, pois “Não havia jeito, senão ter<br />
paciência, uma vez que a <strong>na</strong>tureza impunha-lhe esse castigo”. (CAMINHA, 2002, p. 46),<br />
limitando a causa do seu <strong>de</strong>sejo homoerótico ao fator instintual.<br />
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A relação <strong>de</strong> Amaro e Aleixo se consuma com o primeiro contato sexual dos marujos, no<br />
convés da corveta, em uma área coberta do <strong>na</strong>vio, on<strong>de</strong> dormiam e se refugiavam do frio: um<br />
lugar escuro, escondido, que abrigou o “<strong>de</strong>lito contra a <strong>na</strong>tureza”, fato importante para ambas as<br />
perso<strong>na</strong>gens: “On<strong>de</strong> quer que estivessem haviam <strong>de</strong> lembrar daquela noite fria dormida sob o<br />
mesmo lençol <strong>na</strong> proa da corveta, abraçados, como um casal <strong>de</strong> noivos em ple<strong>na</strong> luxúria da<br />
primeira coabitação”. (CAMINHA, 2002, p. 46)<br />
Antes <strong>de</strong>sse momento, já fazia parte dos planos <strong>de</strong> Bom-Crioulo alugar, quando<br />
aportassem no Rio <strong>de</strong> Janeiro, um quarto <strong>na</strong> Rua da Misericórdia para morarem juntos. Quando<br />
chegam a terra, recorrem à portuguesa D. Caroli<strong>na</strong>, amiga antiga <strong>de</strong> Amaro, que alugava quartos<br />
<strong>na</strong> citada rua e que arranja um quartinho a pedido do amigo:<br />
O quarto era in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, com janela para os fundos da casa, espécie <strong>de</strong> sótão<br />
roído pelo cupim e tresandando a ácido fênico. [...] Todo o dinheiro que apanhava<br />
era para compra <strong>de</strong> móveis e objetos <strong>de</strong> fantasia rococó, “figuras”, enfeites, coisas<br />
sem valor, muita vez trazidas <strong>de</strong> bordo... Pouco a pouco o pequeno cômodo foi<br />
adquirindo uma feição nova <strong>de</strong> bazar hebreu, enchendo-se <strong>de</strong> bugigangas,<br />
amontoando-se caixas vazias, búzios grosseiros e outros acessórios or<strong>na</strong>mentais. O<br />
leito era uma “cama <strong>de</strong> vento” já muito usada, sobre a qual Bom-Crioulo tinha zelo<br />
<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r, pela manhã, quando se levantava, um grosso cobertor encar<strong>na</strong>do<br />
“para ocultar nódoas”. (CAMINHA, 2002, p. 54)<br />
No trecho acima percebemos o cuidado da perso<strong>na</strong>gem Amaro para com o cômodo que<br />
se tornou um “ninho <strong>de</strong> amor” entre ele e Aleixo, ninho cuja caracterização é bastante sugestiva:<br />
conforme é comparado a um “sótão roído pelo cupim” e or<strong>na</strong>mentado com “objetos <strong>de</strong> fantasia<br />
rococó”, “coisas sem valor”, “caixas vazias”, os elementos que compõem essa geografia ajudam a<br />
inferir que o ambiente é tão sem propósito quanto à relação das perso<strong>na</strong>gens. A configuração<br />
imagética <strong>de</strong>sse ambiente parece confi<strong>na</strong>r a relação à esquisitice, ao pouco valor, àquilo que é<br />
somente “or<strong>na</strong>mental” e provisório, como são filtrados os objetos do quarto que abrigava o casal<br />
gay.<br />
Em terra, no quarto da Misericórdia, nem se falava! – ouro sobre azul. Ficavam em<br />
ceroulas, ele e o negro, espojavam-se à vonta<strong>de</strong> <strong>na</strong> velha cama <strong>de</strong> lo<strong>na</strong>, muito fresca<br />
pelo calor, a garrafa <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte ali perto, sozinhos, numa in<strong>de</strong>pendência<br />
absoluta, rindo e conversando à larga, sem que ninguém os fosse perturbar – volta<br />
<strong>na</strong> chave por via das dúvidas... (CAMINHA, 2002, p. 55)<br />
A referência ao <strong>espaço</strong> do quarto, que não por acaso é alocado <strong>na</strong> Rua da Misericórdia e,<br />
por conseguinte, chamado pelo <strong>na</strong>rrador <strong>de</strong> “quarto da Misericórdia”, é marcada <strong>de</strong> significados,<br />
como o próprio termo traz em sua base semântica: <strong>de</strong> clemência, porque é o quarto da compaixão,<br />
on<strong>de</strong> ali, e somente ali os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> Bom-Crioulo eram atendidos, pois podia <strong>de</strong>sfrutar<br />
da beleza do jovem Aleixo, senti-lo como sempre o quis; ali eles estavam livres do mal da<br />
repressão, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes assim como “o quarto era in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte” (p. 54). “Eles viviam um<br />
para o outro” (p. 59), fato que cronologicamente durou quase um ano, restando daquele lugar a<br />
lembrança <strong>de</strong> um cenário <strong>de</strong> amor, um lugar secreto on<strong>de</strong> a realização do <strong>de</strong>sejo gay era<br />
possível.<br />
Conforme o romance se <strong>de</strong>senvolve, e novas tramas inva<strong>de</strong>m o fato <strong>na</strong>rrado, Bom-<br />
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Crioulo é obrigado a <strong>de</strong>ixar a corveta para servir em outro <strong>na</strong>vio, o couraçado. Aleixo, já<br />
entediado do negro, não sofre com a separação, e acaba se envolvendo com D. Caroli<strong>na</strong>, que o<br />
mimara <strong>na</strong> pretensão <strong>de</strong> conquistá-lo. Em suas vindas a terra, Aleixo não encontrava mais Amaro<br />
(que estava preso), e o quarto da Rua da Misericórdia (antes, um ninho <strong>de</strong> amor) agora<br />
configura um cenário repug<strong>na</strong>nte e <strong>de</strong> más lembranças para o jovem marujo:<br />
Como tudo mudara <strong>na</strong>quela casa <strong>de</strong>pois que o negro saíra! O sótão, o misterioso<br />
sótãozinho estava abando<strong>na</strong>do, Aleixo não queria saber <strong>de</strong>le, odiava-o, porque ali é<br />
que se tinha feito escravo <strong>de</strong> Bom-Crioulo, ali é que tinha “perdido a vergonha”. O<br />
pobre quarto era como um lugar <strong>de</strong> maldições: vivia trancado à chave, lúgubre e<br />
poeirento. [...] o retrato do imperador, a cama <strong>de</strong> lo<strong>na</strong>, os cacaréus, <strong>de</strong> Bom-<br />
Crioulo e do grumete, aquilo tudo que dantes fazia o encanto dos dois amigos<br />
tinha <strong>de</strong>saparecido. Nada restava agora daquele viver comum. (CAMINHA, 2002, p.<br />
95)<br />
Dessa forma percebemos a corveta e o quarto da Misericórdia: <strong>espaço</strong>s marcantes da<br />
<strong>na</strong>rrativa <strong>de</strong> Adolfo Caminha. Os cenários <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m como a relação dos protagonistas <strong>de</strong>ve se<br />
manter às escondidas nesses ambientes fechados e reservados, sobretudo o quarto da<br />
Misericórdia, com sua aura <strong>de</strong> mistério e trancado à chave, ambiente que podia acolher<br />
secretamente os <strong>de</strong>sejos homoafetivos das perso<strong>na</strong>gens.<br />
Espaços <strong>na</strong>turais em Brokeback Mountain<br />
Já O segredo <strong>de</strong> Brokeback Mountain (2006), <strong>de</strong> Annie Proulx, <strong>de</strong>ixa entrever no título<br />
o <strong>espaço</strong> que dá vida ao amor dos vaqueiros Ennis <strong>de</strong>l Mar e Jack Twist: a montanha Brokeback.<br />
No conto norte-americano, o <strong>na</strong>rrador mencio<strong>na</strong> diversos lugares do oeste dos Estados Unidos,<br />
a procedência dos perso<strong>na</strong>gens, por on<strong>de</strong> eles passam, marcando cronologicamente o tempo.<br />
Foi em 1963 que os protagonistas se conheceram, foram contratados para cuidar <strong>de</strong> um<br />
rebanho <strong>de</strong> ovelhas e o pasto <strong>de</strong> verão ficava <strong>na</strong> montanha Brokeback (PROULX, 2006, p. 8).<br />
Eles exerciam funções diferentes, um cuidava das ovelhas, o outro, da comida em um<br />
acampamento. Numa noite, motivados pelo abuso <strong>de</strong> bebida alcoólica, dormem juntos, ocorre o<br />
contato sexual, o primeiro <strong>de</strong> muitos que embalariam aquele verão num vasto local isolado.<br />
Como <strong>de</strong> fato foi. Eles nunca falavam sobre sexo, <strong>de</strong>ixavam acontecer, a princípio<br />
só <strong>na</strong> barraca à noite, <strong>de</strong>pois em ple<strong>na</strong> luz do dia com o sol batendo, e à noite no<br />
clarão do fogo [...] Só havia os dois <strong>na</strong> montanha pairando no ar eufórico e amargo,<br />
olhando <strong>de</strong> cima o dorso da águia e os faróis rastejantes dos veículos <strong>na</strong> planície,<br />
suspensos acima dos assuntos corriqueiros e longe dos mansos cachorros <strong>de</strong><br />
fazenda que latiam quando escurecia. Eles se achavam invisíveis [...] (PROULX,<br />
2006, p. 20)<br />
Após <strong>de</strong>ixarem a montanha, as perso<strong>na</strong>gens se separam, reencontrando-se quatro anos<br />
<strong>de</strong>pois, para se manterem unidos, embora os encontros íntimos não acontecessem<br />
freqüentemente, e, quando ocorriam, eram lugares isolados ou como Ennis disse “num fim <strong>de</strong><br />
mundo...” (p. 38), <strong>de</strong>vido às circunstâncias socioculturais em que estavam inseridos. Os <strong>espaço</strong>s<br />
rurais e as belas paisagens que são <strong>de</strong>scritas dos lugares por on<strong>de</strong> Ennis e Jack passam em seus<br />
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encontros configuram o que Dimas (1987) e Moisés (1981) <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>m Lócus amoenus,<br />
expressão lati<strong>na</strong> utilizada pra classificar paisagens <strong>na</strong>turais como esta:<br />
O rio cor <strong>de</strong> chá corria veloz com o <strong>de</strong>gelo da neve, uma faixa <strong>de</strong> bolhas <strong>na</strong>s rochas<br />
altas, lagos e rodamoinhos fluindo. Os salgueiros <strong>de</strong> galhos ocre balançavam<br />
rígidos, os amentos carregados <strong>de</strong> pólen qual impressões digitais amarelas. Os<br />
cavalos beberam e Jack apeou, apanhou um pouco <strong>de</strong> água gelada com a mão,<br />
gotas cristali<strong>na</strong>s pingando dos <strong>de</strong>dos, um brilho molhado <strong>na</strong> boca e no queixo.<br />
(PROULX, 2006, p. 46)<br />
A configuração do <strong>espaço</strong> <strong>na</strong> obra <strong>de</strong> Annie Prouxl revela tão somente aquilo que o<br />
título traduzido remete, um segredo. Os protagonistas refugiam-se em um paraíso <strong>na</strong>tural,<br />
construído sob uma geografia composta por montanhas, campi<strong>na</strong>s, bacias hidrográficas; e,<br />
apesar <strong>de</strong> serem <strong>espaço</strong>s abertos, ao ar livre, os vaqueiros atravessavam esses cenários com o<br />
objetivo <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r a relação homoerótica, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, num lugar afastado <strong>de</strong> todos (por conta<br />
do medo, do preconceito), viver o <strong>de</strong>sejo sentido por eles. Além disso, a montanha Brokeback<br />
tor<strong>na</strong>-se, especialmente, símbolo do amor entre os dois, o começo <strong>de</strong> tudo, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> Jack<br />
que, ao morrer, pe<strong>de</strong> para suas cinzas serem espalhadas lá; e a eter<strong>na</strong> lembrança <strong>de</strong> um cartão<br />
postal da montanha, que Ennis guarda como recordação do amor <strong>de</strong>dicado ao “amigo”.<br />
Os <strong>espaço</strong>s urbanos <strong>de</strong> Outros sabores<br />
Dos poemas <strong>de</strong> Rafael Luz Serafim (2005), nove nos chamaram atenção porque fazem<br />
menção a <strong>espaço</strong>s, sejam eles lugares reais como cida<strong>de</strong>s e estados brasileiros (é o caso dos<br />
poemas Reencontro <strong>na</strong> Cida<strong>de</strong> Baixa, Aprontes em Fortaleza e On<strong>de</strong> estará meu amor?) ou a<br />
<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos cenários como um shopping center, um cinema, que funcio<strong>na</strong>m como pontos <strong>de</strong><br />
encontro do sujeito poético com outros com quem se relacio<strong>na</strong> (é o caso do poema Crônica do<br />
Bate-Trapo, que remete também ao <strong>espaço</strong> virtual do chat).<br />
É preciso salientar que os <strong>espaço</strong>s, nesses poemas, não são <strong>de</strong>scritos, eles são ape<strong>na</strong>s<br />
mencio<strong>na</strong>dos <strong>de</strong> modo a servirem <strong>de</strong> pano <strong>de</strong> fundo aos <strong>de</strong>sejos expressos pelo sujeito poético.<br />
No poema Pa<strong>de</strong>iro safado, quando lemos o primeiro verso, temos: “Nunca imaginei gostar<br />
tanto <strong>de</strong> uma padaria [...]” (p. 100); ou ainda <strong>na</strong> primeira estrofe no do poema Roça-roça no<br />
Buzão:<br />
ônibus lotado é o que há<br />
quando passa aquele gatinho por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> você<br />
aquele aperto gostoso<br />
aquele calor no pescoço<br />
um roça-roça tudo <strong>de</strong> bom! (SERAFIM, 2005, p. 98)<br />
Ou ainda <strong>na</strong> segunda estrofe do poema No vestiário:<br />
[...]<br />
no vestiário<br />
compartilhamos o mesmo armário<br />
mantemos contato físico intenso... às escondidas [...] (SERAFIM, 2005, p. 94)<br />
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Esses trechos remetem a ambientes físicos que atravessam o <strong>de</strong>sejo expresso nos<br />
poemas, porém neste último, além da referência ao <strong>espaço</strong> do vestiário, há menção ao <strong>espaço</strong><br />
psicológico, o armário, que po<strong>de</strong> significar a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o sujeito assumir a condição<br />
gay, como bem apresenta Bachelard (1988, p. 91) “o <strong>espaço</strong> interior do armário é um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong><br />
intimida<strong>de</strong>, um <strong>espaço</strong> que não se abre para qualquer um” (grifo nosso); então, no poema, a<br />
relação se dá secretamente, pois ambos os indivíduos estão presos ao armário, à não-aceitação<br />
ple<strong>na</strong> da orientação sexual que os <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> culturalmente como sujeitos, a ambigüida<strong>de</strong><br />
expressa pelo verso “compartilhamos o mesmo armário” nos permite assim interpretar que os<br />
sujeitos mantêm secretas suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e relação. Essa imagem também é mencio<strong>na</strong>da no<br />
poema Saindo do armário, no qual é expressa a insatisfação e o incômodo do eu-poético em<br />
não conseguir se libertar, se assumir, enfim, “sair do armário”:<br />
Quem são meus cicerones?<br />
Sinto-me um hóspe<strong>de</strong> <strong>de</strong> mim mesmo<br />
Um estranho, em recluso<br />
Num claustro absurdo<br />
Ca<strong>de</strong>ado no peito!<br />
Fecho-me a todos os tipos <strong>de</strong> emoções<br />
O que será que eu <strong>de</strong>sejo?<br />
[...]<br />
Do cabi<strong>de</strong> faço meu páreo<br />
Tenho que sair do armário! SERAFIM (2005, p. 57)<br />
Outros sabores (2005), por questões <strong>de</strong> estilo do autor ou motivos que referendam a<br />
escrita do sujeito, aborda questões contemporâneas relativas aos sujeitos gays: reivindicações,<br />
<strong>de</strong>sejos e comportamentos, portanto a linguagem, os termos e os ambientes refletem essa<br />
emergência <strong>de</strong> uma cultura, <strong>de</strong> uma vivência específica, com os dilemas, conquistas e <strong>de</strong>sgraças<br />
dos indivíduos <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> divergente da heteronormativida<strong>de</strong> ainda consi<strong>de</strong>rada “mo<strong>de</strong>lo”.<br />
Espaços que falam sobre rapazes e homens<br />
Sobre rapazes e homens (2006), <strong>de</strong> Antonio <strong>de</strong> Pádua Dias da Silva, é uma obra<br />
composta por catorze contos curtos que abordam, através da linguagem do corpo, do <strong>de</strong>sejo e<br />
do erotismo, o que, <strong>na</strong>s palavras <strong>de</strong> Souza (2007, p. 390), “há <strong>de</strong> mais íntimo <strong>na</strong>s relações<br />
homoafetivas <strong>de</strong> corpos e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s marcadas pela homoafetivida<strong>de</strong>”. Sabemos que a<br />
circunstância espacial pouco conta em <strong>na</strong>rrativas curtas como os contos <strong>de</strong>ssa obra, segundo<br />
Moisés (1981, p. 108); todavia, os cenários on<strong>de</strong> ocorrem, principalmente, as relações sexuais e<br />
os jogos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos, em alguns contos revelam aspectos importantes à configuração do <strong>espaço</strong><br />
<strong>na</strong> <strong>literatura</strong> gay.<br />
Superficialmente, a maioria dos contos nos remete a <strong>espaço</strong>s, seja um quarto (em<br />
Passio<strong>na</strong>l ao extremo) ou a <strong>de</strong>scida à margem <strong>de</strong> um rio, on<strong>de</strong> as perso<strong>na</strong>gens quase não<br />
po<strong>de</strong>m ser vistas (em Agente da passiva), bem como a imagem <strong>de</strong> um poça que serve <strong>de</strong> palco<br />
para a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong>pressivo (em Esquema D). Mas, em especial, três contos<br />
configuram cenários similares: ambientes fechados, escondidos. Esses ambientes são mais bem<br />
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<strong>de</strong>scritos, se comparados com as <strong>de</strong>mais <strong>na</strong>rrativas da obra, <strong>de</strong>ixando sugestivamente pistas que<br />
são associadas ao <strong>espaço</strong> da vivência da relação homoerótica dos perso<strong>na</strong>gens, como discutimos<br />
adiante.<br />
Em Esquema F, os perso<strong>na</strong>gens (um homem e um garoto) encontram-se num <strong>espaço</strong><br />
fechado e escondido do olhar do pai do menino, que representa a repressão, os valores morais<br />
que impe<strong>de</strong>m o garoto <strong>de</strong> “travar-se” com seu objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, o falo (SOUZA, 2007, p. 391).<br />
Diante <strong>de</strong>sse temor, o homem se reveste do papel do pai e or<strong>de</strong><strong>na</strong> que o “molequinho gostoso”<br />
(p. 74) o obe<strong>de</strong>ça, “<strong>de</strong>scendo sua boca ao pau <strong>de</strong>le” (p.74) e, assim, <strong>na</strong>quele ambiente, inicia o<br />
enlace <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> uma relação aparentemente pedófila:<br />
No <strong>espaço</strong> mais apertado daquela loja, no fundo, bem ao fundo, numa sala escura,<br />
um pouco vazia, um pouco suja, um pouco úmida. Numa sala no fim daquela loja,<br />
como vias <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo, como acesso a expulsão <strong>de</strong> <strong>de</strong>tritos Ele e ele. Ambos<br />
<strong>na</strong>vegando um barco cujo <strong>de</strong>stino era um porto <strong>de</strong> sujeira. (SILVA, 2006, p. 76)<br />
Nesse contexto, o “caráter” espacial parece <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r a relação homoerótica que ali se<br />
<strong>de</strong>senvolve. O ambiente caracterizado como sujo e vazio permite a interpretação <strong>de</strong> que a<br />
relação entre ambos recebe esse mesmo atributo negativo, “um porto <strong>de</strong> sujeira”. Após a relação<br />
sexual, o estado da sala também é <strong>de</strong>scrito negativamente pelo <strong>na</strong>rrador: “No chão, uma porção<br />
<strong>de</strong> bosta misturada a sangue e sêmen. O cheiro <strong>de</strong> merda já impreg<strong>na</strong>va o ar daquele ambiente<br />
[...]” (SILVA, 2006, p. 79). Em seguida, o homem e o menino são flagrados pelo pai do último; o<br />
primeiro foge, <strong>de</strong>ixando pai e filho em uma situação embaraçosa. Essa última <strong>de</strong>scrição é<br />
semelhante à <strong>de</strong> O segredo <strong>de</strong> Brokeback Mountain (2006), quando é <strong>na</strong>rrado o estado do<br />
quarto <strong>de</strong> motel, após o reencontro amoroso dos dois vaqueiros: “O quarto fedia a sêmen,<br />
fumaça, suor e uísque [...]” (PROULX, 2006, p. 30).<br />
Espaço recluso também é <strong>de</strong>scrito em Esquema N. Dotado <strong>de</strong> a<strong>na</strong>colutos, o texto conta<br />
<strong>de</strong> um rapaz que ao chegar a um bar é ligeiramente conduzido pelo balconista, por força do<br />
<strong>de</strong>sejo, ao banheiro do estabelecimento, um ambiente sujo:<br />
[...] bem lá <strong>de</strong>ntro havia um banheiro imundo o vaso sanitário estava saturado <strong>de</strong><br />
merda esborrotava <strong>na</strong>quela catinga imunda <strong>de</strong> muitos cus cagões que por ali<br />
tinham cagado o mijo dos bêbados corria solto pelo chão já manchado <strong>de</strong> cálcio<br />
petrificado sal e branco sob o líquido amarelecido e podre que escorria dos poços<br />
<strong>de</strong> uri<strong>na</strong>s que se acumulavam ali [...] (SILVA, 2006, p. 94-5)<br />
Naquele lugar, o eu-<strong>na</strong>rrador envolve-se em <strong>de</strong>sejos com o homem, que é tão sujo<br />
quanto o ambiente que parece <strong>de</strong>negrir a perso<strong>na</strong>gem, mas ao mesmo tempo “contribuía para<br />
tudo dar certo” (SILVA, 2006, p. 95). A relação se dá entre a dicotomia sexo/amor, sujo/limpo.<br />
Os elementos paisagísticos parecem realmente afirmar que além <strong>de</strong> caracterizar aquele encontro<br />
como proibido e secreto também o adjetiva como sujo, assim como o ambiente no qual ele<br />
ocorre, engendrando um discurso preconceituoso, bastante visível no cotidiano <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />
ainda remanescentes dos i<strong>de</strong>ais heterossexuais e machistas como a brasileira: o <strong>de</strong> que a relação<br />
gay é “suja”, porque pecaminosa ou anti<strong>na</strong>tural.<br />
De todas as histórias, é em ...Crime perfeito não <strong>de</strong>ixa suspeito que o <strong>espaço</strong> adquire<br />
projeção mais relevante, não servindo ape<strong>na</strong>s para situar o exercício do sexo entre as<br />
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perso<strong>na</strong>gens, mas também para caracterizá-las. Cidinho, protagonista do conto, é apresentado a<br />
partir da interferência <strong>de</strong> elementos paisagísticos da sua casa:<br />
Cidinho era Eucli<strong>de</strong>s Carneiro <strong>de</strong> Arruda, 25 anos, filho <strong>de</strong> pais <strong>de</strong>sconhecidos.<br />
Sobrevivente da Liberda<strong>de</strong>, rua Paraná, s/n. Sua casa não era casa: uns muros<br />
somente erguidos porque o resto fora <strong>de</strong>rrubado com fortes chuvas em invernos<br />
anteriores. Uns cacos ficaram como que abando<strong>na</strong>dos. Também como que<br />
soterrado, Cidinho ali habita. (SILVA, 2006, p. 41)<br />
A partir <strong>de</strong>ssa passagem, notamos o quanto a configuração espacial interfere <strong>na</strong><br />
configuração da perso<strong>na</strong>gem. O estado <strong>de</strong> sua casa que “não era casa”, apresentada como<br />
abando<strong>na</strong>da, <strong>de</strong>struída, nos permite enten<strong>de</strong>r que também Cidinho, “o veado mais escroto do<br />
bairro” (p. 42), é tão abando<strong>na</strong>do e <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte quanto o estado <strong>de</strong> sua residência, on<strong>de</strong> “como<br />
que soterrado” ele habita. O <strong>na</strong>rrador-perso<strong>na</strong>gem vigia Cidinho através <strong>de</strong> uma fenda no muro<br />
“que dava acesso a todo o visual <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele dormia” (SILVA, 2006, p. 43). Então, somos levados<br />
ao interior do lar <strong>de</strong> Cidinho para visualizar o envolvimento físico <strong>de</strong>le com o perso<strong>na</strong>gem<br />
Zenóbio, estereótipo do machão, “o que mais batia em veado, o que mais era cachorro, o que<br />
mais tinha força”, e agora “se entregava aos prazeres com a classe que mais <strong>de</strong>testava <strong>na</strong> vida, a<br />
dos veados.” (SILVA, 2006, p. 44, grifo nosso). Na casa, “por sobre ruí<strong>na</strong>s, lodo, concretos como<br />
que exumados, dois rapazes pareciam conhecer segredos que nunca ouvira antes falar” (SILVA<br />
2006, p. 44), Cidinho, Zenóbio e, posteriormente, o eu-<strong>na</strong>rrador dão vazão aos seus <strong>de</strong>sejos<br />
mais íntimos, fazendo-nos ficar, como diz Ribeiro Neto (2006) em prefácio, “com a carne em pé”<br />
diante da montagem <strong>na</strong>rrativa do sexo entre as três perso<strong>na</strong>gens.<br />
Situar on<strong>de</strong> ocorrem os momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos entre as perso<strong>na</strong>gens é a principal função<br />
do <strong>espaço</strong> nos curtos contos <strong>de</strong>sse autor. São <strong>espaço</strong>s fechados e escondidos dos olhares<br />
repressores da or<strong>de</strong>m vigente; ambientes que mostram o íntimo das perso<strong>na</strong>gens, on<strong>de</strong> os<br />
medos, <strong>de</strong>sejos e angústias do homem, sobretudo os <strong>de</strong> orientação homoafetiva, são exibidos. A<br />
caracterização dos <strong>espaço</strong>s saturados <strong>de</strong> elementos paisagísticos <strong>de</strong> conotação diminutiva, como<br />
sujos, escuros e cheios <strong>de</strong> excrementos parecem transpor o significado <strong>de</strong>stes para as relações<br />
<strong>de</strong>senvolvidas entre as perso<strong>na</strong>gens, sutilmente <strong>de</strong>negrindo-as, rotulando-as como<br />
transgressoras, sujas e que, portanto, <strong>de</strong>vem se manter escondidas, não vindo à luz para que a<br />
mancha que macula a orientação sexual <strong>de</strong> que são portadores não seja vista e, assim, possa ser<br />
mantido limpo o discurso em favor da heteronormativida<strong>de</strong>.<br />
Conclusões<br />
Após a discussão a respeito das configurações paisagísticas <strong>na</strong>s obras em questão – para<br />
assim exemplificar o assunto <strong>na</strong> <strong>literatura</strong> <strong>de</strong> expressão homoerótica <strong>de</strong> uma maneira geral, se<br />
faz pertinente tecer algumas consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>is.<br />
Silva (2007b) discute a emergência da <strong>literatura</strong> gay enquanto gênero literário. Sem<br />
querer a<strong>de</strong>ntrar exaustivamente nos aspectos relevantes ou não <strong>de</strong>sta classificação a que o autor<br />
faz referência, recordamos ape<strong>na</strong>s que a expressão <strong>literatura</strong> gay, como a emprega Silva (2007a<br />
e 2007b), po<strong>de</strong> ser interpretada a partir da autoria – a <strong>literatura</strong> feita por escritores gays – e da<br />
formulação inter<strong>na</strong>, isto é, do conteúdo da obra.<br />
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Descartando a primeira hipótese <strong>de</strong> interpretação, como ficou evi<strong>de</strong>nte em todo este<br />
trabalho, foi sobre os aspectos estéticos vinculados às <strong>temática</strong>s do universo gay, mais<br />
precisamente a categoria estético-literária do <strong>espaço</strong> ficcio<strong>na</strong>l, que orientamos nosso estudo.<br />
Como constatamos, os ambientes configurados nos permitem inferir que as relações<br />
homoeróticas das perso<strong>na</strong>gens acontecem às escondidas, em <strong>espaço</strong>s reclusos, que, por vezes,<br />
caracterizados ba<strong>na</strong>lmente, transferem seus sentidos para as relações gays dos sujeitos<br />
ficcio<strong>na</strong>is, sutilmente <strong>de</strong>finindo-as como transgressoras, sujas, proibidas, e que, portanto, <strong>de</strong>vem<br />
acontecer secretamente, longe dos olhares da “normalida<strong>de</strong>” sexual; quando não são fechados,<br />
como é o caso <strong>de</strong> O segredo <strong>de</strong> Brokeback Mountain, refletem o intuito das perso<strong>na</strong>gens em se<br />
distanciarem, <strong>de</strong> se moverem para lugares isolados, on<strong>de</strong> possam adquirir liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
manifestar o <strong>de</strong>sejo homoafetivo, fora da repressão social vigente, numa falsa ou aparente<br />
in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> viver “o amor que não ousa dizer o nome”.<br />
A configuração do <strong>espaço</strong> <strong>na</strong> <strong>literatura</strong> gay, a partir das obras aqui discutidas, revelou<br />
que as relações homoafetivas são representadas <strong>de</strong> maneira recorrente em <strong>espaço</strong>s fechados ou<br />
que possam escon<strong>de</strong>r o <strong>de</strong>sejo gay. Assim como Silva (2007b) apontou a <strong>temática</strong>, nessas obras,<br />
como uma marca para a compreensão <strong>de</strong> um gênero literário novo (a <strong>literatura</strong> gay), o <strong>espaço</strong><br />
como categoria estético-literária aparece <strong>de</strong> forma semelhante nos mesmos textos, seja <strong>na</strong>s<br />
<strong>de</strong>scrições, seja no significado que o marcador <strong>de</strong>nota, convergindo para as consi<strong>de</strong>rações do<br />
autor, que a <strong>literatura</strong> gay po<strong>de</strong> constituir um gênero literário, levando-se em conta os valores<br />
estético-poéticos <strong>de</strong> cada texto estudado.<br />
Acreditamos que o breve estudo <strong>de</strong>ste ensaio amplia a discussão da representação dos<br />
sujeitos <strong>de</strong> orientação homoafetiva <strong>na</strong> <strong>literatura</strong> em seus <strong>espaço</strong>s <strong>de</strong> movência, apesar <strong>de</strong><br />
superficialmente percebermos uma construção “limpa” e sem estereótipos negativos <strong>de</strong>sses<br />
sujeitos <strong>na</strong>s obras estudadas. Ao voltarmos nossa percepção, em especial para o marcador<br />
espacial, notamos que os locais on<strong>de</strong> as relações sexuais acontecem muito as caracterizam<br />
negativamente, refletindo, assim, no plano da cultura, a repressão e o tabu <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>sejo gay<br />
é transgressor e <strong>de</strong>ve permanecer recluso. O <strong>espaço</strong> ficcio<strong>na</strong>l, então, <strong>na</strong> chamada <strong>literatura</strong> gay,<br />
parece fechar campos <strong>de</strong> interpretação para os perso<strong>na</strong>gens que habitam as ficções aqui<br />
discutidas, corroborando a prática “abusiva” e “discrimi<strong>na</strong>tória” <strong>de</strong> que o gay po<strong>de</strong> ser uma<br />
espécie <strong>de</strong> projeção do ambiente por on<strong>de</strong> circula.<br />
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