O CASTELO DA Luz - CloudMe
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também fabulosas. Trajava uma capa de pele de carneiro, borrifada com gotículas de ouro. No<br />
peito carregava um colete de cobre incrustado de pérolas, sobre uma túnica de algodão tingida<br />
de azul. Protegido por dois guardas musculosos, mantinha a seu lado um enorme tigre de<br />
estimação, muito maior do que os tigres normais. Era um dos grandes dentes-de-sabre, uma raça<br />
perdida de felinos, preservada até ali em cativeiro.<br />
Shamira foi jogada aos pés de Nimrod, que a fitou, impiedoso. A um gesto do rei, os<br />
homens tiraram suas algemas e mordaça. Aliviada, ela se ergueu com dificuldade, e os soldados<br />
se afastaram, em um ato temeroso instintivo. Mas a Feiticeira de En-Dor estava fraca demais<br />
para reagir. Sentia-se arrasada, exausta e faminta. Os lábios secos se quebravam, a pele ardia<br />
pela viagem ao sol, e a cabeça latejava.<br />
— Esta mulher está imprestável! — reclamou o Imortal, ao reconhecer o estado<br />
deplorável de sua cativa. — Levem-na para o palácio — ordenou aos guardas — e tragam-na a<br />
mim quando estiver em condições de me servir.<br />
A mulher nada disse, mas abençoou sua sorte. Tudo o que precisava era de descanso e<br />
de uma boa refeição, com a qual pudesse reaver suas forças. Mas o melhor de tudo, ela reparou,<br />
era o fato de o rei não ser feiticeiro — os magos se identificam com uma simples troca de<br />
olhares. Ignorante nas artes mágicas, o soberano precisaria das habilidades da moça, e isso<br />
garantiria sua vida, ou pelo menos assim ela imaginava.<br />
Arrastada pelas sentinelas, Shamira entregou-se ao cansaço e deixou-se desfalecer.<br />
Estava segura de que Babel não seria o seu túmulo.<br />
No MUNDO SEM COR<br />
Shamira acordou imersa em uma piscina de água quente, no interior de um aposento<br />
fantástico. Não teve dúvidas de que estava no palácio real, quando percebeu o chão de mosaicos<br />
e as colunas de mármore rosado que sustentavam o teto do quarto. Uma janela em arco dava<br />
vista ao exterior, trazendo o vento frio noite, peculiar ao deserto. Perto das pilastras, uma dezena<br />
de piras de óleo iluminava o recinto, e um umbral na parede sul indicava a saída, bloqueada só<br />
por uma cortina de couro. Sozinha, sem ninguém a vigiá-la, a feiticeira deu-se conta de que<br />
estava nua na água. Suas velhas roupas não estavam mais lá, mas uma túnica vermelha jazia<br />
sobre uma cadeira de prata, à frente de uma mesa farta de alimentos. Recordou-se, então, que já<br />
não comia havia horas, e deixou o banho agradável para satisfazer suas necessidades mais<br />
básicas. Sem nenhum pudor, correu à mesa redonda e devorou toda a refeição — um banquete<br />
com pães, uvas, mel e avelãs. Bebeu a água direto da jarra, sem parar para derrama-la numa taça<br />
dourada.<br />
Foi só quando a fome amansou que trajou a veste rubra, bordada com a tradicional<br />
cabeça de touro, e conseguiu raciocinar calmamente. Divisou, então, um par de sandálias no<br />
piso e as calçou. Agora, estava protegida do frio e um tanto mais relaxada.<br />
Achegou-se ao parapeito e confirmou que estava cativa na Pirâmide de Prata. Da janela<br />
avistou os jardins suspensos nos pátios laterais, logo abaixo, concluindo que aquele era o<br />
terceiro andar dos seis que completavam o zigurate. Esticando ainda mais o pescoço, viu pane<br />
do segundo andar, abaixo. Duas vezes mais largo do que a área do terceiro nível, seu jardim<br />
tinha vegetação menos densa, com plantas coloridas dividindo espaço com altas palmeiras reais.<br />
De súbito, a necromante escutou um barulho, olhou para trás e viu uma menina que<br />
adentrava o quarto, atravessando a cortina marrom que delimitava o umbral. Tinha 10 ou 12<br />
anos e usava uma túnica sóbria e alinhada, de algodão cru, com cortes bem feitos. A pele era<br />
escura, mas os traços, finos, e os cabelos, lisos e negros. A julgar pela excentricidade daquele<br />
palácio, só podia ser uma escrava.<br />
Carregando um jarro de cristal azulado, a pequena seguiu até a mesa e pousou sobre ela<br />
o recipiente.<br />
Vinho — inferiu a mulher, pelo cheiro da uva. Os prisioneiros devem fazer fila nos<br />
portões de Babel— pensou, irónica, estranhando o melindre no tratamento,