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O CASTELO DA Luz - CloudMe

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A caverna, um recanto impenetrável aos homens comuns, dava vistas ao norte e era tão<br />

alta que, de lá, se podia ver com clareza o rio Tigre, ao leste, que com o Eufrates fechava as<br />

fronteiras da Mesopotâmia. Uma planície árida se estendia ao norte, e mais para oeste outra<br />

formação se elevava aos céus — a Torre de Babel. O Mar de Rocha ficava quilômetros ao sul,<br />

na direção da cidade, e quase inavistável pelo ângulo invertido.<br />

O eremita que salvara Shamira não era um homem mortal, mas um anjo renegado, um<br />

querubim que, segundo ele próprio, fora expulso do céu por desafiar a autoridade dos<br />

impiedosos arcanjos. Os dois — o anjo e a feiticeira — conversaram por horas sobre muitos<br />

assuntos, materiais e sublimes, até que a cananeia se convenceu da integridade do novo amigo e<br />

de sua intenção de ajudá-la. Ele revelou o seu nome — Ablon — traduzido para a língua terrena<br />

e contou um pouco sobre sua origem alada.<br />

Quando o sol decaiu no horizonte, os fugitivos se sentaram na entrada da caverna. A<br />

paisagem vespertina traçava uma linha azul acima da superfície do Tigre, circulada pela faixa<br />

verde à margem do rio.<br />

— Você salvou a minha vida, e eu não tenho como agradecer-lhe — disse a<br />

necromante, à luz do espetáculo dourado. — Mas não vejo sua alma, se é que tem uma, e isso<br />

me deixa assustada. Sou uma feiticeira e sempre dependi de minhas capacidades para sobreviver<br />

neste mundo.<br />

—A alma é uma propriedade humana— aclarou o renegado. — E um presente de Deus<br />

aos Filhos do Éden, como nós, anjos, chamamos a espécie mortal. E na alma que reside a<br />

capacidade dos homens de guiar seu destino e comandar a própria vontade.<br />

— Mas como alguém, mesmo um celeste, pode não ter alma? Qual é a energia que os<br />

move, que os mantém ativos no cosmo?<br />

— Todos nós temos um espírito: humanos, deuses, animais e até plantas. O espírito é a<br />

energia vital que alimenta os seres viventes, mas espírito e alma são elementos distintos, embora<br />

poucos o saibam. É a alma que faz dos terrenos especiais no universo. E a força da alma que os<br />

torna conscientes, autónomos, que dá a vocês o livre-arbítrio, a dádiva que foi negada às<br />

entidades aladas.<br />

— E como regem sua vida, se não pela rota do coração?<br />

— Os celestiais não são conduzidos pelos próprios anseios, mas por sua natureza divina.<br />

No céu, estamos divididos em castas, cada qual com sua função. Existem anjos guerreiros,<br />

estudiosos, protetores, juizes e também aqueles que governam as províncias elementais.<br />

— São como os magos invocadores? — perguntou a mulher, à traumática lembrança de<br />

sua estadia em Babel.<br />

— Não como eles. Nós nunca seríamos mágicos, porque a magia provém da força da<br />

alma, a alma que nunca tivemos. Nossos poderes, aos quais chamamos divindades, nascem da<br />

potência de nossa aura pulsante, uma energia suprema que é o sopro essencial dos angélicos.<br />

— Se são espíritos, pura e simplesmente, como se manifestam na terra?<br />

Parecia óbvio que o lar dos espíritos fosse o plano astral, e só ele.<br />

— Diferentemente da maioria das entidades astrais e etéreas, os anjos são capazes de se<br />

materializar no plano físico. Para isso, formamos um avatar, um invólucro carnal com o qual<br />

agimos através do tecido. Mas os anjos renegados, como eu, foram amaldiçoados e presos para<br />

sempre ao corpo material. Não podemos mais dissipar nosso avatar e regressar ao mundo<br />

espiritual, muito menos voltar ao paraíso.<br />

—Alguns sacerdotes, em Canaã, contavam histórias sobre anjos caídos, terríveis<br />

monstros que se escondem na sombra do infinito.<br />

— Os anjos caídos e os anjos renegados são dois grupos diferentes. Os caídos<br />

protagonizaram uma verdadeira guerra no céu, e por sua crueldade foram atirados ao Sheol, um<br />

lugar de horror e sofrimento, uma dimensão obscura. Hoje, são demônios do desespero,<br />

eternamente agarrados ao mesmo ódio que os derrubou.<br />

Quando o sol finalmente desceu, todo o calor foi embora com de, e Shamira preferiu<br />

retornar à caverna, pouco confortada com os gélidos vencos da altitude. Ali ficaram acordados<br />

por mais algum tempo, e a moça discorreu sobre sua história de vida, sobre sua iniciação mágica<br />

em En-Dor e sobre a linhagem de sua família, que chegara ao Oriente fugindo de uma guerra<br />

fratricida que agitara o Mediterrâneo havia trezentos anos.

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