Revista Sinais Sociais N12 pdf - Sesc
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v.4 nº12<br />
janeiro > abril | 2010<br />
SESC | Serviço Social do Comércio<br />
Administração Nacional<br />
ISSN 1809-9815<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010
SESC | Serviço Social do Comércio | Administração Nacional<br />
PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DO SESC<br />
Antonio Oliveira Santos<br />
DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO SESC<br />
Maron Emile Abi-Abib<br />
COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />
Gerência de Estudos e Pesquisas / Divisão de Planejamento e Desenvolvimento<br />
Mauro Lopez Rego<br />
CONSELHO EDITORIAL<br />
Álvaro de Melo Salmito<br />
Luis Fernando de Mello Costa<br />
Mauricio Blanco<br />
Raimundo Vóssio Brígido Filho<br />
SECRETÁRIO EXECUTIVO<br />
Mauro Lopez Rego<br />
ASSESSORIA EDITORIAL<br />
Andréa Reza<br />
EDIÇÃO<br />
Assessoria de Divulgação e Promoção / Direção-Geral<br />
Christiane Caetano<br />
PROJETO GRÁFICO<br />
Vinicius Borges<br />
ASSISTÊNCIA EDITORIAL<br />
Rosane Carneiro<br />
REVISÃO<br />
Elaine Bayma<br />
Clarissa Penna<br />
Roberto Azul<br />
DIAGRAMAÇÃO<br />
Susan Johnson e<br />
Henrique Persechini (ASSISTÊNCIA)<br />
<strong>Sinais</strong> <strong>Sociais</strong> / Serviço Social do Comércio.<br />
Departamento Nacional - vol.4, n.12 (janeiro/<br />
abril) - Rio de Janeiro, 2010<br />
v. ; 29,5x20,7 cm.<br />
Quadrimestral<br />
ISSN 1809-9815<br />
1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil.<br />
I. Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional<br />
As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores.<br />
As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.
SUMÁRIO<br />
APRESENTAÇÃO5<br />
EDITORIAL7<br />
SOBRE OS AUTORES8<br />
HOMICÍDIO JUVENIL E SEUS<br />
DETERMINANTES SOCIOECONÔMICOS10<br />
UMA INTERPRETAÇÃO ECONOMÉTRICA PARA O BRASIL<br />
Lisa Biron<br />
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA E<br />
O CONCEITO DE SOCIEDADE CIVIL EM<br />
GRAMSCI58<br />
ESTRATÉGIAS PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE SOCIOAMBIENTAL<br />
Maria Jacqueline Girão Soares de Lima<br />
UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO RECENTE DA<br />
TAXA DE DESEMPREGO SEGUNDO DIFERENTES<br />
CLASSIFICAÇÕES90<br />
Marina Ferreira Fortes Aguas<br />
ÁREAS PROTEGIDAS E INCLUSÃO SOCIAL122<br />
UMA EQUAÇÃO POSSÍVEL EM POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO DA NATUREZA NO BRASIL?<br />
Marta de Azevedo Irving<br />
DESENVOLVIMENTO INFANTIL148<br />
UMA ANÁLISE DE EFICIÊNCIA<br />
Vívian Vicente de Almeida<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
3
APRESENTAÇÃO<br />
A revista <strong>Sinais</strong> <strong>Sociais</strong> tem como fi nalidade precípua tornar-se um espaço<br />
de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira.<br />
Pluralidade e liberdade de expressão são os pilares desta publicação. Pluralidade<br />
no sentido de que a revista <strong>Sinais</strong> <strong>Sociais</strong> é aberta para a publicação<br />
de todas as tendências marcantes do pensamento social no Brasil hoje.<br />
A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas páginas, um locus<br />
no qual aqueles que têm a refl exão como seu ofício poder-se-ão manifestar.<br />
Como espaço de debate, a liberdade de expressão dos articulistas da <strong>Sinais</strong><br />
<strong>Sociais</strong> é garantida. O fundamento deste pressuposto está nas Diretrizes<br />
Gerais de Ação do SESC, como princípio essencial da entidade: “Valores<br />
maiores que orientam sua ação, tais como o estímulo ao exercício da cidadania,<br />
o amor à liberdade e à democracia como principais caminhos da busca<br />
do bem-estar social e coletivo.”<br />
Igualmente é respeitada a forma como os artigos são expostos – de acordo<br />
com os cânones das academias ou seguindo expressão mais heterodoxa,<br />
sem ajustes aos padrões estabelecidos.<br />
Importa para a revista <strong>Sinais</strong> <strong>Sociais</strong> artigos em que a fundamentação<br />
teórica, a consistência, a lógica da argumentação e a organização das ideias<br />
tragam contribuições além das formulações do senso comum. Análises que<br />
acrescentem, que forneçam elementos para fortalecer as convicções dos leitores<br />
ou lhes tragam um novo olhar sobre os objetos em estudo.<br />
O que move o SESC é a consciência da raridade de revistas semelhantes,<br />
de amplo alcance, tanto para os que procuram contribuir com suas refl exões<br />
como para segmentos do grande público interessados em se informar e se<br />
qualifi car para uma melhor compreensão do país.<br />
Disseminar ideias que vicejam no Brasil, restritas normalmente ao mundo<br />
acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais deste debate, é a intenção<br />
do SESC com a revista <strong>Sinais</strong> <strong>Sociais</strong>.<br />
Antonio Oliveira Santos<br />
Presidente do Conselho Nacional do SESC<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
5
EDITORIAL<br />
No fi nal do século XX presenciamos o aprofundamento da questão ambiental,<br />
e o reconhecimento de sua importância em termos planetários. A mudança<br />
de mentalidade atingiu abrangência e aspectos antes não imaginados.<br />
A preocupação com a sustentabilidade veio colocar-se como referência adicional<br />
aos grandes temas que sucederam à Revolução Industrial, como o trabalho,<br />
a distribuição de renda e as condições de vida de grandes parcelas da<br />
população mundial.<br />
Ao contribuir uma vez mais para a ampliação do debate na formulação de<br />
políticas públicas humanitárias, a revista <strong>Sinais</strong> <strong>Sociais</strong> mantém-se na interseção<br />
do mundo da ciência e do fazer social.<br />
Novos olhares sobre temas que envolvem os grandes desafi os da atualidade<br />
estão lançados nesta edição. Marta de Azevedo Irving discute a relação entre<br />
proteção do meio ambiente e inclusão social; ainda sobre a questão ambiental,<br />
Maria Jacqueline Girão Soares de Lima aborda o conceito de sociedade civil<br />
presente nas discussões sobre os embates entre natureza e sociedade.<br />
Duas autoras apresentam estudos econométricos com resultados instigantes,<br />
relacionando dados de diversas fontes a dois importantes indicadores sociais:<br />
o desenvolvimento infantil, abordado por Vívian Vicente de Almeida, e<br />
as taxas de homicídio entre jovens, por Lisa Biron. Finalmente, o trabalho de<br />
Marina Ferreira Fortes Aguas analisa a evolução das taxas de desemprego segundo<br />
metodologias não usuais, e assim lança luzes sobre a apreciação numérica<br />
da realidade do emprego e do desemprego no país.<br />
Eis uma produção de artigos qualifi cados, oportunos e necessários à melhor<br />
compreensão de nossa realidade social. Resta-nos cumprimentar as autoras e<br />
desejar a todos uma boa leitura.<br />
Maron Emile Abi-Abib<br />
Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
7
SOBRE OS AUTORES<br />
Lisa Biron<br />
Economista, com graduação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e Mestrado<br />
em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro<br />
(Uerj), com ênfase em Políticas Públicas. Atualmente trabalha como analista censitário<br />
socioeconômico no Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE). Tem<br />
experiência com pesquisa econômica aplicada, especialmente em temas como<br />
economia do crime, juventude, educação, pobreza e desenvolvimento infantil. É<br />
coautora do artigo: “Determinantes do desenvolvimento na primeira infância no<br />
Brasil”, inserido em Brasil em desenvolvimento: Estado, Planejamento e Políticas<br />
Públicas, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em<br />
2009 (p. 671-696).<br />
Maria Jacqueline Girão Soares de Lima<br />
Bióloga e licenciada em Ciências Naturais pela Universidade Federal do Rio de<br />
Janeiro (UFRJ), é especialista em ensino de Ciências pela Universidade Federal Fluminense<br />
(UFF) e mestre em Educação também pela UFF. Doutoranda do Programa<br />
de Pós-Graduação em Educação da UFRJ com tese sobre a Educação Ambiental<br />
nos contextos escolares, sob orientação do professor Carlos Frederico Loureiro. É<br />
membro do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade<br />
(Lieas - UFRJ) e professora da Faculdade de Educação da UFRJ, lecionando as disciplinas<br />
Didática Especial e Prática de Ensino em Ciências Biológicas. Trabalha com<br />
currículo, formação de professores e educação ambiental.<br />
Marina Ferreira Fortes Aguas<br />
Doutoranda do Instituto de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e<br />
pesquisadora assistente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Rio<br />
de Janeiro desde agosto de 2008. Fez Mestrado em Economia na UFF e graduação<br />
no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).<br />
Também participou do Programa de Intercâmbio Acadêmico no Instituto Superior<br />
de Economia e Gestão (Lisboa, Portugal) no primeiro semestre de 2006, por meio do<br />
convênio universitário entre o IE/UFRJ e a Universidade Técnica de Lisboa. Desde<br />
março de 2009, colabora na elaboração trimestral do Boletim de Mercado de Trabalho<br />
– Conjuntura e Análise, cujo editor-chefe é Lauro Ramos. Dentre as linhas de<br />
pesquisas desenvolvidas destacam-se as análises sobre a oferta de trabalho feminina<br />
e o entorno familiar, a mobilidade dos trabalhadores no mercado de trabalho<br />
e a ligação entre pobreza, desigualdade e mercado de trabalho. Entre os artigos<br />
elaborados devem-se mencionar “Determinantes da participação feminina na for-<br />
8<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010
ça de trabalho: mulheres potencialmente pobres versus mulheres potencialmente<br />
ricas”, com coautoria de Lauro Ramos e Luana Furtado, e “Heterogeneidade<br />
no mercado de trabalho: desemprego e inatividade no Brasil”, com coautoria de<br />
Valéria Pero e Eduardo Pontual.<br />
Marta de Azevedo Irving<br />
Bacharelado em Ecologia e Biologia Marinha pela Universidade Federal do Rio de<br />
Janeiro (UFRJ) e em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro<br />
(Uerj). Mestrado na Universidade de Southampton (Reino Unido) e Doutorado<br />
na Universidade de São Paulo, na temática Gestão Costeira. Pós-Doutorado no<br />
Museu Nacional de História Natural (MNHN) e Escola de Altos Estudos em Ciências<br />
<strong>Sociais</strong> (Ehess), na França. Professora e Pesquisadora do Programa Eicos (Pós-<br />
Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) e do Instituto<br />
Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas e Estratégias de Desenvolvimento<br />
da UFRJ. Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPq/Lattes “Biodiversidade, Áreas<br />
Protegidas e Inclusão Social”. Coordenadora de vários projetos e autora de várias<br />
publicações nas temáticas de Planejamento, Gestão Ambiental e Desenvolvimento,<br />
Conservação da Biodiversidade, Turismo e Inclusão Social, Desenvolvimento<br />
Local e Participação Comunitária, entre outros. Participação em diversos grupos<br />
de pesquisa no Brasil e no exterior e consultora sênior de Instituições do Sistema<br />
das Nações Unidas, instituições governamentais e não governamentais, em Planejamento<br />
e Gestão Ambiental. Contatos: marta.irving@mls.com.br<br />
Vívian Vicente de Almeida<br />
Economista e mestre em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense<br />
(UFF). Atualmente cursa Doutorado na mesma instituição. Desde 2004<br />
desenvolve trabalhos na área de Políticas <strong>Sociais</strong>, em especial pesquisas na área da<br />
Saúde. Atualmente, é pesquisadora assistente do Instituto de Pesquisa Econômica<br />
Aplicada, no grupo de Economia da Saúde.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
9
HOMICÍDIO JUVENIL E<br />
SEUS DETERMINANTES<br />
SOCIOECONÔMICOS<br />
UMA INTERPRETAÇÃO ECONOMÉTRICA PARA O BRASIL 1<br />
Lisa Biron<br />
1 A metodologia (Seção 2) e a estratégia empírica (Seção 3) deste artigo baseiam-se,<br />
em grande medida, nos capítulos 3 e 4 da dissertação de mestrado<br />
defendida pela autora, em 2009 na FCE/UERJ, que teve como um dos<br />
objetivos específi cos examinar os determinantes de homicídios entre jovens.<br />
A autora agradece os comentários do parecerista anônimo.<br />
10 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/Datasus),<br />
quase um milhão de jovens entre 15 e 29 anos morreram devido a causas<br />
externas no país, entre 1990 e 2006. Dentre as causas, quase metade é constituída<br />
por homicídios. Mas o que está por trás dessa supressão de vida precoce?<br />
Acredita-se que o vínculo entre o tráfi co de drogas e a falta de oportunidades<br />
pode ser catalisador de crimes violentos – principalmente em áreas mais pobres<br />
ou entre populações vulneráveis, como os jovens.<br />
O presente trabalho tem por objetivo central investigar, à luz da Teoria Econômica<br />
do Crime, os possíveis determinantes das altas taxas de homicídios entre<br />
jovens ocorridos no Brasil entre 2001 e 2005. Realizando estimações através de<br />
dados em painel dos estados brasileiros, constata-se que aspectos sociais e econômicos<br />
exercem infl uência sobre esta face da criminalidade: os indicadores de<br />
urbanização e desemprego se colocaram como signifi cativos propulsores, ao<br />
passo que investimentos em educação e cultura se mostraram como importante<br />
fator dissuasório da criminalidade. As estimativas encontradas, no entanto,<br />
não indicam qualquer impacto do mercado de drogas ilícitas ou dos gastos em<br />
segurança pública sobre o fenômeno. Aponta-se, portanto, a evidência de que<br />
políticas voltadas à geração de oportunidades para crianças e jovens podem<br />
ser mais efi cientes no combate ao crime do que propriamente ações de curto<br />
prazo em segurança.<br />
Palavras-chave: economia do crime; homicídio juvenil; painel de dados<br />
According to the Data System of Mortality (SIM/Datasus), nearly one million<br />
young people, between 15 and 29 years old, had died from external causes in<br />
Brazil, between 1990 and 2006. Among these causes, nearly half is homicide.<br />
But what is behind this suppression of early life? It is believed that the link<br />
between drug traffi cking and lack of opportunities can be a catalyst for violent<br />
crimes – especially in poorer areas and among vulnerable populations such as<br />
young people.<br />
Inspired by Economics of Crime, this study investigates the determinants of juvenile<br />
homicide rates occurred in Brazil between 2001 and 2005. Performing estimates<br />
through panel data from Brazilian states, the results pointed out that the<br />
social and economic variables have infl uence on this aspect of crime: indicators<br />
of urbanization and unemployment are signifi cant propellant, while investments<br />
in education and culture have an important deterrence eff ect. Although, the obtained<br />
estimatives do not indicate any impact of the illicit drug market or public<br />
spending on safety on the phenomenon. Therefore, it is evident that politics focused<br />
on generating opportunities to children and young people can be more<br />
effi cient against crime than properly security short-term actions.<br />
Keywords: economics of crime; juvenile homicide; panel data<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
11
INTRODUÇÃO<br />
A criminalidade representa, hoje, um dos mais alarmantes problemas<br />
enfrentados no Brasil. O avanço da violência e dos atos bárbaros,<br />
em grande parte relacionados a mortes violentas de jovens, está se<br />
tornando fato corriqueiro em nosso cotidiano – os cidadãos brasileiros<br />
passaram a viver sob intenso sentimento de medo e insegurança.<br />
Estamos diante de um profundo drama social que merece atenção<br />
prioritária e urgente.<br />
Observando pesquisas de opinião, discursos ofi ciais e promessas<br />
eleitorais, notamos que, desde os mais leigos aos especialistas no assunto,<br />
todos buscam por explicações (e possíveis soluções) para esta<br />
grande mazela nacional que é a criminalidade, particularmente juvenil.<br />
Dentre os principais objetivos colocados para os que estudam o<br />
tema está a busca pela explicação das motivações do comportamento<br />
criminoso. O que leva alguns indivíduos a cometerem crimes, e<br />
outros não, numa mesma região? Seria um ambiente assolado por<br />
iniquidades sociais? Por que razão um indivíduo decide entrar no<br />
mercado ilegal? Seria tal decisão racional? Nas últimas décadas, diferentes<br />
respostas, em diferentes áreas, têm sido sugeridas ao problema,<br />
visto que não existe uma verdade ou consenso universal sobre os<br />
determinantes do crime.<br />
Gary Becker, em seu estudo pioneiro Crime and Punishment: An<br />
Economic Approach, considerou: “‘crime’ is an economically important<br />
activity or ‘industry’, notwithstanding the almost total neglect by<br />
economists” (BECKER, 1968, p.170). Entretanto, nos últimos anos, um<br />
número considerável de economistas passou a empenhar esforço no<br />
estudo do tema, posto que o aumento da criminalidade também infl<br />
uencia negativamente no nível de atividade econômica de uma região,<br />
por exemplo, ao desestimular novos investimentos. É fácil notar<br />
que, mesmo sem considerar as perdas morais e pessoais, prejuízos<br />
materiais, gastos públicos e privados de prevenção e combate à criminalidade<br />
geram custos altos para a sociedade (SANTOS; KASSOUF,<br />
2007a). Mais importante que isso, o custo gerado pela perda de capital<br />
humano ocasionada pela criminalidade violenta em si é um fator<br />
ainda mais relevante para a discussão econômica, que aqui se coloca.<br />
Isso se agrava quando consideramos que o Brasil tem perdido grande<br />
12 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
parte de capital humano na fonte nascente devido à supressão de vida<br />
de milhares de jovens.<br />
Como se notará mais adiante, existe uma conexão bem sublinhada<br />
entre homicídios e economia. Ainda que seja por inconsequência<br />
da idade, a juventude parece responder a incentivos particularmente<br />
sociais e econômicos, “mensurando” suas oportunidades e comparando<br />
custos e benefícios ao entrar no mercado criminal (LEVITT, 1998;<br />
BECKER, 1968).<br />
Tendo em vista essas considerações, o objetivo central deste estudo<br />
será examinar empiricamente, sob uma abordagem econômica,<br />
os determinantes socioeconômicos da criminalidade no Brasil,<br />
entre 2001 e 2005 2 . Especifi camente, busca-se detectar, através de<br />
modelos econométricos de racionalidade econômica, os principais<br />
determinantes de uma das faces mais perversas da criminalidade: os<br />
homicídios entre jovens.<br />
Em trabalhos sobre determinantes de criminalidade, pouco se tem<br />
discutido sobre a infl uência das drogas ilícitas na criminalidade. Igualmente,<br />
apesar de a vulnerabilidade juvenil ser uma questão de grande<br />
relevância, tentativas de promover sua associação com o crime praticamente<br />
inexistem na literatura econômica, o que é feito apenas em<br />
estudos sociológicos.<br />
O propósito deste estudo faz-se pertinente para a discussão econômica<br />
ao tentar contribuir para a identifi cação dos principais propulsores<br />
das infrações criminosas envolvendo homicídios de jovens<br />
no país. Feito isso, este trabalho poderá ser útil para a proposição<br />
e execução de políticas públicas para a promoção do bem-estar da<br />
população brasileira.<br />
Este artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução.<br />
Primeiramente, destacamos a relevância do problema a ser examinado<br />
aqui: a grande incidência de homicídios entre jovens brasileiros;<br />
na Seção 2, apresentamos a abordagem metodológica deste trabalho,<br />
enfatizando o pressuposto teórico e o critério de escolha das variáveis<br />
utilizadas; visto isso, tratamos, na sequência, da especifi cação econométrica,<br />
bem como apresentamos previamente algumas estatísticas<br />
2 A escolha desse período de análise foi condicionada à disponibilidade de<br />
dados, divulgados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp),<br />
restrita aos anos de 2001 a 2005, até o momento da elaboração deste artigo.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
13
descritivas. Na Seção 4, apresentamos e analisamos os resultados empíricos<br />
encontrados. Por fi m, contemplamos algumas considerações<br />
importantes sobre o estudo.<br />
1 HOMICÍDIOS: UM FENÔMENO JOVEM E MASCULINO<br />
Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/<br />
Datasus), quase um milhão de jovens entre 15 e 29 anos morreram<br />
por causas externas no país entre 1990 e 2006. Dentre essas causas,<br />
quase metade é constituída por homicídios. A Tabela 1 revela que,<br />
em 2005, das 47 mil vítimas de homicídios ocorridos no país, mais da<br />
metade (cerca de 60%) tinha entre 15 e 29 anos de idade, sendo que<br />
mais de 90% eram homens 3 .<br />
Tabela 1<br />
Número e distribuição percentual das vítimas de homicídio<br />
no Brasil, segundo grupos de idade, por sexo – 2005<br />
Faixa etária<br />
Homens<br />
Número %<br />
Mulheres<br />
Número %<br />
Total<br />
Número %<br />
Até 14 anos 565 66.9 280 33.1 845 1.8<br />
Entre 15 e 24 anos 17,270 94.1 1,087 5.9 18,357 38.9<br />
Entre 25 e 29 anos 7,862 93.3 569 6.7 8,431 17.9<br />
Entre 30 e 39 anos 9,167 91.4 864 8.6 10,031 21.3<br />
Entre 40 e 49 anos 4,823 89.7 556 10.3 5,379 11.4<br />
Entre 50 e 59 anos 2,263 91.4 213 8.6 2,476 5.2<br />
Acima de 60 anos 1,434 85.7 240 14.3 1,674 3.5<br />
Total 43,384 91.9 3,809 8.1 47,193 100.0<br />
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.<br />
A incidência de homicídios é signifi cantemente maior entre os homens<br />
com 15 a 29 anos de idade, mais do que dez vezes entre as<br />
mulheres, demonstrando que estamos diante de um fenômeno que<br />
atinge em todo o país, fundamentalmente, os homens jovens.<br />
3 Existem estes dados consolidados disponíveis para o ano de 2006. No entanto,<br />
para efeito de comparação, optamos por trabalhar com dados de 2005.<br />
14 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
Em 2006, o número total de homicídios superou a marca dos 48<br />
mil. Com base no Gráfi co 1, notamos a forte concentração desse fenômeno<br />
nas faixas de idade mais jovem, com forte elevação a partir<br />
dos 15 anos de idade.<br />
Total de homicídios ocorridos<br />
12000<br />
10000<br />
8000<br />
6000<br />
4000<br />
2000<br />
0<br />
310<br />
0 a 9<br />
anos<br />
Gráfi co 1<br />
Distribuição do número de óbitos por homicídio no<br />
Brasil, segundo a faixa etária – 2006<br />
560<br />
10 a 14<br />
anos<br />
7692<br />
15 a 19<br />
anos<br />
10720<br />
20 a 24<br />
anos<br />
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.<br />
Ainda mais preocupante é o fato de o Brasil ocupar a quinta posição<br />
no ranking mundial de homicídios entre jovens. Segundo o Mapa<br />
da violência, publicado em 2008, o país detém uma taxa de mortes<br />
interpessoais de crianças e jovens correspondente a 51,6 por 100 mil<br />
habitantes. Vale ressaltar que esse relatório traz dados sobre as mortes<br />
ocorridas em 83 países selecionados para a amostra, com dados entre<br />
2002 e 2006 (WAISELFISZ, 2008) 4 .<br />
Esse ranking tem em suas primeiras colocações somente países latino-americanos,<br />
como revela o Gráfi co 2. Os países com as taxas de<br />
homicídios entre jovens superiores às do Brasil são El Salvador, Colômbia,<br />
Venezuela e Guatemala, que, não surpreendentemente, também<br />
lideram as ocorrências desses crimes quando consideramos todas as<br />
faixas etárias.<br />
4 Para a contagem de homicídios, foi utilizado o dado no último ano disponível<br />
em cada país da amostra. Esses anos variam entre 2002 e 2006.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
8839<br />
25 a 29<br />
anos<br />
10471<br />
30 a 39<br />
anos<br />
5525<br />
40 a 49<br />
anos<br />
2627<br />
50 a 59<br />
anos<br />
1876<br />
60 anos e<br />
mais<br />
15
Uruguai (2004)<br />
Cuba (2005)<br />
Chile (2004)<br />
Rep. Dominicana (2004)<br />
Costa Rica (2005)<br />
Argentina (2004)<br />
México (2005)<br />
Nicarágua (2005)<br />
Panamá (2004)<br />
Paraguai (2004)<br />
Equador (2005)<br />
Brasil (2005)<br />
Guatemala (2004)<br />
Venezuela (2005)<br />
Colômbia (2005)<br />
El Salvador (2005)<br />
Gráfi co 2<br />
Taxas de homicídio na população total e entre jovens, nos<br />
países da América Latina. Último ano disponível<br />
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados disponíveis em WAISELFISZ (2008).<br />
Jovem<br />
0.0 20.0 40.0 60.0 80.0 100.0<br />
Interessante notar como as taxas de homicídio entre a população<br />
total e a população jovem apresentam grandes diferenças em países<br />
em níveis mais altos na América Latina. Quando a taxa de homicídio<br />
total diminui, decrescem ainda mais essas ocorrências entre os<br />
jovens. Atente ainda que Brasil e Colômbia não somente são países<br />
que apresentam as maiores taxas de mortes violentas de crianças e<br />
adolescentes, mas são, ao mesmo tempo, países com forte presença<br />
de tráfi co de drogas, sugerindo uma possível relação entre essas duas<br />
modalidades de crime.<br />
O Gráfi co 3 indica que a evolução das taxas de homicídio, entre<br />
1990 e 2006, se mostrou de forma signifi cativamente mais acentuada<br />
entre os jovens de 15 a 29 anos do que entre a população brasileira<br />
como um todo. Ali, observamos que ambas as tendências são crescentes,<br />
e decrescem ligeiramente a partir de 2003, quando atingiram o<br />
ápice (58 entre jovens e 28 na população total). Em cada ano, as taxas<br />
juvenis são, em geral, quase o dobro das taxas médias, evidenciando<br />
a superincidência de homicídios nessa faixa etária.<br />
16 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
Total
Taxa de homicídios por cem mil habitantes<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Gráfi co 3<br />
Evolução das taxas de homicídios no Brasil, entre<br />
jovens e população total – 1990 a 2008<br />
34.63<br />
18.2<br />
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.<br />
1990<br />
1991<br />
1992<br />
1993<br />
1994<br />
1995<br />
1996<br />
1997<br />
1998<br />
1999<br />
2000<br />
2001<br />
2002<br />
2003<br />
2004<br />
2005<br />
2006<br />
O grupo com maior número de autores de homicídios é também<br />
representado por jovens do sexo masculino. De fato, a Tabela 2 mostra<br />
que 50% dos infratores têm entre 12 e 29 anos de idade, sendo<br />
que 95% desses homicídios são provocados por homens. Em todas<br />
as faixas etárias, a diferença entre os sexos é notória, com baixíssima<br />
participação de mulheres nesse tipo de crime.<br />
Tabela 2<br />
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de<br />
homicídio doloso no Brasil, segundo grupos de idade, por sexo – 2005<br />
Faixa etária<br />
Homens<br />
Número %<br />
Mulheres<br />
Número %<br />
Total<br />
Número %<br />
Até 11 anos 9 64.3 5 35.7 14 0.2<br />
Entre 12 e 17 anos 793 97.4 21 2.6 814 11.0<br />
Entre 18 e 24 anos 2,716 95.0 142 5.0 2,858 38.7<br />
Entre 25 e 29 anos 118 69.4 52 30.6 170 2.3<br />
Entre 30 e 34 anos 943 95.3 47 4.7 990 13.4<br />
Entre 35 e 64 anos 1,349 93.5 94 6.5 1,443 19.5<br />
Acima de 65 anos 91 94.8 5 5.2 96 1.3<br />
Total 7,019 95.0 366 5.0 7,385 100.0<br />
Fonte: Adaptado de Ferreira e Fontoura (2008), a partir dos dados da Senasp 2005.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
28.4<br />
58.57<br />
Jovem<br />
Total<br />
17
Na verdade, os resultados apresentados revelam duas faces da mesma<br />
moeda: os adolescentes e jovens adultos são predominantemente autores<br />
e vítimas da criminalidade violenta. Interessante notar ainda, ao confrontar<br />
as informações apresentadas nas Tabelas 1 e 2, que o número de<br />
vítimas que o SIM capta é substancialmente maior que o número de infratores<br />
nas ocorrências da Senasp, como era de se esperar, uma vez que<br />
muitos desses infratores conseguem escapar das autoridades policiais.<br />
Outro dado que chama atenção nessa comparação é que as mulheres<br />
são mais vítimas que autoras nessa modalidade de crime, 8% contra 5%.<br />
Cabe ressaltar que a grande parte desses homicídios é cometida<br />
com armas de fogo. Segundo dados do SIM/Datasus, em 2005, 74,4%<br />
dessas mortes foram conduzidas por meio desse tipo de arma.<br />
Tabela 3<br />
Percentual de homicídios na população total segundo<br />
o meio utilizado no Brasil – 2005<br />
Meio utilizado %<br />
Estrangulamento, sufocação 1.5<br />
Arma de fogo 74.4<br />
Fumaça, fogo, chamas 0.3<br />
Objeto cortante penetrante 16.5<br />
Objeto contundente 4.9<br />
Força corporal 1.0<br />
Outros especifi cados 1.4<br />
Total<br />
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.<br />
100.0<br />
Quando investigamos a mortalidade juvenil por causas externas no<br />
Brasil, fi ca notória a grande participação dos homicídios como grande<br />
causa. Esse problema é praticamente unânime em todas as unidades<br />
federativas do Brasil, como aponta a Tabela 4. Observamos que os homicídios<br />
respondem por quase ou mais da metade dessas mortes entre<br />
pessoas de 15 a 29 anos de idade, com exceção em Santa Catarina,<br />
Piauí, Rio Grande do Norte, Tocantins e Roraima, onde os acidentes<br />
de transporte se colocam como importante causa do encerramento de<br />
vida desses jovens. Já Pernambuco, Alagoas e Rio de Janeiro despontam<br />
com a maior incidência de homicídio entre a sua juventude, entre<br />
as causas externas de mortalidade em 2006.<br />
18 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
Tabela 4<br />
Mortalidade por causas externas no Brasil, segundo categoria, na população de 15 a 29 anos, por UF - 2006<br />
Intenção Demais cau-<br />
Unidade da Federação<br />
Acidentes de transporte Homicídios Suicídios<br />
Total<br />
indeterminada sas externas<br />
Número % Número % Número % Número % Número % Número %<br />
Rondônia 141 29.1 257 53.1 16 3.3 11 2.3 59 12.2 484 1.0<br />
Acre 31 19.3 85 52.8 13 8.1 4 2.5 28 17.4 161 0.3<br />
Amazonas 164 22.3 428 58.2 54 7.3 3 0.4 87 11.8 736 1.5<br />
Roraima 36 31.0 46 39.7 18 15.5 5 4.3 11 9.5 116 0.2<br />
Pará 355 18.9 1,185 63.0 69 3.7 48 2.6 223 11.9 1,880 3.8<br />
Amapá 41 19.3 128 60.4 13 6.1 1 0.5 29 13.7 212 0.4<br />
Tocantins 114 36.7 121 38.9 24 7.7 10 3.2 42 13.5 311 0.6<br />
Maranhão 321 29.0 527 47.6 65 5.9 32 2.9 161 14.6 1,106 2.2<br />
Piauí 286 42.8 240 35.9 53 7.9 14 2.1 76 11.4 669 1.4<br />
Ceará 613 30.5 941 46.9 163 8.1 67 3.3 223 11.1 2,007 4.1<br />
Rio Grande do Norte 197 28.3 234 33.6 51 7.3 140 20.1 74 10.6 696 1.4<br />
Paraíba 280 30.9 458 50.6 42 4.6 17 1.9 109 12.0 906 1.8<br />
Pernambuco 552 15.3 2,616 72.6 112 3.1 103 2.9 222 6.2 3,605 7.3<br />
Alagoas 186 14.4 980 76.0 36 2.8 2 0.2 85 6.6 1,289 2.6<br />
Sergipe 142 24.4 334 57.5 28 4.8 30 5.2 47 8.1 581 1.2<br />
Bahia 588 17.1 1,947 56.6 127 3.7 391 11.4 387 11.3 3,440 7.0<br />
Minas Gerais 1,252 27.1 2,408 52.1 326 7.1 240 5.2 398 8.6 4,624 9.3<br />
Espírito Santo 303 20.9 982 67.9 43 3.0 22 1.5 97 6.7 1,447 2.9<br />
Rio de Janeiro 997 17.2 4,076 70.3 89 1.5 352 6.1 282 4.9 5,796 11.7<br />
São Paulo 2,580 29.6 4,285 49.1 527 6.0 472 5.4 859 9.8 8,723 17.6<br />
Paraná 1,040 32.1 1,706 52.7 193 6.0 55 1.7 245 7.6 3,239 6.5<br />
Santa Catarina 774 54.8 321 22.7 106 7.5 29 2.1 183 13.0 1,413 2.9<br />
Rio Grande do Sul 661 29.9 980 44.3 239 10.8 99 4.5 234 10.6 2,213 4.5<br />
Mato Grosso do Sul 233 33.3 315 45.0 78 11.1 13 1.9 61 8.7 700 1.4<br />
Mato Grosso 267 30.9 427 49.5 44 5.1 38 4.4 87 10.1 863 1.7<br />
Goiás 512 32.3 825 52.1 93 5.9 41 2.6 113 7.1 1,584 3.2<br />
Distrito Federal 156 23.8 399 60.9 46 7.0 1 0.2 53 8.1 655 1.3<br />
Total 12,822 25.9 27,251 55.1 2,668 5.4 2,240 4.5 4,475 9.0 49,456 100.0<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.<br />
19
2 ABORDAGEM METODOLÓGICA<br />
Sempre que nos deparamos com números exorbitantes como os<br />
mostrados anteriormente, surge a seguinte indagação: o que infl uencia<br />
ocorrências tão vultosas de homicídios no Brasil? A busca pelas<br />
causas da criminalidade nunca foi um caminho trivial. Entre os muitos<br />
que experimentaram aventar alguma explicação sobre o fenômeno<br />
estão antropólogos, sociólogos, psiquiatras, juristas e economistas.<br />
Nos meandros das Ciências Econômicas, é comum a alusão ao artigo<br />
de Gary Becker, publicado em 1968, como pioneiro na explicação<br />
das causas da criminalidade como sendo derivadas da racionalidade<br />
humana, entre outros aspectos socioeconômicos. A concepção de Becker<br />
está baseada na ideia de que os agentes criminosos são racionais<br />
e calculam os seus benefícios e os custos esperados ao se inserirem em<br />
atividades ilícitas da economia (BECKER, 1968). Isto é, sob o ponto de<br />
vista econômico, o comportamento do infrator não é compreendido<br />
como uma atitude meramente emotiva, irracional ou antissocial; pelo<br />
contrário, é visto como uma atividade eminentemente racional.<br />
A investigação econômica do crime ainda é bastante incipiente no<br />
Brasil, em grande medida devido à limitada disponibilidade de dados<br />
no país. Baseando-se na teorização econômica do crime preconizada<br />
por Becker (1968) e Ehrlich (1973), alguns autores nacionais, a exemplo<br />
dos internacionais, de uma maneira geral, têm testado inúmeras<br />
variáveis socioeconômicas para explicação do crime, tais como: renda,<br />
taxa de desemprego, nível de escolaridade, pobreza, desigualdade<br />
de renda e urbanização (SANTOS; KASSOUF, 2007a). No entanto, os<br />
trabalhos empíricos realizados raramente enfocam a explicação das<br />
altas taxas de criminalidade presentes entre os jovens, tampouco a<br />
infl uência do tráfi co ou uso de drogas ilícitas 5 .<br />
5 Para uma revisão de literatura específi ca sobre o tema, ver: Fleisher (1963),<br />
Levitt (1998), Mocan e Rees (1999), Entorf e Winker (2008) e Santos e Kassouf<br />
(2007b). Além desses autores, cabe destacar o trabalho de Andrade e Lisboa<br />
(2000), que empregam esforço na análise dos determinantes socioeconômicos<br />
de homicídios entre homens, com 15 a 40 anos, e encontram resultados<br />
bastante signifi cativos e distintos para cada idade.<br />
20 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
2.1 PRESSUPOSTO TEÓRICO<br />
Guiados pela linha de pensamento da Economia do Crime, que<br />
se baseia no comportamento racional do criminoso, pressupomos<br />
que um indivíduo cometerá o crime se (e somente se) a sua utilidade<br />
esperada (U) exceder a utilidade que poderia ser alcançada<br />
através do exercício de atividades lícitas (U’) (SANTOS, 2009). Mas<br />
como aferir essa utilidade esperada, já que sabemos que essa é<br />
uma variável não observável?<br />
Neste trabalho, assumimos que as ocorrências de crimes notifi cadas<br />
às autoridades ofi ciais representam o resultado da decisão tomada<br />
pelos ofensores. Com base nisso, é razoável presumir que o criminoso<br />
julgara U > U’. Sob tal pressuposto, utilizamos as taxas de crimes<br />
reportados, especifi camente homicídios entre jovens, como proxy da<br />
oferta agregada de crimes nos estados brasileiros.<br />
Cabe mencionar que a magnitude da utilidade esperada de um ato<br />
criminoso pode ser infl uenciada por uma variedade de fatores. Em<br />
geral, os principais autores, em consonância com essa linha de raciocínio,<br />
creem que o criminoso avalia basicamente três fatores antes de<br />
optar pelo crime: o custo de oportunidade, o custo moral e o retorno<br />
esperado ao cometer a ofensa. Podemos dizer que uma série de variáveis,<br />
relacionadas à economia, demografi a, justiça e polícia, vai impactar<br />
na medida monetária desses três fatores e, portanto, na decisão<br />
de empreender ou não um delito.<br />
2.2 VARIÁVEIS UTILIZADAS:<br />
DESCRIÇÃO, DISCUSSÃO E OS EFEITOS ESPERADOS<br />
Apesar da teoria exposta por Becker (1968) se basear na teoria de<br />
escolhas do indivíduo, o que leva a crer que o modelo a ser estimado<br />
utiliza dados individuais, uma vez que dali se deduz o comportamento<br />
particular do criminoso, a maioria dos estudos empíricos, tanto nacionais<br />
como internacionais, tem utilizado dados agregados. Apesar de<br />
parecer um equívoco a aplicação de dados agregados para se explicar<br />
um fenômeno microeconômico, Santos e Kassouf (2007a) afi rmam que<br />
inúmeros estudos que utilizam macroestatísticas têm gerado importantes<br />
resultados, capazes de estabelecer e conduzir políticas públicas di-<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
21
ecionadas ao combate da criminalidade. Isso posto, e devido à indisponibilidade<br />
de dados individuais de criminosos no Brasil, justifi camos<br />
a utilização de dados agregados ao nível estadual, seguindo a tendência<br />
de outros trabalhos com o mesmo enfoque realizados no país.<br />
Uma vez que buscamos examinar a criminalidade que envolve a juventude,<br />
designamos como variável dependente a taxa de homicídios<br />
entre jovens de 15 a 29 anos por 100 mil habitantes.<br />
A escolha da taxa de homicídios como considerável representante<br />
da criminalidade em geral decorre do fato de que o número de subregistros<br />
para esse tipo de crime é bem menor (ou quase nulo) do que<br />
para outros, por acarretar a perda da vida e implicar, por consequência,<br />
registro nas autoridades competentes, como Instituto Médico<br />
Legal (IML) e Polícia (SANTOS; KASSOUF, 2007a). É munida deste<br />
último argumento que a maioria dos trabalhos sobre determinantes do<br />
crime no Brasil tem se utilizado das taxas de homicídios intencionais<br />
como proxy para explicar as causas socioeconômicas da criminalidade.<br />
Consideramos, como possíveis determinantes das taxas de crimes,<br />
variáveis relativas às condições sociais, econômicas e demográfi cas<br />
dos estados brasileiros. De tal sorte, a motivação para incluir tais<br />
variáveis, bem como as hipóteses formuladas a respeito de seus impactos,<br />
é, sobretudo, de natureza econômica. Em suma, podemos<br />
dizer que três razões básicas nortearam nosso critério de escolha<br />
das variáveis com possível poder explicativo: modelo teórico de racionalidade<br />
do potencial criminoso, a disponibilidade de dados e os<br />
estudos realizados anteriormente a este.<br />
VARIÁVEIS INDEPENDENTES E POTENCIAL EXPLANATÓRIO<br />
Estabelecidos os argumentos para a seleção da variável dependente,<br />
vejamos quais as variáveis explicativas a serem introduzidas no<br />
modelo estimado.<br />
Seguindo o mesmo raciocínio do modelo econômico de Mendonça<br />
(2000), utilizamos a renda média das famílias, em cada estado, como<br />
proxy para representar o retorno esperado para o agente que participa<br />
de uma atividade ilícita 6 . No caso de quem pratica homicídio, a renda<br />
6 O mesmo argumento é levantado por Ehrlich (1973).<br />
22 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
pode estar associada aos ganhos obtidos na atividade ilícita. Dessa<br />
forma, esperamos que quanto maiores os valores dessa variável, maior<br />
será o incentivo à prática do crime.<br />
Apesar de ser bastante razoável a espera de um efeito positivo da<br />
renda média das famílias sobre o crime, parece não haver muito consenso<br />
na literatura econômica. Araujo Jr. e Fajnzylber (2001) argumentam<br />
que a renda familiar per capita poderia ser encarada como<br />
um custo de oportunidade da participação em atividades ilícitas. Mais<br />
especifi camente, vejamos uma situação hipotética: um criminoso que<br />
possui uma renda x antes de cometer o crime, ao ser preso, provavelmente<br />
perderia tal recurso. Assim, poderíamos aventar a renda como<br />
integrante do custo de um indivíduo em ser capturado e em ter de<br />
cumprir pena. Santos e Kassouf (op. cit.) assinalam que “quanto maior<br />
a renda, maior será o custo do insucesso na atividade criminosa”, e<br />
com essa dedução, admitem um possível efeito negativo da renda<br />
sobre o crime. Tendo em vista essas expectativas confl ituosas, devemos<br />
ter cautela e considerar a possibilidade de endogeneidade dessa<br />
variável explicativa.<br />
As variáveis de fator dissuasório exercem papel fundamental no modelo<br />
econômico do crime. Santos e Kassouf (2007a) explicam que:<br />
o modelo prevê que a sociedade tentará minimizar suas perdas induzindo<br />
os potenciais criminosos a cometer uma quantidade ótima de<br />
crimes, escolhendo níveis para algumas variáveis de seu controle: gastos<br />
com a atividade da polícia e justiça, a forma e severidade de punição.<br />
Essa decisão implicará indiretamente a probabilidade de captura e/<br />
ou punição dos criminosos.<br />
Como forma de testar a probabilidade de permanência no crime,<br />
elegemos os gastos em segurança pública como proxy (MENDONÇA,<br />
2000). Nesse caso, espera-se uma relação negativa entre esses recursos<br />
e as atividades ilegítimas. Pressupomos, aqui, que quanto maior for<br />
o gasto em segurança pública, maior será a efi ciência das atividades<br />
preventivas e punitivas à criminalidade.<br />
Todavia, cabe ressalvar três aspectos recorrentes que, de certa forma,<br />
poderiam implicar uma relação positiva desses gastos sobre as<br />
taxas de crime, e acarretar endogeneidade dessa variável: primeira-<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
23
mente, não necessariamente maiores gastos públicos signifi cam uma<br />
alocação efi ciente. Segundo, e mais importante, se de fato a elevação<br />
de tal dispêndio resultar maior efi ciência por parte das autoridades<br />
policiais, é provável que ocorra, como consequência, maior número<br />
de capturas e registros policiais, mesmo que esses tipos de crimes não<br />
tenham aumentado na prática, sendo apenas mais reportados pela polícia.<br />
Terceiro, estados que possuem maiores taxas de criminalidade,<br />
possivelmente, são também aqueles que mais investem em segurança<br />
pública pela razão anterior. Tomando-se esses três argumentos, não<br />
seria surpreendente se encontrássemos essa variável com sinal positivo<br />
entre nossos resultados.<br />
Muitos autores, como Santos e Kassouf (2007b), Kume (2004), Mendonça<br />
(2000) e Araujo Jr. e Fajnzylber (2001), têm empregado o grau<br />
de urbanização para representar a facilidade de interação entre os<br />
criminosos. Deduz-se, a partir daí, que em áreas urbanas existe maior<br />
troca de informações, o que possibilita menores custos de planejamento<br />
e execução do crime (por exemplo, ruas asfaltadas permitem<br />
transporte mais rápido, serviços de telefonia e internet implicam comunicação<br />
direta e barata). De uma maneira geral, esses autores utilizam<br />
essa variável como proxy para o custo de entrada no crime. Aqui,<br />
esperamos encontrar um sinal positivo.<br />
Mendonça (2000), em seu modelo econômico, emprega a desigualdade<br />
de renda como proxy do nível de insatisfação do criminoso.<br />
O autor se justifi ca da seguinte maneira: “O mecanismo pelo<br />
qual a desigualdade potencializa a criminalidade se dá a partir do<br />
reconhecimento de que o agente possui um nível de consumo de<br />
referência, imposto a ele de forma exógena” (MENDONÇA, 2000,<br />
p. 2). Com isso, o indivíduo se veria com motivação para o crime, ao<br />
perceber que a renda que ele pode usufruir é menor quando comparada<br />
ao nível de consumo de referência. Em suma, a desigualdade<br />
causa crime por colocar indivíduos de baixo retorno no mercado<br />
legal e, então, com baixos custos de oportunidade, próximos a indivíduos<br />
de alta renda, os quais, eventualmente, mostram-se como<br />
vítimas potenciais.<br />
Quando pensamos em jovens especifi camente, podemos perceber<br />
a infl uência do contraste socioeconômico sobre as atividades ilegais,<br />
claramente, por meio da possibilidade de “realização” de seus desejos<br />
24 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
de consumo. Não são raras as vezes em que vemos, no dia a dia, nos<br />
documentários e noticiários jovens carentes (ou não) orgulhosos em<br />
vestir roupas de grifes famosas e ostentando suas motos de luxo. Alguns<br />
julgam que a necessidade de autorreconhecimento é inerente à<br />
juventude, especialmente na sociedade de consumo. Quando não se<br />
consegue atingir o ideal de consumo, provoca-se frustração e muitos<br />
buscam na violência e/ou no tráfi co de drogas uma forma de ganho<br />
mais rápido de renda.<br />
Obviamente, não queremos estigmatizar que todo jovem que possui<br />
uma restrição orçamentária alta, insufi ciente para atender a seus<br />
desejos, irá se voltar para o mundo do crime. Do mesmo modo, não<br />
generalizamos ao dizer que todo criminoso está ali devido à sua insatisfação.<br />
Empregamos, aqui, essa proxy apenas como um fator propulsor,<br />
e não de exclusiva causa.<br />
No presente estudo, consideramos w* como a infl uência da utilidade<br />
ou a renda de referência da sociedade. Assim, a desigualdade, que<br />
mede o grau de concentração da riqueza das famílias, será defi nida<br />
por w* - w. Como vimos, existem diversos canais por onde a desigualdade<br />
de renda pode causar crime. Da perspectiva econômica à sociológica,<br />
a maioria dos estudos sugere que o efeito seja positivo.<br />
Um fato estilizado na literatura tanto sociológica como econômica<br />
do crime é que os jovens têm uma maior propensão a estar envolvidos<br />
em crimes e violência, sejam como autores ou como vítimas 7 . Essa<br />
tendência é agravada quando uma parcela signifi cativa desses jovens<br />
não possui perspectivas futuras. Baseamo-nos na hipótese de que um<br />
jovem vulnerável e sem planos tem um custo de oportunidade menor<br />
de cometer um crime, o qual pode ser ainda mais reduzido em um<br />
contexto de interações sociais com jovens do mesmo tipo 8 .<br />
Utilizamos uma medida distinta que julgamos capaz de captar essa<br />
vulnerabilidade juvenil: a porcentagem de crianças e jovens em idade<br />
escolar que não frequentam a escola. Supomos, aqui, tal ociosidade<br />
como um razoável propulsor no cometimento de crime, uma vez que<br />
quadrilhas precisam de jovens, geralmente ociosos e sem perspectivas,<br />
para compor um “exército privado” capaz de proteger a área de<br />
7 Uma discussão sobre o tema é feita na primeira seção.<br />
8 Para mais detalhes sobre o mecanismo de interações sociais, ver Glaeser et<br />
al. (1996).<br />
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25
infl uên cia de uma determinada gangue contra a polícia e rivais. Dito<br />
isso, tomamos a ausência (ou não assiduidade) à escola atuando de<br />
forma positiva sobre a criminalidade. Esperamos, além disso, que a<br />
não frequência à escola esteja diretamente relacionada à menor probabilidade<br />
de sucesso em trabalhos/atividades lícitos e baixas perspectivas<br />
de maior renda futura para os jovens ociosos de hoje, e dessa<br />
forma diminui seus custos de oportunidade na entrada do crime.<br />
Afora as variáveis independentes enumeradas anteriormente, incluímos,<br />
no modelo que busca explicar taxas de homicídios entre jovens<br />
com 15 a 29 anos de idade, as seguintes: pobreza, desemprego, famílias<br />
monoparentais, gastos em educação e cultura e, fi nalmente, taxa<br />
de delitos envolvendo drogas por 100 mil habitantes.<br />
Em muitos estudos, a pobreza é tida como um fator de redução<br />
do custo de oportunidade dos indivíduos, e dessa forma seria capaz<br />
de infl uenciar as taxas de crime, sobretudo, os crimes contra propriedade<br />
(LOUREIRO, op. cit.). Por outro lado, a pobreza, em certas<br />
regiões, pode deixar o lugar (ou indivíduo) economicamente menos<br />
atrativo para o crime; da mesma forma, nesses lugares, haverá menos<br />
garantias de lucro com o tráfi co. Por isso, dizemos que o efeito<br />
esperado é ambíguo.<br />
Com o mesmo raciocínio anterior e com efeito dual, isto é, com possível<br />
presença de endogeneidade, temos a variável taxa de desemprego<br />
como um propulsor da incidência de crimes. Aqui, pressupomos<br />
que quanto maior o nível de desemprego, maior será o tempo que o<br />
indivíduo fi cará desocupado, logo, maior a probabilidade de se cometer<br />
um crime, uma vez que estará diante de menores custos de oportunidade.<br />
No entanto, essa relação poderia ser negativa, se olhássemos<br />
do ponto de vista da atratividade do “mercado potencial”, dado que<br />
regiões que apresentam maiores taxas de desemprego tornam-se economicamente<br />
menos visadas (ARAUJO JR.; FAJNZYLBER, 2001).<br />
Muitos autores (Santos e Kassouf, Fajnzylber e Araujo Jr., Loureiro e<br />
Resende) utilizam a porcentagem de famílias monoparentais chefi adas<br />
por mulheres para indicar desorganização social. Sugerem que esta<br />
exerça um efeito positivo sobre o crime, na medida em que custos<br />
morais relacionados às práticas ilícitas seriam menores em um ambiente<br />
fortemente marcado por desorganização social. Ademais, sob<br />
uma perspectiva sociológica, economistas argumentam que essa vari-<br />
26 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
ável poderia ser inclusive uma proxy para instabilidade familiar. Kelly<br />
(2000) assinala que criminologistas relacionam crime, instabilidade<br />
familiar e distúrbios emocionais sofridos durante a infância. Sob esse<br />
ponto de vista, decidimos utilizar o número de famílias monoparentais<br />
com pelo menos um fi lho no domicílio, mas não enrijecemos essa<br />
hipótese empregando apenas mulheres como chefes do lar, uma vez<br />
que essa instabilidade pode ser tão (ou mais) evidente em domicílios<br />
onde o chefe é homem. Seguindo essa corrente, aguardamos um efeito<br />
positivo dessa variável sobre o tipo de crime em questão.<br />
Ao aplicarmos a variável “gastos em educação e cultura” no modelo<br />
a ser estimado, queremos analisar o impacto de uma fração específi ca<br />
dos gastos sociais sobre a redução da criminalidade. Elegemos, neste<br />
estudo, gastos em educação e cultura como um representante dos<br />
gastos sociais, por serem direcionados, predominantemente, à população<br />
infantojuvenil. Esperamos encontrar um efeito negativo, da mesma<br />
forma que alguns autores o fi zeram, ao testar o efeito de gastos em<br />
assistência social (BENOIT; OSBORNE, 1995; ZHANG, 1997; IMRO-<br />
HOROGLU et al., 2000; MERLO, 2003 apud LOUREIRO, 2006). O<br />
impacto negativo esperado recai sobre o fato de que gastos sociais<br />
reduziriam os incentivos de incorrer na criminalidade, dado que aumentaria<br />
os custos de oportunidade do potencial criminoso, ao elevar<br />
suas expectativas de renda futura e nível sociocultural, via acumulação<br />
de capital cultural 9 . Pressupomos, pois, que maiores gastos em<br />
9 Para Bourdieu (2001), a noção de capital cultural surge da necessidade de se<br />
compreender as desigualdades de desempenho escolar dos indivíduos oriundos<br />
de diferentes grupos sociais. Sua sociologia da educação se caracteriza,<br />
notadamente, pela diminuição do peso do fator econômico, em comparação<br />
ao peso do fator cultural, na explicação das desigualdades escolares. Segundo<br />
o autor, o capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado,<br />
no estado objetivado e no estado institucionalizado. No estado objetivado,<br />
o capital cultural existe sob a forma de bens culturais, tais como esculturas,<br />
pinturas, livros etc. Para possuir os bens econômicos na sua materialidade, é<br />
necessário ter simplesmente capital econômico, o que se evidencia na compra<br />
de livros, por exemplo. Todavia, para apropriar-se simbolicamente desses<br />
bens, é necessário possuir os instrumentos dessa apropriação e os códigos necessários<br />
para decifrá-los, ou seja, é necessário possuir capital cultural no estado<br />
incorporado. No estado institucionalizado, o capital cultural materializa-se<br />
por meio dos diplomas escolares.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
27
educação estejam intrinsecamente associados a maiores oportunidades<br />
no mercado lícito. Baseamo-nos na Teoria do Capital Humano,<br />
que pressupõe que a política social exerce um impacto importante no<br />
crescimento econômico e na produtividade das pessoas. Esse gasto representa<br />
um investimento social pelo alto retorno que tem em termos<br />
de garantia de direitos e como condição necessária para interromper<br />
a transmissão intergeneracional da pobreza e, consequentemente, a<br />
retroalimentação do ciclo de criminalidade, também associada à desigualdade<br />
de renda.<br />
Na literatura brasileira, autores como Santos (2009) e Loureiro (op.<br />
cit.) utilizaram-se da variável demográfi ca, proporção de homens jovens<br />
na população, como controle para grupo mais propenso ao crime.<br />
Como indica a Seção 1, é na faixa etária dos 15 aos 29 anos e no<br />
gênero masculino que há maiores índices de homicídios no país.<br />
A INFLUÊNCIA DO MERCADO DE DROGAS SOBRE<br />
OS HOMICÍDIOS ENTRE JOVENS<br />
Acredita-se que o vínculo entre o tráfi co de drogas e a falta de<br />
oportunidades pode ser catalisador de crimes violentos – principalmente<br />
em áreas mais pobres ou entre populações vulneráveis, como<br />
os jovens. De acordo com o Relatório mundial sobre drogas, dos<br />
quase 50 mil homicídios registrados a cada ano, equivalente a uma<br />
taxa de 27 em cada 100 mil habitantes, uma grande proporção está<br />
associada ao tráfi co de drogas (UNODC, 2005). Essa brutal taxa de<br />
homicídios é gerada, em grande medida, porque as pessoas envolvidas<br />
na venda ilegal de drogas, não raramente, resolvem suas questões<br />
comerciais, relacionadas à divisão de territórios, distribuição e liderança,<br />
utilizando-se da extrema violência, culminando na supressão<br />
de muitas vidas. Isso se deve especialmente ao fato de não haver a<br />
possibilidade de um “contrato” entre as partes, dado que é uma atividade<br />
fora da lei.<br />
Viapiana (2006), citando Goldstein, enumera três formas pelas quais<br />
as drogas, lícitas ou ilícitas, se relacionam com os crimes: (i) violência<br />
psicofarmacológica, (ii) violência por compulsão econômica e (iii)<br />
violência sistêmica. A primeira consiste em prováveis efeitos que o<br />
usuário pode apresentar devido a ingestão, curta ou prolongada, de<br />
28 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
certas substâncias estimuladoras de comportamentos de risco, como<br />
excitação, irracionalidade e violência. O autor ressalva, contudo, que<br />
nem todas as drogas (por exemplo, a maconha 10 ) irão conduzir a delinquências.<br />
No entanto, crimes violentos podem ser defl agrados durante<br />
um quadro de abstinência. Acrescenta-se ainda o fato de que<br />
os efeitos psicofarmacológicos podem contribuir para o aumento da<br />
probabilidade de vitimização desses usuários, uma vez que em várias<br />
pesquisas, segundo o autor, foi comprovada alta incidência de drogas<br />
em vítimas de homicídios.<br />
O efeito por compulsão econômica é caracterizado quando os usuários<br />
de drogas inserem-se em atividades criminosas a fi m de obter<br />
dinheiro para fi nanciar seus custos de consumo. Segundo Viapiana<br />
(op. cit.), “essa é a motivação presente na maioria dos roubos, furtos e<br />
assaltos que ocorrem nas grandes cidades, envolvendo, principalmente,<br />
jovens pobres e também de classe média”. Baseando-nos nisso,<br />
podemos pensar no caso dos meninos e jovens que se engajam no<br />
tráfi co, não só para fi nanciar seus gastos com drogas, mas, principalmente,<br />
para obter renda.<br />
O terceiro nexo entre drogas e crimes violentos, e provavelmente o<br />
mais relevante para este estudo, é a defi nição de violência sistêmica, que<br />
consiste na relação entre os próprios trafi cantes e entre os trafi cantes e<br />
seus respectivos consumidores. O conceito “sistêmico” está calcado no<br />
fato de que a violência faz parte da natureza estratégica de como o tráfi -<br />
co se operacionaliza, uma vez que disputas territoriais, dívidas não pagas<br />
ou desentendimentos em gerais são resolvidos com crimes violentos, em<br />
incontáveis casos, na eliminação física do opositor – homicídio. Segundo<br />
Goldstein, em uma amostra de 414 casos de homicídios relacionados a<br />
drogas em registros policiais norte-americanos, constatou-se que 75%<br />
deles envolviam eventos no mercado ilegal de drogas (VIAPIANA, op.<br />
cit.). É a partir daí que surge nosso interesse em examinar a infl uência do<br />
uso e tráfi co de drogas ilícitas sobre as taxas de homicídios.<br />
10 Viapiana (op. cit.), citando Sara Markowitz, nota que vários estudos destacam<br />
que os efeitos biológicos e psicológicos do consumo de drogas realmente<br />
tornam os indivíduos mais propensos a crimes violentos. Esses trabalhos apontam<br />
que pequenas doses de cocaína tendem a estimular o comportamento<br />
agressivo. O uso da maconha, por outro lado, em um curto prazo possui efeito<br />
relaxante; entretanto, em um longo prazo, o consumo frequente pode levar a<br />
condutas mais violentas.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
29
Santos e Kassouf, em um trabalho pioneiro no Brasil, em 2007, examinaram<br />
a relação entre drogas ilícitas e crimes letais, sem restringir-se,<br />
contudo, à faixa etária jovem. Encontram uma relação positiva e signifi -<br />
cativa em suas evidências empíricas. Seguindo esses autores, tentamos<br />
lançar luz acerca do impacto do mercado de drogas ilícitas sobre a taxa<br />
de homicídios, especifi camente a juvenil. Nessa direção, podemos levantar<br />
algumas razões pelas quais um mercado de drogas mais amplo<br />
afeta positivamente a criminalidade.<br />
Em primeiro lugar, trafi cantes não podem recorrer aos meios legais a<br />
fi m de que um contrato seja respeitado. Sendo assim, o meio mais comum<br />
de garantir a respeitabilidade de uma negociação é a violência, o<br />
que pode ser feito tanto por crimes contra a pessoa (como assassinatos<br />
e lesões) quanto contra o patrimônio (roubos e extorsões). No caso<br />
de consumidores devedores, estes acabam pagando com a vida. Em<br />
segundo lugar, crimes violentos, como torturas e homicídios, são instrumentos<br />
usuais pelos quais as gangues criam “barreiras de entrada” à<br />
concorrência em seu território, sob a hipótese de que o tráfi co funciona<br />
como monopólio. Uma gangue só tem o domínio de um território<br />
(comercial) com a eliminação física da outra.<br />
Evidentemente, a grande disponibilidade de armas para jovens sem<br />
perspectivas facilita a proliferação de crimes letais. Mais ainda, o constante<br />
confl ito com a polícia é outro canal pelo qual o mercado de<br />
drogas afeta a criminalidade. Por fi m, pressupomos que viciados em<br />
drogas estão mais propensos a roubar ou matar a fi m de sustentar os<br />
seus vícios e, além disso, sob o efeito de drogas, o indivíduo tende a<br />
se tornar mais violento, podendo perder a racionalidade e, portanto,<br />
ser mais suscetível a executar um homicídio.<br />
Feita a discussão minuciosa sobre as variáveis eleitas como possíveis<br />
determinantes, o Quadro 1 apresenta um sumário das variáveis apresentadas<br />
anteriormente e seus respectivos sinais esperados.<br />
Variável<br />
Quadro 1<br />
Variáveis explicativas para a criminalidade<br />
Indicador Sinal esperado<br />
Retorno esperado Renda média das famílias Positivo<br />
Probabilidade de sucesso Gastos em segurança pública Negativo<br />
Custo de ingresso Urbanização Positivo<br />
30 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
Grau de insatisfação<br />
(w*- w)<br />
Desigualdade de renda Positivo<br />
Vulnerabilidade juvenil Jovens fora da escola (ociosidade) Positivo<br />
Outras variáveis<br />
explicativas<br />
Fonte: Elaboração própria.<br />
Pobreza Positivo ou negativo<br />
Desemprego Positivo ou negativo<br />
Famílias monoparentais (desorganização<br />
social)<br />
Positivo<br />
Gastos em educação e cultura Negativo<br />
Juventude masculina Positivo<br />
Delitos envolvendo drogas ilícitas Positivo<br />
3 ESTRATÉGIA EMPÍRICA<br />
3.1 DADOS E FONTES DE INFORMAÇÕES<br />
Os dados utilizados neste estudo são originários de diferentes fontes de<br />
informação. A série estatística da variável dependente, taxa de homicídios,<br />
poderia ser extraída da Senasp; no entanto, não teríamos a possibilidade<br />
de restringir o corte por idade 11 . Sendo assim, optamos por utilizar<br />
a taxa de homicídios, entre jovens de 15 a 29 anos de idade, por 100 mil<br />
habitantes, advinda do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM),<br />
ligado ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde<br />
(Datasus), do qual ainda extraímos as informações relativas à população<br />
masculina. Além disso, como sustenta Kume (2004, p. 10), acreditamos<br />
que a base de dados do SIM/Datasus “permite medir a criminalidade do<br />
país com um grau maior de homogeneidade e confi abilidade em relação<br />
aos óbitos dos registros de ocorrência policial de cada estado”.<br />
O horizonte temporal, vale ressaltar, foi escolhido de acordo com a<br />
disponibilidade dos dados existentes no Brasil. Somente para este período,<br />
2001 a 2005, existem todas as informações necessárias para a análise.<br />
Para 2006, já existem quase todos os dados utilizados, com exceção<br />
11 A Senasp só divulgou dados sobre as ocorrências de crimes por faixa etária<br />
a partir de 2005. Isso limitaria muito o horizonte temporal requerido para<br />
nossa análise.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
31
da taxa de delitos envolvendo drogas ilícitas, que até o momento da<br />
elaboração deste trabalho a Senasp não havia divulgado.<br />
As informações relativas aos gastos em segurança pública e em educação<br />
e cultura foram retiradas do banco de dados do Instituto de<br />
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipeadata), que disponibiliza, entre inúmeras<br />
séries, dados do Boletim de fi nanças públicas do Brasil, elaborado<br />
pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) 12 . Esses números se<br />
referem a todas as despesas públicas dos governos estaduais dentro<br />
das unidades da federação. Obtivemos, também por intermédio do<br />
Ipeadata, microdados, já trabalhados, referentes ao índice de Gini e à<br />
porcentagem de domicílios pobres em cada estado. A série estatística<br />
com a taxa de delitos envolvendo drogas ilícitas por 100 mil habitantes<br />
é proveniente da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).<br />
As demais séries estatísticas, acerca das características socioeconômicas,<br />
foram construídas com a utilização de microdados da Pesquisa<br />
Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), de 2001 a 2005, divulgadas<br />
pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE). O Quadro<br />
2 apresenta a descrição de cada variável utilizada nas estimações, com<br />
sua respectiva terminologia, e ainda indica a proveniência dos dados.<br />
Quadro 2<br />
Descrição e fontes das variáveis utilizadas<br />
Terminologia Defi nição da variável<br />
Fonte de<br />
informação<br />
homic<br />
Taxa de homicídios entre jovens de 15 a 29<br />
anos de idade por 100 mil habitantes<br />
SIM/Datasus<br />
rendapc Renda real per capita domiciliar defl acionada Pnad<br />
segpub<br />
Gastos em segurança pública por 100<br />
mil habitantes defl acionados<br />
Ipeadata/STN<br />
urban Percentual de população urbana Pnad<br />
desig Coefi ciente de Gini de renda Ipeadata/Pnad<br />
12 Os dados de população utilizados para normalizar as séries de gastos com<br />
segurança e educação foram os mesmos aplicados à taxa de homicídios e<br />
delitos envolvendo drogas. As variáveis monetárias foram defl acionadas pelo<br />
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), concebido pelo IBGE.<br />
32 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
ocio<br />
Percentual da população de 7 a 22 anos de idade<br />
que não frequenta a escola ou faculdade<br />
Pnad<br />
pobres Porcentagem de domicílios abaixo da linha de pobreza Ipeadata/Pnad<br />
desem<br />
fam_mon<br />
g_educa<br />
jovemh<br />
droga<br />
Taxa de desemprego entre pessoas a partir de<br />
15 anos de idade<br />
Número de famílias monoparentais com<br />
pelo menos um fi lho no domicílio<br />
Gastos em educação e cultura por 100<br />
mil habitantes defl acionados<br />
Proporção de homens, com 15 a 29 anos<br />
de idade, na população total<br />
Taxa de delitos envolvendo drogas ilícitas<br />
por 100 mil habitantes*<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
Pnad<br />
Pnad<br />
Ipeadata/STN<br />
Datasus<br />
Senasp<br />
Nota: Todas as informações se referem aos anos compreendidos entre 2001 e 2005.<br />
* Segundo a Senasp, os dados de delitos envolvendo drogas ilícitas são relativos às infrações de porte,<br />
uso e/ou tráfi co de drogas.<br />
Fonte: Elaboração própria.<br />
Na sequência, o Quadro 3 mostra como cada um dos indicadores<br />
foi construído com base nos dados disponíveis.<br />
droga*<br />
homic<br />
Quadro 3<br />
Dicionário de variáveis utilizadas<br />
Variável Cálculo das variáveis<br />
rendapc<br />
Número de ocorrências policiais de uso, porte ou tráfi<br />
co de drogas ilícitas por 100 mil habitantes<br />
Número de óbitos decorrentes de homicídios na população<br />
entre 15 a 29 anos de idade por 100 mil habitantes<br />
Renda real per capita domiciliar, com valores expressos<br />
em Reais (R$) de 2005, defl acionados pelo Índice<br />
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)<br />
segpub<br />
Total de gastos em segurança pública por 100 mil habitantes, em<br />
cada estado, com valores expressos em Reais (R$) de 2005, defl<br />
acionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)<br />
urban População da área urbana sobre a população total<br />
desig Coefi ciente de Gini de renda<br />
ocio<br />
População de 7 a 22 anos que não frequenta o ensino fundamental,<br />
médio ou superior sobre a população total de 7 a 22 anos<br />
33
pobres<br />
desem<br />
fam_mon<br />
g_educa<br />
Número de domicílios abaixo da linha de pobreza<br />
sobre total de domicílios<br />
Porcentagem de pessoas com 15 anos de idade ou mais desocupadas.<br />
Até o ano de 2003, informações não disponíveis<br />
para a área rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP<br />
Número de famílias monoparentais com pelo menos<br />
um fi lho no domicílio<br />
Total de gastos com educação e cultura por 100 mil habitantes, em<br />
cada estado, com valores expressos em Reais (R$) de 2005, defl<br />
acionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)<br />
População do sexo masculino com 15 a 29 anos<br />
jovemh<br />
de idade sobre a população total<br />
Nota: Todas as informações se referem aos anos compreendidos entre 2001 e 2005, segundo a unidade<br />
da federação.<br />
Os dados de população (projeções do IBGE) utilizados para normalizar as séries de gastos com segurança<br />
e educação foram os mesmos aplicados à taxa de homicídios e delitos envolvendo drogas.<br />
* Segundo a Senasp, os dados de delitos envolvendo drogas ilícitas são relativos às infrações de porte,<br />
uso e/ou tráfi co de drogas.<br />
Fonte: Elaboração própria.<br />
3.2 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS<br />
A seguir, apresentamos a Tabela 5, que sintetiza as principais estatísticas<br />
relevantes para a análise descritiva de todas as variáveis, listadas<br />
de acordo com a terminologia estabelecida no Quadro 2.<br />
Tabela 5<br />
Resumo das estatísticas das variáveis, nos estados brasileiros entre 2001 e 2005<br />
Variável Máximo Mínimo Média Mediana<br />
Desviopadrão<br />
homic (taxa) 118.30 14.50 48.80 41.65 26.12 0.54<br />
rendapc<br />
(em reais)<br />
765.19 234.71 436.45 392.37 144.16 0.33<br />
segpub (em<br />
reais)<br />
264237.50 20.81 28525.66 5984.61 62122.25 2.18<br />
urban (%) 96.45 62.45 78.21 77.92 8.57 0.11<br />
desig (Gini) 0.62 0.46 0.56 0.56 0.03 0.06<br />
ocio (%) 31.76 21.37 26.03 25.78 1.93 0.07<br />
Coefi ciente<br />
de variação<br />
34 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
pobres (%) 65.13 10.07 39.00 42.42 15.53 0.40<br />
desem (%) 19.47 3.95 8.77 8.62 2.70 0.31<br />
fam_mon<br />
(n° total)<br />
2471.00 75.00 770.58 376.50 695.77 0.90<br />
g_educa<br />
(em reais)<br />
647846.90 667.72 61190.10 13540.36 142237.20 2.32<br />
jovemh<br />
(proporção)<br />
0.16 0.13 0.14 0.15 0.01 0.05<br />
droga (taxa) 92.50 0.00 31.34 23.73 25.19 0.80<br />
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados trabalhados.<br />
Ao observar a Tabela 5, percebemos que a taxa média de homicídios<br />
entre jovens de 15 a 29 anos de idade por 100 mil habitantes, no Brasil,<br />
entre 2001 e 2005, é cerca de 50, e o valor mediano desses crimes<br />
também se mostra consideravelmente elevado, em 42. Esses números,<br />
quando comparados à média de homicídios brasileira entre todas as<br />
faixas etárias, 28 por 100 mil habitantes, trazem novamente à tona a<br />
comprovação estatística do fato de que tal fatalidade é muito superior<br />
entre os jovens. O estado do Rio de Janeiro, em 2002, apresentou a<br />
taxa máxima de homicídio juvenil no período observado (118 homicídios<br />
por 100 mil habitantes), ao passo que, em 2001, Santa Catarina<br />
detivera uma taxa infi mamente inferior (aproximadamente 15 homicídios<br />
por 100 mil habitantes).<br />
A taxa média de crimes associados a drogas ilícitas, por 100 mil<br />
habitantes, é inferior à de homicídios juvenil no país, porém, superior<br />
à taxa de homicídios global. Ainda na Tabela 5, o coefi ciente de variação<br />
é relativamente alto (0,80), o que sugere certa variabilidade de<br />
ocorrências desses delitos entre os estados brasileiros. Com relação ao<br />
mínimo observado, Roraima, em 2001, e Sergipe, em 2004 e 2005,<br />
declararam possuir números irrisórios desse tipo de delito (atingindo a<br />
marca do zero). Entretanto, não devemos descartar a possibilidade de<br />
falta de registros junto às autoridades estaduais. Mato Grosso do Sul,<br />
em 2004, possuía o número máximo de agravos envolvendo drogas<br />
(92,50 delitos relacionados a drogas por 100 mil habitantes), enquanto<br />
São Paulo, em 2003, apresentava a segunda maior taxa (92,05).<br />
Os gastos públicos com segurança pública e com educação e cultura<br />
variaram de forma grandiosa entre os estados nos anos compreendidos<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
35
entre 2001 e 2005. Foram as variáveis explicativas que apresentaram<br />
os maiores coefi cientes de variação no período, ambos próximos a 2.<br />
Como era coerente esperar, gastos em educação e cultura superam o<br />
dispêndio público em segurança, todavia, apresentam maior discrepância<br />
de montante investido entre os estados da União. O estado que<br />
menos investiu em segurança pública, ao longo do período, foi o Piauí,<br />
que em 2004 despendeu 20 mil e 800 reais por 100 mil habitantes. Sergipe,<br />
nesse mesmo ano, apresentou os gastos mínimos com educação e<br />
cultura (cerca de R$ 670 mil para cada 100 mil habitantes).<br />
A estatística da variável relativa à vulnerabilidade juvenil indica um<br />
quadro preocupante. Na média, 26% dos jovens brasileiros, entre 7 e<br />
22 anos de idade, não são assíduos à escola e, de alguma forma, podem<br />
ser considerados ociosos 13 . No que entendemos como uma face<br />
da ociosidade, as taxas de abstenção escolar não variam muito entre<br />
o ponto máximo e mínimo, com coefi ciente de variação próximo de<br />
zero e com medidas de média e mediana muito semelhantes. Os jovens<br />
em idade escolar do Espírito Santo foram os que mais se abstiveram<br />
das salas de aula entre 2001 e 2005, alcançando o nível de 32%.<br />
Na Tabela 6, exibimos as correlações simples entre as variáveis dependente<br />
e independente dos modelos a serem estimados proximamente.<br />
A ociosidade escolar mostra-se positivamente relacionada com<br />
as duas variáveis de crime. Ponto importante a se destacar é a relação<br />
positiva entre crimes associados a uso, porte e consumo de drogas e a<br />
ocorrência de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos. Aliás, quase<br />
todas as variáveis explicativas relacionam-se, com sinais dentro do esperado,<br />
com as taxas de homicídio juvenil.<br />
Interessante notar a forte correlação entre a renda per capita familiar<br />
e os delitos associados às drogas ilícitas, perfeitamente como aguardado.<br />
Da mesma maneira, relaciona-se urbanização com as taxas de<br />
crime. Divergentes, alguns sinais fogem completamente ao que esperávamos<br />
com base na teoria econômica. Por exemplo, a correlação<br />
negativa entre a juventude masculina e as taxas de crime. A relação<br />
direta entre gastos em educação e cultura com as taxas de criminalidade,<br />
embora inesperada em um primeiro momento, pode ser justi-<br />
13 Consideramos, aqui, ausência escolar apenas como uma das faces da ociosidade,<br />
uma vez que ociosidade, propriamente dita, refere-se ao fato de não<br />
estudar e não trabalhar concomitantemente.<br />
36 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
fi cada por sua positiva correlação com a renda per capita, a qual se<br />
relaciona diretamente com as duas modalidades de crime. A variável<br />
de dissuasão, gastos com segurança pública, também não apresentou<br />
correlação negativa com as variáveis de crime, algo que, em certa<br />
medida, não consideramos tão inusitado como resultado, devido à<br />
possível presença de endogeneidade.<br />
Tabela 6<br />
Matriz de correlações simples entre as variáveis<br />
droga segpub homic rendapc desem desig urban pobres fam_mon g_educa ocio jovemh<br />
droga 1.00<br />
segpub 0.65 1.00<br />
homic 0.12 0.02 1.00<br />
rendapc 0.79 0.57 0.34 1.00<br />
desem -0.06 0.05 0.45 0.04 1.00<br />
desig -0.39 -0.19 0.12 -0.42 0.02 1.00<br />
urban 0.53 0.39 0.47 0.70 0.33 -0.37 1.00<br />
pobres -0.77 -0.41 -0.21 -0.88 0.06 0.64 -0.71 1.00<br />
fam_mon 0.47 0.56 0.22 0.37 0.21 -0.02 0.37 -0.23 1.00<br />
g_educa 0.62 0.98 0.02 0.55 0.07 -0.17 0.38 -0.37 0.53 1.00<br />
ocio 0.07 0.05 0.21 0.04 -0.19 0.08 0.01 -0.11 0.19 0.02 1.00<br />
jovemh -0.55 -0.48 -0.20 -0.60 0.12 0.14 -0.51 0.49 -0.40 -0.43 -0.18 1.00<br />
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados trabalhados.<br />
Os Gráfi cos 4 e 5 ilustram a distribuição espacial das duas modalidades<br />
de crimes em análise, sobressaltando a grande heterogeneidade<br />
da criminalidade entre os estados da União.<br />
O Gráfi co 4 revela a distribuição do número total de homicídios<br />
entre jovens, com 15 a 29 anos de idade, normalizado em relação ao<br />
tamanho da população de cada estado. O Rio de Janeiro (RJ) desponta<br />
com alarmante taxa média próxima de 100, referente ao período de<br />
2001 a 2005. O Piauí (PI), que na distribuição seguinte apresenta irrisória<br />
taxa média de crimes associados a drogas, coloca-se na segunda<br />
posição no que diz respeito a homicídios da população jovem. A situação<br />
é extremamente preocupante, e surpreende ainda mais, quando<br />
confrontada à média nacional do período, 49.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
37
120<br />
100<br />
80<br />
60<br />
40<br />
20<br />
Gráfi co 4<br />
Taxa média de homicídios entre jovens, com 15 a 29 anos de idade,<br />
por 100 mil habitantes, entre 2001 e 2005, por estado brasileiro<br />
0<br />
SC PR MA RN TO BA PB AP CE RO PA MT AC GO SP RS MS PE MG RR SE AL AM ES PI RJ<br />
Nota: A linha horizontal, na cor laranja, refere-se à média nacional do período.<br />
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Senasp. Ministério da Justiça.<br />
No Gráfi co 5, apresentamos a distribuição do número total de delitos<br />
envolvendo drogas ilícitas por 100 mil habitantes. À primeira<br />
vista, mostra-se soberana a liderança do estado paulistano (SP) nesse<br />
ranking. Pouco atrás, colocam-se Rio Grande do Sul (RS) e Mato<br />
Grosso do Sul (MS), que assume a terceira colocação, possivelmente,<br />
devido ao tráfi co internacional de drogas presente na sua fronteira<br />
com a Bolívia e o Paraguai e plantios de maconha existentes em seu<br />
território. Em seguida, aparecem Minas Gerais (MG) e Rio de Janeiro<br />
(RJ), que, curiosamente, não assumiu posição de líder. O porquê de o<br />
estado fl uminense não liderar essa estatística possivelmente está por<br />
trás do fato de que o narcotráfi co existente ali seja predominantemente<br />
varejista, e, consequentemente, leve a menores apreensões em volume<br />
ou menores ocorrências, por ser feito de forma mais clandestina.<br />
No entanto, não temos dúvida de que o Rio de Janeiro, infelizmente,<br />
tenha posição de relativa liderança nessa distribuição.<br />
38 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
90<br />
80<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Gráfi co 5<br />
Taxa média de delitos envolvendo drogas ilícitas por 100 mil<br />
habitantes, entre 2001 e 2005, por estado brasileiro<br />
AP PI PE AL MA PB CE RR PA TO RN MT BA AM ES PR AC GO SC RO RJ MG MS RS SP<br />
Nota: A linha horizontal, na cor laranja, refere-se à média nacional do período.<br />
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do SIM/Datasus. Ministério da Saúde.<br />
Outra razão que provavelmente esteja contribuindo para a quinta<br />
colocação do Rio de Janeiro nesse ranking é a subnotifi cação desses<br />
crimes e delitos no estado. Especialmente na cidade carioca, a existência<br />
de grande número de favelas em morros difi culta a ação policial e<br />
o poder paralelo do tráfi co desestimula denúncias, ao coibir a população<br />
local com ameaças constantes de morte e outros mecanismos<br />
cruéis como o “micro-ondas”, um improvisado forno crematório onde<br />
pessoas são queimadas vivas entre pneus quando delatam um fato<br />
criminoso. Além disso, a corrupção policial é facilitada, pois tudo fi ca<br />
encoberto e fora do controle social (o asfalto).<br />
Embora haja divergências entre os números e as taxas apresentados<br />
pelo Ministério da Saúde (SIM/Datasus) e a Secretaria Nacional de<br />
Segurança Pública (Senasp), é importante observar os últimos dados<br />
disponíveis. A Senasp divulgou dados mais recentes sobre homicídios<br />
dolosos ocorridos em 2008. Como revela a Figura 1, não podemos<br />
afi rmar que existe uma concentração espacial dessas ocorrências nas<br />
grandes regiões, parecendo um problema muito mais particular ao<br />
estado do que regional. Ao desconsiderar o corte etário da população,<br />
Alagoas e Pará detêm as maiores taxas de homicídio doloso no Brasil.<br />
Rio de Janeiro e Pernambuco apresentam taxas menores nesse caso.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
39
Figura 1<br />
Mapa da incidência da taxa de homicídio doloso por<br />
100 mil habitantes no Brasil, por UF – 2008<br />
Diferentemente, no mapa de ocorrências de delitos envolvendo drogas<br />
ilícitas, em 2005, podemos observar uma concentração espacial,<br />
em termos de taxas por 100 mil habitantes. Isto é, a frequência das<br />
taxas praticamente muda de acordo com as grandes regiões, seguindo<br />
uma lógica de posição entre as fronteiras 14 .<br />
14 Na Figura 2, Acre e Paraná não possuem informações, uma vez que esses<br />
estados não reportaram seus dados à Senasp naquele ano.<br />
40 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
Figura 2<br />
Mapa da incidência da taxa de delitos envolvendo drogas<br />
ilícitas por 100 mil habitantes no Brasil, por UF – 2005<br />
3.3 ESPECIFICAÇÃO ECONOMÉTRICA<br />
A estratégia empírica deste estudo consiste na utilização de técnicas<br />
de estimação com painel de dados composto pelos estados brasileiros<br />
entre os anos de 2001 a 2005. Justifi camos seu uso porque<br />
tais técnicas permitem amenizar problemas econométricos, presentes<br />
em grande parte dos trabalhos nessa área, como endogeneidade das<br />
variáveis explicativas e erros de medida provenientes das altas taxas<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
41
de sub-registro de crimes 15 . Dessa forma, os dados selecionados para<br />
estimar a infl uência das diversas variáveis socioeconômicas sobre a<br />
criminalidade são do tipo longitudinal 16 .<br />
A estrutura básica do nosso modelo de regressão da seguinte forma:<br />
y = x’ β + z ’α ε it it i + it<br />
(1)<br />
onde y é a variável dependente do modelo, representada pela oferta<br />
it<br />
de crimes praticados, e x representa o vetor de variáveis explicati-<br />
it<br />
vas17 . Ambas as variáveis mudam entre os estados brasileiros, com i<br />
variando de 1 a 26, e ao longo do tempo, no ano t (t = 2001, 2002,...,<br />
2005). A heterogeneidade, ou efeito individual de estado, é representada<br />
por z ’α, em que z contém um termo constante e um conjunto<br />
i i<br />
de variáveis específi cas de estado, que podem ser observadas, ou não,<br />
para todos os estados. β e α são vetores de coefi cientes a serem estimados,<br />
e ε são os erros aleatórios típicos.<br />
it<br />
Devemos enfatizar que este estudo, bem como todos os outros que<br />
trabalham com dados criminais, sofre com a assimetria de informação<br />
reportada às autoridades ofi ciais competentes. Nos anos de 2004 e<br />
2005, o estado do Paraná não reportou seus dados referentes a delitos<br />
envolvendo drogas à Senasp. Portanto, optamos por excluir da nossa<br />
série a unidade paranaense nesses respectivos anos, e por esse motivo<br />
temos um painel desbalanceado, com 128 observações. Lembramos<br />
que, como estamos analisando as ocorrências criminais em nível estadual,<br />
não incluímos informações do Distrito Federal neste Painel.<br />
O controle pela heterogeneidade não observável de estados nesse<br />
modelo justifi ca-se por diversas razões. Primeiramente, podemos<br />
considerar a taxa de sub-registro como um efeito de estado não observável,<br />
ao supor que a probabilidade de denúncia de um tipo de<br />
crime sofrido esteja condicionada às características socioeconômicas<br />
da vítima, como nível de escolaridade, gênero, local do domicílio e até<br />
mesmo o grau de parentesco com o seu agressor. Além disso, a decisão<br />
15 Como exposto na seção 2, algumas variáveis explicativas como renda, gastos<br />
em segurança pública, pobreza e desemprego são passíveis do problema<br />
de endogeneidade.<br />
16 Ver Santos e Kassouf (2007b) e Kume (2004).<br />
17 Existem K variáveis exógenas em xit , excluindo o termo constante.<br />
42 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
de denunciar (ou não) pode estar relacionada à confi ança da população<br />
nas autoridades policiais, cuja produtividade depende dos gastos<br />
públicos em segurança (SANTOS; KASSOUF, 2007b). Dessa maneira,<br />
o uso de métodos de estimação, que levam a heterogeneidade não<br />
observada em consideração, permitiria controlar pelo menos a fração<br />
de erro de aferição que está relacionada com fatores relativamente<br />
estáveis no tempo, tal como a efi ciência das instituições.<br />
Em segundo lugar, por mais que haja o controle de alguns determinantes<br />
de custos morais (como, por exemplo, a desigualdade de<br />
renda, que pode representar um tipo de insatisfação monetária do<br />
criminoso, e o grau de instrução), devemos apontar a existência de<br />
características culturais relativamente estáveis no tempo e, talvez,<br />
imensuráveis, que fazem com que alguns estados apresentem taxas de<br />
crime maiores que outros. Entre esses fatores, podemos citar a maior<br />
ou menor predisposição a resolver problemas interpessoais violentamente,<br />
disparidades no consumo de bebidas alcoólicas, diferenciado<br />
grau da presença de atividades ilegais, consideravelmente lucrativas,<br />
como o tráfi co de drogas, a existência de confl itos associados à posse<br />
de terra, e assim por diante (LOUREIRO, 2006).<br />
Especifi camente, explicando homicídios de jovens, teremos:<br />
ln homic i,t = ln β 1 rendapc it +ln β 2 segpub it +ln β 3 urban it + ln β 4 desig it<br />
+ ln β 5 ocio it + ln β 6 pobres it + ln β 7 desem it +ln β 8 fam_mon it +ln β 9 g_<br />
educa it +ln β 10 jovemh it + ln β 11 droga it + z i ’α + ε it<br />
(2)<br />
onde homic é a variável dependente do modelo, no estado brasileiro<br />
i e no instante t. β 1 a β 11 são os vetores de coefi cientes a serem estimados;<br />
e adicionamos β 12 na tentativa de investigar a infl uência de<br />
delitos envolvendo drogas ilícitas sobre os homicídios ocorridos entre<br />
jovens de 15 a 29 anos de idade. O motivo da inclusão do termo z i ’α<br />
de heterogeneidade não observada já fora explicado previamente 18 .<br />
Por fi m, ε it representa o termo de distúrbio aleatório típico.<br />
Seguindo a literatura empírica da área, optamos por utilizar os logaritmos<br />
naturais das variáveis de interesse, com o propósito de facilitar<br />
18 Adiante, testamos a real necessidade de incluir esse termo na modelagem<br />
econométrica.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
43
as interpretações dos coefi cientes, uma vez que os parâmetros estimados<br />
serão compreendidos como a medida da elasticidade da variável<br />
dependente em relação à explicativa.<br />
3.4 TESTES ESPECÍFICOS<br />
A fi m de testar se a heterogeneidade não observada está realmente<br />
presente no modelo a ser estimado, como sugerimos através da especifi<br />
cação do modelo empírico do crime na Equação 2, realizamos<br />
alguns testes específi cos. O primeiro teste, aplicado aos modelos de<br />
Regressão Pooled, é o Teste de White, baseado na distribuição Quiquadrado.<br />
Uma vez aplicado o teste, nesse modelo, não podemos<br />
rejeitar a hipótese nula, logo os resíduos podem ser homocedásticos,<br />
e, dessa forma, podemos trabalhar com o modelo de estimação por<br />
Mínimos Quadrados Ordinários (Regressão Pooled) 19 .<br />
O segundo teste que poderíamos aplicar ao modelo com Efeitos<br />
Aleatórios é o Multiplicador de Lagrange Breusch e Pagan 20 , que tem<br />
por hipótese que a presença de efeitos de estados não observáveis afeta<br />
as taxas de crimes dos estados brasileiros. Analogamente, poderia<br />
ter sido aplicado o teste F (Chow) aos modelos com Efeitos Fixos, que<br />
compara o estimador de MQO agrupado com o de Efeitos Fixos.<br />
4 RESULTADOS: AFINAL, O QUE EXPLICA OS HOMICÍDIOS<br />
DE BRASILEIROS COM 15 A 29 ANOS DE IDADE?<br />
Foram utilizados os métodos mais usuais de estimação com painel<br />
de dados, preponderantes também em estudos de Economia do Crime:<br />
Regressão Pooled, Efeitos Aleatórios, Efeitos Fixos, este mais largamente<br />
aplicado 21 .<br />
Com base na Tabela 7, podemos analisar o impacto de cada uma<br />
das variáveis independentes sobre as taxas de homicídios entre jovens,<br />
19 Os resultados desses testes encontram-se nos anexos.<br />
20 A hipótese nula desse teste é variabilidade igual a zero. Logo, se o<br />
p-valor indicar rejeição da hipótese nula, deve-se utilizar painel com efeitos<br />
aleatórios.<br />
21 Esses três métodos econométricos são empregados para estimações do modelo<br />
representado pela Equação 2.<br />
44 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
por 100 mil habitantes. De imediato, percebemos que a variável de<br />
urbanização se revelou com signifi cância estatística e coefi ciente positivo<br />
nos três modelos analisados. O sinal do coefi ciente relativo à<br />
estimativa de urbanização, agora, está de acordo com a expectativa<br />
teórica de que quanto maior o grau de urbanização das regiões, maior<br />
a facilidade de delinquir.<br />
Nossas evidências corroboram os resultados obtidos por Mendonça<br />
(2000) e Santos e Kassouf (2007b), através do modelo de racionalidade<br />
econômica, bem como a percepção sociológica de Paixão (1983),<br />
apontando que rápidos processos de crescimento urbano contribuem<br />
para o incremento nas taxas de criminalidade. Segundo o autor, a elevação<br />
do grau de urbanização, de forma acelerada, provoca fortes<br />
crescimentos migratórios, que culminam na concentração de grandes<br />
massas isoladas nas áreas periféricas dos centros urbanos, sob condições<br />
de extrema pobreza e desorganização social e expostas a novos<br />
comportamentos e aspirações mais elevados, inconsistentes com as<br />
alternativas institucionais de satisfação disponíveis. Assim, aludindo às<br />
teorias de desorganização social e anomia 22 , essa disjunção entre o<br />
desenvolvimento urbano e a adequação das pessoas às cidades tende<br />
a provocar formas de organização social que favorecem o surgimento<br />
de elevadas taxas de criminalidade e violência.<br />
Embora a taxa de urbanização tenha apresentado signifi cância estatística<br />
entre os resultados dos três métodos de estimação, as estimativas<br />
das demais variáveis não se mostraram robustas em todos eles. A<br />
maior parte delas só encontra resultados robustos por meio do método<br />
Pooled, o que está inteiramente de acordo com o indicado pelo teste<br />
de White. O método com Efeitos Aleatórios gera coefi cientes signifi -<br />
cativos somente para as variáveis de urbanização, como dito anteriormente,<br />
e gastos em educação.<br />
No terceiro método estimado, Efeitos Fixos, a outra variável signifi cativa<br />
é o número de famílias monoparentais, cujo coefi ciente, contudo,<br />
não mostra sinal de acordo com o esperado. Assim, confrontando-se<br />
com o que a literatura específi ca sobre o tema prevê, utilizando esse<br />
método de análise não encontramos evidências de que a instabilidade<br />
(ou desagregação) familiar explica essas mortes violentas.<br />
22 Para um maior entendimento da Teoria da Anomia, de Robert Merton, ver<br />
Cerqueira e Lobão (2004) e Viapiana (2006).<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
45
A variável de drogas ilícitas, fugindo por completo do previsível,<br />
não obteve signifi cância estatística, e seu coefi ciente estimado apresentou<br />
sinal negativo nos três tipos de modelo, a despeito da correlação<br />
positiva entre homicídios e drogas ilícitas (0,12) 23 . Essa estimativa<br />
indica que não podemos dizer, estatisticamente, que o mercado ilegal<br />
de drogas infl uencie as taxas de homicídios envolvendo adolescentes<br />
e jovens adultos, o que não é coerente com o fato estilizado<br />
do tema. Diferentemente, Santos e Kassouf (2007b), utilizando taxas<br />
de crimes letais entre todas as faixas etárias provenientes da Senasp,<br />
encontram evidências que corroboram a infl uência desse mercado<br />
sobre os homicídios 24 .<br />
Interessante notar que metade das estimativas obtidas com base no<br />
método de Regressão Pooled apresentou signifi cância estatística e os<br />
sinais esperados, confi rmando as respectivas expectativas. A variável<br />
de gastos com segurança pública, cujo coefi ciente foi novamente positivo,<br />
foi a exceção 25 . O coefi ciente estimado para a variável renda<br />
apresentou sinal de acordo com o esperado, além de uma magnitude<br />
razoavelmente elástica. Em vista disso, um aumento da renda per capita<br />
conduz a maior incentivo para o cometimento de homicídios entre<br />
a população jovem, tendo em vista a percepção, por parte dos delinquentes,<br />
da elevação do retorno esperado nessa prática de crime. Isso<br />
reforça a dedução do caráter econômico dessas infrações.<br />
Tornando a infl uência do caráter econômico sobre a criminalidade<br />
cometida por jovens ainda mais notória, a variável de desemprego<br />
obtém coefi ciente com signifi cância estatística, no primeiro método.<br />
A mesma evidência empírica obtiveram aqueles que buscaram exa-<br />
23 Ver Tabela 6.<br />
24 A despeito desse resultado, avaliamos necessário frisar a diferença em relação<br />
à escolha de variáveis dependentes entre o modelo analisado por Santos<br />
e Kassouf (2007b) e o do presente estudo. Apesar de utilizarmos a mesma metodologia,<br />
ao observar os três tipos gerais de modelos com dados em painel,<br />
a diferente seleção da variável endógena, bem como das exógenas, faz com<br />
que os resultados encontrados sejam substancialmente diferentes. Tendo isso<br />
em vista, não é de se estranhar muitos resultados opostos.<br />
25 Loureiro (2006) investigou o impacto dos gastos com segurança pública e<br />
dos gastos em assistência social sobre quatro categorias específi cas de crime:<br />
homicídio, roubo, furto e sequestro. Os gastos com segurança pública, mesmo<br />
com a endogeneidade levada em consideração, não geraram qualquer efeito<br />
de dissuasão consistente sobre o crime no Brasil.<br />
46 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
minar os determinantes da criminalidade juvenil, Fleisher (1968), Levitt<br />
(1998), Mocan e Rees (1999) e Guimarães (2009). Por razões já<br />
discutidas anteriormente, maiores níveis de desemprego vão infl uir<br />
diretamente nas taxas de homicídios de jovens.<br />
Com a realização do corte etário de 15 a 29 anos, é possível comprovar,<br />
por meio da utilização de Mínimos Quadrados agrupados, a<br />
tese de que a vulnerabilidade juvenil, no que se refere à ausência<br />
escolar, exerce infl uência sobre a ocorrência de homicídios nessa faixa<br />
etária. Com efeito, é preciso avaliar a importância da frequência<br />
escolar como efeito dissuasório de crime juvenil e, em vista disso, a<br />
implementação de políticas de incentivo a fi m de manter esses jovens<br />
dentro da escola e deixá-los afastados da ociosidade. Em concordância<br />
a essa evidência empírica, soma-se a constatação de que incrementos<br />
em gastos com educação e cultura têm impacto redutor nas<br />
taxas de homicídios desses indivíduos, obtida por meio das estimações<br />
com Regressão Pooled e com Efeitos Aleatórios. Ressalta-se, portanto,<br />
a extrema relevância da educação, em diferentes formas, para a vida<br />
dos jovens, especialmente aqueles carentes de oportunidades.<br />
Variáveis<br />
Constante<br />
Drogas ilícitas<br />
Renda<br />
Gastos em segurança<br />
Urbanização<br />
Desigualdade<br />
Ociosidade<br />
Tabela 7<br />
Estimativas dos determinantes das taxas de homicídios<br />
entre jovens de 15 a 29 anos de idade<br />
Regressão Pooled<br />
Modelos<br />
Efeitos Aleatórios Efeitos Fixos<br />
-1.5230 -893.3390 -1.3550<br />
0 0.289 0.153<br />
-0.0338 -0.0448 -0.3335<br />
0.499 0.226 0.388<br />
1.0080 0.1592 0.2539<br />
0* 0.415 0.893<br />
0.1484 0.2933 0.0069<br />
0,007* 0.337 0.802<br />
1.5670 3.1910 5.5444<br />
0.002* 0* 0*<br />
1.1250 0.1993 0.1624<br />
0.156 0.75 0.787<br />
1.7832 0.5243 0.5255<br />
0* 0.128 0.872<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
47
Pobreza<br />
Desemprego<br />
Famílias monoparentais<br />
Gastos com educação<br />
0.3294 -0.1501 -0.1136<br />
0.186 0.942 0.594<br />
0.6340 -0.0056 -0.0757<br />
0* 0.955 0.449<br />
-0.0224 0.1587 -0.4660<br />
0.588 0.832 0.008*<br />
-0.2569 -0.1519 -0.0814<br />
0* 0.003* 0.42<br />
Juventude masculina<br />
0.1985<br />
0.792<br />
1.3860<br />
0.222<br />
1.4251<br />
0.429<br />
N° de observações 128 128 128<br />
R2 0.6354 0.2363 0.3348<br />
Notas: Todas as variáveis estão em logaritmos naturais;<br />
Valores p são apresentados abaixo dos respectivos coefi cientes;<br />
Para os modelos de Efeitos Aleatórios e Efeitos Fixos é reportado o R2 "within groups".<br />
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados das regressões em Stata.<br />
Apesar de aparentemente existir um consenso no tocante à relação<br />
entre desigualdade e crime, não encontramos evidências de que ela<br />
seja propulsora desta atividade, senão por meio da estimação do modelo<br />
alternativo, no qual excluímos a variável de renda per capita 26 .<br />
26 Testamos, em alternativa, outra especifi cação do modelo, em que excluímos<br />
a variável renda per capita, devido à sua forte correlação com as<br />
demais variáveis, principalmente com a variável de pobreza (-0,88). Seguindo<br />
essa especifi cação, a variável de desigualdade de renda passa a deter<br />
signifi cância ao nível de 5%, e seu coefi ciente aumenta para 2, sugerindo<br />
um forte impacto do grau da “frustração” do consumo sobre esse tipo de<br />
crime. Mais uma vez, é válido observar a conexão da teoria econômica com<br />
a sociológica, especifi camente a que trata da anomia. Ao passo que estudos<br />
internacionais divergem quanto à signifi cância da distribuição de renda,<br />
nesse modelo específi co (retirando-se a variável de renda per capita), dialogamos<br />
com os demais estudos nacionais que revelam bastante consistência<br />
nos resultados com impacto positivo da desigualdade sobre os homicídios<br />
medidos pelos registros de óbitos, tais como Mendonça (2000) e Cerqueira<br />
e Lobão (2003).<br />
Outro resultado encontrado, com essa especifi cação alternativa, foi uma signifi<br />
cância estatística maior nas variáveis relativas à pobreza, através de todos os<br />
métodos de estimação. No entanto, os coefi cientes das demais variáveis continuam<br />
com signifi cância estatística e sinais similares aos dos modelos gerais.<br />
48 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
Existem, portanto, alguns aspectos que merecem ser considerados<br />
detalhadamente. Pode-se argumentar que não é a desigualdade de<br />
renda per se que afeta a criminalidade, mas sim outras características<br />
a ela associadas. Araújo Jr. e Fajnzylber (2001) sugerem ser possível<br />
que o relevante não seja o nível ou a estrutura da desigualdade, mas<br />
sim o padrão de mobilidade social, no sentido de que, se for muito<br />
difícil uma ascensão social via mercado de trabalho formal, esta será<br />
buscada por meio de atividades ilícitas.<br />
Analisando os resultados obtidos pelas estimações da Equação 2,<br />
o modelo da criminalidade, concernente a homicídios de jovens,<br />
parece ser bem explicado pela Teoria Econômica, uma vez que é<br />
latente a preponderância de variáveis substancialmente econômicas,<br />
como desemprego e gastos públicos em educação e segurança pública,<br />
como infl uentes desse tipo crime. Nesse modelo, bem como<br />
as variáveis estritamente econômicas, a vulnerabilidade juvenil, representada<br />
pela ausência escolar, impacta de forma signifi cativa na<br />
criminalidade juvenil.<br />
De posse dessas evidências empíricas, faz-se primordial discutir<br />
como a sociedade civil e o Estado podem, e devem, contribuir para<br />
o estabelecimento da paz e para a geração de oportunidades futuras<br />
para crianças, jovens e brasileiros como um todo, que parecem estar<br />
fadados à violência e, muitas vezes, à vida breve.<br />
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
No Brasil, a insufi ciência e, frequentemente, a baixa qualidade das<br />
informações disponíveis sobre criminalidade difi cultam sobremaneira<br />
a elaboração de diagnósticos e investigação dos seus determinantes<br />
e consequências. Ademais, a maioria das pesquisas que investigam<br />
o tema no país refere-se às vítimas e não aos infratores, o que muito<br />
limita a análise do comportamento do criminoso. A vasta maioria dos<br />
estudos tem utilizado as taxas de homicídios por 100 mil habitantes<br />
obtida no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) como proxy<br />
para as tendências da criminalidade.<br />
Recentemente, a Secretaria Nacional de Segurança Pública implantou<br />
um sistema de informações que permite que outros tipos de crimes<br />
também sejam utilizados para mensurar a criminalidade. No entanto,<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
49
o período de tempo para o qual essas informações encontram-se disponíveis<br />
é bem curto – 2001 a 2005 –, além de estas se encontrarem<br />
agregadas ao nível de estado. Apesar de toda a limitação de dados,<br />
empenhamos esforços em trabalhar com dados nacionais, ora com<br />
dados do SIM, ora com dados da Senasp.<br />
Embora as estatísticas criminais mostrem que a maioria das vítimas e<br />
dos infratores de homicídios é jovem e do sexo masculino, em geral,<br />
os principais estudos na área têm negligenciado o enfoque do grupo<br />
de risco. Nesse sentido, uma de nossas contribuições foi examinar as<br />
taxas de criminalidade sob um corte etário e com certo controle de<br />
suas vulnerabilidades.<br />
Neste trabalho investigamos os possíveis determinantes das taxas<br />
de criminalidade, relacionadas aos homicídios entre jovens, nos estados<br />
brasileiros entre os anos de 2001 e 2005. Utilizando a metodologia<br />
de dados em painel, a exemplo de estudos nacionais e<br />
internacionais que também procuraram analisar os determinantes<br />
socioeconômicos do crime, observamos que existe signifi cativa infl<br />
uência da urbanização, pobreza, educação e desemprego sobre o<br />
comportamento do criminoso.<br />
Malgrado seja pouco recomendável fazer conclusões categóricas em<br />
estudos empíricos no âmbito das Ciências <strong>Sociais</strong>, com as quais dialogamos<br />
durante todo o andamento do presente estudo, as evidências<br />
aqui obtidas nos permitem tecer algumas considerações importantes<br />
que passamos a descrever. A primeira consideração a ser feita é a de<br />
que a teoria econômica pode ser extremamente útil para a investigação<br />
das causas da criminalidade e, por consequência, na busca de<br />
suas soluções.<br />
Com base nos resultados obtidos, foi possível observar que a urbanização<br />
afeta a criminalidade, robusta e positivamente. Esse resultado<br />
segue os encontrados na literatura, já que a quase totalidade dos trabalhos<br />
empíricos e teóricos dá ênfase à urbanização como um fator<br />
preponderante na explicação do crime.<br />
É muito importante observar como características sociais e econômicas<br />
mostram-se propulsoras das taxas de homicídio juvenil, explicitando<br />
a infl uência da motivação econômica sobre esses tipos de crime.<br />
A evidência encontrada mostra que a juventude parece responder<br />
racionalmente a incentivos, comparando seus custos e benefícios, tal<br />
50 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
como prediz a teoria de Gary Becker (1968). As características socioeconômicas<br />
do indivíduo, como a ausência à escola, a renda e o<br />
desemprego, confi rmaram a literatura pertinente, indicando que essas<br />
variáveis infl uenciam os níveis de criminalidade. Os gastos com<br />
educação e cultura também se mostraram importantes determinantes<br />
para esse tipo de crime. Curiosamente, e fugindo do consenso sociológico,<br />
o mercado de drogas ilícitas parece não ter impacto sobre as<br />
taxas de homicídios, sendo, portanto, recomendável a continuidade<br />
desse exercício em trabalhos futuros.<br />
Uma conclusão que podemos extrair das evidências empíricas diz<br />
respeito ao impacto da educação sobre a criminalidade, seja ela relacionada<br />
aos gastos sociais nessa área, seja relacionada à frequência escolar.<br />
Esse resultado converge de certa forma com a literatura empírica,<br />
que se apoia na ideia de que quanto maior for o nível educacional<br />
do indivíduo, maiores serão as chances de reduzir as desigualdades<br />
sociais e de não reproduzir o ciclo da pobreza e carência de oportunidades,<br />
reduzindo, por consequência, a incidência de crimes. Contudo,<br />
é importante sublinhar que a relevância não está propriamente<br />
no montante investido nessa área pelo governo, mas sim no foco dos<br />
programas educacionais. Esses programas devem estar focalizados nas<br />
camadas mais propensas ao crime – crianças e jovens – com o apoio<br />
escolar e a promoção de esportes e atividades culturais como formas<br />
de reduzir a ociosidade, mantendo os alunos na escola e melhorando<br />
os indicadores de desempenho escolar. Dessa maneira, é possível que<br />
os gastos com educação sejam até mais efi cazes para reduzir os níveis<br />
de criminalidade do que medidas repressivas no curto prazo.<br />
Com relação aos gastos com segurança pública, os resultados obtidos<br />
indicam que estes não se encontram diretamente correlacionados<br />
ao crime. Fora do esperado, essa variável não exerceu efeito negativo<br />
sobre a variável dependente, apesar de apresentar signifi cância estatística<br />
em certo momento. Com esse resultado, portanto, não é possível<br />
dizer que ações ou políticas de repressão e detenção desempenham<br />
infl uência dissuasória sobre a criminalidade. Esses resultados, porém,<br />
não se apresentam defi nitivos. Estimativas sobre o efeito dos gastos<br />
públicos em segurança devem continuar sendo realizadas, de forma<br />
a observar se essas despesas estão sendo efi cientes e, caso exista tal<br />
inefi ciência, tentar localizar a razão do problema e buscar possíveis<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
51
soluções. Uma interpretação alternativa sobre essa evidência, todavia,<br />
é que um maior dispêndio em segurança pública aumenta o conhecimento<br />
de homicídios, levando à maior notifi cação de ocorrências<br />
criminais. Existe, portanto, uma causalidade entre essas variáveis que<br />
deve ser investigada com mais profundidade.<br />
Apesar de a maioria das estimativas ter sido signifi cativa (por meio<br />
do método MQO agrupado), confi rmando, em grande medida, o predito<br />
pela Teoria Econômica do Crime, os resultados aqui obtidos devem<br />
ser encarados com cautela, em virtude da curta série de dados<br />
sobre a criminalidade disponível para os estados brasileiros. Não há<br />
motivos, entretanto, para se rejeitar a hipótese de que problemas no<br />
ambiente socioeconômico possuem efeitos signifi cativos sobre o crime.<br />
Baseando-se nos resultados empíricos aqui obtidos, a urbanização,<br />
a educação, o desemprego e a falta de melhores oportunidades<br />
para os jovens colocam-se como questões centrais a serem resolvidas,<br />
no sentido de combater esse problema que afl ige os estados brasileiros<br />
como um todo.<br />
Como vemos, a criminalidade, um fenômeno eminentemente masculino<br />
e juvenil, está diretamente ligada à consecução de políticas governamentais,<br />
principalmente no que se refere à geração de emprego,<br />
educação, segurança pública e ao combate da desigualdade. De fato,<br />
na última década e meia o país vem melhorando de forma substancial<br />
vários desses indicadores. O grau de desigualdade na distribuição de<br />
renda declinou e hoje é o mais baixo dos últimos trinta anos; o grau de<br />
pobreza também vem declinando de forma acelerada; o mesmo também<br />
se pode dizer com relação aos principais indicadores de saúde e<br />
educação, principalmente para a população mais jovem. Em suma, é<br />
inegável que o país vem melhorando os indicadores socioeconômicos<br />
de forma acelerada e contínua, mas esforços devem ser empreendidos<br />
para que essa trajetória permaneça, isto é, é preciso garantir a continuidade<br />
desse processo de melhoria desses indicadores.<br />
Além disso, é válido sublinhar o esforço do governo federal em associar<br />
medidas preventivas em educação e cultura com investimentos<br />
em segurança através do Programa Nacional de Segurança Pública<br />
com Cidadania (Pronasci), o que nos leva a ponderar que as políticas<br />
de combate ao problema vêm sendo, aparentemente, bem conduzidas<br />
e focalizadas nos grupos vulneráveis.<br />
52 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
Considera-se por meio desse estudo, portanto, a importância de melhores<br />
condições sociais e econômicas para a efetiva redução de níveis<br />
de criminalidade nos estados brasileiros. Ademais, com melhores fontes<br />
de informação, a fi m de se reconhecer precisamente o problema,<br />
políticas públicas mais direcionadas e efi cientes, e estudos e ações de<br />
prevenção, reduzirão a incidência de crimes. Em suma, medidas tanto<br />
governamentais quanto de iniciativa privada que gerem empregos e<br />
melhores oportunidades socioeconômicas, contribuindo para dissuasão<br />
da principal motivação da juventude para ação criminosa, de caráter<br />
econômico, fazem-se prioritárias e urgentes, não só para a redução das<br />
ocorrências criminais em si, mas também para o crescimento econômico<br />
do país e aumento do bem-estar social da população.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
53
ANEXOS<br />
1 TESTE DE WHITE<br />
Ho: Resíduos homocedásticos<br />
chi2(1) = 0.50<br />
Prob > chi2 = 0.4799<br />
2 TESTE DE MULTIPLICADOR DE LAGRANGE BREUSCH-PAGAN<br />
Modelo<br />
homic[unidade,t] = Xb + u[unidade] + e[unidade,t]<br />
Var sd = sqrt(Var)<br />
homic .2674495 .5171552<br />
r .0176739 .1329431<br />
u .0828348 .2878103<br />
Ho: Efeitos Fixos. Var(u) = 0<br />
chi2(1) = 65.29<br />
Prob > chi2 = 0.0000<br />
54 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
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56 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010
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http://www.ipea.gov.br/<br />
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MINISTÉRIO<br />
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DA JUSTIÇA. Secretaria Nacional de Segurança Pública<br />
http://www.mj.gov.br/SENASP/<br />
MINISTÉRIO DA SAÚDE. DATASUS. Indicadores e Dados Básicos<br />
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SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 10-57 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
57
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL<br />
CRÍTICA E O CONCEITO<br />
DE SOCIEDADE CIVIL<br />
EM GRAMSCI<br />
ESTRATÉGIAS PARA O ENFRENTAMENTO<br />
DA CRISE SOCIOAMBIENTAL<br />
Maria Jacqueline Girão Soares de Lima<br />
58 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
Neste artigo, apresento as principais tendências teórico-metodológicas do campo<br />
da Educação Ambiental, bem como as matrizes teóricas associadas à ideia<br />
de sociedade civil, relacionando ambas à compreensão e ao enfrentamento da<br />
crise socioambiental. Assumo minha opção política pela Educação Ambiental<br />
crítica e pela matriz gramsciana de sociedade civil e discuto o potencial que<br />
ambas apresentam para o enfrentamento da questão socioambiental e seus<br />
desdobramentos no que se refere à Educação Ambiental. Ilustro minha discussão<br />
com reportagens sobre meio ambiente provenientes de fragmentos de<br />
artigos e textos jornalísticos de “suplementos ambientais” dos dois principais<br />
jornais cariocas, buscando identifi car a perspectiva com a qual seus autores<br />
trabalham ao se referirem à ideia de sociedade civil, bem como a(s) vertente(s)<br />
teórico-metodológica(s) da Educação Ambiental à qual se fi liam. Concluo destacando<br />
a necessidade de explicitação tanto do que se entende por sociedade<br />
civil quanto por Educação Ambiental, no que tange à compreensão, ao enfrentamento<br />
e à busca de soluções para a complexa, urgente e inadiável crise<br />
socioambiental.<br />
Palavras-chave: educação ambiental crítica; sociedade civil; crise socioambiental<br />
In this article, I present the main theoretical tendencies of Environmental Education<br />
Field, as well as the theoretical tendencies associated to the idea of civil<br />
society in relation to the facing of the social environmental crisis. I assume my<br />
political option for the critical Environmental Education and for the Gramsci<br />
idea of civil society, by discussing the potential that both perspectives have to<br />
solve environmental problems and its implications to Environmental Education.<br />
I light up my discussion with environmental reports that came from environmental<br />
sections from the two main newspapers of Rio de Janeiro, and I try to<br />
identify, in these journalistic essays, the theoretical perspective of civil society<br />
and Environmental Education brought by its authors. I conclude by highlighting<br />
the necessity of setting out the conception of civil society and Environmental<br />
Education used for the understanding, facing and searching of solutions to the<br />
complex, urgent and non postponing environmental crises.<br />
Key words: critical environmental education; civil society; environmental crisis<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
59
INTRODUZINDO A PROBLEMÁTICA<br />
O cenário histórico-social atual parece ser caracterizado pelo movimento<br />
de um ambientalismo pró-ativo e outro, reativo. Enquanto o<br />
primeiro chega a estruturar ações junto ao Estado com vistas à redistribuição<br />
das condições de vida e justiça ambiental, o outro tende a<br />
buscar consequências imediatas não considerando as causas políticoeconômicas<br />
das distorções no que se refere ao uso ético dos recursos<br />
do meio ambiente (ARAÚJO, 2005, p. 195).<br />
O debate sobre as questões socioambientais da atualidade ocupa<br />
praticamente todos os fóruns públicos e privados de discussão no<br />
Brasil e no mundo. Em grande parte atrelado ao fenômeno mundial<br />
da globalização 1 , esse debate comporta uma ampla variedade de temas,<br />
dentre os mais comuns: mudanças climáticas, consumo, desigualdades<br />
sociais, água, energia(s), mercado de créditos de carbono<br />
etc. Entre perplexos e assustados, temos assistido a furacões 2 , terremotos,<br />
secas, enchentes e degelos atingirem populações humanas em<br />
escala mundial. Apesar de se tratar de fenômenos naturais, inúmeras<br />
pesquisas alertam que sua frequência e/ou intensidade podem estar<br />
relacionadas à degradação ambiental; contudo, até o início dos anos<br />
1 De acordo com Houaiss, Villar e Franco (2001), globalização, do ponto de<br />
vista sociológico, é um “processo pelo qual a vida social e cultural nos diversos<br />
países do mundo é cada vez mais afetada por infl uências internacionais em<br />
razão de injunções políticas e econômicas”; em termos de economia política,<br />
traduz-se por um “intercâmbio econômico e cultural entre diversos países,<br />
devido à informatização, ao desenvolvimento dos meios de comunicação e<br />
transporte, à ação neocolonialista de empresas transnacionais e à pressão política<br />
no sentido da abdicação de medidas protecionistas”; uma “espécie de<br />
mercado fi nanceiro mundial criado a partir da união dos mercados de diferentes<br />
países e da quebra das fronteiras entre os mercados” ou, ainda, a “integração<br />
cada vez maior das empresas transnacionais, num contexto mundial<br />
de livre-comércio e de diminuição da presença do Estado, em que empresas<br />
podem operar simultaneamente em muitos países diferentes e explorar em<br />
vantagem própria as variações nas condições locais”.<br />
2 Como o Katrina, que causou aproximadamente mil mortes diretas e gerou<br />
prejuízos de dois bilhões de dólares quando de sua passagem no ano de 2005,<br />
sendo um dos furacões mais destrutivos a atingir os Estados Unidos.<br />
60 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
2000 houve pouca sensibilidade, por parte dos que detêm o poder,<br />
aos alertas de cientistas, ambientalistas e educadores para esse grave<br />
e, possivelmente, irreversível quadro.<br />
Até mesmo o Fórum Econômico Mundial (FEM), realizado anualmente<br />
em Davos, na Suíça 3 , e que reúne alguns dos “principais líderes<br />
empresariais e políticos, ONGs, líderes religiosos, intelectuais e jornalistas<br />
selecionados para discutir as questões mais urgentes enfrentadas<br />
mundialmente, incluindo saúde e meio ambiente” 4 , destinou, em<br />
2007, um espaço jamais visto à discussão sobre o aquecimento global<br />
– outrora assunto de “verdes” – e suas consequências, sinalizando que<br />
tais problemas foram defi nitivamente acrescentados à esfera socioeconômica<br />
mundial.<br />
A indústria cultural e midiática também refl ete o destaque atualmente<br />
dado à crise ambiental: nunca houve tantos fi lmes, documentários,<br />
artigos em jornais, revistas e livros que, não raro, cobrem-na<br />
com os tons cinzentos de um apocalipse anunciado, a nos levar a<br />
passos largos para o fi m do mundo 5 . Por tudo isso, podemos afi rmar,<br />
com pouca margem de erro, que um fator determinante para que a<br />
problemática ambiental ocupe as primeiras páginas dos jornais e das<br />
agendas políticas e culturais mundiais é o impacto socioeconômico<br />
que tal degradação já está causando.<br />
3 Neste ano de 2010, o FEM reuniu 2.500 participantes de 96 países. Destes,<br />
mais de 50% eram do setor de negócios – composto principalmente de membros<br />
do Fórum e de mil companhias ao redor do mundo, de vários setores<br />
econômicos. Também participaram representantes das 25 maiores economias<br />
do mundo e de países emergentes, incluindo chefes de Estado e de governo,<br />
ministros de Finanças e Economia, chanceleres, governadores e prefeitos.<br />
Representantes de ONGs, acadêmicos, sindicalistas, líderes de comunidades<br />
religiosas e de empresas de mídia. Em 2008, o primeiro-ministro do Japão,<br />
Yasuo Fukuda, anunciou um fundo de US$ 10 bilhões para ajudar países em<br />
desenvolvimento a combater o aquecimento global. (http://colunistas.ig.com.<br />
br/nizanguanaes/forum/)<br />
4 Ver mais informações em: http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%B3rum_<br />
Econ%C3%B4mico_Mundial#A_Organiza.C3.A7.C3.A3o),<br />
5 Um dos exemplos mais emblemáticos é o documentário de Al Gore (excandidato<br />
à presidência dos EUA): Uma verdade inconveniente. Antes deste,<br />
foi realizado o fi lme O dia depois de amanhã, sobre as consequências do<br />
aquecimento global.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
61
Na tentativa de minimizar as consequências desses problemas,<br />
alguns países, estados e municípios vêm, isoladamente, adotando<br />
medidas “em prol do meio ambiente”; contudo, é necessário atentar<br />
para o fato de que a questão ambiental não reúne cidadãos e<br />
cidadãs em torno de um objetivo comum: ao contrário, as soluções<br />
apresentadas podem apontar para direções diferentes, até mesmo<br />
opostas. Seria ingênuo acreditar que as medidas sugeridas poderiam<br />
contemplar, indistintamente, todos os países e, dentro destes, todos<br />
os setores da sociedade.<br />
Diversos são os enfoques dados à questão e a cada um de seus<br />
temas, dependendo da perspectiva social, política e epistemológica<br />
a partir da qual a análise se realiza. Por sua vez, essas fi liações dão<br />
diferentes contornos à complexa problemática enfrentada pelas sociedades<br />
atuais, trazendo novos problemas de pesquisa e levantando<br />
importantes questionamentos a respeito do modelo capitalista de sociedade,<br />
baseado na degradação, apropriação e mercantilização da<br />
natureza e da(s) cultura(s). Há um predomínio de propostas de enfrentamento<br />
dentro da perspectiva do “capitalismo verde” (que, em<br />
termos educativos, políticos e epistemológicos, pode ser associado a<br />
uma linha conservadora da Educação Ambiental). Essa concepção, de<br />
cunho eminentemente economicista, busca postergar, com medidas<br />
de combate ao desperdício, o esgotamento dos recursos (ACSELRAD,<br />
2004, p. 7), entretanto, não aborda, ou apenas tangencia, o problema<br />
das desigualdades sociais, que, em termos ambientais propriamente<br />
ditos, se traduzem no acesso desigual a água, saneamento, habitação<br />
em condições de segurança, áreas de lazer e tantos outros fatores associados<br />
à tão propalada “qualidade de vida”.<br />
Os fracos resultados da Conferência sobre Mudanças Climáticas<br />
das Nações Unidas (COP 15, realizada em dezembro de 2009, em<br />
Copenhague, Dinamarca), em termos de mudanças efetivas – ainda<br />
que numa perspectiva conservacionista – nas agendas dos grandes<br />
emissores de carbono, demonstram o incipiente enfrentamento da<br />
problemática ambiental em nível global: de acordo com a reportagem<br />
de Ricardo Muniz, em 19/12/09 (recolhida no site globo.com):<br />
Era para os países assinarem cortes de gases estufa segundo as recomendações<br />
científi cas do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre<br />
62 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
Mudança Climática, explicadas em detalhes ao mundo em 2007. Mas<br />
o fruto de dois anos de preparativos e duas semanas de conferência<br />
foi um texto com duas páginas e meia (nem isso). Não tem as metas.<br />
Vem com algumas cifras, mas sem explicar como o dinheiro será captado<br />
e administrado 6 .<br />
No contexto político e educacional brasileiro, a perspectiva é<br />
semelhante: a Lei nº 9.795 de 27.04.99 (BRASIL, 1999), que estabelece<br />
a Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea 7 ) e os<br />
Parâmetros Curriculares Nacionais, com seu tema transversal “Meio<br />
Ambiente” (BRASIL, 1998), reconhece o caráter social da crise<br />
ambiental, mas suas perspectivas teóricas e pedagógicas giram em<br />
torno de ajustes no modelo vigente (TOMAZELLO, 2001, e LOU-<br />
REIRO; LIMA, 2006), sem discutir a necessidade da mudança no<br />
modelo de sociedade.<br />
Neste cenário de urgência e gravidade, a Educação Ambiental (EA)<br />
vem despertando o interesse dos mais diversos setores da sociedade,<br />
visando à “conscientização” da população sobre problemas como o<br />
consumo/consumismo/lixo, a produção de energia, o desmatamento,<br />
emissões de carbono para a atmosfera etc. Porém, a problemática até<br />
aqui apresentada revela a necessidade de uma tomada de posição<br />
em relação às perspectivas sociopolíticas e epistemológicas a serem<br />
assumidas nos contextos de produção de conhecimentos e políticas de<br />
EA. Evidentemente, diferentes referenciais podem levar a diferentes<br />
concepções de crise socioambiental.<br />
Um mapeamento inicial das pesquisas no campo da Educação Ambiental<br />
mostra que estas têm se associado a perspectivas conservacionistas,<br />
críticas, pós-críticas, ecossocialistas, hermenêuticas, fenomenológicas,<br />
pós-modernas e outras. Existem ainda perspectivas que, por não se<br />
encaixarem em uma única vertente epistemológica, podem ser consideradas<br />
“híbridas”. Entretanto, podemos distinguir diferenças sufi cientemente<br />
grandes para não colocar toda a produção teórica do campo em<br />
uma única matriz: cada uma delas tem orientações e princípios próprios<br />
6 A esse respeito, recomendo a análise de Washington Novaes em: http://<br />
www.tvcultura.com.br/cop15/.<br />
7 A Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea) foi regulamentada pelo<br />
Decreto nº 4.281, de 25.06.2002.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
63
que, se não devem aprisionar pesquisadores e professores, também não<br />
podem ser ignorados. De acordo com Loureiro (2006b, p. 48):<br />
A Educação Ambiental não é uma perspectiva educacional homogênea,<br />
mas sim uma teia complexa de posicionamentos políticos,<br />
pedagógicos e ideológicos sobre a relação sociedade-agentes sociaisnatureza<br />
(ou melhor, a respeito das relações sociais na natureza),<br />
sendo conformada em seu realizar, preponderantemente, pelos movimentos<br />
sociais, sistema educacional e sistema ambiental que constituem<br />
o Estado.<br />
Em tese de doutorado sobre o campo da Educação Ambiental, Lima<br />
(2005) procurou compreender a dinâmica de sua constituição através<br />
da elucidação de questões como: o surgimento e institucionalização<br />
material e simbólica do campo; diferenças internas; concepções pedagógicas,<br />
políticas, éticas, epistemológicas e culturais; características<br />
e identidades de seus sujeitos sociais; formação histórica dos discursos<br />
hegemônicos no campo; fatores históricos, políticos e culturais que<br />
permitiram que as tendências hegemônicas, em determinado momento,<br />
atingissem essa condição de predominância; e a relação com<br />
outros campos correlatos e principais desafi os colocados à expansão e<br />
consolidação do campo (p. 11).<br />
O caráter político, diversifi cado e confl itivo da Educação Ambiental<br />
permite que a compreendamos como um campo social, composto por<br />
atores, grupos e instituições que compartilham um núcleo de valores,<br />
normas e características comuns, mas que se diferenciam entre si por<br />
suas concepções sobre a crise socioambiental e as relações sociedade-natureza<br />
e pelas propostas político-pedagógicas que defendem<br />
para intervir naquilo que se apresenta socialmente como “problemas<br />
ambientais” (LIMA, 2005). Essas concepções ambientais e pedagógicas,<br />
por sua vez, se fundamentam em interesses e posições políticas<br />
que oscilam entre tendências de conservação e de transformação das<br />
relações sociais estabelecidas na construção do ambiente – aqui entendido<br />
como síntese espaçotemporal do modo como interagimos e<br />
produzimos na natureza, sendo concretizado à medida que os agentes<br />
sociais criam seus meios de vida e defi nem sentidos de pertencimento<br />
e identidade (PORTO-GONÇALVES, 1996 e 2000). Esses diferentes<br />
64 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
grupos disputam a hegemonia do campo da EA e a possibilidade de<br />
orientá-lo de acordo com sua interpretação e seus interesses.<br />
O amálgama dos campos da educação e do meio ambiente já revela<br />
o caráter híbrido 8 da EA, tanto em relação aos seus princípios quanto<br />
aos diferentes espaços de criação e veiculação de conhecimentos e<br />
práticas: universidades, secretarias de educação, escolas, empresas,<br />
organizações não governamentais, unidades de conservação, museus<br />
etc. Tal hibridismo tem origem na própria história do campo: a Educação<br />
Ambiental nasceu no seio do movimento ambientalista que,<br />
conforme Loureiro (2003), se iniciou como movimento histórico nos<br />
anos 1960, a partir dos movimentos pacifi stas, antinucleares e da contracultura,<br />
em resposta ao establishment político e a um estilo de vida<br />
baseado no consumismo. A reestruturação dos movimentos sociais e<br />
o avanço do conservacionismo e das propostas de ecologia política<br />
colocaram em discussão as formas de apropriação material e simbólica<br />
da natureza no âmbito do modo de produção capitalista e suas implicações<br />
estruturais.<br />
Zhouri (2007) chama a atenção para o caráter confl ituoso do que se<br />
convencionou chamar de “questão ambiental”. Ela se baseia no entendimento<br />
de que a referida questão não é objetiva nem universal, pois:<br />
As relações de poder entre os sujeitos sociais que conjugam determinados<br />
signifi cados de meio ambiente consolidam certos sentidos,<br />
noções e categorias que passam a vigorar como as mais legítimas e<br />
passíveis de sustentar as ações sociais e políticas. Em consequência,<br />
produzem um efeito silenciador e, portanto, excluem outras visões e<br />
perspectivas concorrenciais (p. 2).<br />
Segundo a autora, até o início dos anos 1980 prevalecia a imagem<br />
do sujeito ecológico como um agente político transgressor, mas, a partir<br />
dos anos 1990, consagrou-se a imagem do ambientalista como “especialista<br />
técnico, conhecedor e gestor dos recursos naturais” (p. 3).<br />
Assim, a visão tecnicista do ambiente (na qual o ambiente é tido como<br />
realidade objetiva e passível de intervenção técnica) substituiu o mo-<br />
8 Aqui, assumo o sentido fi gurado do termo, tal como se apresenta no dicionário<br />
Houaiss da Língua Portuguesa (2001): “que ou o que é composto de<br />
elementos diferentes, heteróclitos, disparatados”.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
65
vimento da ecologia política, retirando a transformação da sociedade<br />
do horizonte dos atores sociais do campo ambiental e dos demais<br />
campos. Zhouri (idem) chama essa nova perspectiva de paradigma da<br />
adequação ambiental, que orienta as ações de ambientalistas e empresários,<br />
bem como as políticas públicas. Nesse paradigma, os confl itos<br />
em torno da democratização dos direitos (recursos naturais, território,<br />
espaço, serviços urbanos e outros) são tratados como “divergências<br />
entre interesses distintos” (p. 3).<br />
A autora segue afi rmando que o paradigma da adequação ambiental<br />
opera “um deslocamento do debate da esfera da política (a luta por<br />
direitos) para a esfera da economia, em que há somente interesses;<br />
estes, passíveis de negociação” (p. 3). Por outro lado, o retraimento do<br />
Estado, verifi cado na década de 1990, a partir de uma modernização<br />
conservadora, transfere atribuições próprias do Estado à chamada “sociedade<br />
civil”, a partir da emergência do “terceiro setor”, composto,<br />
basicamente, pelas ONGs. Consagra-se, nesse cenário, uma concepção<br />
supostamente consensual de “desenvolvimento sustentável” que se<br />
sobrepõe à realidade confl ituosa das relações sociais, bem como termos<br />
que outrora compunham o léxico das lutas pela democratização,<br />
tais como: parceria, participação, negociação e, sobretudo, a noção de<br />
sociedade civil (idem), alvo desta discussão. Nas palavras da autora:<br />
Os sujeitos sociais chamados à participação são aqueles que têm uma<br />
qualifi cação legitimada pelo campo: conhecimento técnico e capacidade<br />
organizativa e de ação. São excluídos da participação todos<br />
aqueles que não são “organizados” nos termos legitimados, e que não<br />
podem disputar o mercado de projetos com ONGs e fundações altamente<br />
equipadas e institucionalizadas. Por essa via, fi ca estabelecido<br />
um novo tipo de exclusão política e social.<br />
É muito comum encontrar, no discurso de educadores ambientais 9 ,<br />
os termos “sociedade civil” e/ou “sociedade civil organizada”, empre-<br />
9 Saliento que evito adotar o termo devido à grande polissemia que ele<br />
assumiu: hoje em dia, praticamente qualquer pessoa pode se considerar um<br />
“educador ambiental”. A razão de tê-lo utilizado aqui reside no fato de que<br />
inúmeros pesquisadores, professores e ambientalistas se autodenominam<br />
dessa forma.<br />
66 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
gados, principalmente, por representantes de ONGs ambientalistas,<br />
setores do empresariado, professores e pesquisadores. Porém, uma refl<br />
exão sobre os atores da “sociedade civil” envolvidos, direta e indiretamente,<br />
nas disputas relacionadas à hegemonia de concepções sobre<br />
a problemática socioambiental (e, também, à distribuição de verbas e<br />
cargos nos órgãos públicos e privados de EA) levanta um questionamento<br />
digno de nota: o que, afi nal, cabe nesse imenso guarda-chuva<br />
a que costumamos chamar de sociedade civil?<br />
De acordo com Meschkat (1999), é quase impossível, hoje em dia,<br />
ouvir-se um discurso sobre problemas políticos, seja em uma conferência<br />
de um cientista erudito, seja na apresentação de uma ONG,<br />
sem que se mencione, várias vezes, a expressão sociedade civil – não<br />
importando se essa ONG, que reclama sua contribuição para a sociedade<br />
civil, depende totalmente de dinheiro estatal. Chama a atenção,<br />
também, que entidades com orientações políticas tão diferentes quanto<br />
o Banco Mundial e líderes cubanos utilizem igualmente o termo em<br />
suas publicações e discursos. O autor revela seu estranhamento diante<br />
do fato de que vozes de posições políticas diametralmente opostas<br />
possam empregar a mesma expressão sempre em um sentido positivo,<br />
e lembra que, em diversos contextos (como a resistência de indivíduos<br />
e grupos ao monopólio do poder na União Soviética e durante o período<br />
das ditaduras latino-americanas), o conceito de sociedade civil<br />
foi forjado na luta política.<br />
Por acreditar que a discussão sobre a problemática socioambiental<br />
está fortemente relacionada à concepção de Educação Ambiental e<br />
de sociedade civil, a partir das quais se olha para a questão, apresento,<br />
neste ensaio, as principais tendências teórico-metodológicas do<br />
campo da EA, bem como as matrizes teóricas relacionadas à ideia de<br />
sociedade civil. Assumo minha opção política pela EA crítica e pela<br />
matriz gramsciana de sociedade civil e discuto o potencial que ambas<br />
apresentam para o enfrentamento da questão socioambiental e seus<br />
desdobramentos no que se refere à Educação Ambiental.<br />
Ilustro minha discussão com exemplos de problemas ambientais<br />
provenientes de fragmentos de artigos e textos jornalísticos de “suplementos<br />
ambientais” dos dois principais jornais cariocas, buscando<br />
identifi car a perspectiva com a qual seus autores trabalham ao se referirem<br />
à ideia de sociedade civil, bem como as vertentes teórico-<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
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metodológicas da Educação Ambiental às quais se fi liam. Concluo<br />
destacando a necessidade de explicitação tanto do que se entende<br />
por sociedade civil quanto por Educação Ambiental, no que tange<br />
ao enfrentamento e à busca de soluções para a complexa, urgente e<br />
inadiável crise socioambiental.<br />
O CONCEITO DE SOCIEDADE CIVIL: MATRIZES<br />
TEÓRICAS E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS<br />
Corre-se o risco hoje de ver “sociedade civil” transformarse<br />
num álibi para o capitalismo (WOOD, 2003, p. 205).<br />
De acordo com Pinheiro (2003), sociedade civil é, seguramente,<br />
um dos conceitos da teoria política mais usados no discurso social e<br />
político contemporâneo, podendo ser defi nido a partir de quatro matrizes<br />
teóricas, a saber: neotocquevilliana, neoliberal, habermasiana<br />
e gramsciana. Segundo esse autor, até o século XVIII, a preocupação<br />
de teóricos como Hobbes, Locke, Rousseau, Ferguson, Smith, Montesquieu<br />
e Hume era a de “examinar as condições sob as quais os<br />
seres humanos poderiam escapar do Estado de natureza e entrar em<br />
uma forma contratual de governo baseada na regra da lei, isto é, em<br />
uma sociedade civil” (p. 77). Nessa perspectiva, o termo sociedade<br />
civil era utilizado para marcar a diferença entre “uma comunidade<br />
política enraizada nos princípios da cidadania” (idem) e um estado de<br />
natureza imaginário. Dessa forma, o termo sociedade civil passou a ser<br />
empregado como similar a progresso, onde civilis não é mais adjetivo<br />
de civitas no sentido de pertencer ao coletivo, mas de civilitas (civilizada)<br />
(FONTES, 2006).<br />
A ideia da propriedade privada foi introduzida por Hobbes, que teria<br />
infl uenciado Rousseau a afi rmar que “o primeiro homem que, tendo<br />
cercado um pedaço de terra, (...) dizendo ‘isto é meu’ e encontrando<br />
pessoas simples o bastante para acreditar nele, foi o fundador real da<br />
sociedade civil” (COLÁS, 2002, p. 32, apud PINHEIRO, 2003). Assim:<br />
Por volta do fi nal do século XVIII, a associação da sociedade civil com<br />
a sociedade capitalista de mercado foi acompanhada pela emergência<br />
da economia política. De maneira mais específi ca, através dos escritos<br />
68 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
de Adam Ferguson, Adam Smith e Karl Marx a sociedade civil se tornou<br />
intimamente ligada à divisão do trabalho, à produção em massa<br />
das commodities e à extensão das relações de propriedade privada<br />
características do capitalismo moderno (p. 78).<br />
Outro autor relevante para a presente discussão é Hegel, para quem<br />
a sociedade civil (bürgerliche Gesellschaft) era constituída por “associações,<br />
comunidades e corporações que teriam um papel normativo<br />
e sociológico fundamental na relação entre os indivíduos e o Estado”<br />
(idem, p. 79). Hegel entendia a sociedade civil como “um espaço<br />
historicamente concreto de interação social entre indivíduos” (idem).<br />
Pinheiro identifi ca duas inovações na teoria da sociedade civil de Hegel:<br />
o reconhecimento das associações independentes como componentes<br />
fundamentais da sociedade civil, que desempenham o papel<br />
de mediadoras entre os indivíduos e o Estado, e o reconhecimento da<br />
centralidade dos indivíduos conscientes e refl exivos na construção da<br />
sociedade civil moderna (COLÁS, 2002, apud PINHEIRO, 2003).<br />
Na matriz neotocquevilliana, a propensão para a associação cívica era<br />
um fator preponderante para o funcionamento da democracia. Pinheiro<br />
(2003) afi rma que, nessa vertente, “a força e a estabilidade das democracias<br />
liberais dependem, necessariamente, de uma esfera de participação<br />
associacional ativa e pujante” (p. 85). Ele afi rma que o conceito<br />
de capital social foi bastante utilizado para entender esse fenômeno,<br />
pois se refere a “aspectos da organização social tais como redes, normas<br />
e confi ança social que facilitam a coordenação e a cooperação para o<br />
benefício mútuo” (p. 84). Nessa forma de livre associação, os cidadãos<br />
participariam de acordo com os seus interesses privados.<br />
Apesar de Alexis de Tocqueville não ter utilizado explicitamente o<br />
termo sociedade civil, sua contribuição reside na importância atribuída<br />
ao associativismo e à auto-organização, que exerceram grande<br />
infl uência no pensamento contemporâneo. Esse autor realizou um<br />
estudo acerca da democracia nos Estados Unidos, a partir do qual<br />
argumenta que a garantia das liberdades individuais se fundamentava<br />
naquilo que ele entendia por “meios democráticos”, que incluíam autogoverno<br />
local, separação entre Igreja e Estado, imprensa livre, eleições<br />
indiretas, judiciário independente e, acima de tudo, uma “vida<br />
associacional” (PINHEIRO, 2003, p. 81).<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
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A perspectiva neoliberal está vinculada à neotocquevilliana na medida<br />
em que incorpora muitos de seus elementos, mas, na primeira, a<br />
sociedade civil se mostra mais pró-establishment, “menos como uma<br />
esfera contraposta ao Estado e ao capitalismo e mais como um complemento<br />
ou mesmo um substituto para o Estado e o mercado” (idem,<br />
p. 85). Nessa matriz, as categorias estabilidade, provisão, confi ança e<br />
responsabilidade social (no sentido de solidariedade e/ou fi lantropia)<br />
predominam sobre luta e emancipação, e termos como organizações<br />
sem fi ns lucrativos e organizações não governamentais são usados para<br />
descrever seus atores. A sociedade civil torna-se, também, sinônimo<br />
de “terceiro setor”. Garrison (2000, apud PINHEIRO, 2003) afi rma<br />
que, para o Banco Mundial, “a constituição de capital social e o surgimento<br />
de uma sociedade civil forte são os ingredientes essenciais para<br />
a consecução do desenvolvimento sustentável a longo prazo” (GARRI-<br />
SON, op. cit., p. 18-19).<br />
Ainda segundo Pinheiro (2003), essa concepção se ancora em uma<br />
estratégia de descentralização e privatização dos serviços públicos, desobrigando<br />
os governos nacionais da responsabilidade pela implementação<br />
de programas sociais, que seriam assumidos por governos locais<br />
em parceria com as ONGs ou outras organizações sociais.<br />
Nota-se, assim, uma conversão do Estado como “público” e de tudo<br />
que é não estatal – mercado e sociedade civil – como “privado” e<br />
uma separação desses espaços como esferas autônomas. Todavia, tal<br />
oposição seria resolvida com o surgimento de um “novo setor”, “público,<br />
porém privado”, que passaria a absorver cada vez mais a dita<br />
questão social (p. 86).<br />
O autor entende que separação e autonomização entre Estado,<br />
mercado e sociedade civil – ou terceiro setor –, confusão entre público<br />
e privado, equiparação entre “Estado” e “governo”, identifi cação<br />
de ONG com movimento social, construção de parcerias com<br />
o Estado, complexa e heterogênea multipolarização supraclassista da<br />
nova questão social e crise fi scal do Estado são os principais pressupostos<br />
dessa matriz, que também se apoia numa suposta inefi ciência<br />
da esfera estatal e burocrática, intrinsecamente inefi ciente para gerir<br />
as questões de cunho social.<br />
70 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
A matriz habermasiana se baseia na teoria da ação comunicativa,<br />
que considerava a ênfase marxista no trabalho como força motora da<br />
evolução social, produtora de uma visão estreita das dinâmicas sociais,<br />
pois deixa de fora o que Habermas chamou de “mundo da vida” 10<br />
(PINHEIRO, 2003). “Nesse sentido, os homens não apenas transformariam<br />
o mundo externo/natural através do trabalho, mas também,<br />
geração após geração, o mundo interno/sociocultural através da interação<br />
simbólica ou da comunicação” (idem, p. 88). Assim, para Habermas,<br />
a categoria que propicia o “salto ontológico” do ser orgânico<br />
para o ser social é a linguagem, “que produz não mais valores de uso<br />
e sim consensos a partir do agir comunicativo” (idem), e a sociedade<br />
civil é autônoma quando regida por normas do mundo da vida, reproduzidas<br />
e reformuladas através da comunicação. Na visão de Pinheiro,<br />
“com a natureza comunicativa como aspecto defi nidor da sociedade<br />
civil, fi ca mais fácil ver como a economia e o Estado podem ser excluídos”<br />
(idem, p. 89).<br />
Gramsci defi niu a sociedade civil como “o conjunto de organismos<br />
designados vulgarmente como ‘privados’” (2001b, p. 20, apud<br />
FONTES, 2006), formada pelas organizações responsáveis tanto<br />
pela elaboração quanto pela difusão das ideologias: sistema escolar,<br />
igrejas, sindicatos, partidos políticos, organizações profi ssionais,<br />
a organização material da cultura etc. A intensidade das disputas<br />
travadas e dos consensos estabelecidos seria, então, proveniente da<br />
correlação de forças entre os diferentes atores da sociedade civil.<br />
Através da enumeração dos organismos privados, o conceito de sociedade<br />
civil estaria captado por uma dupla rede (GLUKSMANN,<br />
1980), pois diz respeito às condições de vida materiais (o sistema<br />
privado de produção) e também aos aparelhos ideológico-culturais<br />
da hegemonia, que, segundo Gluksmann (op. cit.), representam o<br />
aspecto educador do Estado.<br />
10 O mundo da vida é o pano de fundo de toda a interação social; é o lugar<br />
transcendental – fundante, não fundado – onde se desenvolve a intersubjetividade,<br />
constitutiva do ser social. Ele contém as interpretações acumuladas<br />
das gerações passadas e é feita de signifi cados. É transmitida, alterada e reproduzida<br />
via comunicação, sendo a linguagem e a cultura – e não o trabalho<br />
– seus aspectos basilares (CHAMBERS, 2002; ARATO; COHEN, 1994, apud<br />
PINHEIRO, 2003).<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
71
De forma análoga a Gramsci, Fontes (2006, p. 201) entende a sociedade<br />
civil como um “conjunto de aparelhos privados de hegemonia”,<br />
“um dos terrenos da luta de classes em sociedades capitalistas<br />
modernas” e “um dos espaços fundamentais da luta de classes em<br />
sociedades capitalistas sob Estados de direito, com mercados eleitorais<br />
e conquistas (e reivindicações) democratizantes”. A autora afi rma que,<br />
em Gramsci, não há oposição entre sociedade civil e Estado, como<br />
quer o liberalismo. “Ao contrário, sociedade civil é duplo espaço de<br />
luta de classes, intra e entre as classes” (p. 212).<br />
Dessa forma, o conceito de sociedade civil perde sua conotação de<br />
um espaço de lutas antiditatoriais identifi cadas com os movimentos<br />
populares, para se transformar em um conceito “mais geral e inocente”<br />
(MESCHKAT, 1999, p. 42). Esse autor entende que o desenvolvimento<br />
da economia nas últimas décadas debilitou o que foi o substrato da<br />
sociedade civil popular, ao mesmo tempo fortalecendo a sociedade<br />
civil burguesa. O emprego corrente do termo tem também uma forte<br />
tendência a fortalecer a ideologia dominante, na medida em que se<br />
entende que tudo o que não depende do Estado é um passo para<br />
a emancipação social. Assim, o termo tende a apagar as diferenças<br />
dentro da sociedade, tais como as classes sociais, os grupos de poder<br />
econômico, os monopólios e o capital transnacional, dando a impressão<br />
de que todos têm iguais direitos e oportunidades.<br />
A maior personifi cação dessa ideia de sociedade civil são as ONGs,<br />
“incorporações do espírito puro provenientes de uma esfera livre do<br />
Estado” (idem, p. 43). O conceito de sociedade civil hoje hegemônico<br />
não distingue entre ONGs que têm um real compromisso com as organizações<br />
populares daquelas que são meras fornecedoras de empregos<br />
para setores intelectualizados da classe média, não raro instrumentos<br />
diretos do grande capital. Por tudo isso, muitos estudos colocam em<br />
dúvida a utilidade do conceito de sociedade civil (idem).<br />
Para complementar essa discussão, trago parte da análise de Wood<br />
(2003), já citada na epígrafe desta seção. A autora entende que, quaisquer<br />
que sejam os métodos empregados para dissolver conceitualmente<br />
o capitalismo (que vão desde o pós-fordismo até os estudos<br />
culturais e as políticas de identidades), eles, em geral, têm em comum<br />
o conceito de sociedade civil, “essa ideia versátil que se transformou<br />
numa expressão mágica adaptável a todas as situações da esquerda,<br />
72 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
abrigando uma ampla gama de aspirações emancipatórias, bem como<br />
(...) um conjunto de desculpas para justifi car o recuo político” (p. 205).<br />
Assim, por mais construtiva que seja essa ideia no sentido de marcar<br />
o terreno das práticas sociais ou na defesa das liberdades humanas<br />
contra um Estado opressor, a sociedade civil pode vir a se transformar<br />
em um álibi para o capitalismo.<br />
Ellen Wood lembra que, para Gramsci, o conceito de sociedade civil<br />
deveria ser uma arma contra o capitalismo e não uma adaptação a ele;<br />
e, se, atualmente, o conceito tem assumido os mais diferentes matizes<br />
de acordo com os interesses daqueles que o utilizam, é em geral<br />
entendido como uma “arena de liberdade” fora do Estado e, quase<br />
sempre, em oposição a ele.<br />
Nessa defi nição, “sociedade civil” abrange uma ampla série de instituições<br />
e relações, de lares, sindicatos, associações voluntárias, hospitais<br />
e igrejas, até o mercado, empresas capitalistas, enfi m, toda a economia<br />
capitalista. As antíteses signifi cativas são o Estado e o não Estado, ou<br />
talvez o político e o social. Essa dicotomia corresponde aparentemente<br />
à oposição entre coação, corporifi cada pelo Estado, e liberdade e ação<br />
voluntária, que na prática pertencem, em princípio se não necessariamente,<br />
à sociedade civil (p. 209).<br />
A oposição entre sociedade civil e Estado tem a vantagem, para<br />
aqueles que a defendem, de reviver a preocupação liberal com a limitação<br />
e legitimação do poder político; além do mais, o conceito<br />
de sociedade civil reconhece e celebra a diferença e a diversidade,<br />
contrastando com um suposto monismo atribuído ao marxismo. Nesse<br />
contexto surgiram, em diversos países, movimentos sociais não baseados<br />
na classe, tais como o feminismo, a ecologia, a paz e outros.<br />
Para Gramsci, no entanto, a relação entre Estado e sociedade civil é<br />
dialética. Em primeiro lugar, ele não associava diretamente Estado a<br />
governo. A essa identifi cação, o autor opõe uma concepção ampliada<br />
do Estado, que pode ser defi nida pela equação Estado = sociedade<br />
política + sociedade civil (GLUCKSMANN, 1980, p. 98). Vejamos agora<br />
as possíveis relações entre este conceito e as perspectivas teóricas<br />
da Educação Ambiental.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
73
AS DIVERSAS ‘EDUCAÇÕES AMBIENTAIS’<br />
De acordo com Loureiro (2006b), “dois grandes blocos político-pedagógicos<br />
disputam hegemonia no campo das formulações teóricas,<br />
nas articulações internas às redes de educadores ambientais e na defi<br />
nição da Pnea, com vertentes internas e interfaces complexas e diferenciadas”<br />
(p. 58). O primeiro, denominado conservador ou comportamentalista,<br />
tem como características centrais: i) uma compreensão<br />
naturalista e conservacionista da crise ambiental; ii) um entendimento<br />
de Educação em sua dimensão individual, baseada em vivências; iii)<br />
a despolitização do fazer educativo-ambiental, apoiando-se em pedagogias<br />
comportamentalistas; iv) baixa problematização da realidade e<br />
pouca ou nenhuma ênfase em processos históricos; v) foco na redução<br />
do consumo de bens naturais, descolando essa discussão do modo de<br />
produção que a situa; vi) diluição da dimensão social na natural; vii)<br />
leitura das relações sociais a partir de analogias e transposição de categorias<br />
defi nidas por determinada compreensão das relações ecológicas;<br />
viii) responsabilização pela degradação posta em um ser humano<br />
genérico, descontextualizado social e politicamente (p. 59).<br />
O outro, chamado de crítico ou emancipatório, tem como características<br />
mais comuns: i) busca da realização da autonomia e liberdade<br />
humanas em sociedade, redefi nindo o modo como nos relacionamos<br />
com os entes de nossa espécie, com as demais espécies e com o planeta;<br />
ii) politização e publicização da problemática ambiental em sua<br />
complexidade; iii) convicção de que a participação social e o exercício<br />
da cidadania são práticas indissociáveis da Educação Ambiental; iv)<br />
preocupação em estimular o debate e o diálogo entre ciências e cultura<br />
popular, redefi nindo objetos de estudo e saberes; v) busca de ruptura<br />
e transformação de valores e práticas sociais contrários ao bem-estar<br />
público, à equidade e à solidariedade (LOUREIRO, op. cit.).<br />
Para Loureiro (op. cit.), o bloco emancipatório está mais ligado ao<br />
meio acadêmico, aos âmbitos da educação, dos movimentos sociais<br />
e do governo federal. Já o bloco comportamentalista alcança maior<br />
representatividade conceitual em setores empresariais e ONGs ambientalistas<br />
– particularmente as conservacionistas –, assim como<br />
entre educadores ambientais com trajetória nas ciências naturais<br />
ou exatas.<br />
74 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
Muito próximo do bloco crítico/emancipatório está o Ecossocialismo<br />
que, para Löwy (2005, p. 47), é “uma corrente de pensamento e de<br />
ação ecológica que faz suas aquisições fundamentais do marxismo –<br />
ao mesmo tempo em que o livra de suas escórias produtivistas”. Segundo<br />
o autor, no Ecossocialismo, a lógica do mercado e também a do<br />
autoritarismo burocrático, típica de alguns regimes socialistas, são incompatíveis<br />
com a preservação do meio ambiente. O Ecossocialismo<br />
seria, assim, uma tentativa de articular as ideias do socialismo marxista<br />
com a crítica ecológica (LÖWY, op. cit.).<br />
Pode-se ainda distinguir uma perspectiva da EA mais recente: a Alfabetização<br />
Ecológica 11 . Esta, ao mesmo tempo em que procura superar<br />
a dimensão conservadora e comportamentalista da Educação Ambiental,<br />
cai em outro reducionismo: o de “interpretar os processos sociais<br />
unicamente a partir de conteúdos específi cos da ecologia, biologizando<br />
o que é histórico-social” (LOUREIRO, 2007, p. 67). Loureiro alerta<br />
que uma possível consequência dessa tendência seria criar uma visão<br />
funcionalista de sociedade a partir do estabelecimento de uma relação<br />
direta entre processos sociais e processos naturais. Tal visão simplifi ca<br />
e ignora a função social da atividade educativa em uma sociedade<br />
injusta e desigual.<br />
Outras tendências se inserem em uma linha mais voltada para as<br />
questões de identidade em geral (gênero, etnia, cultura, linguagem),<br />
tais como a Hermenêutica, a Fenomenologia, o Pós-Modernismo e<br />
suas interfaces com a EA. De acordo com Junior (2006, p. 174), a<br />
hermenêutica é a característica central de uma comunidade interpretativa<br />
e é o princípio segundo o qual a realidade pode ter diferentes<br />
interpretações. Esse princípio pretende romper com a “hegemonia da<br />
racionalidade de ordem técnico-instrumental, que empurra a sociedade<br />
para uma ordem única” (JUNIOR, op. cit., p. 175). Sobre a discussão<br />
trazida por essa corrente, me apoio mais uma vez em Loureiro<br />
(2006a), que entende ser inegável a necessidade contemporânea da<br />
celebração do diverso no processo de construção de uma sociedade<br />
democrática. “Porém, para a tradição crítica, celebrar a diversidade<br />
vem no mesmo movimento de luta pela igualdade, posto que elas não<br />
são antagônicas, mas sim complementares na emancipação” (p. 67).<br />
11 Criada pelo físico e divulgador da ciência Fritjof Capra.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
75
Evidentemente, existem outras tendências teórico-epistemológicas no<br />
campo da Educação Ambiental. Afi nal, para Gramsci, a ciência é um<br />
dos aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil e, como tal,<br />
palco de disputas e de produção de ideologias.<br />
OS PROBLEMAS AMBIENTAIS, A EDUCAÇÃO<br />
AMBIENTAL E A SOCIEDADE CIVIL<br />
Como ignorar o antagonismo de classes, operando uma substituição<br />
da contradição capital/trabalho pela suposta contradição Estado/sociedade<br />
civil? (PINHEIRO, 2003, p. 97).<br />
Em matéria intitulada “Exemplo para o país” (JB Ecológico, nº 66,<br />
julho de 2007), o jornalista Luciano Lopes afi rma que o Centro Mineiro<br />
de Referência em Resíduos, que é um projeto da Secretaria de<br />
Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) do<br />
governo do estado de Minas Gerais, tem como objetivo “formar parcerias<br />
entre o poder público, a iniciativa privada e o terceiro setor para<br />
a criação e desenvolvimento de projetos que estimulem o consumo<br />
consciente, a reutilização de resíduos, a reciclagem de materiais e promovam<br />
a conscientização ecológica” (p. 21). A perspectiva de sociedade<br />
civil aqui subsumida abre caminho para a privatização dos serviços<br />
públicos, a partir do estabelecimento das parcerias público-privadas<br />
ou da transferência de dinheiro público para organizações privadas<br />
(ditas sem fi ns lucrativos), denominadas “não governamentais”.<br />
Para vencer a oposição criada entre o estado público e o não estado<br />
privado (mercado e sociedade civil), criou-se a ideia do terceiro setor,<br />
“público, porém privado”, que passaria a absorver cada vez mais<br />
a questão social. Considero que essa concepção de sociedade civil<br />
como algo fora da esfera pública – que, por sua vez, é entendida como<br />
emperrada, corrupta e inefi ciente – permeia as discussões ambientais<br />
da atualidade. No artigo de Elisa Romano, intitulado “Empresariado<br />
quer licenciamento mais rápido e efi caz” (JB Ecológico, julho de 2007,<br />
informe especial “Compromisso com o futuro”), percebe-se uma clara<br />
manifestação no sentido de que o processo de licenciamento ambiental<br />
– considerado pelos industriais como moroso, excessivamente<br />
complexo e inefi ciente – seja aberto pelo poder público “aos seto-<br />
76 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
es econômicos interessados”, para que seja incorporada a “visão do<br />
planejamento ambiental e setorial, de maneira a orientar a lógica do<br />
licenciamento ambiental” (p. 8).<br />
Na reportagem de João Sabiá sobre a transposição do rio São Francisco<br />
publicada no JB Ecológico de julho de 2007, o Frei Dom Luiz<br />
Cappio afi rma, em carta ao presidente Lula da Silva, que a degradação<br />
do cerrado se deu pela fúria do capital nacional e internacional<br />
através do agro e do hidronegócio predatórios. Além dos problemas<br />
ambientais, para Frei Luiz estão sendo criadas situações sociais de aniquilamento<br />
do próprio homem e de sua vontade de lutar pelo seu destino.<br />
Os grandes projetos (irrigação, barragem, monoculturas, carvoejamento,<br />
mineração e siderurgia) são os responsáveis pela degradação<br />
da bacia e pela pobreza, pois concentram renda e riqueza e causam<br />
desmatamento, assoreamento, poluição etc. Apesar dos enormes prejuízos<br />
causados às populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas e<br />
outras (deslocamento da população para construção de barragens,<br />
perda de identidade cultural e exploração do trabalho), estas têm sido<br />
consideradas como predadoras do rio e egoístas, pois negam água aos<br />
“sedentos” do nordeste setentrional.<br />
Esse discurso é incentivado pelos setores empresariais e pela mídia,<br />
considerada como o “quarto poder” devido à sua capacidade de divulgação<br />
e mesmo de produção de informações e de consensos – que,<br />
de acordo com Gramsci, é parte da hegemonia. A posição do poder<br />
público em relação à resistência de Frei Cappio e de outros representantes<br />
da sociedade se resumiu à criação de uma “revitalização” do<br />
rio São Francisco, que, segundo o frei, consiste em projetos isolados<br />
e sem continuidade, mera satisfação da sociedade para legitimar a<br />
transposição. Resta aos outros aparelhos privados da sociedade civil<br />
continuar resistindo e tornar pública sua luta contra-hegemônica, contra<br />
o consenso estabelecido em torno do tema. Afi nal, como esclarece<br />
Williams (1979, p. 116, apud Souza, 2005):<br />
A realidade de qualquer hegemonia, no sentido político e cultural ampliado,<br />
é de que, embora por defi nição seja sempre dominante, jamais<br />
será total ou exclusiva. A qualquer momento, formas de política e<br />
cultura alternativas, ou diretamente opostas, existem como elementos<br />
signifi cativos na sociedade.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
77
Destaco que a carta de Frei Cappio foi publicada no suplemento<br />
ecológico de um jornal de grande circulação no Rio de Janeiro. Ainda<br />
que esse suplemento dê amplo espaço a concepções reifi cadas e liberais<br />
de meio ambiente, crise e Educação Ambiental, a presença dessa<br />
reportagem revela a possibilidade de existência de espaços de contrahegemonia<br />
na discussão dos problemas ambientais.<br />
Em entrevista intitulada “A Amazônia é nosso maior patrimônio”,<br />
concedida ao JB Ecológico (nº 66, julho de 2007 12 ) e relatada por Vinicius<br />
Carvalho, ao ser perguntado sobre como percebe as discussões<br />
sobre a internacionalização da Amazônia, o governador do Amazonas<br />
respondeu:<br />
Obviamente, sou contra qualquer tentativa de internacionalização do<br />
nosso patrimônio natural. A verdade dos fatos é que, pelo senso comum,<br />
a Amazônia é cobiçada no mundo inteiro. Cobiçada não apenas<br />
no sentido de se querer a sua propriedade, mas também no sentido<br />
de conhecê-la, desvendar seus mistérios e compreender melhor a<br />
realidade da região. (...) Nosso programa, por exemplo, não oferta cotas<br />
da Amazônia. Em momento algum falamos de distribuição de fl orestas<br />
ou de política fundiária. A fl oresta é de propriedade pública, não está<br />
à venda e não podemos comercializá-la. O que estamos estabelecendo<br />
é um fundo de serviços e produtos ambientais. O importante é<br />
demonstrarmos para as populações locais que a fl oresta em pé vale<br />
mais que a fl oresta derrubada (p. 17) 13 .<br />
O governador se refere a uma lei estadual que previa, na época,<br />
uma remuneração de até R$ 50 por mês por família que preservasse<br />
a fl oresta. Porém, a tal “bolsa-fl oresta” do Amazonas não passa de<br />
(mais) um mecanismo dentro do sistema capitalista, que pretende<br />
lucrar a partir do esforço de famílias que receberiam uma pequena<br />
quantia para “trabalhar” por essa causa. O programa em questão,<br />
além de criar um mecanismo de remuneração que não se confi gura<br />
como um direito social adquirido, tenta legitimar um conceito bas-<br />
12 Neste número há outra matéria sobre o programa lançado pelo governo<br />
amazonense, o que é forte indicativo do interesse na sua divulgação e aceitação<br />
pela população.<br />
13 Grifos da autora.<br />
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tante comum no ambientalismo verde: o de desenvolvimento sustentável,<br />
que repousa no consenso sobre a necessidade de diminuir<br />
a extração de recursos naturais não renováveis, aliada a mecanismos<br />
de “inclusão social”.<br />
Uma das principais bandeiras das correntes crítica e ecossocialista<br />
da EA é que não há desenvolvimento com sustentabilidade no sistema<br />
capitalista, uma vez que este tem como base a acumulação e concentração<br />
de riquezas a partir da exploração da natureza e do trabalho<br />
humano. Na verdade, esse projeto visa à privatização da fl oresta ou<br />
de parte dela, que seria administrada pela porção da “sociedade civil”<br />
mais distanciada dos interesses das maiorias, composta basicamente<br />
por “empresários-ambientalistas”, cuja concepção de EA está baseada<br />
nas metas do desenvolvimento sustentável e na “ecoefi ciência” alcançadas<br />
com a correção das “falhas do mercado”.<br />
Como último exemplo, cito o suplemento Razão Social do jornal<br />
O Globo de 2 de fevereiro de 2010, no qual a jornalista Martha Neiva<br />
Moreira escreveu matéria intitulada “Cooperação é a regra no mundo<br />
de baixo carbono”. Martha afi rma que o setor corporativo, movido<br />
pela competitividade e pela rentabilidade, ainda não se deu conta da<br />
necessidade de reduzir as emissões de carbono para a atmosfera. Ela<br />
cita comentário do presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young, para<br />
quem “ainda é preciso reordenar os marcos regulatórios de mudanças<br />
climáticas para que as empresas possam competir em uma plataforma<br />
mais amigável para o meio ambiente”.<br />
Nas palavras do empresário (que também é membro de ONGs e do<br />
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Federal):<br />
“Copenhaguen falhou em não estabelecer as bases dessa plataforma,<br />
mas o mercado não falhará. Quem emitir mais será penalizado” (p.<br />
13). A preocupação de Young é basicamente com o encarecimento de<br />
recursos como a água e o ar, por isso acredita que o “mercado” vai pressionar<br />
para diminuir as emissões e evitar uma perda fi nanceira ainda<br />
maior num futuro próximo. É interessante notar a confusão conceitual<br />
que pode ser gerada a partir de afi rmações como essa: evidentemente,<br />
ninguém discorda da necessidade de reduzir as emissões de carbono,<br />
mas surpreende que seja o mercado a controlar essas emissões!<br />
Retornemos à citação de Ellen Wood, que menciona o deslocamento<br />
de funções que antes pertenceram ao Estado para a esfera<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
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privada, que atende aos interesses do mercado. Estamos assistindo à<br />
privatização do poder público pela “nova sociedade civil”, composta<br />
principalmente de empresários, banqueiros, “ongueiros” e outras<br />
categorias diretamente ligadas ao capital. Onde fi cariam, porém, os<br />
outros aparelhos privados de hegemonia descritos por Gramsci, tais<br />
como os movimentos sociais, os ambientalistas, a Escola, a Igreja?<br />
Para Gluksmann (1980):<br />
Não pode haver sociedade civil sem a determinação daquilo que<br />
constitui seu fundamento: as relações de produção. Desse ponto de<br />
vista, o conceito diretor dos Cadernos do cárcere é talvez menos o<br />
de “bloco histórico” que o de correlação de forças, como condição<br />
primordial para a formação de um bloco histórico (p. 100) 14 .<br />
A concepção de sociedade civil que se depreende das reportagens<br />
citadas é totalmente contrária àquela defendida por Gramsci,<br />
para quem o conceito deveria ser utilizado como uma arma contra<br />
o capitalismo. Contudo, esse autor acreditava ser possível disputar a<br />
hegemonia sem ser economicamente dominante, como teimam em<br />
nos mostrar movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores<br />
Rurais Sem Terra (MST), a Via Campesina, (que, no Brasil, é<br />
composta pelo MST; Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA;<br />
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB; Movimento de<br />
Mulheres Camponesas – MMC; Federação dos Estudantes de Agronomia<br />
do Brasil – Feab; Comissão Pastoral da Terra – CPT; e a Pastoral<br />
da Juventude Rural – PJR), o Movimento ao Socialismo (MAS)<br />
e demais movimentos indigenistas na Bolívia e outros que, apesar<br />
de criminalizados pela mídia e pelo empresariado ligado ao agronegócio,<br />
se caracterizam pela resistência aos governos neoliberais.<br />
De acordo com Leher (2007, p. 226), “a problemática ambiental<br />
ganha novos contornos quando analisada à luz dos protagonistas<br />
das lutas sociais que vêm transtornando a ordem neoliberal latinoamericana”.<br />
14 Grifos da autora.<br />
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CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Se uma defi nição de um conceito central – como, por exemplo, o<br />
conceito de sociedade civil – for incerta, então todo o conhecimento<br />
que for construído sobre esse conceito provavelmente também será<br />
débil e, consequentemente, as políticas construídas com base em tal<br />
conhecimento poderão ser equivocadas. O desafi o que se coloca, então,<br />
é o de se buscar uma defi nição crítica de tal conceito a fi m não<br />
só de melhor entender a realidade contemporânea mas também de se<br />
buscar sua transformação (PINHEIRO, 2003, p. 75).<br />
Na perspectiva de Dagnino (2004), a implantação em âmbito global<br />
do projeto neoliberal gerou graves impactos na cultura política das sociedades<br />
latino-americanas. A autora discute as feições que esses impactos<br />
assumem no Brasil e sugere a existência de uma “confl uência perversa<br />
entre um projeto político democratizante, participativo, e o projeto<br />
neoliberal, que marcaria hoje o cenário da luta pelo aprofundamento da<br />
democracia na sociedade brasileira” (p. 95, grifos da autora). Para tanto,<br />
Dagnino (idem) examina a disputa político-cultural e os deslocamentos<br />
de sentido que essa disputa opera em três noções – Sociedade Civil,<br />
Participação e Cidadania – que considera referências centrais para o<br />
entendimento dessa confl uência. Segundo a autora, há uma despolitização<br />
dessas noções, assumidas como referências centrais das lutas<br />
democratizantes, reforçada por uma “concepção minimalista tanto da<br />
política como da democracia” do projeto neoliberal (p. 108).<br />
Dagnino conclui pela existência de um encolhimento das responsabilidades<br />
sociais do Estado, com contrapartida no encolhimento do<br />
espaço da política e da democracia, limitadas ambas ao mínimo indispensável.<br />
Esse encolhimento seletivo aprofunda a exclusão daqueles<br />
sujeitos, temas e processos capazes de ameaçar o avanço do projeto<br />
liberal. Como exemplo expressivo dessa concepção, Dagnino (idem)<br />
cita a acusação dirigida ao MST – que entende ser o “mais importante<br />
movimento social no Brasil hoje” (p.109) – pela mídia e pelo governo<br />
de Fernando Henrique Cardoso para desqualifi cá-lo como interlocutor:<br />
“É um movimento político”.<br />
As teorizações de Dagnino, Pinheiro, Glucksmann, Fontes, Wood,<br />
Leher, Loureiro, Araújo, Acselrad, Löwy, Meschkat, Porto-Gonçalves<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
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e Zhouri apontam para a necessidade de explicitação do sentido de<br />
sociedade civil a que se referem aqueles que utilizam o conceito.<br />
Evidentemente, uma compreensão simplifi cada ou limitada à matriz<br />
neoliberal, a partir da qual a sociedade civil se resume ao terceiro<br />
setor, com a privatização de serviços essenciais (e até mesmo do meio<br />
ambiente), e o Estado se exime da responsabilidade de oferecer tais<br />
serviços, não contribui para uma ampla compreensão das causas e<br />
consequências da crise socioambiental, bem como do papel de seus<br />
atores nas disputas que, apesar de todas as ofensivas contra, ocorrem<br />
em seu interior. A partir da discussão aqui travada, defendo que o conceito<br />
gramsciano de sociedade civil traz novas interpretações e ajuda a<br />
encontrar soluções mais efetivas para o enfrentamento da problemática<br />
ambiental. Nesse sentido, Loureiro (2006b) afi rma que:<br />
Em um momento histórico em que a confusão entre o público e o privado<br />
se faz presente (...), uma política pública em Educação Ambiental<br />
exige a transparência e o fortalecimento do Estado, sob controle social,<br />
para se garantir: (1) reversão dos processos privatistas-mercantis da<br />
educação; (2) mobilização e organização popular para o atendimento<br />
a necessidades materiais básicas e à justiça distributiva; e (3) problematização<br />
historicizada da realidade socioambiental e busca de alternativas<br />
econômicas com os grupos sociais, particularmente aqueles<br />
em situação de maior vulnerabilidade socioambiental, garantindo a<br />
devida autonomia aos mesmos (Loureiro et al, 2005).<br />
Embutida na problemática do acesso desigual aos recursos naturais<br />
está a ideia de justiça ambiental que, de acordo com Acselrad, Herculano<br />
e Pádua (2004), nasceu no seio dos movimentos sociais nos<br />
Estados Unidos, a partir da década de 1960, nas organizações para<br />
as lutas pelos direitos civis das populações afrodescendentes, que representavam<br />
o setor socialmente discriminado e mais exposto a riscos<br />
ambientais. Segundo Robert Bullard (apud ACSELRAD, HERCULANO<br />
E PÁDUA, 2004), a justiça ambiental é a condição de existência social<br />
confi gurada através da “busca de tratamento justo e do envolvimento<br />
de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou<br />
renda, no que diz respeito a elaboração, desenvolvimento, implantação<br />
e reforço de políticas, leis e regulações ambientais” (p.9).<br />
82 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010
Essa temática vem se internacionalizando rapidamente, sobretudo<br />
em contextos de extremas desigualdades como a sociedade brasileira,<br />
na qual já existem movimentos sociais voltados para a causa da justiça<br />
ambiental, tais como os de atingidos por barragens e os movimentos<br />
de resistência de trabalhadores extrativistas (seringueiros, no Acre, e<br />
as quebradeiras de babaçu, no Maranhão). Percebe-se que o que está<br />
em jogo não é apenas a anunciada escassez de recursos, mas “a natureza<br />
dos fi ns que norteiam a própria vida social”, ou seja, não é possível<br />
separar a sociedade do meio ambiente (ACSELRAD, 2004, p. 7)<br />
ou “chamar de progresso e desenvolvimento o processo de empobrecimento<br />
e envenenamento dos que já são pobres” (ACSELRAD;<br />
HERCULANO; PÁDUA, 2004, p. 12).<br />
Quero fi nalizar este ensaio problematizando o termo “ação antrópica”,<br />
muito utilizado para responsabilizar a espécie humana como<br />
um todo pelos danos causados à natureza não humana. Comum nos<br />
discursos conservadores de EA, esse entendimento é perfeitamente representado<br />
pelo slogan “O mundo nunca cobrou aluguel. Mas já está<br />
a ponto de mandar você embora” (Propaganda do WWF-Brasil veiculada<br />
no JB Ecológico, nº 66, julho de 2007, p. 56-57). É notório que<br />
aqueles que estão em piores condições socioeconômicas, em geral,<br />
sofrem muito mais com a erosão das encostas, assoreamento de rios,<br />
poluição do ar e da água etc. do que os demais setores da população.<br />
Nas palavras de Loureiro, em entrevista ao JB Ecológico, nº 15, de 16<br />
de abril de 2003:<br />
Nem todos geram impactos da mesma forma e nem todos se benefi ciam<br />
igualmente em um modelo de produção que se apropria privadamente<br />
do patrimônio natural. Esse é um processo histórico que precisa ser<br />
compreendido para que possa ser enfrentado e transformado (p. 20).<br />
Em relação às perspectivas de Educação Ambiental adotadas, entendo<br />
que é no âmbito da EA crítica e do Ecossocialismo que se encontram<br />
as teorizações mais próximas da ideia gramsciana de sociedade<br />
civil como palco de disputas e de produção de hegemonia e contrahegemonia,<br />
mas, sobretudo, de superação de um sistema socioeconômico<br />
que estabelece relações de expropriação com a natureza e<br />
com o ser humano, em benefício de poucos e em detrimento de toda<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
83
a diversidade e beleza produzidas em milênios de evolução biológica,<br />
geológica e cultural no planeta. Ao se perguntar sobre quais seriam os<br />
principais elementos de uma ética ecossocialista, Löwy (2005, p. 72)<br />
afi rma que, antes de mais nada, trata-se de uma ética social e não<br />
individual, que não visa a culpabilizar as pessoas ou promover o ascetismo.<br />
Segundo o autor:<br />
Com certeza, é importante que os indivíduos sejam educados para respeitar<br />
o meio ambiente e recusar o desperdício, mas o verdadeiro jogo<br />
se joga noutra parte: na mudança de estruturas econômicas e sociais<br />
capitalistas/comerciais, no estabelecimento de um novo paradigma de<br />
produção e distribuição, fundado (...) em necessidades sociais – notadamente<br />
a necessidade vital de viver num meio ambiente natural<br />
não degradado. Uma mudança que exige atores sociais, movimentos<br />
sociais, organizações ecológicas, partidos políticos, e não apenas indivíduos<br />
de boa vontade.<br />
É claro que precisamos dialogar com todas as visões de mundo,<br />
mas é preciso não confundir diálogo com apagamento das questões<br />
centrais para o combate à crise socioambiental e seu entendimento.<br />
Para Bourdieu e Wacquant (2001), existe nos setores privilegiados de<br />
países avançados (patrões, altos funcionários internacionais, intelectuais<br />
de projeção na mídia e jornalistas de primeiro escalão) “uma<br />
estranha novilíngua cujo vocabulário, aparentemente sem origem, está<br />
em todas as bocas: globalização e fl exibilidade; governabilidade e<br />
empregabilidade; underclass e exclusão; nova economia e tolerância<br />
zero; comunitarismo, multiculturalismo e seus primos pós-modernos<br />
– etnicidade, minoridade, identidade, fragmentação etc.”. Dessa nova<br />
vulgata planetária, segundo os autores, estão ausentes termos como<br />
capitalismo, classe, exploração, dominação e desigualdade, vocábulos<br />
“decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de presumida<br />
impertinência”.<br />
Em meu entender, categorias como caos, descontinuidade, “desconstrucionismo”<br />
15 , rizoma ou relatividade, por sua indeterminação, difi -<br />
15 Descrito por Harvey (1992, p. 53) como um movimento iniciado por Derrida,<br />
no fi nal dos anos 1960, a partir da leitura de Martin Heidegger.<br />
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cilmente podem ajudar a superar a grave crise civilizacional em que se<br />
encontra mergulhada a humanidade. É necessário também dialogar –<br />
ou superar, numa perspectiva dialética – com as categorias de sociedade<br />
civil (no sentido gramsciano), classe e outras que, numa sociedade<br />
marcada por profundas desigualdades, nunca foram tão atuais. Penso,<br />
com Gramsci e outros teóricos marxistas, que as decisões em relação<br />
ao futuro do planeta não são tomadas apenas em espaços fechados<br />
por uma suposta “elite”: como cidadãos, temos diversas maneiras de<br />
participar, seja no âmbito da sociedade civil (como a participação em<br />
partidos, associações de bairros, grêmios e diretórios acadêmicos, movimentos<br />
sociais, igrejas, sindicatos etc.), seja em nossos espaços de<br />
trabalho, estudo e lazer. Escolhi para fechar este texto uma citação de<br />
outro autor que “denunciou a espoliação da natureza antes do nascimento<br />
de uma moderna consciência ecológica burguesa” (QUAINI,<br />
apud FOSTER, 2005, p. 23) e me ajudou a compreender a natureza<br />
do problema ambiental: Karl Marx.<br />
Não é a unidade da humanidade viva e ativa com as condições naturais,<br />
inorgânicas, da sua troca metabólica com a natureza, e daí a sua<br />
apropriação da natureza, que requer explicação ou é o resultado de<br />
um processo histórico, mas a separação 16 entre estas condições inorgânicas<br />
da existência humana e esta existência ativa, uma separação<br />
que só é completamente postulada na relação do trabalho assalariado<br />
com o capital (MARX, 1973, apud FOSTER, 2005).<br />
16 Grifos da autora.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 58-89 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
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89
UMA ANÁLISE DA<br />
EVOLUÇÃO RECENTE DA<br />
TAXA DE DESEMPREGO<br />
SEGUNDO DIFERENTES<br />
CLASSIFICAÇÕES<br />
Marina Ferreira Fortes Aguas<br />
90 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
Este artigo tem como objetivo analisar a evolução da taxa de desemprego padrão<br />
no Brasil durante a última década, assim como de duas novas formas de<br />
defi nição deste indicador. A primeira inclui os indivíduos classifi cados como<br />
marginalmente ativos, ou seja, pessoas que estão disponíveis para trabalhar,<br />
mas na semana de referência não buscaram ativamente emprego, e a segunda<br />
inclui os trabalhadores subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas,<br />
pessoas consideradas ocupadas na semana de referência, mas que gostariam e<br />
estavam disponíveis para trabalhar mais horas que as efetivamente trabalhadas.<br />
A análise empírica é realizada para as seis regiões metropolitanas de abrangência<br />
da Pesquisa Mensal de Emprego entre 2003 e 2009, tanto em termos agregados<br />
quanto segundo o gênero, a idade e a escolaridade dos indivíduos. Os<br />
resultados mostram que a proporção de desempregados em termos agregados<br />
seria cerca de duas vezes maior se fossem incluídos os marginalmente ativos e<br />
os subocupados por insufi ciência de horas. Além disso, as reduções da taxa de<br />
desemprego padrão observadas ao longo do tempo são acompanhadas de quedas<br />
tanto na proporção de marginalmente ativos quanto na de subocupados<br />
por insufi ciência de horas trabalhadas.<br />
Palavras-chave: taxa de desemprego; indicadores; Brasil<br />
This article aims to analyze the evolution of the standard unemployment rate<br />
in Brazil during the last decade, as well as two new ways of defi ning this indicator.<br />
The fi rst includes individuals classifi ed as marginally attached to the labor<br />
market, or people who are available to work, but in the reference week did not<br />
actively sought employment, and the second includes workers underemployed<br />
due to insuffi ciency of hours worked, people considered employed in the reference<br />
week, but they would and were available to work more hours than<br />
actually worked. The empirical analysis is performed for the six metropolitan<br />
areas of PME between 2003 and 2009, both in aggregate and according to<br />
gender, age and education of individuals. The results show that the proportion<br />
of unemployed in the aggregate rate would be about two times higher if this included<br />
the marginally attached and the underemployed due to insuffi ciency of<br />
hours worked. In addition, reductions in standard unemployment rate observed<br />
over time are accompanied by declines in both the proportion of marginally<br />
attached as the underemployed due to insuffi ciency of hours worked.<br />
Keywords: unemployed rate; indicators; Brazil<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
91
1 INTRODUÇÃO<br />
A taxa de desemprego e a taxa de atividade são dois dos indicadores<br />
sobre o mercado de trabalho mais utilizados na análise econômica. A<br />
grande importância dada a tais taxas está vinculada as suas implicações<br />
para o desenvolvimento econômico e, consequentemente, para<br />
a defi nição de políticas públicas. Com isso, uma questão central das<br />
agências de estatística de todo o mundo se refere à delimitação do<br />
conceito de desemprego.<br />
A maior parte dos países, incluindo o Brasil, distingue os desocupados<br />
dos outros não ocupados com base no critério de procura por<br />
trabalho. O esforço de busca é visto como fator revelador de uma forte<br />
proximidade dos indivíduos com o mercado de trabalho. No entanto,<br />
esse critério não permite realçar as diferenças existentes dentro de<br />
cada grupo, principalmente no grupo dos inativos.<br />
Embora a defi nição básica de desemprego envolva a busca por trabalho,<br />
há pessoas que estão disponíveis para trabalhar, mas na semana<br />
de referência não buscaram ativamente emprego. Do mesmo modo,<br />
existem pessoas que são consideradas ocupadas na semana de referência,<br />
porém gostariam e estão disponíveis para trabalhar mais horas que<br />
as efetivamente trabalhadas. Estas pessoas são classifi cadas, de acordo<br />
com a nova Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, como desempregadas<br />
“marginalmente ligadas à população economicamente<br />
ativa (PEA)”, ou marginalmente ativas, no primeiro caso, e como subocupadas<br />
por insufi ciência de horas trabalhadas, no segundo.<br />
Há uma grande polêmica na literatura sobre como classifi car esses<br />
dois tipos de trabalhadores 1 . No caso dos marginalmente ativos, questiona-se<br />
se eles se aproximam daqueles considerados inativos (aqueles<br />
que não trabalham nem buscaram ativamente trabalho) ou daqueles<br />
desocupados (aqueles que não trabalham e buscaram ativamente trabalho).<br />
Já no caso dos subocupados, procura-se verifi car se realmente<br />
podem ser classifi cados como ocupados, dada sua instabilidade nessa<br />
posição.<br />
Dessa forma, o artigo tem como objetivo apresentar um panorama<br />
evolutivo do conceito padrão de taxa de desemprego, assim como de<br />
1 Ver Byrne, Strobol (2004); Jones, Riddell (1999); e Görg, Strobol (2001).<br />
92 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
duas novas formas de defi nição desse indicador: incluindo os marginalmente<br />
ativos e incluindo os trabalhadores subocupados por insufi<br />
ciência de horas trabalhadas. A análise é feita para as seis regiões<br />
metropolitanas de abrangência da PME entre 2003 e 2009, tanto em<br />
termos agregados, quanto segundo o gênero, a idade e a escolaridade<br />
dos indivíduos.<br />
Os resultados mostram que a proporção de desempregados em termos<br />
agregados seria cerca de duas vezes maior se fossem incluídos os<br />
marginalmente ativos e os subocupados por insufi ciência de horas.<br />
Além disso, as reduções da taxa de desemprego padrão observadas<br />
ao longo do tempo são acompanhadas de quedas na proporção de<br />
marginalmente ativos e na de subocupados por insufi ciência de horas<br />
trabalhadas. Esse movimento também ocorre quando as taxas de desemprego<br />
são decompostas por gênero, idade e escolaridade. Logo,<br />
isso indica que, durante os últimos sete anos, a tendência de redução<br />
do desemprego foi ainda mais intensa devido ao declínio desses dois<br />
grupos adicionais de indivíduos.<br />
Adicionalmente, conclui-se que existe um predomínio de indivíduos<br />
classifi cados como marginalmente ativos nos grupos etários mais<br />
jovens e também nos grupos de maior nível de escolaridade. Já a superioridade<br />
dos subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas<br />
encontra-se entre os indivíduos mais velhos e os de menor nível de<br />
educação.<br />
2 DEFINIÇÃO DE DESEMPREGO, INATIVIDADE E OCUPAÇÃO<br />
Como membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o<br />
Brasil corroborou e adaptou as resoluções dessa instituição para traduzir<br />
melhor a sua realidade. Sendo assim, no mercado de trabalho<br />
brasileiro, a população considerada em idade ativa (PIA) engloba as<br />
pessoas com 10 anos ou mais de idade e está dividida entre: 1) população<br />
economicamente ativa (PEA) ou força de trabalho, que reúne<br />
aqueles que estão ocupados mais os desocupados; e 2) o grupo dos<br />
inativos ou não economicamente ativos (Pnea).<br />
De acordo com o IBGE, o termo força de trabalho refere-se aos<br />
indivíduos que estão ocupados ou desocupados, mas que buscam<br />
ativamente emprego, ou que temporariamente foram dispensados e<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
93
estão aguardando ser chamados novamente. Compreende-se como<br />
ocupadas (PO) as pessoas que exerceram um trabalho remunerado<br />
(em dinheiro, mercadorias ou benefícios) ou sem remuneração, em<br />
ajuda a membro da unidade domiciliar, que era empregado, empregador<br />
ou autônomo, durante pelo menos uma hora, na semana de<br />
referência da pesquisa de emprego.<br />
São ditas desocupadas (PD) as pessoas que não trabalharam na semana<br />
de referência da pesquisa, mas que tomaram providência efetiva<br />
para conseguir trabalho no período de 30 dias e estavam disponíveis,<br />
naquela semana, para assumir um emprego. Os indivíduos que não<br />
estão ocupados ou desocupados são denominados inativos.<br />
O quadro abaixo representa a divisão da PIA para as seis regiões<br />
metropolitanas de abrangência 2 da PME, tomando a média do ano<br />
de 2009:<br />
Quadro 1<br />
Participantes da população em idade ativa metropolitana<br />
– média do ano de 2009 (por 1.000 pessoas)<br />
PEA ou força de trabalho<br />
23.148<br />
56,7%<br />
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PME 2009.<br />
População em idade ativa<br />
(com 10 anos ou mais)<br />
40.847<br />
Ocupados Desocupados<br />
21.276<br />
1.871<br />
91,9%<br />
8,1%<br />
Pnea ou inativos<br />
17.699<br />
43,3%<br />
Já trabalharam<br />
1.557<br />
6,7%<br />
Nunca trabalharam<br />
314<br />
1,4%<br />
2 Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.<br />
94 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
Em 2009, por exemplo, a PME identifi cou uma média de 41 milhões<br />
de brasileiros em idade ativa vivendo em regiões metropolitanas.<br />
Destes, aproximadamente 23 milhões estavam ocupados, 1,8 milhão<br />
estava desocupado e mais de 17 milhões faziam parte do grupo dos<br />
inativos. Dessa forma, a taxa de desocupação média em 2009, ou<br />
seja, PD dividida pela PEA, foi de 8,1% e a taxa de atividade média,<br />
PEA dividida pela PIA, foi de 56,7%.<br />
É necessário destacar o elevado dinamismo desse mercado, na medida<br />
em que a todo momento muitas pessoas transitam entre os seus<br />
diversos estados. Só do ano de 2008 para o de 2009, por exemplo,<br />
houve um aumento médio de pouco mais de 200 mil pessoas na força<br />
de trabalho e a taxa média de desocupação cresceu 0,2 ponto percentual<br />
(p.p). Logo, é possível notar quão importante são essas transições<br />
no mercado de trabalho e como elas podem gerar infl uências<br />
sobre seus indicadores agregados 3 .<br />
2.1 DEBATE SOBRE OS MÉTODOS DE CLASSIFICAÇÃO DO DESEMPREGO<br />
Tanto a OIT 4 quanto o Brasil adotam uma defi nição de desemprego<br />
padrão (ou aberto) que tem como base três critérios que devem<br />
ocorrer ao mesmo tempo: (a) estar sem trabalho; (b) encontrar-se correntemente<br />
disponível para o trabalho; e (c) estar buscando trabalho.<br />
Tais critérios dizem respeito às atividades dos indivíduos durante um<br />
período de referência específi co 5 . Uma pessoa deve ser classifi cada<br />
como desocupada somente se já tiver sido estabelecido que ela não<br />
se encontra ocupada. O objetivo desse critério é assegurar que ocupação<br />
e desocupação sejam mutuamente excludentes, com precedência<br />
dada à ocupação. Assim, pessoas alocadas em um trabalho eventual,<br />
mesmo que procurando trabalho, serão classifi cadas como ocupadas.<br />
3 Para um maior detalhamento do panorama recente do mercado de trabalho<br />
brasileiro, ver Ramos (2009).<br />
4 Para maiores informações sobre as defi nições e mensurações do emprego,<br />
subemprego e desemprego adotadas pela OIT, ver Hussmanns (2007).<br />
5 Para o IBGE, por exemplo, a semana de referência é aquela, de domingo<br />
a sábado, que precede a semana defi nida como de entrevista para a unidade<br />
domiciliar. Cada mês da pesquisa é constituído por quatro semanas de<br />
referência.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
95
Os indivíduos que, no período de referência, não integram o grupo<br />
dos ocupados ou dos desocupados serão classifi cados como inativos.<br />
Vale destacar que, neste último grupo, a composição dos indivíduos é<br />
bastante diversa, existindo até pessoas cuja proximidade com o mercado<br />
de trabalho durante o período de captação de 358 dias 6 foi efetiva<br />
e que na semana de referência mantinham o desejo por trabalho.<br />
O IBGE defi ne a busca por trabalho como “a tomada de alguma providência<br />
efetiva (ou ativa) para conseguir trabalho, ou seja: o contato<br />
estabelecido com empregadores; a prestação de concurso; a inscrição<br />
em concurso; a consulta a agência de emprego, sindicato ou órgão<br />
similar; a resposta a anúncio de emprego; a solicitação de trabalho a<br />
parente, amigo, colega ou por meio de anúncio; a tomada de medida<br />
para iniciar negócio etc.” 7 .<br />
Em alguns países da OCDE, a exemplo do Canadá, o critério de<br />
procura por trabalho pode englobar não só métodos ditos “ativos”,<br />
quanto métodos “passivos”, tal como olhar anúncios em jornais. Por<br />
outro lado, os trabalhadores ditos “desencorajados”, indivíduos que<br />
gostariam de trabalhar, mas não procuram emprego por acreditar que<br />
este não estaria disponível, apresentam uma classifi cação que se modifi<br />
ca ao longo do tempo. Nos EUA, eles eram considerados desocupados<br />
até 1967 e, no Canadá, até 1975; em seguida, foram classifi cados<br />
como inativos.<br />
Ao fundamentar a defi nição de desocupado no critério de busca por<br />
trabalho em um determinado período de referência, admite-se que o<br />
esforço de procura é revelador de uma forte proximidade dos indivíduos<br />
com o mercado de trabalho. Sendo assim, as pessoas que não procuram<br />
trabalho, pois foram desencorajadas pela situação do mercado, mas que<br />
apresentam o desejo por trabalhar, também chamadas de marginalmente<br />
ativas, não demonstrariam uma aproximação sufi cientemente forte<br />
com a atividade para serem classifi cadas como desocupadas.<br />
Por outro lado, a literatura internacional tem apontado para a existência<br />
de vínculos atípicos entre determinados indivíduos ocupados e<br />
o mercado de trabalho. A natureza dessa associação está no fato de<br />
que tais indivíduos apresentam características pessoais distintas que<br />
6 Procuraram emprego de forma efetiva ou até mesmo trabalharam no período<br />
de referência de 358 dias.<br />
7 Ver Série Relatórios Metodológicos, volume 23, p. 19.<br />
96 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
os levam a ser mais propensos ao desemprego ou à inatividade num<br />
futuro próximo. Como tal movimento deve ser fortemente infl uenciado<br />
pelos ciclos de crescimento ou recessão vivenciados na economia,<br />
sua magnitude pode gerar refl exos sobre a taxa de desemprego. Nesse<br />
contexto encontram-se as pessoas classifi cadas como subocupadas<br />
por insufi ciência de horas trabalhadas 8 , ou seja, grupo constituído por<br />
indivíduos que trabalharam efetivamente menos de 40 horas na semana<br />
de referência, no seu único trabalho ou no conjunto de todos os<br />
seus trabalhos, porém gostariam de trabalhar mais horas que as efetivamente<br />
trabalhadas e estavam disponíveis para trabalhar mais horas<br />
no período de 30 dias, contados a partir do primeiro dia da semana<br />
de referência.<br />
A ideia por detrás dos estudos sobre esses trabalhadores atípicos está<br />
em buscar boas medidas que predigam as transições futuras do mercado<br />
de trabalho. A satisfação 9 do trabalhador deve estar diretamente<br />
relacionada ao risco de perda da ocupação, assim como as suas características<br />
pessoais e ocupacionais. Logo, a insatisfação do trabalhador<br />
quanto ao seu vínculo de emprego parece estar ligada a uma maior<br />
mobilidade para o grupo dos desempregados, podendo assim ser classifi<br />
cado conforme o objeto de estudo.<br />
Com o objetivo de entender melhor a condição do mercado de<br />
trabalho e captar suas heterogeneidades, o Brasil vem adotando novos<br />
conceitos de desemprego. Nesse contexto, o índice do Seade/Dieese<br />
introduziu outras formas de mensurar o desemprego com a defi nição<br />
do desemprego oculto pelo trabalho precário e do desemprego oculto<br />
pelo desalento 10 , ou seja:<br />
Desempregados – são indivíduos que se encontram numa situação<br />
involuntária de não trabalho, por falta de oportunidade de trabalho,<br />
ou que exercem trabalhos irregulares, com desejo de mudança. Essas<br />
pessoas são desagregadas em três tipos de desemprego:<br />
8 O trabalho de Machado; Machado (2009) apresenta uma investigação sobre<br />
esse subgrupo de ocupados.<br />
9 Ver, para o Brasil, Fontes; Machado (2008).<br />
10 Para mais detalhes sobre a metodologia e a defi nição das diferentes formas<br />
de desemprego mensuradas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego do Seade/Dieese,<br />
ver http://www.dieese.org.br/ped/pedmet.xml.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
97
Desemprego aberto – pessoas que procuraram trabalho de maneira<br />
efetiva nos 30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum<br />
trabalho nos sete dias anteriores;<br />
Desemprego oculto pelo trabalho precário – pessoas que realizam trabalhos<br />
precários (algum trabalho remunerado ocasional de auto-ocupação)<br />
ou pessoas que realizam trabalho não remunerado em ajuda<br />
a negócios de parentes e que procuraram mudar de trabalho nos 30<br />
dias anteriores ao da entrevista, ou que, não tendo procurado neste<br />
período, o fi zeram sem êxito até 12 meses antes;<br />
Desemprego oculto pelo desalento – pessoas que não possuem nem<br />
procuraram trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista, por desestímulos<br />
do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas<br />
apresentaram procura efetiva de trabalho nos 12 meses anteriores.<br />
Assim, é de suma importância que os países adotem critérios para<br />
a classifi cação dos indivíduos no mercado de trabalho que mais se<br />
adaptem à sua realidade e aos seus problemas mais frequentes. Isso é<br />
de extrema necessidade, tanto para as realizações de políticas públicas<br />
como para o aumento da efi cácia destas.<br />
3 METODOLOGIA E DADOS<br />
Tendo em vista compreender melhor a evolução do desemprego<br />
tanto em sua classifi cação padrão quanto através da abertura de duas<br />
novas defi nições, o presente artigo tem como fonte de dados a Pesquisa<br />
Mensal de Emprego elaborada pelo IBGE no período de 2003<br />
a 2009.<br />
A PME é uma pesquisa domiciliar de periodicidade mensal, que investiga<br />
características da população residente na área urbana das seis<br />
regiões metropolitanas de abrangência: Recife, Salvador, Belo Horizonte,<br />
Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Ela tem como objetivo<br />
a medição das relações entre o mercado de trabalho e a força de trabalho,<br />
associadas a outros aspectos socioeconômicos, incluindo todas<br />
as atividades econômicas e todos os segmentos ocupacionais. Assim,<br />
o tema básico da PME é o trabalho, constando na referida pesquisa<br />
algumas características demográfi cas e educacionais, tendo em vista<br />
possibilitar melhor entendimento da força de trabalho.<br />
98 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
Os dados da PME são obtidos a partir de um esquema amostral<br />
que garante a representatividade de seus indicadores para o conjunto<br />
da população. As informações são adquiridas por meio de entrevistas<br />
com todas as pessoas de 10 anos de idade ou mais, moradoras nos<br />
domicílios selecionados, a fi m de identifi car sua vinculação ao mercado<br />
de trabalho. A amostra de unidades domiciliares da pesquisa<br />
é distribuída pelas quatro semanas de referência do mês. Assim, os<br />
resultados agregados do mês são obtidos pela média dessas quatro<br />
semanas de referência.<br />
Através da manipulação dos microdados da pesquisa foi possível<br />
construir os conceitos distintos de taxas de desemprego e, em seguida,<br />
decompô-los segundo características individuais como idade,<br />
escolaridade e gênero. Para selecionar as pessoas chamadas marginalmente<br />
ligadas à PEA utilizou-se a variável derivada criada pelo<br />
IBGE, que identifi ca dentre os inativos aqueles que trabalharam ou<br />
procuraram trabalho no período de referência de 358 dias e estavam<br />
disponíveis para assumir uma ocupação na semana de referência.<br />
Da mesma forma, separou-se os trabalhadores considerados<br />
subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas por meio da<br />
variável que identifi ca os indivíduos que trabalharam efetivamente<br />
menos de quarenta horas na semana de referência, porém gostariam<br />
e estavam disponíveis para trabalhar mais horas que as efetivamente<br />
trabalhadas nessa semana. Logo, estabeleceram-se as seguintes<br />
defi nições:<br />
Taxa de desemprego padrão (conceito OIT):<br />
Tx_desemp =<br />
desocupados<br />
ocupados + desocupados<br />
Taxa de desemprego I: considerando as pessoas marginalmente ligadas à PEA<br />
Tx_desemp_I =<br />
desocupados + marg_ativos<br />
ocupados + desocupados + marg_ativos<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
99
Taxa de desemprego II: considerando os indivíduos subocupados por insufi ciência<br />
de horas trabalhadas<br />
Tx_desemp_II =<br />
desocupados + ocup_insuf_horas<br />
ocupados + desocupados<br />
Taxa de desemprego total: incluindo os marginalmente ativos e os subocupados<br />
por insufi ciência de horas trabalhadas<br />
Tx_desemp_total =<br />
desocupados + marg_ativos + ocup_insuf_horas<br />
ocupados + desocupados + marg_ativos<br />
Adicionalmente, fez-se o cálculo de cada uma dessas taxas conforme<br />
os subgrupos de idade, gênero e escolaridade. Para idade, foram<br />
consideradas quatro faixas etárias: de 10 a 17 anos; de 18 a 24 anos;<br />
de 25 a 49 anos; e 50 anos ou mais. Quanto ao gênero, fez-se a diferença<br />
entre homens e mulheres e, quanto à educação, observaram-se<br />
as seguintes faixas: sem instrução ou inferior a 1 ano de estudo; de 1 a<br />
3 anos de estudo; de 4 a 7 anos de estudo; de 8 a 10 anos de estudo;<br />
e com 11 anos ou mais de estudo.<br />
4 RESULTADOS<br />
De forma a organizar melhor os resultados, essa seção foi subdividida<br />
em três partes. A primeira apresenta os resultados para o agregado<br />
das regiões metropolitanas e sua separação por sexo; em seguida, fazse<br />
a descrição por grupo etário; e, por último, analisam-se as taxas de<br />
desemprego por faixas de escolaridade.<br />
Dentro de cada subseção, os resultados são ordenados num conjunto<br />
de dois gráfi cos. O primeiro ilustra a evolução trimestral 11 das<br />
três defi nições de taxas de desemprego referidas acima e do seu total<br />
entre 2003 e 2009. No segundo gráfi co, são exibidas as trajetórias das<br />
diferenças entre cada novo conceito de taxa de desemprego e a taxa<br />
de desemprego padrão, ou seja, a proporção do grupo adicionado à<br />
taxa padrão dividida pela PEA.<br />
11 O valor da taxa em cada trimestre corresponde à média aritmética dos três<br />
meses que o compõem.<br />
100 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
4.1 EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE DESEMPREGO AGREGADAS E POR GÊNERO<br />
A primeira sequência de gráfi cos mostra o comportamento agregado<br />
das três defi nições de taxa de desocupação e do seu total. Notase<br />
que o desemprego padrão teve uma trajetória média descendente<br />
durante todo o período de análise. No início de 2003, a taxa padrão<br />
foi de 12%, passando para cerca de 7,5% no fi nal de 2009. Trajetórias<br />
decrescentes também podem ser observadas para as taxas de desemprego<br />
defi nidas a partir dos demais conceitos. Um ponto de destaque<br />
é que a proporção de marginalmente ativos foi semelhante à de subocupados<br />
por insufi ciência de horas. Além disso, as tendências de<br />
queda foram similares para esses dois grupos. No primeiro semestre<br />
de 2003, a taxa de desemprego total, incluindo marginalmente ativos<br />
e subocupados por insufi ciência de horas, foi superior a 20%. No último<br />
trimestre de 2009, tal taxa caiu para 13%.<br />
25<br />
20<br />
15<br />
10<br />
5<br />
0<br />
Gráfi co 1a e 1b<br />
Taxa de desemprego agregada<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
101
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
Os Gráfi cos 2 e 3 exibem a evolução das taxas de desemprego<br />
para homens e mulheres. Nota-se que, entre as mulheres, a proporção<br />
de desempregadas, usando qualquer um dos critérios, tem uma<br />
magnitude maior do que entre os homens. No primeiro trimestre<br />
de 2003, a taxa de desemprego padrão masculina manteve-se em<br />
torno de 9%, enquanto a feminina superou os 14%. Ao adicionar<br />
o grupo dos marginalmente ativos e dos subocupados por insufi -<br />
ciência de horas há uma elevação dessa taxa, sendo de 16% para<br />
os homens e de 26% para as mulheres. Além disso, as contribuições<br />
relativas dos dois grupos adicionados são semelhantes entre os gêneros.<br />
De 2003 a 2009, as tendências foram decrescentes para as<br />
taxas de desemprego de homens e mulheres, embora as oscilações<br />
fossem mais intensas para este último grupo. Percebe-se, ainda, que<br />
as reduções ocorreram tanto na taxa de desemprego padrão quanto<br />
nas proporções de marginalmente ativos e de subocupados por<br />
insufi ciência de horas. Logo, ao fi nal de 2009, a taxa de desemprego<br />
total masculina foi de 10%, enquanto a feminina registrou uma<br />
magnitude de 16%.<br />
102 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
28<br />
24<br />
20<br />
16<br />
12<br />
8<br />
4<br />
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 2a e 2b<br />
Taxa de desemprego para os homens<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
103
28<br />
24<br />
20<br />
16<br />
12<br />
8<br />
4<br />
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 3a e 3b<br />
Taxa de desemprego para as mulheres<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
104 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
4.2 EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE DESEMPREGO POR FAIXAS ETÁRIAS<br />
Os Gráfi cos de 4 a 7 apresentam o panorama das taxas de desemprego<br />
por grupo etário. Nota-se claramente que o desemprego é mais<br />
elevado para os jovens com idade entre 10 e 24 anos quando comparado<br />
com o dos dois grupos mais velhos, entre 25 e 49 anos e com<br />
50 anos ou mais.<br />
Ao analisar o primeiro gráfi co da sequência, que retrata o grupo<br />
etário de 10 a 17 anos, percebe-se que a taxa de desemprego padrão<br />
registrada no princípio de 2003 era de aproximadamente 34%,<br />
aumentando para 50% quando se considera o conceito de desemprego<br />
total. Nesse grupo, a proporção de marginalmente ativos está<br />
cerca de 4 pontos percentuais acima da proporção de desocupados<br />
por insufi ciência de horas. Cabe destacar que, embora os comportamentos<br />
desses dois grupos não tenham sido semelhantes ao longo<br />
do tempo, entre 2003 e 2009 ambos apresentaram uma redução<br />
de 2 pontos percentuais. Logo, como a taxa de desemprego padrão<br />
também diminuiu ao longo desse período, o resultado foi uma queda<br />
expressiva da taxa de desemprego total, que atingiu 26% no fi nal<br />
de 2009.<br />
No que se refere aos jovens do grupo de idade entre 18 e 24 anos, a<br />
taxa de desemprego total, em 2003, fi cou em torno de 32%, fechando<br />
2009 próximo a 23%. De forma semelhante, nesta faixa etária, a participação<br />
dos marginalmente ativos manteve-se acima da do grupo dos<br />
subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas. Enquanto a participação<br />
dos primeiros permaneceu praticamente constante ao longo<br />
do tempo, a proporção de subocupados por insufi ciência de horas foi<br />
reduzida. A taxa de desocupação padrão também exibiu um comportamento<br />
declinante durante esses anos, totalizando uma queda de 7<br />
pontos percentuais entre 2003 e 2009.<br />
Os indivíduos com idade entre 25 e 49 anos apresentaram, durante<br />
todo o período estudado, taxas de desemprego inferiores às dos grupos<br />
jovens. Em 2003, o conceito padrão teve um valor próximo a 10%<br />
e a taxa de desemprego total margeou os 18%, como pode ser visto<br />
no Gráfi co 6. Ao contrário do que se observa nos grupos até 24 anos,<br />
a participação dos subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas<br />
supera a dos marginalmente ativos. Adicionalmente, a proporção<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
105
deste último grupo fi cou praticamente constante nesse intervalo de<br />
tempo, enquanto a dos subocupados por insufi ciência de horas foi<br />
reduzida. A taxa de desemprego padrão também apresentou uma tendência<br />
decrescente, fazendo com que a taxa de desemprego total em<br />
2009 diminuísse para cerca de 12%.<br />
Por fi m, o Gráfi co 7 ilustra a evolução do desemprego da faixa etária<br />
com 50 anos ou mais. Uma primeira característica desse grupo é apresentar<br />
um comportamento semelhante ao do grupo com idade entre<br />
25 e 49 anos, porém em um patamar mais baixo. Sua taxa de desemprego<br />
padrão, por exemplo, manteve uma média de 3,8% durante<br />
os sete anos abrangidos, enquanto o grupo intermediário apresentou<br />
um valor próximo a 7,5%. Todavia, o que mais chama atenção é a<br />
perpetuação e o distanciamento da inversão entre as proporções de<br />
subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas e dos marginalmente<br />
ativos, ocorrida na faixa etária de 25 a 49 anos. Esse resultado<br />
mostra que, para os grupos acima de 24 anos, estar subocupado é um<br />
“problema” relativamente mais frequente do que ser marginalmente<br />
ativo, algo que difere das faixas etárias jovens, nas quais este último<br />
grupo tem predominância.<br />
106 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
50<br />
42<br />
34<br />
26<br />
18<br />
10<br />
2<br />
18<br />
16<br />
14<br />
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 4a e 4b<br />
Taxa de desemprego entre 10 e 17 anos<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
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8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 5a e 5b<br />
Taxa de desemprego entre 18 e 24 anos<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
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18<br />
10<br />
2<br />
18<br />
16<br />
14<br />
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 6a e 6b<br />
Taxa de desemprego entre 25 e 49 anos<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
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18<br />
10<br />
2<br />
18<br />
16<br />
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12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 7a e 7b<br />
Taxa de desemprego entre 50 anos ou mais<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
110 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
4.3 EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE DESEMPREGO POR ESCOLARIDADE<br />
A decomposição das taxas de desemprego por faixas de escolaridade<br />
retrata a diversidade de comportamentos no mercado de trabalho<br />
de acordo com o grau de instrução dos indivíduos. É possível mostrar<br />
que, independentemente do conceito de desemprego utilizado,<br />
o formato dessa taxa, considerando as faixas educacionais, aparenta<br />
um “U” invertido 12 , ou seja: inicia-se relativamente mais baixa entre<br />
os menos escolarizados (até 7 anos de estudo), eleva-se para os indivíduos<br />
com instrução intermediária (ente 8 e 10 anos de estudo) e,<br />
em seguida, se reduz novamente para as pessoas muito educadas. No<br />
entanto, observando os Gráfi cos de 8 a 12, nota-se que cada faixa de<br />
instrução apresenta peculiaridades quando se amplia a defi nição de<br />
desemprego.<br />
Os Gráfi cos 8 e 9 ilustram as taxas de desocupação para os indivíduos<br />
com instrução inferior a 1 ano de estudo e com escolaridade entre<br />
1 e 3 anos. Nos dois grupos, a taxa padrão de desemprego inicia 2003<br />
acima de 10% e tem uma tendência de declínio, margeando os 5% no<br />
quarto trimestre de 2009. Além disso, em ambos os grupos, as razões<br />
subocupação e PEA encontram-se acima da razão entre os marginalmente<br />
ativos e a PEA, sendo que as duas trajetórias são de queda, e a<br />
primeira razão ainda apresenta uma maior volatilidade nos sete anos<br />
de análise. Com isso, a taxa de desemprego total tem uma redução<br />
acima de 7,5 pontos percentuais no fi m de 2009.<br />
As pessoas na faixa de estudo de 4 a 7 anos têm um comportamento<br />
similar às das duas faixas de menor instrução, quando se analisa a taxa<br />
de desemprego padrão e a total. A diferença aparece no contraste<br />
entre a proporção de marginalmente ativos e a de subocupados por<br />
insufi ciência de horas trabalhadas, na medida em que elas se tornam<br />
muito próximas. Como consequência, as taxas denominadas I e II exibem<br />
valores parecidos durante o intervalo 2003 a 2009.<br />
O Gráfi co 11 retrata a evolução da desocupação para os indiví -<br />
duos com grau de instrução intermediário, ou seja, entre 8 e 10 anos<br />
de estudo. Neste grupo, os patamares de taxas fi cam acima daqueles<br />
descritos para os menos educados. A taxa padrão e a total iniciam<br />
12 Ver Paes de Barros; Camargo; Mendonça (1997).<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
111
2003, respectivamente, por volta de 15% e 25%, e terminam 2009<br />
próximas a 10% e 15%. O fato interessante está na superação da taxa<br />
I sobre a II. Enquanto para os grupos com educação inferior a 7 anos<br />
houve uma predominância dos subocupados sobre os marginalmente<br />
ativos, na faixa de 8 a 10 anos de estudo passa a ocorrer uma inversão<br />
dessas classifi cações. Dessa forma, é possível notar que há uma maior<br />
incidência de indivíduos que, apesar de serem classifi cados como inativos,<br />
possuem o desejo por trabalho do que de pessoas insatisfeitas<br />
com o número de horas trabalhadas.<br />
Por último, no Gráfi co 12, são analisados os resultados para a mais<br />
alta faixa educacional, acima de 11 anos de estudo. O perfi l desse<br />
grupo retorna a uma magnitude de taxa de desemprego padrão entre<br />
10% e 5%, assim como de uma taxa de desemprego total entre 18%<br />
e 12%, ambas com tendência de redução ao longo do tempo. Além<br />
disso, há uma reaproximação das proporções de marginalmente ativos<br />
e de subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas, cujos valores<br />
oscilam em torno dos 3%, o mais baixo atingido dentre as faixas<br />
educacionais.<br />
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10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 8a e 8b<br />
Taxa de desemprego abaixo de 1 ano de estudo<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
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15<br />
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5<br />
0<br />
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 9a e 9b<br />
Taxa de desemprego de 1 a 3 anos de estudo<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
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30<br />
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0<br />
12<br />
10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 10a e 10b<br />
Taxa de desemprego de 4 a 7 anos de estudo<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
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6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 11a e 11b<br />
Taxa de desemprego de 8 a 10 anos de estudo<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
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0<br />
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10<br />
8<br />
6<br />
4<br />
2<br />
0<br />
Gráfi co 12a e 12b<br />
Taxa de desemprego de 11 ou mais anos de estudo<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Taxa de Desemprego Padrão Taxa de Desemprego I Taxa de Desemprego II Taxa de Desemprego Total<br />
1º Tri/03<br />
3º Tri/03<br />
1º Tri/04<br />
3º Tri/04<br />
1º Tri/05<br />
3º Tri/05<br />
1º Tri/06<br />
3º Tri/06<br />
1º Tri/07<br />
3º Tri/07<br />
1º Tri/08<br />
3º Tri/08<br />
1º Tri/09<br />
3º Tri/09<br />
Marg. Ativos/PEA Subocup. Horas/PEA (Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
117
5 CONCLUSÃO<br />
Este artigo teve como objetivo analisar a evolução recente da taxa<br />
de desemprego padrão no Brasil metropolitano, assim como de duas<br />
novas formas de defi nição desse indicador. A primeira inclui os indiví -<br />
duos classifi cados como marginalmente ativos, ou seja, pessoas que estão<br />
disponíveis para trabalhar, mas na semana de referência não buscaram<br />
ativamente emprego, e a segunda inclui os trabalhadores subocupados<br />
por insufi ciência de horas trabalhadas, pessoas consideradas ocupadas<br />
na semana de referência, mas que estavam disponíveis para trabalhar<br />
mais horas que as efetivamente trabalhadas.<br />
Para a análise empírica, foram utilizados os microdados da Pesquisa<br />
Mensal de Emprego do IBGE, durante o período de 2003 a 2009. Fezse<br />
o cálculo de cada uma das três taxas de desemprego e também de<br />
uma taxa total, tanto em termos agregados, quanto segundo o gênero,<br />
a idade e a escolaridade dos indivíduos.<br />
Os resultados mostram que a proporção de desempregados em termos<br />
agregados seria cerca de duas vezes maior se fossem incluídos os<br />
marginalmente ativos e os subocupados por insufi ciência de horas.<br />
Além disso, as reduções da taxa de desemprego padrão observadas<br />
ao longo do tempo são acompanhadas de quedas na proporção de<br />
marginalmente ativos e na de subocupados por insufi ciência de horas<br />
trabalhadas.<br />
As variações da desocupação por gênero também exibem resultados<br />
interessantes. Todos os conceitos de taxa de desemprego adotados<br />
tendem a cair com o tempo. Tanto homens quanto mulheres<br />
apresentam uma proporção de marginalmente ativos muito próxima<br />
a de subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas. Entretanto,<br />
os valores das taxas de desemprego femininas superam em muito as<br />
masculinas.<br />
Ao retratar as faixas etárias, nota-se que os grupos mais jovens são<br />
os mais afetados pelas altas taxas de desemprego, assim como por<br />
uma maior incidência de pessoas inativas com desejo por trabalho<br />
e de pessoas insatisfeitas com o número de horas trabalhadas. Já os<br />
grupos mais velhos tendem a apresentar taxas mais estáveis e valores<br />
em magnitudes menores. Todavia, o que mais se destaca nessa decomposição<br />
por idade é que, para os grupos acima de 24 anos, estar<br />
118 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
subocupado é um “problema” relativamente mais frequente do que<br />
ser marginalmente ativo, algo que difere das faixas etárias jovens, em<br />
que este último grupo tem predominância.<br />
Já os resultados para as taxas de desemprego segundo a faixa educacional<br />
apresentam um comportamento em formato de “U” invertido,<br />
independentemente da defi nição utilizada de desemprego, ou seja, o<br />
grupo menos escolarizado e o mais escolarizado exibem taxas inferiores<br />
às resultantes do grupo com instrução intermediária. Além disso,<br />
os indivíduos com até 3 anos de estudos têm uma chance maior de<br />
estarem insatisfeitos com o número de horas trabalhadas do que de<br />
se considerarem desalentados. Essa situação se inverte para as pessoas<br />
com instrução de 8 a 10 anos. O grupo com educação de 4 a 7 anos<br />
e aqueles com 11 anos ou mais de estudo apresentam proporções<br />
semelhantes entre marginalmente ativos e subocupados por insufi -<br />
ciência de horas trabalhadas.<br />
Por fi m, é importante conjeturar sobre dois dos pontos encontrados,<br />
ou seja, o predomínio dos marginalmente ativos nos grupos<br />
jovens e também nos grupos mais escolarizados, perante a superioridade<br />
dos subocupados por insufi ciência de horas trabalhadas<br />
entre os indivíduos mais velhos e os menos educados. Uma possível<br />
explicação para esse primeiro ponto está no fato de que pessoas<br />
mais escolarizadas tendem a apresentar salários de reserva mais altos<br />
e, assim, se encaixar no grupo dos marginalmente ativos por achar<br />
que o salário de mercado não refl ete sua produtividade. Por outro<br />
lado, o grupo mais jovem deve se deparar com um problema de informação,<br />
na medida em que a ausência de experiência no mercado<br />
de trabalho faria com que os salários oferecidos pelos empregadores<br />
fossem mais baixos e não necessariamente refl etissem a produtividade<br />
desses entrantes.<br />
Com relação aos dois grupos onde a subocupação por insufi ciência<br />
de horas é mais forte, indagar sobre as possíveis explicações para tal<br />
fato é mais complicado devido à subjetividade da pergunta. Todavia,<br />
existe a possibilidade de estar ocorrendo uma insufi ciência de demanda<br />
por trabalhadores mais velhos e por trabalhadores menos escolarizados,<br />
grupos de grande vulnerabilidade.<br />
Logo, é importante considerar essas novas defi nições de desemprego<br />
na medida em que ampliam a refl exão sobre o desenvol-<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
119
vimento do mercado de trabalho brasileiro e trazem importantes<br />
elementos para o debate a respeito do direcionamento do sistema<br />
público de emprego e sua efi cácia. Além disso, a tendência de<br />
queda na desocupação, independentemente do conceito utilizado,<br />
reforça os resultados positivos do mercado de trabalho ocorridos<br />
recentemente.<br />
120 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010
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BYRNE, D.; STROBOL, E. Defi ning unemployment in developing countries:<br />
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FONTES, A.; MACHADO, D. C. Um indicador de satisfação no trabalho e a<br />
mobilidade do mercado de trabalho: um estudo para homens e mulheres.<br />
In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 36, 2008, Salvador. Anais…<br />
Salvador: ANPEC, 2008.<br />
GÖRG, H.; STROBOL, E. The incidence of visible underemployment: evidence<br />
for Trinidad and Tobago. Credit Research Papers, London, n. 01/10, 2001.<br />
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current international standards and issues in their application. [S.l.]:<br />
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SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 90-121 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
121
ÁREAS PROTEGIDAS E<br />
INCLUSÃO SOCIAL<br />
UMA EQUAÇÃO POSSÍVEL EM POLÍTICAS PÚBLICAS<br />
DE PROTEÇÃO DA NATUREZA NO BRASIL?<br />
Marta de Azevedo Irving<br />
122 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
O presente trabalho tem o objetivo de refl etir sobre a relação sociedade e natureza,<br />
na contemporaneidade, e sua expressão em políticas públicas de proteção<br />
da natureza no Brasil. A análise se fundamenta nos compromissos de inclusão<br />
social assumidos pelo país, no cenário internacional, e do contexto de pressão<br />
sobre a base de recursos naturais, motivada pelas demandas de crescimento e<br />
redução das desigualdades sociais. Para tal, se parte de uma perspectiva teórica<br />
sobre a problemática da relação sociedade e natureza, traduzida na leitura<br />
de algumas políticas públicas norteadoras no Brasil, como o Sistema Nacional<br />
de Unidades de Conservação (Snuc) e o Plano Estratégico Nacional de Áreas<br />
Protegidas (Pnap). Parece claro que, embora nos últimos anos se verifi que um<br />
avanço considerável do discurso destas políticas com relação ao compromisso<br />
de inclusão social, na prática, muitos desafi os permanecem ainda sem resposta,<br />
tendo em vista a complexidade das “arenas” sociais envolvidas e as demandas,<br />
na perspectiva estratégica internacional.<br />
Palavras-chave: natureza; áreas protegidas; políticas públicas; inclusão social<br />
The aim of the present work is to refl ect about the relation between nature and<br />
society, in the contemporary world, and its expression in public policies, in Brazil.<br />
The analysis is based on the social inclusion commitments assumed by the<br />
country in the international scenario and the context of growing pressure on<br />
the natural resources, motivated by growth and poverty reduction demands. To<br />
reach this purpose, the work is based on a theorical overview about nature and<br />
society approach, which is translated in the interpretation of some key public<br />
policies in Brazil, such as the National System of Conservation Units (SNUC)<br />
and the National Strategic Plan on Protected Areas (PNAP). Although it is clear<br />
that, in the last years, there has been a considerable improvement in public<br />
policies, concerning to social inclusion approach, in practical terms, many challenges<br />
are still without solution, mainly due to the complexity of social “arenas”<br />
and the strategic demands in the international context.<br />
Keywords: nature; protected areas; public policies; social inclusion<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
123
CONTEXTUALIZANDO O TEMA: PARA INICIAR O PERCURSO<br />
Importantes paradoxos têm marcado o pensamento contemporâneo,<br />
em função da herança histórica de distanciamento entre sociedade<br />
e natureza, legado de uma perspectiva pós-industrial e moderna,<br />
na qual a mercantilização da natureza resulta de permanente e frenética<br />
engrenagem na produção de bens e serviços, inspirados pela ótica<br />
de proliferação de desejos tão intensos quanto insaciáveis. E neste<br />
cenário mutante e, ao mesmo tempo, provisório nada “permanece”,<br />
tudo se substitui em tempo e espaço, na impermanência da “modernidade<br />
líquida” (BAUMAN, 2001). E neste movimento, a transposição<br />
de valores do “ser humano” para o “ter humano”, em um processo de<br />
alienação baseado na produção incessante de desejos e frustrações<br />
(TAVARES; IRVING, 2009). E, assim, a “natureza humana” se desvincula<br />
da “natureza naturada”. Mas segundo Moscovici (2007), a natureza<br />
“...nos fabrica, tanto quanto nós a fabricamos”. E nesta relação,<br />
todos compartilham o mesmo destino, no que Edgar Morin denomina<br />
Terra Pátria (MORIN; KERN, 2000). O existir se baseia, portanto, na<br />
indissociabilidade entre natureza e sociedade, e no compartilhamento<br />
de uma realidade comum, na qual um estado de infl uência recíproca<br />
e permanente defi ne o movimento.<br />
Tendo como base este pressuposto, refl etir sobre uma possível relação<br />
entre a proteção da natureza e o compromisso de inclusão social requer,<br />
segundo Irving et al. (2008) “um exercício de desconstrução de mitos<br />
históricos, consolidados na sociedade contemporânea, a partir de um<br />
olhar fragmentado e distorcido sobre a relação sociedade e natureza”.<br />
Este modo de pensar da sociedade contemporânea, fundamentado<br />
na disjunção absoluta entre o homem e a natureza, tem sido sistematicamente,<br />
criticado por Morin, para o qual esta compartimentação<br />
resulta de uma perspectiva disciplinar de interpretação da realidade,<br />
que impede a relação entre as partes e entre estas e o todo. Para o<br />
autor, o pensamento ocidental opera por disjunção e redução. Mas<br />
nesta dinâmica, resistências e rupturas acontecem, se repetem e se<br />
reconstroem, permanentemente (MORIN; HULOT, 2007), e deste<br />
modo novos acontecimentos são possíveis.<br />
Para Loureiro (2004), esta disjunção é ainda reforçada pelo modelo<br />
de desenvolvimento adotado a partir da sociedade pós-industrial,<br />
124 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
ealimentado no contexto do capitalismo, que dicotomiza esta relação,<br />
na medida em que transforma o meio natural em recurso e não<br />
privilegia a indissociabilidade entre natureza e cultura. E ainda, se a<br />
natureza não está associada a seu valor intrínseco, a proteção do meio<br />
natural se justifi ca apenas por sua importância em “atendimento às<br />
necessidades humanas” (EHRENFELD, 1992). E, na esquizofrenia pósmoderna,<br />
a reprodução da crença do domínio humano sobre a natureza.<br />
Mas natureza e sociedade compõem um complexo indissociável<br />
(GUATTARI, 1991; MORIN; KERN, 2000, op. cit.; ACSELRAD, 2004;<br />
MOSCOVICI, 2007, op. cit.). E, neste caso, o “mito moderno da natureza<br />
intocada”, fundamentado na crença da cisão entre as partes e na<br />
afi rmação de que a natureza precisa ser protegida do efeito perverso<br />
da existência humana (DIEGUES, 1996), tende a incorporar uma nova<br />
leitura. E nesta nova interpretação, o ser natural é também um ser<br />
social e o ser social é natureza.<br />
No movimento desta refl exão fi losófi ca emerge também o “imprevisível<br />
anunciado”, expresso na crise ecológica e ambiental, com sua<br />
face mais aguda nas últimas décadas, e que também coloca em xeque<br />
a própria modernidade, cujas dimensões mais valorizadas (consagração<br />
da autonomia, da liberdade, da personalidade e autorrealização<br />
dos indivíduos, do ter e não do ser) se volatilizam em sua face obscura,<br />
um difuso mal-estar expresso no isolamento social, moral e político,<br />
o que resulta em alienação, perda da solidariedade e individualismo.<br />
Assim, o mal-estar social se confunde e se mimetiza com os problemas<br />
ambientais e ecológicos, e com eles o despertar súbito e o choque resultante<br />
do risco de sobrevivência da própria espécie humana. Neste<br />
cenário, “as incertezas pela certeza da imprevisibilidade” (IRVING et<br />
al., 2008). E para Moscovici (2007) a “questão ecológica” expressa a<br />
consciência de que o lugar do homem na natureza está em crise, o<br />
que legitima a recusa de se continuar a considerar o homem como<br />
espécie privilegiada, ou ainda de se separar a história das sociedades<br />
humanas da história de suas naturezas. E este constitui um dos principais<br />
dilemas da contemporaneidade.<br />
E, apesar de inúmeras conferências internacionais 1 e convenções de<br />
1 Notadamente o esforço da ONU na Conferência de Estocolmo, em 1972,<br />
e seus desdobramentos, entre eles, a Rio 92, uma das referências globais na<br />
discussão e difusão da temática ambiental.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
125
âmbito global assinadas 2 com o objetivo de “conter” a degradação<br />
dos ambientes naturais e a escalada de riscos ambientais, a partir do<br />
início do século XXI, mais claras são também as evidências de que as<br />
condições socioambientais do planeta continuam não sendo as melhores.<br />
Pelo contrário, são ainda mais marcantes os sintomas do que<br />
Moscovici (2007, op. cit.) denomina “bancarrota ecológica”, caracterizada<br />
pelo aumento da pobreza, das epidemias, do desmatamento e<br />
da destruição fl orestal de áreas naturais, da contaminação de recursos<br />
hídricos e da atmosfera, e resultante do uso predatório da natureza e<br />
dos padrões de consumo e modos de vida insustentáveis.<br />
Segundo Irving et al. (2008, op. cit.), o cerne desta questão está<br />
efetivamente na natureza das sociedades capitalista industrial e pósindustrial,<br />
uma vez que nelas,<br />
(...) as dimensões humanas, da natureza e do ambiente natural e social<br />
são submetidas à lógica mercantil e monetária, elevando até o ponto<br />
extremo a contraposição e dissociação sociedade/natureza. Entretanto,<br />
não basta reconhecer que a tendência para uma crise social e ambiental<br />
mais aguda está no sistema capitalista e na sua vital necessidade de<br />
lucros contínuos e crescentes. (...) muitas são as dimensões históricas,<br />
sociais e culturais que contribuem para ilustrar a situação paradoxal,<br />
na qual ambientes são agredidos e deteriorados com obstinada determinação<br />
e, ao mesmo tempo, se desenvolve um sentimento de apreço<br />
pela natureza e por um ambiente favorável à vida humana e social.<br />
(IRVING et al., 2008, p. 5)<br />
Neste cenário, estratégias internacionais são reiteradamente discutidas<br />
para a conservação da biodiversidade global. E também nesta<br />
direção se observa uma mudança gradual de foco. Este movimento<br />
pode ser claramente observado nas Conferências das Partes (COPs)<br />
da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e da Convenção sobre<br />
Mudanças Climáticas, que passam a considerar, cada vez mais, o<br />
compromisso de repartição justa dos benefícios decorrentes do uso da<br />
biodiversidade e os aspectos sociais vinculados à conservação da natu-<br />
2 Com ênfase às Convenções sobre Mudanças Climáticas e Diversidade Biológica<br />
durante a Rio 92 e, posteriormente, toda a sequência de Conferência<br />
das Partes (COPs).<br />
126 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
eza e ao repensar dos modos de vida da sociedade contemporânea.<br />
Da mesma forma, esta abordagem passa a ser internalizada nas deliberações<br />
da International Union for Conservation of Nature (IUCN),<br />
de forma marcante, a partir da Declaração de Durban (IUCN, 2003),<br />
o que é ainda reforçado pelo estabelecimento das Metas do Milênio<br />
(PNUD, 2005) e da Convenção sobre a Diversidade Cultural (CONFE-<br />
RÊNCIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A<br />
EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 33, 2005). E neste campo de<br />
debate e refl exão, a própria noção de conservação da natureza passa<br />
a ser também entendida como construção humana, na qual novas<br />
lógicas são então delineadas, em um esforço de resgate e reintegração<br />
entre sociedade e natureza. Isto acontece de maneira evidente<br />
na dinâmica de países emergentes ou em vias de desenvolvimento<br />
fortemente pressionados pelas demandas de crescimento, pelas desigualdades<br />
sociais e pela pressão internacional para a proteção da<br />
natureza. Este tem sido o caso do Brasil e de outros países da América<br />
Latina nos últimos anos.<br />
Neste sentido, nas últimas três décadas, importantes avanços têm<br />
ocorrido, no país, para o aprimoramento da legislação ambiental e<br />
para a institucionalização da questão ecológica (MEDEIROS; IRVING;<br />
GARAY, 2004). Particularmente, nos últimos anos, a partir da Política<br />
Nacional de Meio Ambiente (BRASIL, 1981) e da Constituição Federal<br />
de 1988 (BRASIL, 1988), a democratização da gestão de patrimônio natural<br />
e o protagonismo social nas ações governamentais de proteção da<br />
natureza passaram a se constituir em compromisso central em políticas<br />
públicas, ainda que no primeiro momento apenas no plano do discurso<br />
político. Posteriormente, os esforços foram dirigidos para a construção<br />
de um arcabouço jurídico e institucional consistente que, na atualidade,<br />
transformou o país em ícone de inovação em políticas de proteção da<br />
natureza, na América Latina. Este avanço foi obtido, principalmente, a<br />
partir do estabelecimento e regulamentação do Sistema Nacional de<br />
Unidades de Conservação – Snuc (BRASIL, 2000 e 2002), do Plano<br />
Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – Pnap (BRASIL, 2006) e da<br />
Política de Povos e Populações Tradicionais – PPPT (BRASIL, 2007).<br />
Mas em que medida as políticas públicas de proteção da natureza, e<br />
em particular aquelas relacionadas às áreas protegidas, são realmente<br />
capazes de promover inclusão social?<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
127
INCLUSÃO SOCIAL: O QUE, POR QUE E PARA QUEM?<br />
Para responder a esta questão é fundamental que se entenda o próprio<br />
conceito de inclusão social (para o qual não há uma abordagem<br />
consensual), a partir da desmistifi cação do binômio simplista inclusãoexclusão,<br />
que tanto tem orientado os discursos políticos nos países<br />
emergentes.<br />
Neste sentido, Martins (2002) reafi rma que exclusão é um desses<br />
termos que fazem parte de um conjunto de categorizações imprecisas,<br />
atualmente utilizadas de maneira indiscriminada e difusa, para defi nir<br />
os aspectos mais problemáticos da sociedade contemporânea, no Terceiro<br />
Mundo.<br />
Nessa direção, tal conceito tende a englobar os mais diferentes problemas<br />
sociais da sociedade, com o sentido de tudo explicar. E, de<br />
acordo com o autor (op. cit.), na verdade:<br />
Não existe exclusão e sim inclusões de diferentes formas, sejam elas<br />
satisfatórias ou precárias, marginais, instáveis. O que se chama de exclusão<br />
é aquilo que constitui o conjunto das difi culdades, dos modos e<br />
dos problemas de uma inclusão insatisfatória. A inclusão daqueles que<br />
estão sendo alcançados pela nova desigualdade social produzida pelas<br />
grandes transformações econômicas e para os quais não há senão,<br />
na sociedade, lugares residuais. Nesse sentido, exclusão, sociologicamente,<br />
não existe. O discurso corrente sobre exclusão é basicamente<br />
produto de um equívoco, de uma fetichização, a fetichização conceitual<br />
da exclusão, a exclusão transformada em uma palavra mágica que<br />
explicaria tudo. (MARTINS, 1997, p. 29)<br />
Mas, para Martins (op. cit.), este reducionismo, centrado no binômio<br />
inclusão-exclusão, representa uma cilada, que impede a discussão do<br />
que está no cerne da questão, ou seja, as formas precárias de inclusão.<br />
Neste contexto, o que parece fundamental não é o discurso vazio, centrado<br />
em terminologias já banalizadas, mas a investigação das causas do<br />
processo, que levam os grupos humanos às situações de exclusão, ou<br />
melhor, de “inclusão” de modo insatisfatório, degradante, desumano.<br />
Esta constitui uma refl exão fundamental no caso dos países emergentes,<br />
como é o caso do Brasil. E, nesse sentido, estes países têm<br />
128 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
feito escolhas estratégicas em relação às suas prioridades de desenvolvimento,<br />
muitas vezes contraditórias com as demandas sociais e de<br />
proteção da biodiversidade. Na necessidade de avançar nas estatísticas<br />
de crescimento e ascender aos patamares das denominadas grandes<br />
economias do século XXI, muitos deles reforçam a reprodução<br />
dos padrões de acumulação de capital, os processos exclusivos e a<br />
degradação cultural e ambiental. E as práticas e formas de intervir na<br />
natureza, sem que se compreendam as subjetividades envolvidas e se<br />
modifi que o modelo de desenvolvimento, resultam em sérios problemas<br />
no plano real, no contexto prático-político e nas relações “locallocal”<br />
e “local-global”. Da mesma forma, a sedução pela simplifi cação<br />
do “complexo”, motivada pela busca de respostas imediatas, se traduz<br />
em escolhas nem sempre sustentáveis e, frequentemente, perversas<br />
para o processo inclusivo. E, nesse percurso, a falácia reiterada e obsoleta<br />
de crescimento econômico a qualquer custo, numa corrida matematicamente<br />
inviável entre as estatísticas de população humana e a<br />
base de recursos naturais renováveis para sustentar o processo e, evidentemente...<br />
as crises política, econômica, social, ambiental e ética.<br />
Neste cenário, em países como o Brasil, se mantém o equívoco recorrente<br />
da crença de que todo e qualquer problema pode ser resolvido<br />
apenas pela existência de um regime democrático e participativo,<br />
como pregam os textos das políticas públicas vigentes. Com certeza<br />
este seria um início de um longo processo, se partisse do pressuposto<br />
de que o compromisso de participação social expresso nas políticas<br />
públicas deveria estar conectado com uma realidade política que privilegiasse<br />
um modelo de desenvolvimento justo em uma sociedade<br />
não tão desigual, na qual as relações produtivas não seriam tão fortemente<br />
confl itivas.<br />
Esta talvez seja uma das principais razões pelas quais, nos últimos<br />
anos, esta temática tem ocupado o campo das refl exões acadêmicas,<br />
sendo progressivamente incorporada pelos discursos governamentais<br />
de diversas áreas e setores econômicos, que assumem o compromisso<br />
de formulação de políticas públicas e implementação de programas e<br />
projetos voltados à promoção da inclusão social.<br />
Assim, no caso específi co da realidade latino-americana, um dos<br />
principais desafi os enfrentados com este objetivo tem sido, justamente,<br />
o combate ao agravamento dos processos exclusivos e a busca por<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
129
modelos de desenvolvimento capazes de assegurar processos democráticos<br />
e includentes. No entanto, nas últimas décadas, o fenômeno<br />
da globalização tem afetado consideravelmente estas iniciativas, uma<br />
vez que passou a reafi rmar relações de dependência entre países desenvolvidos<br />
e subdesenvolvidos, com impactos signifi cativos de ordem<br />
social, ambiental, cultural, política e, sobretudo, econômica, na dinâmica<br />
de desenvolvimento dos países emergentes. Uma crise ética para<br />
a qual o caminho para a solução não parece tão linear.<br />
Mas neste cenário nem sempre favorável, como pensar a questão<br />
da inclusão social, no futuro? E como associar este compromisso às<br />
políticas de proteção da natureza?<br />
Para responder a esta pergunta, o primeiro passo seria tentar refl etir<br />
sobre de que forma a exclusão social se expressa no cotidiano destas<br />
sociedades designadas como “economias emergentes”.<br />
Neste sentido, Escorel (1997), revisitada por Sancho (2007) e Sancho<br />
e Irving (no prelo), aborda a temática da exclusão social como<br />
um processo que envolve trajetórias de vulnerabilidade, fragilidade<br />
ou precariedade e até ruptura de vínculos, em quatro dimensões e<br />
perspectivas da existência humana em sociedade: trabalho, social, política<br />
e cultural. A vulnerabilidade do trabalho recai sobre o aumento<br />
do desemprego, do emprego precário e da instabilidade a ele associada.<br />
Com relação à dimensão social, há a ruptura e/ou fragilização<br />
das relações familiares, de vizinhança e no interior do grupo social,<br />
levando o indivíduo ao isolamento e à solidão. Na dimensão política,<br />
as trajetórias envolvidas se baseiam na precariedade no acesso e no<br />
exercício dos direitos de cidadão e na impossibilidade de participação<br />
e representação na esfera pública. Na dimensão cultural, exclusão se<br />
caracteriza pela indiferença, discriminação e pelo não reconhecimento<br />
dos costumes e tradições culturais de um determinado grupo social.<br />
Além dessas dimensões, a interpretação do tema exclusão/inclusão<br />
social requer ainda uma nova leitura sob a perspectiva das dimensões<br />
ambiental e simbólica. Assim, para se pensar mecanismos futuros para<br />
a avaliação de políticas públicas de proteção da natureza, em sua vertente<br />
de inclusão social, algumas dimensões de análise precisam ser<br />
consideradas e estão sistematizadas no Quadro 1.<br />
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Quadro 1<br />
Dimensões possíveis para a interpretação de inclusão social<br />
em políticas públicas de proteção da natureza<br />
Dimensões Temas de análise<br />
Política<br />
Econômica<br />
Trabalho<br />
Cultural<br />
Ambiental<br />
Formação cidadã no sentido de participação e representação<br />
na esfera pública de tomada de decisão<br />
Exercício pleno de direitos e deveres de cidadão<br />
Descentralização de poder e ações por parte dos órgãos governamentais<br />
em um sistema de corresponsabilidade e governança democrática<br />
Capital social/Capacidade de organização local<br />
Engajamento político através de redes sociais<br />
Acesso à informação de qualidade<br />
Oportunidades de renda digna e inserção no mercado<br />
Padrões dignos de qualidade de vida<br />
Benefícios compartilhados de ações coletivas<br />
Prioridades nas estratégias locais de desenvolvimento<br />
Acesso aos meios de crédito<br />
Disponibilidade de emprego (postos de trabalho)<br />
Emprego reconhecido pela legislação<br />
Estabilidade nos postos de trabalho<br />
Direito à educação como meio de inserção cidadã e no mercado de<br />
trabalho<br />
Acesso aos meios de crédito<br />
Satisfação no trabalho<br />
Qualidade do ambiente de trabalho<br />
Reconhecimento, valorização e fortalecimento das tradições e costumes<br />
culturais locais<br />
Garantias de proteção e conservação do patrimônio histórico-artísticocultural<br />
Acesso a intercâmbio<br />
Reconhecimento e afi rmação da diversidade cultural do grupo social<br />
Acesso a lazer de qualidade<br />
Direito à expressão de religiosidade e espiritualidade<br />
em todas as suas formas<br />
Garantia de conservação dos recursos renováveis<br />
Acesso à visão (noção) coletiva de patrimônio natural<br />
Garantia de adoção e internalização de práticas sustentáveis de uso dos<br />
recursos não renováveis<br />
Garantia de acesso a um ambiente natural saudável<br />
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131
Social<br />
Simbólica/<br />
Imaterial<br />
Fortalecimento/Melhoria das relações sociais<br />
Prevenção/Combate aos problemas sociais (violência, tráfi co de drogas,<br />
prostituição, exploração sexual infantil, etc.)<br />
Prevenção contra a exploração em qualquer situação<br />
Acesso a oportunidades de educação de qualidade<br />
Coesão e fortalecimento de laços sociais no grupo<br />
Sentimento de pertencimento ao grupo social<br />
Sentimento de bem-estar<br />
Consciência de valores de ancestralidade e cosmologias do grupo<br />
Sentimento de cidadania planetária (comunidade de destino)<br />
Fonte: Matriz adaptada e reconstruída com base em Escorel(1996); Sancho (2007) e Sancho e Irving (no prelo)<br />
Desse modo, a promoção de inclusão social está diretamente ligada<br />
à formação de uma consciência crítica e cidadã na sociedade que<br />
contemple aspectos relacionados à educação, à ética, à solidariedade,<br />
à responsabilidade nas ações e no compromisso com os direitos e interesses<br />
coletivos, de forma que o cidadão passe a assumir um papel<br />
central e decisivo, ao lado do poder público, no processo de desenvolvimento<br />
do país.<br />
Nessa lógica, o compromisso de inclusão social pressupõe a articulação<br />
de políticas econômicas, sociais e também ambientais, integrando<br />
questões relacionadas à inserção (ou reinserção) no mercado e ao<br />
fortalecimento da noção de cidadania e dos espaços de participação<br />
social, de maneira a possibilitar a minimização dos processos que levam<br />
à desigualdade social. E para tal, o ponto de partida parece ser o<br />
reconhecimento de que o confl ito faz parte das sociedades humanas<br />
e que, se este não for explicitado, radiografado e discutido, não será<br />
possível uma construção de políticas públicas consistentes, baseadas<br />
na realidade e nas dinâmicas sociais a ela associadas.<br />
Para Demo (2005), os consensos democráticos não eliminam os<br />
confl itos. Ao contrário, sua explicitação permite criatividade e inovação.<br />
Para o autor, “(...) mais que resolver confl itos, os consensos os<br />
acalmam, disciplinam, organizam, de tal forma que o bem comum<br />
possa prevalecer”. Assim, esta se constitui em uma leitura bem mais<br />
complexa e não linear da convivência humana, que inclui a aceitação<br />
de que o ser humano não é “solucionável” no plano evolucionário e<br />
histórico. E assim, segundo este ponto de vista, “nem todos os confl itos<br />
132 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
podem, devem ou merecem ser solucionados, já que são parte endógena<br />
da dialética da natureza”.<br />
Assim, parece claro que políticas públicas de proteção da natureza<br />
tenderão a avançar, a partir do reconhecimento do que representam<br />
os confl itos designados como “ambientais”, entendidos por Acselrad<br />
(2004, op. cit.) como aqueles que envolvem<br />
(...) grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e<br />
signifi cação do território, tendo origem quando pelo menos um dos<br />
grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio<br />
que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos<br />
pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das<br />
práticas de outros grupos. (ACSELRAD, 2004, p. 26)<br />
O PASSIVO DE CONFLITOS NO PROCESSO DE<br />
PROTEÇÃO DA NATUREZA NO BRASIL<br />
Como anteriormente discutido, refl etir sobre a gestão de áreas protegidas<br />
requer um exercício de desconstrução de mitos históricos,<br />
consolidados na sociedade contemporânea, a partir de um olhar fragmentado<br />
e distorcido sobre a cisão sociedade e natureza.<br />
Neste caso, Morin (1973) afi rma que, embora inúmeras tentativas teóricas<br />
tenham sido propostas para ancorar a ciência do homem sobre<br />
uma base naturalista, a biologia se fechou historicamente no biologismo,<br />
e a antropologia, no antropologismo, que traduz uma concepção<br />
insular do homem. Mas, na contemporaneidade, estas fronteiras perderam<br />
o sentido. E brechas políticas e resistências operam, permanentemente,<br />
no centro deste paradigma e, com elas, aberturas a outros<br />
domínios, até então interditados. Assim, o “mito moderno da natureza<br />
intocada” (DIEGUES, 1996, op. cit.), que orientou, historicamente, as<br />
políticas de proteção da natureza no país, adquire recentemente uma<br />
nova leitura, e, neste novo enfoque, o ser natural é também um ser<br />
social. Natureza e sociedade são então interpretadas como partes inseparáveis<br />
de um mesmo universo.<br />
Ocorre que, apesar destas novas percepções sobre o tema, um passivo<br />
elevado de confl itos resultou deste processo histórico e tem afeta-<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
133
do, de forma marcante, a implementação das políticas nacionais mais<br />
recentes de proteção da natureza (com foco específi co nas áreas protegidas),<br />
nitidamente associadas ao compromisso de inclusão social.<br />
Seria praticamente impossível mapear todos os efeitos deste processo,<br />
mas alguns impactos decorrentes da existência de áreas protegidas e<br />
de toda a dinâmica, até então adotada, para a sua criação e gestão<br />
(que até recentemente se baseava nas noções do “homem degradador”<br />
ou da simples perspectiva utilitária e mercantilizada de natureza),<br />
parecem ser recorrentes e persistentes, no caso brasileiro.<br />
A origem de muitos confl itos sociais tem se confi gurado no próprio<br />
processo de criação de Unidades de Conservação 3 . Este processo,<br />
salvo raras exceções, tem sido conduzido de forma centralizada,<br />
burocrática e com base em argumentos ecológicos, mas não a partir<br />
de uma leitura realista do contexto socioeconômico de uma área potencial<br />
para a conservação da biodiversidade. Embora os argumentos<br />
ecológicos sejam essenciais e algumas áreas exijam efetivamente<br />
um nível de proteção elevado por sua vulnerabilidade e riqueza<br />
biológica, não se pode imaginar que estes “espaços privilegiados de<br />
natureza intocada” estejam dissociados de uma complexa dinâmica<br />
sociocultural e política. E por este equívoco de interpretação, estas<br />
áreas impostas por um ator social exógeno à realidade local não costumam<br />
ser internalizadas pelas populações que ali habitam como<br />
patrimônio coletivo, de valor para a sua própria sobrevivência. Ao<br />
contrário, são interpretadas como obstáculos ao seu direito de existir<br />
e sobreviver. E, o que é pior, são entendidas com grande desconfi ança<br />
como bens públicos distantes, sem qualquer relevância em seu cotidiano,<br />
expressão de interesses e intenções exógenas desconhecidas.<br />
No entanto, frequentemente, no momento em que os atores locais<br />
são convidados a participar do processo, esta dinâmica tende a ser<br />
alterada (e, em alguns casos, invertida) e novos elementos surgem<br />
no processo de gestão. Neste caso, muitas vezes, a necessidade de<br />
3 Unidades de Conservação são defi nidas no Snuc (BRASIL, 2000) como “espaço<br />
territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais,<br />
com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público,<br />
com objetivos de conservação e limites defi nidos, sob regime especial de<br />
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.<br />
134 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
mobilização social para a solução de problemas comuns potencializa<br />
o nível de organização comunitária e o empoderamento local, com a<br />
consequente internalização da noção de valor deste patrimônio coletivo.<br />
Em outros, o acirramento dos confl itos existentes pode levar<br />
ao rompimento e/ou degradação dos laços sociais. Mas este quadro<br />
tende também a se modifi car no momento em que novos atores<br />
externos passam a atuar no local, e a possibilidade de captação de<br />
recursos, induzida pela própria existência da UC, passa a interferir<br />
na dinâmica social. Por outro lado, a falta de informações sobre a<br />
área protegida e a indefi nição sobre o destino dos grupos humanos<br />
em seu interior ou entorno (principalmente no caso daquelas associadas<br />
à maior restrição de uso dos recursos naturais) potencializa a<br />
insegurança, a rejeição à área e as diferentes formas de confl ito. E<br />
este tem sido o caso da maioria das UCs brasileiras (principalmente<br />
as de proteção integral), à exceção daquelas criadas a partir do próprio<br />
movimento social e das demandas locais.<br />
Uma outra fonte de confl itos históricos tem sido a fragmentação<br />
de políticas públicas (ou a “esquizofrenia” de políticas públicas) e a<br />
difi culdade de planejamento estratégico nas próprias esferas envolvidas,<br />
conforme discutido por Irving et al. (2007, op. cit.). Este fato tem<br />
gerado problemas graves como a criação de UCs em sobreposição às<br />
Terras Indígenas (fato marcante no caso amazônico), o mesmo território<br />
sendo priorizado, simultaneamente, pelas políticas vinculadas à<br />
proteção da natureza, à reforma agrária, ao agronegócio, à energia e<br />
à infraestrutura. E ainda mais problemático, o confronto direto entre<br />
as prioridades de proteção da natureza e as estratégias desenvolvimentistas<br />
consolidadas em investimentos governamentais, claramente<br />
ilustradas pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).<br />
Assim, o mesmo território é priorizado em políticas públicas para<br />
fi ns contraditórios. E em um contexto no qual as informações sobre<br />
estas iniciativas não são democratizadas, resta um passivo de confl ito,<br />
insatisfação e frustração coletiva. Estas práticas governamentais<br />
estão no cerne das principais tensões sociais locais e também na<br />
difi culdade de entendimento do real papel das áreas protegidas para<br />
o país. Além disso, é também importante ressaltar que o processo de<br />
transformação social resultante da existência de uma área protegida<br />
tende a ser irreversível.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
135
Mas como avaliar as reais mudanças sociais decorrentes deste processo<br />
e até que ponto elas são benéfi cas ou prejudiciais? Esta tem sido<br />
uma pergunta sem resposta na história recente das políticas de proteção<br />
da natureza no Brasil. Isto porque são raras as informações sistematizadas<br />
sobre as áreas protegidas (e, em especial, Terras Indígenas<br />
e Unidades de Conservação) que possam caracterizar uma linha de<br />
base para a própria avaliação de políticas públicas. Da mesma forma,<br />
a cultura pública no país não privilegia um planejamento estratégico<br />
por resultados, com base em indicadores claros. Por outro lado, transformação<br />
social não se mede apenas por indicadores quantitativos,<br />
usualmente empregados nos levantamentos socioeconômicos convencionais.<br />
Muito pelo contrário, avaliar transformação social (pela ótica<br />
de inclusão social, conforme discutido anteriormente) requer um esforço<br />
de interpretação de subjetividades, de imaginários e cosmologias<br />
que as pesquisas em áreas protegidas não costumam considerar.<br />
Também por esta razão, novos caminhos necessitam ser trilhados para<br />
que as políticas com este objetivo tenham êxito, no futuro.<br />
PRÓXIMO PASSO: OUSANDO CAMINHOS DEMOCRÁTICOS<br />
PARA A GESTÃO DE ÁREAS PROTEGIDAS NO BRASIL<br />
Nesta direção, como anteriormente mencionado, no caso brasileiro,<br />
a perspectiva da integração entre sociedade-natureza, nos últimos<br />
anos, tende a ser uma das premissas centrais de políticas públicas de<br />
proteção da natureza. No entanto, e ironicamente, estas se expressam<br />
de modo ainda paradoxal, uma vez que a lógica prevalecente no estabelecimento<br />
de uma Unidade de Conservação (UC) se inspira ainda<br />
na noção do “mito moderno da natureza intocada” (DIEGUES, 1996<br />
op. cit.) e parte do pressuposto da necessidade de se “defender” um<br />
determinado ecossistema natural (considerado ecologicamente relevante<br />
sob a ótica local e/ou global) da ação humana, potencialmente<br />
predatória. Na prática, o processo busca “isolar” a área a ser protegida<br />
do seu entorno, considerado como a sua principal ameaça 4 .<br />
4 Uma situação emblemática e ilustrativa desta afi rmação, neste caso, se refere<br />
aos “parques” (categoria de manejo de proteção integral), que tipifi cam como<br />
nenhuma outra categoria de manejo a cisão sociedade-natureza, conforme discutido<br />
por Irving e Matos (2006), o que evidentemente resulta em confl ito.<br />
136 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
No entanto, a Lei n o 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional<br />
de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000 e 2002), associada e fortalecida<br />
pelo Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – Pnap<br />
– Lei nº 5.758/2006 (BRASIL, 2006), responde também, de maneira<br />
inovadora e democrática, aos compromissos assumidos pelo país no<br />
contexto da Convenção da Diversidade Biológica, ao instituir a obrigatoriedade<br />
da gestão participativa das Unidades de Conservação (a<br />
partir de conselhos deliberativos e/ou consultivos), envolvendo Estado<br />
e sociedade. E desta decisão emerge a possibilidade de superação de<br />
uma série de impasses e confl itos que têm caracterizado os processos<br />
de criação e gestão destas áreas e que tem colocado em risco a própria<br />
consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.<br />
Nesse sentido, um dos objetivos expressos do Snuc se refere à promoção<br />
do desenvolvimento sustentável, a partir dos recursos naturais<br />
(Objetivo IV), o que é complementado pelo objetivo seguinte, de promover<br />
a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza<br />
no processo de desenvolvimento (Objetivo V). Estes dois objetivos<br />
se articulam e se tornam ainda mais complexos pela reconhecida importância<br />
da valorização econômica e social da diversidade biológica<br />
(Objetivo XI). Dessa forma, o Snuc expressa, de maneira clara em seus<br />
objetivos, as articulações necessárias, sob a ótica de planejamento, entre<br />
políticas de proteção da natureza e aquelas vinculadas à promoção<br />
do desenvolvimento econômico e social. É evidente, portanto, que<br />
um Conselho de Unidades de Conservação não pode apenas operar<br />
na lógica “intralimites” da natureza protegida, dissociada da dinâmica<br />
regional de desenvolvimento, ou correrá o risco de permanecer, na<br />
perspectiva de gestão, apenas como instância formal e protocolar, sem<br />
qualquer capacidade real de infl uenciar decisões políticas estratégicas.<br />
Ainda refl etindo sobre as inovações trazidas pelo Snuc, os objetivos<br />
mencionados são articulados em três diretrizes centrais:<br />
a) mecanismos e procedimentos devem ser assegurados para o envolvimento<br />
da sociedade no estabelecimento e na revisão da Política<br />
Nacional de Unidades de Conservação (Diretriz II);<br />
b) a participação efetiva das populações locais deve ser assegurada<br />
na criação, implantação e gestão de Unidades de Conservação (Diretriz<br />
III);<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
137
c) as necessidades das populações locais devem ser consideradas no<br />
desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável<br />
de recursos naturais, independentemente das diferentes categorias de<br />
manejo previstas (Uso Sustentável ou Proteção Integral) (Diretriz XIX).<br />
Em algumas de suas diretrizes, o Snuc enfatiza, portanto, a questão<br />
da participação social e o compartilhamento de benefícios decorrentes<br />
da existência da própria UC como temas centrais e garantia de<br />
efetividade da própria política de proteção da natureza.<br />
Assim, enquanto no primeiro momento de criação de UCs prevalece<br />
no Snuc a “defesa” da Unidade de Conservação da ameaça da<br />
ação humana (embora a sistemática de consultas públicas seja prevista),<br />
no processo de gestão o compromisso de participação social<br />
ilustra a possibilidade de uma nova percepção: a de que o êxito desta<br />
política de proteção da natureza depende do efetivo engajamento<br />
das populações locais e dos diferentes atores sociais no processo de<br />
gestão e decisão política, a partir da internalização da natureza como<br />
patrimônio coletivo e da integração da área protegida com a dinâmica<br />
socioeconômica do entorno.<br />
O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – Pnap – (BRASIL,<br />
2006) resulta, na sequência, de uma ampla discussão com a sociedade<br />
brasileira, no sentido de avançar nos compromissos assumidos pelo<br />
Brasil no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica, apoiando<br />
a implantação/consolidação de um sistema abrangente de áreas protegidas<br />
ecologicamente representativo, efetivamente manejado, integrando<br />
as áreas terrestres e marinhas, até 2015. O Pnap estabelece<br />
diversos princípios e diretrizes, alguns dos quais reforçam esta nova<br />
perspectiva de integração sociedade e natureza, também no âmbito<br />
das políticas públicas, entre os quais:<br />
• valorização dos aspectos éticos, étnicos, culturais, estéticos e simbólicos<br />
da conservação da natureza (Princípio III);<br />
• valorização do patrimônio natural e do bem difuso, garantindo os<br />
direitos das gerações atuais e futuras (Princípio IV);<br />
• reconhecimento das áreas protegidas como um dos instrumentos<br />
efi cazes para a diversidade biológica e sociocultural (Princípio VII);<br />
• repartição justa e equitativa dos custos e benefícios advindos da<br />
conservação da natureza, contribuindo para a melhoria de quali-<br />
138 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
dade de vida, erradicação da pobreza e redução das desigualdades<br />
regionais (Princípio XII);<br />
• desenvolvimento de potencialidades de uso sustentável das áreas<br />
protegidas (Princípio XIII);<br />
• reconhecimento e fomento às diferentes formas de conhecimento<br />
e práticas de manejo sustentável dos recursos naturais (Princípio<br />
XIV);<br />
• harmonização com as políticas públicas de ordenamento territorial<br />
e desenvolvimento regional sustentável (Princípio XVII);<br />
• pactuação e articulação das ações de estabelecimento e gestão<br />
das áreas protegidas com os diferentes segmentos da sociedade<br />
(Princípio XVIII);<br />
• promoção da participação, da inclusão social e do exercício de<br />
cidadania na gestão das áreas protegidas, buscando permanentemente<br />
o desenvolvimento social, especialmente para as populações<br />
do interior e do entorno das áreas protegidas (Princípio XX);<br />
• consideração do equilíbrio de gênero, geração, cultura e etnia na<br />
gestão das áreas protegidas (Princípio XXI);<br />
• garantia de ampla divulgação e acesso público às informações relacionadas<br />
às áreas protegidas (Princípio XXIV).<br />
Estes princípios trazem à tona e ilustram, neste texto ofi cial de políticas<br />
públicas, uma nova forma de se pensar a proteção da natureza,<br />
na qual elementos éticos, culturais e relativos aos compromissos de<br />
inclusão social ganham relevância e são expressos como norteadores<br />
dos movimentos futuros. Neste sentido, a hipótese de conselhos como<br />
instâncias apenas formais na prática operacional do manejo de Unidades<br />
de Conservação parece defi nitivamente descartada, ou o Snuc e o<br />
Pnap deixam de ter sentido real.<br />
Esta afi rmação ganha ainda maior consistência quando são consideradas<br />
as tendências de alcance global, claramente estabelecidas<br />
pelo Acordo de Durban (ACUERDO, 2003) e pela Declaração de Bariloche<br />
(DECLARAÇÃO, 2007). O Acordo de Durban desmistifi ca o<br />
modelo tradicional de interpretação e de gestão de áreas protegidas,<br />
introduzindo a discussão sobre governança e o compromisso de participação<br />
social nas estratégias de gestão para além das fronteiras formais<br />
das áreas protegidas. A Declaração de Bariloche, na continuida-<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
139
de do processo, identifi ca as prioridades latino-americanas, com forte<br />
enfoque social. Ela reafi rma o compromisso dos países latino-americanos<br />
com o Plano de Trabalho para áreas protegidas, estabelecido<br />
pela CDB, mas reconhece também que as áreas protegidas da região<br />
constituem parte da herança natural e cultural e são instrumentos<br />
indispensáveis para que sejam alcançados os objetivos de desenvolvimento<br />
sustentável e melhoria do bem-estar das populações da<br />
região, ao mesmo tempo em que podem gerar soluções às problemáticas<br />
ambientais globais. Ainda segundo esta Declaração, alcançar<br />
este reconhecimento constitui uma necessidade urgente e um desafi<br />
o para todos. O documento estabelece ainda ser fundamental a<br />
ampla participação da sociedade para a gestão includente de áreas<br />
protegidas, considerando os seus valores tangíveis e intangíveis. Para<br />
tal, é recomendada a ampliação dos processos de planifi cação participativa<br />
das áreas protegidas e a aplicação dos princípios de boa<br />
governança (transparência, equidade, prestação de contas e gerenciamento<br />
de confl itos) como mecanismo efetivo para o engajamento<br />
dos diferentes atores, a partir de espaços de diálogo. Nestes espaços<br />
devem ser consideradas as preocupações e expectativas dos diferentes<br />
atores sociais e estabelecidos compromissos e responsabilidades<br />
para a ação conjunta e coordenada entre diferentes instituições da<br />
esfera pública e representativa da sociedade civil, envolvendo comunidades<br />
locais (tradicionais ou não), povos indígenas, academia e<br />
também o setor privado, em apoio ao manejo efetivo e participativo<br />
das áreas protegidas.<br />
Importante enfatizar também que, no mesmo ano da Declaração<br />
de Bariloche, foi instituída, no Brasil, a Política de Povos e Populações<br />
Tradicionais, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável<br />
dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento,<br />
fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais,<br />
ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua<br />
identidade, suas formas de organização e suas instituições. Constituem<br />
objetivos específi cos desta política:<br />
a) garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios e<br />
o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua<br />
reprodução física, cultural e econômica;<br />
140 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
) solucionar e/ou minimizar os confl itos gerados pela implantação de<br />
Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionais<br />
e estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável;<br />
c) implantar infraestrutura adequada às realidades socioculturais e<br />
demandas dos povos e comunidades tradicionais;<br />
d) garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados<br />
direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos;<br />
e) garantir e valorizar as formas tradicionais de educação e fortalecer<br />
processos dialógicos como contribuição ao desenvolvimento próprio<br />
de cada povo e comunidade, garantindo a participação e controle<br />
social tanto nos processos de formação educativos formais quanto nos<br />
não formais;<br />
f) reconhecer, com celeridade, a autoidentifi cação dos povos e comunidades<br />
tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos<br />
seus direitos civis individuais e coletivos;<br />
g) garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso aos serviços<br />
de saúde de qualidade e adequados às suas características socioculturais,<br />
suas necessidades e demandas, com ênfase nas concepções<br />
e práticas da medicina tradicional;<br />
h) garantir no sistema público previdenciário a adequação às especifi<br />
cidades dos povos e comunidades tradicionais, no que diz respeito<br />
às suas atividades ocupacionais e religiosas e às doenças decorrentes<br />
destas atividades;<br />
i) criar e implementar, urgentemente, uma política pública de saúde<br />
voltada aos povos e comunidades tradicionais;<br />
j) garantir o acesso às políticas públicas sociais e a participação de<br />
representantes dos povos e comunidades tradicionais nas instâncias<br />
de controle social;<br />
k) garantir nos programas e ações de inclusão social recortes diferenciados<br />
voltados especifi camente para os povos e comunidades tradicionais;<br />
l) implementar e fortalecer programas e ações voltados às relações de<br />
gênero nos povos e comunidades tradicionais, assegurando a visão e a<br />
participação feminina nas ações governamentais, valorizando a importância<br />
histórica das mulheres e sua liderança ética e social;<br />
m) garantir aos povos e comunidades tradicionais acesso e gestão<br />
facilitados aos recursos fi nanceiros provenientes dos diferentes órgãos<br />
de governo;<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
141
n) assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e coletivos<br />
concernentes aos povos e comunidades tradicionais, sobretudo nas<br />
situações de confl ito ou ameaça à sua integridade;<br />
o) reconhecer, proteger e promover os direitos dos povos e comunidades<br />
tradicionais sobre os seus conhecimentos, práticas e usos tradicionais;<br />
p) apoiar e garantir o processo de formalização institucional, quando<br />
necessário, considerando as formas tradicionais de organização e<br />
representação locais; e<br />
q) apoiar e garantir a inclusão produtiva com a promoção de tecnologias<br />
sustentáveis, respeitando o sistema de organização social dos<br />
povos e comunidades tradicionais, valorizando os recursos naturais<br />
locais e práticas, saberes e tecnologias tradicionais.<br />
Esta política inova e traz com ela a clara noção de integração sociedade<br />
e natureza e a exigência de transversalidade nas ações do governo brasileiro.<br />
Ela chama também a atenção para a necessidade de reconhecimento<br />
das formas tradicionais de uso dos recursos naturais e das subjetividades<br />
envolvidas no processo. E com ela, a primeira iniciativa de integração do<br />
Snuc com a política indígena e de resgate da cultura negra.<br />
E se no caso brasileiro estas noções são progressivamente internalizadas,<br />
nos planos regional e global parece haver um evidente consenso<br />
de que a gestão de áreas protegidas deve considerar o diálogo<br />
social e as demandas dos diferentes segmentos da sociedade, em uma<br />
perspectiva sistemática e também estratégica. Mas, neste caso, como<br />
tornar possível este percurso?<br />
Parece claro que estes avanços só poderão ser consolidados quando<br />
for possível a avaliação de processo de gestão de áreas protegidas com<br />
base nos princípios de governança democrática. Segundo o Acordo de<br />
Durban (ACUERDO, 2003, op. cit.),<br />
(...) governança engloba a interação entre as estruturas, os processos, as<br />
tradições e os sistemas de conhecimento, que determinam a forma pela<br />
qual se exerce o poder, a responsabilidade e as tomadas de decisão, e na<br />
qual os cidadãos e outros interessados diretos expressam sua opinião 5 .<br />
5 Livre tradução do Acuerdo de Durban. Durban (IUCN, 2003).<br />
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Para Graham et al. (2003), governança se refere “à interação entre<br />
estruturas, processos e tradições, que determina como o poder e as<br />
responsabilidades são exercidos, como decisões são tomadas e como<br />
os cidadãos e outros parceiros envolvidos (stakeholders) são ouvidos”.<br />
Segundo os mesmos autores, constituem princípios norteadores para a<br />
construção de governança democrática na gestão de áreas protegidas:<br />
a) Legitimidade e Voz: envolve o direito à voz de todos os implicados,<br />
um contexto favorável ao ambiente democrático e de direitos<br />
humanos e um grau apropriado de descentralização e gestão participativa<br />
no processo de tomada de decisão, apoiado pela existência de<br />
associações civis e mídia independentes, além de alto nível de confi<br />
ança entre os vários atores envolvidos.<br />
b) Direcionamento: envolve visão estratégica; conformidade com<br />
o direcionamento internacional relativo às UCs, existência de fundamento<br />
legal (formal e de regras tradicionais), defi nição de sistemas<br />
nacionais de UCs, com planejamento efetivo; existência de planos de<br />
gestão individualizados para as UCs e expressão de liderança efetiva<br />
no processo.<br />
c) Desempenho: considera a efi ciência em atingir objetivos, capacidade<br />
de execução das funções requeridas, coordenação e difusão de<br />
informações ao público, responsividade e capacidade de lidar com as<br />
críticas da sociedade; processo de monitoramento e avaliação efetivos,<br />
gestão adaptativa e dinâmica, gerenciamento de risco.<br />
d) Responsabilidade/Credibilidade na prestação de contas: envolve<br />
a clareza na defi nição de responsabilidades e autoridade (quem presta<br />
contas de que e a quem); coerência das ações, existência de instituições<br />
públicas responsáveis e uma sociedade civil e mídia capazes<br />
de mobilizar demandas com este objetivo, além da transparência do<br />
processo.<br />
e) Equidade/Imparcialidade: considera a existência de um contexto<br />
jurídico de apoio ao processo, imparcialidade, correção e efi cácia na<br />
aplicação das normas relativas à UC; equidade no processo de criação<br />
e gestão de UCs.<br />
Assim, um passo importante para se iniciar esta nova construção<br />
parte da necessidade de se pensar e discutir o signifi cado dos conse-<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
143
lhos de Unidades de Conservação como “espaços” possíveis de construção<br />
de governança democrática. Para tal, é fundamental a desconstrução<br />
de clichês, cronicamente delineados e internalizados, a partir<br />
da perspectiva tecnocrática, frequentemente associada ao discurso<br />
de políticas públicas. Esta refl exão demanda também a neutralização<br />
de uma versão simplista e estereotipada de gestão, que transforma<br />
a “arena social complexa”, representada pela fi gura do Conselho de<br />
Unidades de Conservação, em mera instância formal, prevista pelo<br />
arcabouço legal vigente, para apoiar e legitimar, operacionalmente,<br />
as ações de manejo.<br />
Mas o primeiro passo nesse sentido parece ser entender o efetivo<br />
alcance do Conselho como instância política e de cidadania. O segundo<br />
passo tende a ser a decodifi cação do real alcance dos conselhos de<br />
UCs, tendo em vista o seu signifi cado como “campo de forças e arena<br />
de poder”, em uma perspectiva estratégica de cenários possíveis, considerando<br />
a UC e a dinâmica sociocultural e política de sua região de<br />
inserção, tendo em vista os desafi os para a gestão de áreas protegidas,<br />
no caso brasileiro.<br />
Mas para avançar nesta direção, é importante que se contextualize<br />
também o momento atual e os desafi os destas políticas, no plano<br />
internacional. Neste sentido, não se pode ignorar que 2010 foi designado<br />
como o Ano Internacional da Biodiversidade e, no Japão, em<br />
outubro deste ano, será realizada a 10ª Conferência das Partes (COP<br />
10) da Convenção da Diversidade Biológica, na qual um dos temas<br />
centrais tende a ser a repartição justa dos benefícios decorrentes do<br />
uso da biodiversidade. Da mesma forma, não se pode negligenciar o<br />
compromisso global com as Metas do Milênio. Evidentemente que são<br />
inúmeras as expectativas sobre a COP 10, com relação às prioridades<br />
que serão estabelecidas para tornar possível a leitura da conservação<br />
da biodiversidade não mais como um problema a ser enfrentado, mas<br />
como uma oportunidade ímpar para se pensar em novos caminhos<br />
para a redução da pobreza e a construção de uma sociedade mais<br />
igualitária. Assim, insistir no “mito moderno da natureza intocada”<br />
tende a ser um erro histórico.<br />
144 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 122-147 | JANEIRO > ABRIL 2010
REFERÊNCIAS<br />
ACSELRAD, H. Confl itos ambientais: a atualidade do objeto. In: ACSELRAD,<br />
Henri (Org.). Confl itos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará,<br />
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147
DESENVOLVIMENTO<br />
INFANTIL<br />
UMA ANÁLISE DE EFICIÊNCIA<br />
Vívian Vicente de Almeida<br />
148 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
Combater a pobreza já pode, em grande medida, ser considerado uma meta<br />
em vários países ao redor do globo. A literatura que trata da pobreza e seu impacto<br />
socioeconômico é bem ampla. Numerosas, também, são as sugestões de<br />
como erradicá-la. Com base nesse reconhecimento, o investimento em capital<br />
humano com vistas à promoção do desenvolvimento humano e ao aumento<br />
do bem-estar social tornou-se o objetivo de várias sociedades. É nesse contexto<br />
que o investimento em desenvolvimento infantil ganha força. Isso porque<br />
a relevância desse tipo de investimento vem se destacando, principalmente,<br />
quando este é entendido como uma etapa necessária para a efetividade dos<br />
investimentos em capital humano.<br />
Estudos científi cos vêm mostrando ao mundo que investimentos em desenvolvimento<br />
infantil, ao longo do tempo, são uma boa estratégia para promover desenvolvimento<br />
humano e aumentar o bem-estar social. Entender que esse tipo<br />
de investimento traz inúmeros benefícios à sociedade demanda, portanto, uma<br />
importante tarefa, qual seja, entender o processo de desenvolvimento infantil.<br />
A proposta deste trabalho é fazer uma comparação internacional, avaliando<br />
como alguns países estão promovendo desenvolvimento infantil, por meio da<br />
análise de indicadores que revelam o estado de saúde das crianças.<br />
Palavras-chave: desenvolvimento infantil; criança; saúde; efi ciência técnica<br />
Fighting poverty can already, in great measures, be considered a goal in many<br />
countries around the globe. The literature which treats poverty and its socioeconomic<br />
is pretty. Numerous are also the suggestion to erradicate it. Based in<br />
this recognition, the investment in human capital visioning promotion to human<br />
development a welfare state raising has become the goal in many societies.<br />
It is in this context that investment for children’s development gains power. And<br />
that is because the relevance in this kind of investment has been highlighted,<br />
mainly, when it is understood as a necessary step to the eff ectiveness from the<br />
investments in human capital.<br />
Scientifi c studies have been showing to the world that the investments in<br />
children’s development, long wise, are a good strategy to promote human development<br />
and social welfare. Understanding that these kind of investment<br />
brings lots of benefi ts to society demands, therefore, an import task, whichever,<br />
understanding the process of children’s development.<br />
The objective of this work is evaluate how the countries are promoting child<br />
development.<br />
Keywords: child development; children; health; technical effi ciency<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
149
INTRODUÇÃO<br />
Entender o processo de desenvolvimento humano e considerá-lo<br />
como um aspecto relevante para o progresso social e econômico<br />
da humanidade pode ser considerado um dos grandes avanços das<br />
Ciências Econômicas. Ao longo dos anos, notáveis contribuições têm<br />
sido feitas com vistas à promoção do desenvolvimento humano e ao<br />
aumento do bem-estar social. Só para citar alguns exemplos, Theodore<br />
Schultz (ganhador do Prêmio Nobel em 1979, em conjunto<br />
com Arthur Lewis) mostrou a relevância dos investimentos em capital<br />
humano como forma de aumentar a produtividade do indivíduo.<br />
Este fato iniciaria uma cadeia de acontecimentos em que, resumidamente,<br />
indivíduos mais educados se tornariam mais produtivos<br />
e aufeririam rendas mais altas e, portanto, conquistariam melhores<br />
condições de vida. Amartya Sen (ganhador do Prêmio Nobel em<br />
1998) destacou a importância de aspectos não monetários para o<br />
aumento do bem-estar e a promoção do desenvolvimento humano,<br />
criando o conceito de desenvolvimento como liberdade (VAN DER<br />
GAAG, 2002).<br />
Essa evolução no pensamento econômico vem possibilitando o entendimento<br />
de que o processo de desenvolvimento humano pressupõe<br />
algumas etapas necessárias para ser efetivo. É nesse contexto que<br />
a importância dos investimentos em desenvolvimento infantil vem<br />
ganhando cada vez mais destaque e se tornando a agenda de vários<br />
países com vistas ao aumento do bem-estar social.<br />
A relação do desenvolvimento infantil com o desenvolvimento humano,<br />
por si só, já se confi gura em uma motivação teórica para o<br />
estudo do tema. É amplamente debatida na literatura a existência e<br />
quais são os benefícios trazidos para a sociedade em função do investimento<br />
nos primeiros anos de vida de um indivíduo 1 . O investimento<br />
na infância potencializando investimentos futuros em capital humano<br />
também se refl ete em uma justifi cativa para o investimento em desenvolvimento<br />
infantil. Por essas razões, estudar e compreender como<br />
se dá o processo de desenvolvimento infantil se torna uma tarefa tão<br />
1 A próxima seção se ocupa, exatamente, de mostrar algumas evidências empíricas<br />
encontradas na literatura sobre a importância dos investimentos em<br />
desenvolvimento infantil.<br />
150 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
elevante. A opção deste trabalho foi a realização de comparações internacionais<br />
com o objetivo de estimar a efi ciência técnica dos países<br />
em promover desenvolvimento infantil.<br />
Para cumprir o referido objetivo, a avaliação do desenvolvimento<br />
infantil será feita de acordo com a seguinte estratégia. Primeiramente,<br />
serão apresentadas algumas evidências na literatura acerca de por<br />
que investir em desenvolvimento infantil se revela como uma boa estratégia<br />
para o desenvolvimento humano e econômico. Ainda neste<br />
tópico, será explicado por que a saúde da criança é um aspecto fundamental<br />
para a efetivação dos investimentos em desenvolvimento<br />
infantil. Em função do caráter multidisciplinar do tema, na parte 2<br />
será elaborada uma tentativa de sintetizar o que é desenvolvimento<br />
infantil e por que o crescimento da criança é extremamente relevante<br />
para esse processo. Após, será feita uma exposição das variáveis selecionadas,<br />
bem como a construção da amostra, e a justifi cativa para a<br />
utilização de cada uma delas para medir o desenvolvimento infantil.<br />
Como mencionado, o objetivo deste trabalho é avaliar como os países<br />
estão promovendo o desenvolvimento infantil de maneira efi ciente.<br />
Assim, para realizar esse exercício será utilizado o método de Fronteira<br />
de Efi ciência Estocástica, que será explicado posteriormente. Também<br />
será exposto um modelo que objetiva analisar como os países estão<br />
promovendo o desenvolvimento infantil e será analisado o investimento,<br />
em termos monetários, dos países que compõem a amostra<br />
selecionada em desenvolvimento infantil. Além disso, serão realizadas<br />
simulações acerca desse investimento. E, por fi m, serão expostas as<br />
principais conclusões.<br />
1 IMPORTÂNCIA DOS INVESTIMENTOS EM DESENVOLVIMENTO INFANTIL<br />
Vários estudos científi cos vêm mostrando ao mundo que investimentos<br />
em desenvolvimento infantil são uma boa estratégia para promover<br />
desenvolvimento humano e aumentar o bem-estar social. A<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
151
obsolescência do debate genética versus nutrição 2,3 e a percepção da<br />
complementaridade desses fatores no processo de desenvolvimento<br />
das crianças reforçam a relevância dos investimentos em desenvolvimento<br />
infantil e encontra justifi cativa nas mais variadas áreas da ciência.<br />
Do ponto de vista econômico, por exemplo, investir em capital<br />
humano logo nos primeiros anos de vida se justifi ca pelo fato de que<br />
o retorno desse investimento apresenta uma tendência declinante<br />
ao longo do ciclo de vida, concentrando um maior retorno logo nos<br />
primeiros anos. Melhor explicando, os investimentos em capital humano<br />
apresentam retornos diferenciados ao longo do ciclo de vida 4 .<br />
Incrementos no QI, por exemplo, são muito mais difíceis na hipótese<br />
de investimentos tardios em educação. Existem, também, potenciais<br />
complementaridades entre os diferentes tipos de investimento, com<br />
os investimentos realizados no início do ciclo de vida potencializando<br />
aqueles realizados posteriormente. Além disso, dado que o tempo<br />
de vida de um indivíduo é fi nito, quanto mais cedo ocorrerem os<br />
investimentos em capital humano maior será o tempo em que esse<br />
indivíduo, e por que não dizer a sociedade, irá desfrutar desse retorno<br />
(BECKER, 1975). Portanto, embora os investimentos em capital<br />
humano possam e devam ser realizados ao longo de todo o ciclo de<br />
vida, aqueles realizados durante a primeira infância constituem a base<br />
necessária para os investimentos futuros.<br />
Além das razões mencionadas anteriormente, existem muitas outras<br />
que justifi cam os investimentos na primeira infância. O fato, por<br />
exemplo, de as crianças apresentarem características bem semelhantes<br />
e ainda se encontrarem no início de seu processo de formação<br />
indica que as disparidades nessa etapa da vida são mínimas, o que<br />
extinguiria o trade-off efi ciência versus equidade em investimentos<br />
em capital humano com o objetivo de reduzir desigualdades socio-<br />
2 Em inglês, esse debate é conhecido como nature versus nurture, ou seja, a<br />
genética em contraponto à nutrição, e é amplamente debatido na literatura<br />
sobre desenvolvimento infantil.<br />
3 Dufl o (2000) revela evidências de que, em países subdesenvolvidos, o desenvolvimento<br />
infantil é infl uenciado, em sua maioria, pela alimentação e incidência,<br />
ou não, de infecções, fazendo com que, apenas na adolescência, a<br />
genética exerça um papel relevante.<br />
4 Ver, por exemplo, Carneiro e Heckman (2003).<br />
152 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
econômicas nessa fase (CUNHA et al., 2005). Além disso, os impactos<br />
positivos desse investimento são também refl etidos em melhor<br />
desempenho na escola, reduzindo o tempo que a criança leva para<br />
concluir as várias etapas do ensino básico e, portanto, reduzindo os<br />
custos sociais. Uma vez que essas crianças atingem níveis mais elevados<br />
de capital humano, diminui a probabilidade de que se adentrem<br />
no mundo do crime, ou de uma gravidez precoce, entre outros<br />
resultados. Além disso, como já foi mencionado anteriormente, aumentam<br />
suas chances de auferir maior renda no futuro (CUNHA et<br />
al., 2005).<br />
O investimento em crianças também reduziria os custos econômicos<br />
a longo prazo, na medida em que reduziriam gastos compensatórios<br />
no futuro. Melhor especifi cando, uma sociedade que despendesse<br />
cuidados e atenção básica adequados com as crianças, como serviços<br />
de saúde e educação de boa qualidade, estaria atuando no sentido de<br />
garantir igualdade de oportunidades. Esses indivíduos estariam mais<br />
bem preparados, por exemplo, para competir no mercado de trabalho<br />
por melhores postos de trabalho, reduzindo sua probabilidade de<br />
dependerem de políticas de transferência de renda no futuro (VAN<br />
DER GAAG, 2002, op. cit.). Por outro lado, na ausência de investimentos<br />
adequados em crianças, ações compensatórias no futuro não<br />
são tão efi cazes em reduzir desigualdades. A ideia de propagação das<br />
desigualdades na geração de renda, em função de inefi ciências na<br />
promoção do desenvolvimento infantil, reside no fato de que com<br />
menos acessos à educação e com condições de saúde mais precárias<br />
os futuros adultos teriam menos condições de almejar postos de trabalho<br />
com maiores remunerações. A hipótese é a de um ciclo que<br />
seria assim descrito: com a saúde debilitada, a criança tem mais difi<br />
culdades de aprendizado, o que compromete o seu desempenho<br />
escolar e, por isso mesmo, sua manutenção na escola. Ao prejudicar<br />
sua caminhada escolar, as possibilidades de chegar à universidade e almejar<br />
postos de trabalho com maiores remunerações tornam-se bem<br />
menores. Com isso, esta criança inicialmente sem acesso a melhores<br />
condições de vida mantém-se na sua condição inicial, perpetuando o<br />
ciclo de pobreza.<br />
Em outras palavras, investimentos insufi cientes logo no início da<br />
vida do indivíduo podem acarretar baixos rendimentos e empregos<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
153
precários, o que acaba impactando, diretamente, a dinâmica de distribuição<br />
de renda (ESPING-ANDERSEN, 2007). Enfi m, vários são os<br />
argumentos na direção de investir nas crianças, seja pelo desenvolvimento<br />
humano, seja por uma visão estritamente economicista. O fato<br />
é que a atenção inadequada à criança em sua fase inicial de vida pode<br />
acarretar impactos graves e defi nitivos sobre o seu desenvolvimento,<br />
quase impossíveis de serem reparados posteriormente.<br />
Em função dos impactos positivos e signifi cativos gerados pelo investimento<br />
em desenvolvimento das crianças, a preocupação com o<br />
desenvolvimento infantil vem fazendo parte da agenda mundial há<br />
várias décadas. O Banco Mundial, por exemplo, já incluiu em sua<br />
agenda a preocupação com o desenvolvimento infantil, fi nanciando<br />
programas voltados para o desenvolvimento da primeira infância<br />
(Early Childhood Development – ECD) em inúmeros países. A especialista<br />
sênior em saúde pública do Banco Mundial, Mary Eming Young,<br />
em 1998, já afi rmava:<br />
As evidências sugerem que os programas de ECD são efi cazes quando<br />
enfrentam problemas vitais ao desenvolvimento do ser humano,<br />
tais como a desnutrição entre crianças com menos de cinco anos, o<br />
desenvolvimento cognitivo defi ciente e o despreparo para a educação<br />
primária... intervenções em educação infantil podem aumentar<br />
a efi ciência da educação primária e secundária, podem contribuir<br />
para maior produtividade e renda futuras, bem como reduzir o custo<br />
de serviços públicos e do atendimento à saúde. As defi ciências<br />
causadas nos indivíduos pela desnutrição durante os primeiros anos<br />
de vida e por cuidados inadequados podem afetar a produtividade<br />
no trabalho e o desenvolvimento econômico em toda a sociedade.<br />
Intervenções planejadas e implementadas adequadamente para a<br />
criança pequena podem acarretar benefícios multidimensionais. (p.<br />
202-210)<br />
Com base na declaração apresentada é possível perceber a interseção<br />
entre a abordagem econômica com outras áreas da ciência,<br />
principalmente a de saúde. Além disso, investimentos em saúde e<br />
educação na criança têm impactos importantes sobre diversas di-<br />
154 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
mensões das condições de vida. Nesse trabalho, a saúde é entendida<br />
como a primeira garantia de condições de sobrevivência e, em<br />
grande medida, do desenvolvimento das crianças. Portanto, para<br />
entender o processo de desenvolvimento infantil é essencial entender<br />
que a primeira etapa a ser cumprida é garantir a sobrevivência<br />
de uma criança e investir em sua saúde. Se o objetivo de uma<br />
sociedade é aumentar o bem-estar social por meio deste tipo de<br />
desenvolvimento, garantir que uma criança desfrute de uma boa<br />
saúde é garantir que ela terá, com grandes chances, por exemplo,<br />
um bom desempenho escolar (MACHADO, 2008), esperando, portanto,<br />
que adquira boas qualifi cações, auferindo uma renda futura<br />
mais elevada 5 .<br />
Assim, a saúde nos primeiros anos de vida não seria apenas uma<br />
condição de bem-estar social. Mais que isso, a criança que não desfrutasse<br />
de condições mínimas de saúde para o seu desenvolvimento<br />
estaria, com alta probabilidade, sendo prejudicada, seja com relação a<br />
sua saúde física, seja com relação ao desenvolvimento necessário para<br />
o aumento da sua capacidade em realizar funções adequadas em cada<br />
estágio do seu ciclo de vida – saúde mental. Ou seja, desse ponto de<br />
vista, investir nas crianças não somente reduziria a sua probabilidade<br />
de adquirir certas defi ciências e doenças que as prejudicariam talvez<br />
de forma permanente, como facilitaria seu desenvolvimento cognitivo<br />
e psicossocial. Sabe-se, por exemplo, que crianças que apresentam<br />
defi ciências graves no seu processo de formação ligadas à insufi ciência<br />
alimentar – subnutrição – e falta de acesso a serviços de saúde nos primeiros<br />
anos de vida têm seu cérebro permanentemente prejudicado,<br />
como é possível observar na Figura 1, comprometendo seu aprendizado<br />
por toda sua vida.<br />
5 A associação entre renda e saúde infantil e seus impactos positivos para a<br />
sociedade pode ser encontrada em vários textos como, por exemplo, Case,<br />
Lubotsky e Paxson (2002), Crespo e Reis (2009) e Hoff mann (1998).<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
155
Figura 1<br />
Cérebros de duas crianças de 3 anos de idade<br />
Fonte: National Bureau of Economic Research – NBER Working Paper Series – retirado do texto “School,<br />
Skills, and Synapses” (HECKMAN, J. 2008, p.88).<br />
O cérebro da esquerda é de uma criança que cresceu e se desenvolveu,<br />
até a citada idade, em condições normais, ou seja, alimentação<br />
saudável, condições de moradia e saneamento regulares, acesso a serviços<br />
de saúde. No lado direito, encontra-se o cérebro de uma criança,<br />
com a mesma idade, que sofreu negligência extrema, ou seja, não<br />
teve acesso a nenhum dos fatores dispostos anteriormente e dispostos à<br />
criança com o cérebro do lado esquerdo. Como é possível observar, os<br />
danos são bem acentuados. Além do tamanho, podem ser observadas<br />
algumas lesões no cérebro da criança que sofreu negligência extrema.<br />
Partindo do princípio de que investimentos em capital humano são<br />
de extrema importância para o desenvolvimento de qualquer sociedade,<br />
na medida em que reduzem desigualdades e diminuem a pobreza,<br />
uma forma complementar de justifi car o investimento infantil<br />
é estabelecer uma relação híbrida entre os aspectos econômicos e da<br />
saúde – física e mental – e argumentar que “se o cérebro se desenvolve<br />
bem, o potencial de aprendizagem aumenta e as possibilidades<br />
de fracasso na escola ou em período posterior da vida diminuem”.<br />
(EVANS; MYERS; ILFELD, 2000, p. 7). E, ainda, que estímulos cognitivos<br />
nos primeiros anos de vida do indivíduo são determinantes para o<br />
sucesso escolar posterior (ESPING-ANDERSEN, 2007, op. cit.).<br />
Tendo visto o caráter multidisciplinar do tema e sua relevância para<br />
o processo de desenvolvimento humano e promoção do bem-estar<br />
156 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
social, além do desenvolvimento econômico de uma sociedade, uma<br />
questão que se coloca, naturalmente, é: o que é desenvolvimento infantil?<br />
A seguir, veremos essa questão.<br />
2 O QUE É DESENVOLVIMENTO INFANTIL?<br />
O caráter multidisciplinar do tema não se encerra apenas nas justifi<br />
cativas de por que se investir em desenvolvimento infantil. Sua própria<br />
defi nição gera uma extensa discussão nas mais variadas áreas da<br />
ciência.<br />
Contudo, apesar de o desenvolvimento infantil caracterizar-se por<br />
um processo múltiplo, dependente de vários fatores, uma das características<br />
mais importantes, segundo os especialistas, é o crescimento<br />
da criança. O crescimento, na verdade, é um refl exo direto do estado<br />
da saúde da criança. De fato, como ressaltam Mello Romani e Lira<br />
(2004), “o crescimento infantil se constitui em um dos melhores indicadores<br />
de saúde da criança e o retardo estatural representa, atualmente,<br />
a característica antropométrica mais representativa do quadro<br />
epidemiológico da desnutrição no Brasil”.<br />
Assim, o monitoramento do crescimento “pode ser considerado como<br />
um dos mais importantes indicadores quanto à qualidade de vida de<br />
um país, ou a extensão das distorções existentes em uma mesma população<br />
em seus diferentes subgrupos” (SILVA; SILVA JÚNIOR; OLIVEIRA,<br />
2005). É por esta razão que o crescimento deve ser uma preocupação<br />
primordial para que os investimentos em desenvolvimento infantil tenham<br />
efi cácia. Em suma, antes de entender o que é o desenvolvimento<br />
infantil faz-se necessário entender o processo de crescimento, que é<br />
um aspecto relacionado à saúde física da criança 6 .<br />
Do ponto de vista biológico algumas importantes considerações devem<br />
ser feitas, principalmente, porque os aspectos relativos à genética<br />
e às condições de vida estão diretamente relacionados ao processo de<br />
desenvolvimento do indivíduo. Primeiramente, destaca-se o fato de que<br />
existe uma diferença entre as velocidades do crescimento de diferentes<br />
partes do corpo e, portanto, cada fase da vida de um ser humano de-<br />
6 Cabe destacar que na seção anterior já foi enfatizado que um aspecto fundamental<br />
do processo de desenvolvimento infantil é a garantia de saúde à<br />
criança.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
157
manda cuidados diferenciados. A Figura 2 mostra que é justamente na<br />
infância 7 que o cérebro atinge o seu tamanho máximo, praticamente<br />
completando o tamanho fi nalmente atingido. Este fato reforça o que foi<br />
mostrado na Figura 1, no sentido de revelar a extrema importância dos<br />
cuidados despendidos à criança em seus primeiros anos de vida. Observado<br />
o eixo das abscissas, que indica a idade do indivíduo, é justamente<br />
de 0 a 5 anos de idade que o crescimento do cérebro atinge seu máximo.<br />
Assim, de um modo mais amplo, o crescimento geral do indivíduo<br />
é fortemente infl uenciado pelo período da infância.<br />
Tamanho atingido em % do crescimento total pós-natal<br />
200<br />
180<br />
160<br />
140<br />
120<br />
100<br />
80<br />
60<br />
40<br />
20<br />
0<br />
Figura 2<br />
Curvas de crescimento de partes do corpo<br />
Linfoide<br />
Cabeça e cérebro<br />
Geral<br />
Reprodutivo<br />
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20<br />
Idade em anos<br />
Fonte: Ministério da Saúde – Secretaria de Políticas de Saúde (retirado do texto “Saúde da criança – acompanhamento<br />
do crescimento e desenvolvimento infantil”. 2002, p.15).<br />
7 Mais adiante no texto serão mostradas as várias etapas do desenvolvimento<br />
infantil. Neste ponto, está sendo considerada “infância” um período mais genérico<br />
que envolve desde a gestação até os 6 anos de idade.<br />
158 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
Outro aspecto relevante no processo de crescimento é o fato de que,<br />
em função da considerável vulnerabilidade da criança nos primeiros<br />
anos de vida, além do componente genético, vários são os fatores determinantes<br />
(ou limitantes) do seu crescimento. Além das condições<br />
materiais como condições de moradia, acesso a serviços de saúde,<br />
saneamento e, principalmente, alimentação adequada (em especial o<br />
aleitamento materno nos primeiros seis meses), os indivíduos em seus<br />
primeiros anos de vida são extremamente dependentes de cuidados<br />
como a atenção da mãe, o apoio da família e um ambiente estável.<br />
Nesse sentido, pode-se resumir os fatores externos que infl uenciam o<br />
crescimento da criança como o conjunto de fatores formados pela alimentação,<br />
imunização, cuidados de higiene e cuidados gerais com a<br />
criança. Em suma, o crescimento da criança será um refl exo dos fatores<br />
genéticos e do ambiente familiar. Em outras palavras, conhecendo<br />
as características genéticas e o ambiente familiar no qual a criança está<br />
inserida é possível saber, com elevado grau de precisão, como será o<br />
seu processo de crescimento. Portanto, o processo de desenvolvimento<br />
só será plenamente realizado e efetivo se o crescimento da criança<br />
não for prejudicado, uma vez que o crescimento é um excelente refl<br />
exo das condições passadas e presentes da criança (ROMANI; LIRA,<br />
2004, op. cit.). Assim, nesse trabalho, o desenvolvimento infantil será<br />
entendido como um conjunto de aspectos relacionados à saúde física<br />
da criança e, portanto, será medido pelas variáveis relacionadas à<br />
subnutrição, sobrepeso e nanismo. A análise dessas variáveis é feita na<br />
seção que se segue.<br />
3 VARIÁVEIS SELECIONADAS<br />
Entender o processo de desenvolvimento infantil transcende a necessidade,<br />
unicamente, de avaliar seus determinantes. Uma primeira<br />
barreira a ser ultrapassada é reconhecer a quem deve ser atribuída a<br />
responsabilidade pelo desenvolvimento infantil. Grande parte da literatura<br />
entende que a família é a primeira e grande responsável por este<br />
processo e que, portanto, é esta unidade a tomadora de decisões para<br />
determinar o desenvolvimento infantil (CUNHA et al., 2005). Contudo,<br />
naturalmente, pode-se observar que toda família tem uma série de<br />
obrigações e deveres imputados pela sociedade em que vive, além de<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
159
culturas específi cas e tradições que compõem o convívio social. Assim<br />
sendo, estar sob determinadas leis e que geram obrigações não torna o<br />
papel da família completamente livre para determinar os condicionantes<br />
do desenvolvimento infantil. No Brasil, por exemplo, na Constituição<br />
Federal de 1988 (vigente), no artigo 203, é dito que a assistência social,<br />
garantida a quem necessite, independente de contribuição à seguridade<br />
social, tem como um de seus objetivos garantir “proteção à família, à<br />
maternidade, à infância, à adolescência e à velhice”. Além disso, entendendo<br />
a saúde da criança como um fator decisivo para o seu desenvolvimento,<br />
ainda na Constituição Federal do Brasil de 1988 – artigo 196<br />
– é dito que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”.<br />
Portanto, em função da notória infl uência de outros agentes, em<br />
especial do Estado, na promoção do desenvolvimento infantil, fazse<br />
necessária uma tentativa de unifi car as unidades tomadoras de<br />
decisão. Sabendo da importância de se defi nir qual será a unidade<br />
tomadora de decisão, optou-se pelo país como sendo essa unidade.<br />
De fato, o país como unidade tomadora de decisão tanto pode representar<br />
o somatório das famílias que o compõem como, por representar<br />
um conjunto de leis e diretrizes, pode revelar em que medida<br />
a sociedade como um todo infl uencia, ou até mesmo determina, o<br />
desenvolvimento infantil 8 . Com base nesse conhecimento, o próximo<br />
passo é mostrar a amostra selecionada e avaliar a importância<br />
das variáveis que serão utilizadas nesse trabalho para analisar o desenvolvimento<br />
infantil.<br />
AMOSTRA SELECIONADA<br />
As informações utilizadas neste trabalho provêm da World Health<br />
Organization Statistical Information System (Whosis), que é o sistema<br />
de informações disponibilizado pela Organização Mundial da Saúde<br />
– OMS (WHO, em inglês). A OMS é a instituição das Nações Uni-<br />
8 Uma discussão sobre esse assunto seria, por exemplo, as externalidades geradas<br />
quando uma pessoa de uma comunidade pobre se educa e difunde, de<br />
alguma maneira, esse conhecimento adquirido. Esse exemplo tem respaldo<br />
no fato de que a educação gera externalidades positivas, não só para os indivíduos<br />
que se educam, mas também para aqueles que os cercam (BARROS;<br />
HENRIQUES; MENDONÇA, 2000).<br />
160 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
das responsável por coordenar e dirigir as autoridades de saúde nos<br />
vários países do mundo, e dentre suas atribuições estão: a) o estabelecimento<br />
de normas e padrões na agenda de saúde, b) a prestação<br />
de apoio técnico aos países, e c) o acompanhamento e a avaliação<br />
das tendências em saúde 9 . Portanto, as informações disponibilizadas<br />
pela WHO para os vários países do mundo podem ser consideradas<br />
informações ofi ciais. Nessa base de dados são encontrados diversos<br />
indicadores de saúde para todos os países que disponibilizam este<br />
tipo de informação. Entretanto, apesar de esta base de dados conter<br />
uma grande diversidade de informações para todos os países que<br />
disponibilizam indicadores de saúde, em função das variáveis de interesse<br />
para realização do exercício empírico aqui proposto, alguns<br />
destes países tiveram que ser excluídos 10 . Assim, a amostra fi nal de<br />
países utilizada para analisar o desenvolvimento infantil é composta<br />
por 68 países espalhados pelos vários continentes do globo, conforme<br />
mostra a Figura 3.<br />
Figura 3<br />
Países da amostra por continentes<br />
9 Esta defi nição pode ser encontrada em www.who.int.<br />
10 Por exemplo, dois países que deveriam compor esse estudo pela sua representatividade<br />
tanto econômica, quanto no âmbito da saúde, os Estados Unidos<br />
e Cuba, não apresentaram informações para as variáveis selecionadas.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
161
América África Europa Ásia<br />
El Salvador Angola Albânia Armênia<br />
Guatemala Argélia Bielorrússia Azerbaijão<br />
Haiti Botsuana<br />
Bósnia e<br />
Herzegovina<br />
Bangladesh<br />
Honduras Camarões República Checa Camboja<br />
Jamaica Chade Romênia Cazaquistão<br />
Nicarágua Egito Turquia China<br />
República<br />
Dominicana<br />
Gabão Ucrânia Filipinas<br />
Trinidad e Tobago Gana Iêmen<br />
México Guiné Índia<br />
Argentina<br />
Guiné<br />
Equatorial<br />
Indonésia<br />
Bolívia Lesoto Iraque<br />
Brasil Marrocos Jordânia<br />
Colômbia Namíbia Maldivas<br />
Guiana Nigéria Mongólia<br />
Paraguai Quênia Nepal<br />
Peru Senegal Paquistão<br />
Suriname Suazilândia Quirguistão<br />
Uruguai Sudão Sri Lanka<br />
Zâmbia Tailândia<br />
Zimbábue Timor-Leste<br />
Uzbequistão<br />
Vietnã<br />
162 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
INDICADORES RELACIONADOS À SAÚDE DA CRIANÇA<br />
O desenvolvimento infantil e, em especial, a saúde física da criança<br />
demandam um aspecto fundamental para sua promoção, a alimentação<br />
(ROTENBERG; DE VARGAS, 2004). Compondo um subconjunto das<br />
variáveis relacionadas à saúde da criança, foram escolhidas proxys para<br />
avaliar o desenvolvimento infantil que refl etissem, de maneira direta, o<br />
estado nutricional da criança. Além do nanismo, que pode ser o refl exo<br />
de uma carência nutricional através do crescimento físico 11 , as duas<br />
outras variáveis utilizadas são diretamente relacionadas ao acesso das<br />
crianças a uma alimentação adequada, o sobrepeso e a subnutrição.<br />
O primeiro indicador escolhido foi a proporção de crianças menores<br />
que 5 anos que apresentam nanismo. Na literatura de saúde da<br />
criança é amplamente debatida a importância do processo de crescimento<br />
– em termos de altura – para a avaliação do desenvolvimento<br />
da criança. Hoff man (1995) destaca que uma elevada proporção de<br />
crianças com estatura muito baixa 12 , ao revelar a presença de impedimentos<br />
ao crescimento, acaba revelando, também, as condições<br />
adversas às quais a criança está submetida. De modo análogo, uma<br />
alta proporção de crianças dentro dos padrões de crescimento desejáveis<br />
também pode indicar cuidados satisfatórios nesta fase do ciclo<br />
de vida.<br />
O segundo indicador escolhido, relacionado à saúde da criança, foi<br />
a proporção de crianças menores que 5 anos que apresentam sobrepeso.<br />
O estado nutricional de uma criança revela não só o acesso desta a<br />
um determinado tipo de alimentação, como também indica o acesso<br />
ao conjunto de condições de vida ao qual uma criança está inserida,<br />
como, por exemplo, moradia, condições sanitárias, acesso a serviços<br />
de saúde, etc. (HOFFMAN, 1995, op. cit.). Portanto, a proporção de<br />
crianças menores que cinco anos que apresentam subnutrição é a terceira<br />
variável a ser estudada neste trabalho.<br />
11 Existem vários tipos de nanismo que podem ser relacionados a fatores genéticos<br />
ou defi ciências induzidas, pela carência de alimentos, no hormônio do<br />
crescimento (DeCS – Descritores em Ciências da Saúde, 2009).<br />
12 Monteiro (1992) considera que a proporção de crianças com altura abaixo<br />
do índice para a idade não deve ultrapassar 2,3%. Este número representa a<br />
frequência de crianças geneticamente baixas.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
163
Um aspecto fundamental para o desenvolvimento da criança é a sua<br />
situação ao nascer. Para avaliar este fato serão utilizadas duas variáveis,<br />
quais sejam: proporção de crianças que apresentaram baixo peso<br />
ao nascer e proporção de mulheres que realizaram, ao menos, quatro<br />
exames pré-natais.<br />
O peso ao nascer do bebê é um fator de extrema relevância para<br />
determinar as condições de sobrevivência infantil (OLIVEIRA; MELO;<br />
KNUPP, 2008). Além do momento do nascimento, outro aspecto fundamental<br />
para o desenvolvimento da criança é a gestação de sua mãe.<br />
Para avaliar essas condições, a próxima variável refere-se à proporção<br />
de mulheres que realizaram, ao menos, quatro exames do tipo<br />
pré-natal durante a gestação. Com isto, tentar-se-á avaliar se foram<br />
oferecidas condições mínimas para que a criança tivesse um desenvolvimento<br />
gestacional sufi ciente para obter condições de se desenvolver<br />
após o nascimento 13 . Além disso, o acesso a um acompanhamento no<br />
período gestacional pode evitar riscos de morbimortalidade materna e<br />
melhorar os resultados perinatais, diagnosticando eventuais fatores de<br />
risco (SERRUYA; LAGO; CECATTI, 2004).<br />
INDICADORES DE INVESTIMENTO DA SOCIEDADE<br />
Uma abordagem alternativa para avaliar o desenvolvimento infantil é<br />
analisar em que medida a sociedade é capaz de fi nanciar esse desenvolvimento.<br />
Em outras palavras, é possível avaliar a propensão de a sociedade<br />
investir em desenvolvimento infantil através da renda e do gasto<br />
com saúde 14 . Portanto, as próximas variáveis analisadas serão a renda<br />
per capita (US$ PPC) e o gasto com saúde per capita (US$ PPC).<br />
Crespo e Reis (2009) assinalam a importância da renda per capita<br />
na determinação da saúde infantil, bem como o fato de que existe<br />
uma relação positiva entre essas variáveis. A justifi cativa para analisar<br />
a renda per capita, portanto, seria o fato de que, em alguma medi-<br />
13 O processo de desenvolvimento infantil tem início mesmo antes de a mulher<br />
fi car grávida. Dessa forma, analisar o período gestacional é de suma importância<br />
para a avaliação do desenvolvimento infantil.<br />
14 A opção por utilizar, especifi camente, o gasto com saúde foi feita pelo fato<br />
da análise do desenvolvimento infantil, neste trabalho, ser feita por indicadores<br />
relacionados à saúde física da criança.<br />
164 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
da, esta variável estaria representando a distribuição de riqueza entre<br />
seus habitantes e, portanto, dado que existe um poder de decisão dos<br />
indivíduos no que se refere ao desenvolvimento infantil, poder-se-ia<br />
inferir se a alocação de recursos em termos monetários não só seria<br />
relevante, como ótima no que tange ao desenvolvimento da criança.<br />
TRANSFORMAÇÕES DAS VARIÁVEIS<br />
Para realizar os exercícios que serão apresentados nas partes 5 e 6<br />
com base na metodologia mostrada no próximo tópico, algumas transformações<br />
nas variáveis foram requeridas. Essas transformações foram<br />
realizadas com base na premissa de que, de um modo geral, as sociedades<br />
procuram maximizar o bem-estar social; portanto, seria desejável<br />
aumentar o número de crianças sem nanismo, sem sobrepeso, sem<br />
subnutrição e com o peso adequado ao nascer. Essas transformações<br />
são mostradas no Quadro 1, a seguir.<br />
Quadro 1<br />
Variáveis originais e suas transformações<br />
Variáveis originais Transformação das variáveis Variáveis modifi cadas<br />
Proporção de crianças<br />
menores que 5 anos que<br />
apresentam nanismo<br />
Proporção de crianças<br />
menores que 5 anos que<br />
apresentam sobrepeso<br />
Proporção de crianças<br />
menores que 5 anos que<br />
apresentam subnutrição<br />
Proporção de crianças<br />
menores que 5 anos<br />
que apresentam baixo<br />
peso ao nascer<br />
nanismo<br />
modifi cado =<br />
Sobrepeso<br />
modifi cado =<br />
Subnutrição<br />
modifi cado =<br />
Baixo Peso<br />
modifi cado =<br />
100-Nanismo<br />
( Nanismo)<br />
100-Sobrepeso<br />
( Sobrepeso )<br />
100-Sobrepeso<br />
( Sobrepeso )<br />
100-Baixo Peso<br />
( Baixo Peso )<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
Índice de crianças<br />
menores que 5 anos<br />
que não apresentam<br />
nanismo<br />
Índice de crianças<br />
menores que 5 anos<br />
que não apresentam<br />
sobrepeso<br />
Índice de crianças<br />
menores que 5 anos<br />
que não apresentam<br />
subnutrição<br />
Índice de crianças<br />
menores que 5 anos<br />
que não apresentam<br />
baixo peso ao nascer<br />
165
Com base na seleção de variáveis e para o conjunto de países citados,<br />
serão realizados alguns exercícios empíricos para analisar se os<br />
países oferecem condições, no mínimo adequadas, para o desenvolvimento<br />
das crianças. Antes disso, o próximo tópico tem por objetivo<br />
apresentar e descrever a metodologia utilizada, qual seja, a Fronteira<br />
Estocástica de Efi ciência.<br />
4 METODOLOGIA<br />
Neste trabalho serão realizados exercícios empíricos de Microeconomia<br />
Aplicada, mais especifi camente, serão utilizados conceitos da<br />
teoria da fi rma para, empiricamente, avaliar o desenvolvimento infantil.<br />
Como já mencionado, é entendido, aqui, que os países, representantes<br />
das famílias e do Estado 15 , são os responsáveis pelo desenvolvimento<br />
infantil. Fazendo uso desta hipótese, os países serão avaliados<br />
como “fi rmas produtoras de desenvolvimento infantil”. Assim, dois<br />
conjuntos de exercícios serão realizados. No primeiro conjunto, o país<br />
produzirá, diretamente, desenvolvimento infantil. Ou seja, serão determinadas<br />
funções de produção, em que os produtos serão as proxys<br />
selecionadas do desenvolvimento infantil. No segundo conjunto,<br />
a preocupação é com o custo do desenvolvimento infantil e, de forma<br />
análoga, os países são responsáveis por esse custo.<br />
A preocupação, tanto no caso da função de produção como no caso<br />
da função custo, será avaliar como esses países estão produzindo esse<br />
desenvolvimento. De maneira mais específi ca, será avaliada a efi ciência<br />
técnica desses processos produtivos utilizando-se como método a<br />
Fronteira Estocástica de Efi ciência 16 .<br />
15 Estado, neste contexto, não é sinônimo de país. Aqui, está sendo considerado<br />
Estado como uma instituição organizada política, social e juridicamente.<br />
16 Por critérios metodológicos e com base na literatura de saúde, o método<br />
de Fronteira Estocástica foi a escolha adotada. Essa escolha foi feita com base<br />
na realização de exercícios empíricos com os métodos de Fronteira Estocástica<br />
e Análise Envoltória de Dados (DEA). Além de resultados mais robustos, a<br />
Fronteira Estocástica foi escolhida pelo fato de, ao considerar possíveis aleatoriedades<br />
para determinar o desempenho de cada unidade, torna o estudo<br />
mais adaptável aos dados e à amostra que, como mostrados, são bastante<br />
heterogêneos.<br />
166 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
Uma primeira explicação com relação ao método escolhido reside na<br />
própria conceituação de efi ciência utilizada. As Fronteiras Estocásticas<br />
(FE) calculam a efi ciência técnica, ou seja, avaliam a utilização do potencial<br />
produtivo dado pela maximização de produtos e a minimização de<br />
desperdícios decorrente da minimização de custos (MARINHO, 2003).<br />
De acordo com Aigner, Lovell e Smith (1977) e Battese e Corra<br />
(1977), as Fronteiras Estocásticas são modelos de regressão com uma<br />
perturbação assimétrica não normal, motivados pela ideia de que desvios<br />
da fronteira de produção podem não estar inteiramente sob o<br />
controle das DMUs (Decision Unit Markers) 17 .<br />
A interpretação, nos modelos de FE, é que cada unidade se defronta<br />
com uma fronteira de produção, e que essa fronteira é aleatoriamente<br />
determinada pelo conjunto de todos os elementos estocásticos que entrariam<br />
no modelo, fora do controle da unidade. Assim, a fronteira não<br />
passa, necessariamente, por todos os pontos de produção mais elevados,<br />
ou de mais baixo custo. As FEs atribuem às aleatoriedades, e não somente<br />
às inefi ciências, parte dos desvios em relação aos valores ótimos.<br />
A formulação geral para uma fronteira de produção, como nos modelos<br />
de regressão, é: y=βx`+ε, com ε = v-u<br />
Onde:<br />
y é o produto, x os insumos.<br />
ε é o componente estocástico; u é não negativo e v tem distribuição<br />
de probabilidades livre.<br />
Assume-se que v e u são independentes.<br />
O componente v não está sob o controle das unidades e u é um<br />
termo não negativo, que captura a inefi ciência e defi ne a que distância<br />
a unidade está da fronteira produtiva. É usual supor que v é<br />
2 normalmente distribuída, ou seja, v~N[0, σ ], mas não existe critério<br />
v<br />
econômico para defi nir a escolha da distribuição de probabilidades de<br />
u. Em geral, assume-se que u tem distribuição Half-normal, Normaltruncada,<br />
Exponencial ou Gama.<br />
Em uma fronteira para custos, tem-se c = c(y,w) + ε, com ε = v +<br />
u. Nesse caso, c são os custos e w é o custo unitário (preços) de cada<br />
um dos fatores de produção18 .<br />
17 Neste trabalho as DMUs são os países.<br />
18 Para mais detalhes técnicos sobre as Fronteiras Estocásticas, ver Jacobs et<br />
al. (2006).<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
167
Encarte 1<br />
Como entender o método de Fronteira Estocástica<br />
Por que utilizar Fronteira Estocástica para medir o desenvolvimento infantil?<br />
As Fronteiras Estocásticas, além de estimarem as funções de produção, atribuem inefi<br />
ciências técnicas às unidades no processo produtivo. Entendendo os países como<br />
fi rmas produtoras de desenvolvimento infantil, dados os insumos escolhidos, as Fronteiras<br />
Estocásticas podem mostrar como esses países estão produzindo desenvolvimento<br />
infantil. Pensar em uma função de produção é pensar em um processo em que<br />
determinados insumos estão sendo alocados para a produção de um (ou mais) produto<br />
(s). Assim, uma função de produção é representada por: y = f(x).<br />
Qual o conceito de efi ciência utilizado?<br />
A efi ciência técnica avalia a minimização de desperdícios decorrente da minimização<br />
de inputs e a utilização do potencial produtivo decorrente da maximização dos<br />
outputs.<br />
O que, afi nal, representa a inefi ciência técnica?<br />
Ao estimar uma função de produção e os coefi cientes dos insumos requeridos no<br />
processo, a função gerada é, na verdade, a fronteira ótima de efi ciência. O que o<br />
termo u está representando é a que distância a unidade produtiva está da fronteira<br />
de efi ciência. Assim, a forma correta de ler o resultado de uma estimação de Fronteira<br />
Estocástica é avaliar o valor de u. Quanto maior o seu valor, mais inefi ciente é a unidade.<br />
De forma análoga, quanto menor o valor de u, mais efi ciente é a unidade tomadora<br />
de decisão. O que a inefi ciência técnica está dizendo é a que distância a unidade<br />
tomadora de decisão está da fronteira ótima de produção e, portanto, quanto maior o<br />
termo u, mais inefi ciente é a unidade. Cabe destacar que toda aplicação de Fronteira<br />
Estocástica se revela como um exercício comparativo e relativo. Todo resultado é<br />
totalmente dependente da amostra e das variáveis utilizadas. Além disso, não se deve<br />
esquecer de que, além do componente de inefi ciência, existe o termo aleatório e que<br />
este infl uencia na produção. Logo, desvios da fronteira são atribuíveis não só à inefi -<br />
ciência na produção, mas também a fatores que não estão sob controle da unidade.<br />
Com base na metodologia apresentada, a seguir serão realizados<br />
alguns exercícios empíricos com o objetivo de avaliar a efi ciência técnica<br />
dos países na promoção do desenvolvimento infantil.<br />
5 PRODUÇÃO DE CRIANÇAS SEM DESNUTRIÇÃO<br />
As variáveis utilizadas para representar o desenvolvimento infantil<br />
– nanismo, sobrepeso e subnutrição – referem-se, basicamente, ao<br />
168 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
crescimento e desenvolvimento físico da criança. Essas variáveis estão<br />
diretamente associadas ao acesso que as crianças têm a uma alimentação<br />
adequada (HOFFMANN, 1995, op. cit.).<br />
A justifi cativa para elaborar um modelo que sintetize a produção de<br />
crianças relativamente bem desenvolvidas segundo o critério adotado<br />
neste trabalho, doravante considerar o crescimento como o aspecto<br />
fundamental para o desenvolvimento das crianças, está relacionada<br />
a um forte argumento, à representatividade da variável para esse desenvolvimento.<br />
A variável escolhida será aquela relacionada à nutrição<br />
da criança. A justifi cativa é respaldada na composição da amostra.<br />
Por ser uma amostra composta, em grande parte, por países de renda<br />
mais baixa e já que, segundo Ortale e Rodrigo (1998), a prevalência<br />
da desnutrição é maior em países pobres e incide em indivíduos<br />
mais vulneráveis (crianças menores que 5 anos) 19 , optou-se por determinar<br />
a produção de desenvolvimento infantil utilizando a proxy<br />
de subnutrição. A segunda tarefa para a elaboração deste modelo é<br />
determinar as variáveis que explicarão esse indicador. Na bateria de<br />
exercícios empíricos realizados para medir a efi ciência técnica dos<br />
países em produzir desenvolvimento infantil com base nos indicadores<br />
de crescimento 20 , as variáveis que demonstraram maior signifi cância<br />
estatística 21 foram aquelas relacionadas ao baixo peso ao nascer e incidência<br />
de exames do tipo pré-natal.<br />
Por fi m, o estudo da saúde, qualquer que seja o enfoque, levanta<br />
questões que ultrapassam os indicadores estritamente relacionados à<br />
saúde. Por se tratar do estado de toda a população, uma primeira<br />
questão que se levanta é o fato de que existe uma distribuição dos<br />
serviços de saúde, ou relacionados a este fator, pelos habitantes e que,<br />
não necessariamente, é feita de maneira homogênea. Seja em função<br />
do tamanho da população, ou da extensão territorial, ou, até mesmo,<br />
da distribuição espacial dos habitantes de uma determinada região, o<br />
19 Outro ponto que reforça a utilização da subnutrição em detrimento do nanismo,<br />
por exemplo, é que este último pode abarcar fatores genéticos quando<br />
da sua existência.<br />
20 Esses exercícios também se encontram disponíveis na dissertação de mestrado<br />
apresentada pela autora.<br />
21 As regressões dos modelos gerados com a orientação do produto estão disponíveis<br />
com a autora.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
169
fato é que o acesso à saúde dos indivíduos pode variar muito. Este fato<br />
pode não estar sob o controle das unidades tomadoras de decisão.<br />
Para mitigar esse efeito, será utilizada uma variável não discricionária,<br />
a população, que pode, em certa medida, informar a respeito da<br />
distribuição dos cuidados com o bebê e a gestante na população e<br />
sua relação com o desenvolvimento infantil. Essas informações estão<br />
resumidas no Modelo 1 que é mostrado a seguir.<br />
Modelo 1:<br />
Função de produção – Distribuição Half-normal<br />
Variável Dependente:<br />
Índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam subnutrição.<br />
Variáveis Independentes:<br />
Índice de crianças que não apresentaram baixo peso ao nascer, proporção<br />
de mulheres que realizaram, ao menos, quatro exames prénatais,<br />
população.<br />
Índice de não<br />
subnutrição<br />
Tabela 1 – Regressão<br />
Grau de inefi ciência na produção de crianças sem subnutrição<br />
Insumos: Indicadores de saúde da criança e população<br />
Coefi ciente Erro Padrão Estatística z P>|z|<br />
Intervalo de<br />
Confi ança 95%<br />
Constante -5,01 1,11 -3,43 0,00 -7,88 -2,15<br />
Não Baixo Peso 0,76 0,19 3,93 0,00 0,38 1,14<br />
Pré-Natal 1,03 0,20 5,03 0,00 0,63 1,44<br />
População 0,02 0,05 0,46 0,65 -0,71 0,11<br />
Fonte: Estimativas produzidas com base nos indicadores da Whosis.<br />
170 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
Países<br />
Tabela 2<br />
Grau de inefi ciência na produção de crianças sem subnutrição<br />
Insumos: Indicadores de saúde da criança e população<br />
Inefi ciência<br />
Países<br />
Inefi -<br />
ciência<br />
Países<br />
Inefi -<br />
ciência<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
Países<br />
Iêmen 2,85 Turquia 4,96 Guatemala 5,53 Colômbia 5,84<br />
Bangladesh 3,10 Equador 5,01 Honduras 5,53 Suazilândia 5,89<br />
Paquistão 3,40 Guiné 5,07 Zimbábue 5,53 Botsuana 5,90<br />
Chade 3,72 Gabão 5,18 Bolívia 5,54 Jamaica 5,90<br />
Nepal 4,04<br />
Trinidad<br />
e Tobago<br />
5,22 Nicarágua 5,58 Armênia 5,90<br />
Índia 4,29 Quênia 5,23 Angola 5,58 México 5,94<br />
Sudão 4,40 Egito 5,23 Suriname 5,60 Uzbequistão 6,03<br />
Senegal 4,50<br />
Sri<br />
Lanka<br />
5,24 Brasil 5,61 Quirguistão 6,04<br />
Camboja 4,54 Namíbia 5,25 Guiana 5,62 Mongólia 6,13<br />
Azerbaijão 4,59 Maldivas 5,26 Tailândia 5,76 Uruguai 6,15<br />
Haiti 4,66 Lesoto 5,27 Romênia 5,77<br />
Guiné<br />
Equatorial<br />
Marrocos 4,69<br />
Timor-Leste 4,76<br />
República<br />
Checa<br />
Inefi -<br />
ciência<br />
6,17<br />
4,67 Argélia 5,35 Peru 5,77 Argentina 6,27<br />
Camarões<br />
El<br />
Salvador<br />
5,37 Jordânia 5,79 China 6,29<br />
5,39 Indonésia 5,82 Bielorrússia 6,54<br />
Vietnã 4,80 Iraque 5,39 Cazaquistão 5,82 Ucrânia 6,56<br />
Filipinas 4,92 Zâmbia 5,48<br />
República<br />
Dominicana 5,83<br />
Bósnia e<br />
Herzegovina 6,74<br />
Nigéria 4,95 Gana 5,52 Paraguai 5,84 Albânia 6,91<br />
Fonte: Estimativas produzidas com base nos indicadores da Whosis.<br />
171
As Tabelas 1 e 2 mostradas apresentam uma série de observações<br />
que merecem destaque. A primeira delas refere-se à forte contribuição<br />
dos coefi cientes relacionados ao baixo peso e aos exames pré-natais<br />
na construção da fronteira. Entre os mais bem colocados, estão países<br />
que não se destacam em termos de bons indicadores de saúde física<br />
da criança. Os resultados obtidos, principalmente, no que se refere à<br />
posição dos países na fronteira de efi ciência motivaram a realização<br />
de alguns exercícios que pudessem explicar, em alguma medida, por<br />
que países que apresentam indicadores relativamente ruins apresentam,<br />
em contraposição, boas colocações na fronteira de efi ciência.<br />
Uma explicação pode estar no formato da fronteira e nos retornos de<br />
escala. A hipótese, aqui adotada e encontrada na literatura de saúde,<br />
é de que esses retornos são decrescentes e, portanto, à medida que<br />
os indicadores vão melhorando, estes se tornam menos sensíveis a incrementos<br />
nos insumos. Para corroborar (ou refutar) essa hipótese foi<br />
realizado um exercício de simulação que será apresentado a seguir.<br />
METAS PARA A PRODUÇÃO DE CRIANÇAS<br />
SEM SUBNUTRIÇÃO<br />
No Modelo 1, o país com a melhor colocação foi o Iêmen. Suponha<br />
que esse país queira promover desenvolvimento infantil atuando nas<br />
variáveis relacionadas às condições de nascimento das crianças. Suponha,<br />
ainda, que seja estabelecida, no Iêmen, uma meta de reduzir a<br />
proporção de crianças subnutridas para 20%. 22,23<br />
Dessa forma, para atingir a meta de reduzir a subnutrição para 20% a<br />
proporção de crianças com baixo peso ao nascer deveria ser a seguinte:<br />
( )<br />
100-Baixo Peso ao Nascer<br />
4 = 0,76 Baixo Peso ao Nascer = 16%<br />
Baixo Peso ao Nascer<br />
Em palavras, para alcançar a meta de reduzir a proporção de crianças<br />
subnutridas para 20%, a proporção de crianças com baixo peso<br />
22 O indicador real desse país é 41,3.<br />
23 Lembrando que a variável relacionada à subnutrição sofreu uma alteração<br />
para ser calculada, a primeira etapa é transformar a meta de 20% de modo<br />
a compatibilizá-la com a variável efetivamente usada. A transformação foi a<br />
seguinte: Subnutrição = 20% => Índice de Subnutrição = (100-20)/20 = 4.<br />
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ao nascer deveria passar de 32% para 16%. No caso da proporção de<br />
mulheres realizando, no mínimo, quatro exames pré-natais, a proporção<br />
deveria subir de 14% para 14,14%. Ou seja, além do retorno dos<br />
investimentos em desenvolvimento infantil nos países com indicadores<br />
não muito bons ser relativamente alto, o esforço despendido na<br />
melhora dos indicadores para a promoção do desenvolvimento infantil<br />
também se revela como factível.<br />
6 COMO OS PAÍSES ESTÃO INVESTINDO NO<br />
DESENVOLVIMENTO INFANTIL?<br />
Como foi visto no modelo apresentado anteriormente, no que se<br />
refere à produção de crianças sem subnutrição nos países analisados,<br />
foi observada uma tendência que merece destaque. Justamente naqueles<br />
países onde os indicadores brutos eram piores, foram encontrados<br />
os melhores desempenhos relativos. Esse resultado, por si só, já<br />
apresenta importantes informações no que se refere à promoção do<br />
desenvolvimento infantil. Principalmente, se é considerado relevante<br />
o fato de que países que ainda apresentam graves defi ciências nesse<br />
processo apresentam, da mesma forma, um espaço considerável para<br />
investimentos nesse tipo de desenvolvimento. Para ratifi car essa ideia,<br />
o objetivo desta seção é avaliar como os países estão investindo em<br />
desenvolvimento infantil, em termos monetários.<br />
Uma primeira observação com relação a esse exercício é que a variável<br />
utilizada para medir esse investimento é o gasto com saúde per capita.<br />
Apesar de ter sido escolhido pelo fato de o desenvolvimento infantil<br />
ser avaliado por meio de variáveis ligadas à saúde física da criança, não<br />
é possível inferir, e muito menos acertar, qual é a proporção desse gasto<br />
que é direcionada para os cuidados com a criança e, nem tampouco,<br />
se efetivamente existe uma divisão clara nos países selecionados sobre<br />
quais recursos são direcionados para quais grupos etários. Portanto,<br />
todo exercício aqui realizado é baseado em hipóteses e tem por objetivo<br />
apontar caminhos para a promoção desse desenvolvimento.<br />
O Modelo 2 estima uma fronteira de efi ciência direcionada para a<br />
minimização de custos 24 . O custo, ou variável dependente, é o gasto<br />
24 Foram utilizados os logaritmos naturais das variáveis.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
173
com saúde per capita (US$ PPC) e as variáveis explicativas são: índice<br />
de crianças menores que 5 anos que não apresentam nanismo, índice<br />
de crianças menores que 5 anos que não apresentam sobrepeso, índice<br />
de crianças menores que 5 anos que não apresentam subnutrição.<br />
Os resultados são mostrados nas Tabelas 3 e 4 a seguir 25 .<br />
Modelo 2:<br />
Função Custo – Distribuição Exponencial<br />
Variável Dependente:<br />
Gasto com saúde per capita<br />
Variáveis Independentes:<br />
Índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam nanismo,<br />
índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam<br />
sobrepeso, índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam<br />
subnutrição.<br />
Tabela 3 – Regressão<br />
Grau de inefi ciência do investimento em desenvolvimento infantil<br />
Insumos: não nanismo, não sobrepeso e não subnutrição<br />
Gasto Per<br />
Capita<br />
Coefi ciente<br />
Erro<br />
Padrão<br />
Estatística z P>|z|<br />
Intervalo de<br />
Confi ança 95%<br />
Constante 4,80 0,97 6,9 0 2,89 6,71<br />
Índice não<br />
Nanismo<br />
Índice não<br />
Sobrepeso<br />
Índice não<br />
Subnutrição<br />
0,35 0,18 1,97 0,04 0,00 0,65<br />
-0,02 0,13 -0,17 0,87 -0,27 0,23<br />
0,36 0,17 2,14 0,03 0,03 0,07<br />
Fonte: Estimativas produzidas com base nos indicadores da Whosis.<br />
25 Neste modelo a distribuição de probabilidades escolhida foi a Exponencial,<br />
que apresentou o menor número de iterações necessárias.<br />
174 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
Países<br />
Tabela 4<br />
Grau de inefi ciência do investimento em desenvolvimento infantil<br />
Insumos: não nanismo, não sobrepeso e não subnutrição<br />
Inefi -<br />
ciência<br />
Países<br />
Inefi -<br />
ciência<br />
Países<br />
Inefi -<br />
ciência<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
Países<br />
Iêmen 6,34 Filipinas 7,04 Marrocos 7,58 Uruguai 7,99<br />
Inefi -<br />
ciência<br />
Timor-Leste 6,39<br />
Guiné<br />
Equatorial<br />
7,07 Argélia 7,60 Armênia 8,02<br />
Índia 6,43 Gana 7,07 Bolívia 7,61 Cazaquistão 8,11<br />
Nepal 6,46 Albânia 7,11 Nicarágua 7,62 Paraguai 8,13<br />
Bangladesh 6,48 Namíbia 7,12 Iraque 7,63 Turquia 8,14<br />
Sudão 6,54 Quênia 7,13 Equador 7,65 México 8,15<br />
Chade 6,64 Haiti 7,16 Suriname 7,69 Brasil 8,17<br />
Angola 6,67 Indonésia 7,17 Peru 7,69 Quirguistão 8,18<br />
Zâmbia 6,73 Camarões 7,18 Guiana 7,70<br />
República<br />
Dominicana 8,19<br />
Camboja 6,74 Zimbábue 7,21 El Salvador 7,72 Romênia 8,22<br />
Paquistão 6,74 Sri Lanka 7,26 China 7,75 Jordânia 8,23<br />
Nigéria 6,79 Suazilândia 7,39 Egito 7,81<br />
Trinidad e<br />
Tobago<br />
8,46<br />
Guatemala 6,84 Azerbaijão 7,40 Mongólia 7,84 Argentina 8,56<br />
Guiné 6,94 Botsuana 7,43 Tailândia 7,87<br />
Bósnia e<br />
Herzegovina 8,57<br />
Maldivas 6,98 Senegal 7,44 Ucrânia 7,95 Jamaica 8,66<br />
Lesoto 7,00 Honduras 7,49 Uzbequistão 7,97 Bielorrússia 8,99<br />
Vietnã 7,02 Gabão 7,55 Colômbia 7,97<br />
Fonte: Estimativas produzidas com base nos indicadores da Whosis.<br />
República<br />
Checa<br />
Nesse modelo, o que se observa é uma semelhança com a fronteira<br />
gerada que explica a variável relativa ao desenvolvimento infantil, a<br />
subnutrição. O Iêmen é o país mais efi ciente da amostra e, no outro<br />
extremo, como os países mais inefi cientes encontram-se Jamaica, Bielorrússia<br />
e República Checa.<br />
8,99<br />
175
Uma conclusão, já mencionada, que pode se tirar com base nesses<br />
resultados é que o investimento em desenvolvimento infantil apresenta<br />
um retorno maior nos países onde, além da baixa renda e do baixo<br />
gasto per capita, os indicadores relacionados às crianças não são muito<br />
bons. Esses resultados também corroboram, em alguma medida, a hipótese<br />
dos retornos decrescentes de escala no que se refere à saúde.<br />
Como é possível observar pela Tabela 4, os países que ocupam a melhor<br />
e a pior posição são, respectivamente, Iêmen e República Checa.<br />
Para entender um pouco melhor esses resultados, faz-se necessária<br />
uma análise mais apurada dos indicadores desses países. No próximo<br />
tópico, então, serão realizadas simulações com o gasto com saúde e os<br />
impactos nas variáveis que indicam o desenvolvimento infantil.<br />
SIMULAÇÕES DE INVESTIMENTO EM DESENVOLVIMENTO INFANTIL<br />
O Iêmen é um país com pouco mais de 22 milhões de habitantes e<br />
uma renda per capita de US$ PPC 2.090. Seu investimento em saúde<br />
está na casa de US$ PPC 82 per capita. Esses indicadores foram utilizados<br />
como proxys para os investimentos em desenvolvimento infantil<br />
de um país que apresenta uma proporção de crianças com défi cit de<br />
crescimento da ordem de 60%, quase 4% das crianças com sobrepeso<br />
e, ainda, cerca de 40% das crianças com insufi ciência alimentar. Mas,<br />
apesar disso, esses mesmos indicadores conferem a esse país a melhor<br />
posição em termos de efi ciência relativa no Modelo 4.<br />
No outro extremo, na República Checa, encontram-se indicadores de<br />
renda e gasto com saúde per capita de US$ PPC 20.920 e US$ PPC<br />
1.490, respectivamente. Esses valores foram utilizados para estimar<br />
como esse país investe em desenvolvimento infantil num contexto em<br />
que cerca de 3% das crianças apresentam problemas de nanismo, 4,4%<br />
das crianças têm problemas de excesso de peso e 2% estão subnutridas.<br />
Esses indicadores, apesar de substancialmente melhores que os do Iêmen,<br />
revelam que a alocação desses recursos para a otimização destes<br />
indicadores conferiu ao país a pior colocação na fronteira de efi ciência<br />
gerada. Novamente, este fato remete à hipótese de retornos decrescentes<br />
de escala no âmbito da saúde. Na amostra selecionada, uma parte considerável<br />
dos países apresenta variáveis relacionadas à saúde da criança<br />
relativamente insatisfatórios. Contudo, dada a escassez de recursos, em<br />
176 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
termos de alocação, esses países mostram resultados relativos satisfatórios.<br />
Como esses países não se revelam benchmarks no que se refere ao<br />
desenvolvimento infantil, o que se pode concluir é que a sensibilidade<br />
de investimentos nessa área é bem grande e, ainda melhor, o retorno aos<br />
investimentos é bem expressivo. Como foi mostrado, o desenvolvimento<br />
em crianças se mostra como uma boa estratégia para o aumento do<br />
bem-estar e a promoção do desenvolvimento humano, de uma maneira<br />
mais ampla. Esse espaço considerável para investimentos no público infantil<br />
pode se revelar como uma boa estratégia de desenvolvimento, em<br />
sua concepção mais ampla, para esses países.<br />
Para ilustrar essa hipótese fez-se um exercício de simulação utilizando<br />
os dados do Modelo 4. Como acontece nos modelos de fronteiras<br />
estocásticas, a regressão gerada nesse modelo estima coefi cientes para<br />
as variáveis explicativas, quais sejam, índice de crianças menores que<br />
5 anos que não apresentam nanismo, índice de crianças menores que<br />
5 anos que não apresentam sobrepeso, índice de crianças menores<br />
que 5 anos que não apresentam subnutrição e estão na Tabela 3, apresentada<br />
anteriormente. Como o modelo utilizou os logaritmos naturais<br />
das variáveis, esses coefi cientes gerados representam, de maneira<br />
direta, as elasticidades. Dessa forma, com base nesses coefi cientes e<br />
na variável explicada – o gasto per capita – as simulações realizadas<br />
consistem em estimar o impacto de 1% de investimento a mais, em<br />
termos monetários, nessas variáveis.<br />
Os exercícios de simulação propostos são construídos da seguinte<br />
forma:<br />
Suponha que o Iêmen, país que apresentou a menor inefi ciência<br />
no Modelo 2, resolva alocar todo o seu gasto com saúde no desenvolvimento<br />
infantil, para pelo menos uma das variáveis selecionadas, e,<br />
para isso, aumente em 1% esse gasto per capita. Esta medida teria os<br />
seguintes resultados 26 :<br />
( )<br />
100-Nanismo<br />
1) Nanismo: 0,82 = 0,35 Nanismo = 30<br />
Nanismo<br />
26 Como os coefi cientes da variável relacionada ao sobrepeso são negativos,<br />
o exercício de simulação não faz muito sentido, logo, as simulações fi carão<br />
restritas às variáveis relacionadas ao nanismo e à subnutrição.<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
177
( )<br />
100-Subnutrição<br />
2) Subnutrição: 0,82 = 0,36 Subnutrição = 31<br />
Subnutrição<br />
O que esse exercício mostrou é que, no Iêmen, o impacto de aumentar<br />
o gasto com saúde per capita em 1% e direcionar todo esse investimento,<br />
ora para combater o nanismo ora para combater a subnutrição,<br />
no que se refere a essa amostra, seria uma queda de 58 para 30 na<br />
proporção de crianças menores que cinco anos com nanismo ou uma<br />
queda no indicador de 41 para 31 quando a variável é a subnutrição.<br />
O mesmo exercício pode ser realizado para o país que apresentou o<br />
pior desempenho, em termos de efi ciência relativa, na fronteira gerada<br />
utilizando o gasto per capita como o custo: República Checa. Para<br />
o caso do investimento direcionado ao nanismo, 1% de gasto per capita<br />
a mais levaria a proporção de crianças com menos de 5 anos com<br />
nanismo de 2,6% para 2,3%. Já no caso da subnutrição, a variação<br />
observada seria de 2,1% para 2,4%. A princípio pode parecer completamente<br />
contraintuitivo, e até absurdo, que houvesse um aumento<br />
na proporção de crianças subnutridas na República Checa na hipótese<br />
do incremento de 1% no gasto com saúde. A primeira precaução que<br />
deve ser tomada para avaliar as fronteiras geradas nesse trabalho e,<br />
em especial, os exercícios de simulação é o fato de que todos os resultados<br />
apresentam um caráter relativo, ou seja, esses resultados mostram<br />
o desempenho dos países quando comparados aos outros países<br />
da amostra, e não seu desempenho absoluto. Esse caráter relativo se<br />
estende aos indicadores e à amostra selecionada, tornando esses resultados<br />
completamente dependentes do modelo estimado. O outro<br />
ponto refere-se aos, já citados, retornos de escala. A sensibilidade dos<br />
investimentos em desenvolvimento infantil é, notoriamente, maior nos<br />
países com desempenho relativo melhor e indicadores individuais piores.<br />
O que, em grande medida, atesta a hipótese de que os retornos<br />
de escala são decrescentes nos investimentos em saúde 27 .<br />
Uma outra forma de ratifi car a ideia, tanto da sensibilidade dos indicadores<br />
a investimentos quanto dos retornos de escala, é aumentar<br />
a variação no gasto com saúde per capita e estimar esse efeito. Para<br />
o caso da República Checa, que está sendo avaliada, observa-se que,<br />
27 Os resultados dos exercícios de simulação para os indicadores de nanismo<br />
e subnutrição para todos os países estão disponíveis com a autora.<br />
178 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010
para se ter um impacto de redução do nanismo acentuado, como<br />
aquele observado para o caso do Iêmen, por exemplo, um aumento<br />
percentual do gasto desejável seria em torno de 5%, ao invés de apenas<br />
1%. Esse incremento, se totalmente alocado e direcionado para<br />
o combate desta mazela infantil, reduziria o nanismo de 2,6% para<br />
0,47%. Com a mesma variação e a mesma hipótese de total alocação<br />
e direcionamento para o combate, desta vez, da subnutrição, o impacto<br />
seria uma redução de 1,6 ponto percentual, passando de 2,1%<br />
da população infantil subnutrida para 0,49%, atestando, ainda mais, a<br />
questão da sensibilidade dos indicadores.<br />
7 CONCLUSÕES<br />
O estudo do desenvolvimento infantil, realizado neste trabalho, revela<br />
uma série de conclusões que merecem destaque. Primeiramente,<br />
foi visto que o investimento em desenvolvimento infantil revela-se<br />
como uma boa estratégia para a promoção do desenvolvimento humano.<br />
Por essa razão, já seria justifi cada maior atenção para essa fase<br />
da vida. Entender que investimentos logo nos primeiros anos de vida<br />
conferem ao indivíduo maior probabilidade de desfrutar de melhores<br />
condições de vida, seja em termos de saúde, seja em termos educacionais,<br />
é entender, também, que essa é uma boa estratégia para a<br />
igualdade de oportunidades.<br />
Várias são as evidências que comprovam essa ideia. Do ponto de vista<br />
econômico, investir nas crianças seria uma espécie de estratégia de<br />
ruptura do ciclo da pobreza, na medida em que conferiria oportunidades<br />
semelhantes aos indivíduos, tornando-os igualmente aptos para o<br />
ingresso no mercado de trabalho futuramente. Isto é devido ao fato de<br />
que, por estarem ainda em seu processo de formação, as crianças não<br />
apresentaram muitas desigualdades e, portanto, políticas voltadas para<br />
o desenvolvimento nessa idade não enfrentariam o trade-off equidade<br />
versus efi ciência. Investimento em desenvolvimento infantil, então, seria<br />
uma espécie de janela de oportunidades para efetivação dos investimentos<br />
futuros em capital humano, disparando uma cadeia de acontecimentos<br />
que, em última instância, reduziriam as desigualdades.<br />
Tendo em vista essa sucessão de eventos com impactos positivos, tanto<br />
para a sociedade quanto para o indivíduo, investir em desenvolvimen-<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 148-183 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
179
to infantil revela-se como uma boa estratégia para o desenvolvimento<br />
em seu caráter mais amplo. Assim sendo, uma tarefa essencial para os<br />
pesquisadores da área é avaliar o estado do desenvolvimento infantil ao<br />
redor do globo. E esta é a tarefa para a qual este trabalho se propôs.<br />
Os resultados mostraram que a sensibilidade de investimentos em<br />
saúde é muito maior nos países onde os indicadores demandam signifi<br />
cativas melhoras, corroborando a hipótese de que o investimento<br />
em desenvolvimento infantil é uma boa estratégia para a promoção do<br />
desenvolvimento em um caráter mais amplo.<br />
Os resultados obtidos evidenciaram que países com espaço para<br />
melhoras, ou, dito de outra forma, com maiores retornos aos investimentos,<br />
representam uma boa alternativa de investimento com vistas<br />
à promoção do desenvolvimento infantil. É notório este fato, principalmente<br />
no que se refere à amostra, dado que nesta predominam países<br />
mais pobres, em todos os indicadores.<br />
Além das hipóteses de incrementos nos investimentos, foram realizadas<br />
simulações para, com base no modelo síntese, inferir em que<br />
medida os países são capazes de reduzir indicadores indesejáveis para<br />
o desenvolvimento infantil atuando nas condições de nascimento das<br />
crianças. Como observado, para o país com a melhor colocação do<br />
modelo citado, a meta de reduzir para 20% a proporção de crianças<br />
com subnutrição demandaria uma redução de pouco mais de 15 pontos<br />
percentuais na proporção de crianças com baixo peso ao nascer.<br />
Esses resultados poderiam levar a precipitadas conclusões de que<br />
países que já apresentam indicadores relativamente bons não precisariam<br />
de mais investimentos na promoção do desenvolvimento infantil.<br />
Na verdade, esse é um estudo relativo que compara os países e, portanto,<br />
suas conclusões não devem ser levadas a cada país de uma maneira<br />
isolada. A análise individual de cada um pode levar a conclusões bem<br />
distintas, e aqueles países que em tese não precisariam de mais investimentos<br />
podem revelar uma extrema necessidade de concentrar esforços<br />
no público infantil. Além disso, o investimento nas crianças é um esforço<br />
contínuo e necessário em qualquer época, seja para melhorar os indicadores,<br />
seja para a manutenção dos bons resultados nesse processo.<br />
Uma análise mais detalhada dos indicadores de cada país, que observe<br />
a tendência e a evolução temporal dos mesmos, é um exercício extremamente<br />
necessário para a avaliação do desenvolvimento infantil.<br />
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183
NÚMEROS ANTERIORES<br />
EDIÇÃO 7<br />
EDIÇÃO 8<br />
184<br />
CUIDADOS DE LONGA DURAÇÃO PARA A POPULAÇÃO IDOSA –<br />
Família ou instituição de longa permanência?<br />
Ana Amélia Camarano<br />
FATORES QUE INFLUENCIAM O AMBIENTE DA ASSISTÊNCIA<br />
À SAÚDE NO BRASIL – Modelo atual e novas perspectivas<br />
Flávia Poppe<br />
SIMULACRO, SHOPPING CENTER E EDUCAÇÃO SUPERIOR<br />
José Rodrigues<br />
POLÍTICAS PASSIVAS DE EMPREGO – Características,<br />
despesas, focalização e impacto sobre a pobreza<br />
Luís Henrique Paiva<br />
PREVIDÊNCIA NO BRASIL – Debates e desafi os<br />
Paulo Tafner<br />
FATORES QUE INFLUENCIAM O AMBIENTE DA ASSISTÊNCIA<br />
À SAÚDE NO BRASIL – Modelo atual e novas perspectivas<br />
Flávia Poppe<br />
AÇÃO AFIRMATIVA: POLÍTICA PÚBLICA E OPINIÃO<br />
João Feres Júnior<br />
A ARQUITETURA NA ‘ESTÉTICA’ DE LUKÁCS<br />
Juarez Duayer<br />
PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PARA O SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL<br />
Marcelo Abi-Ramia Caetano<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010
EDIÇÃO 9<br />
EDIÇÃO 10<br />
TRANSFERÊNCIAS DE RENDA FOCALIZADAS NOS POBRES –<br />
O BPC versus o Bolsa Família<br />
Sonia Rocha<br />
INTELECTUAIS E ESTRUTURA SOCIAL: UMA PROPOSTA TEÓRICA<br />
Daniel de Pinho Barreiros<br />
CULTURAS URBANAS E EDUCAÇÃO – Experimentações da cultura<br />
na educação<br />
Ecio Salles<br />
RELAÇÕES INTERNACIONAIS – Uma introdução ao seu estudo<br />
Franklin Trein<br />
A EVOLUÇÃO FAZ SENTIDO. INCLUSIVE NA ATIVIDADE FÍSICA?<br />
Hugo Rodolfo Lovisolo<br />
‘DESIGNERS’, SUJEITOS PROJETIVOS OU PROGRAMADOS?<br />
Marco Antonio Esquef Maciel<br />
CIÊNCIA, SAÚDE E CINEMA: TERRITÓRIOS COMUNS<br />
Alexandre Palma<br />
CONFIGURAÇÃO DO MOVIMENTO SERINGUEIRO<br />
NA AMAZÔNIA BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 1970-1980 –<br />
Elementos para pensar políticas públicas sustentáveis<br />
Cláudia Conceição Cunha<br />
IMAGENS OBSESSIVAS EM AUGUSTO DOS ANJOS<br />
Ivan Cavalcanti Proença<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010<br />
185
EDIÇÃO 11<br />
186<br />
A LONGEVIDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS<br />
PARA O MUNDO DO TRABALHO<br />
Lucia França<br />
ESCOLAS DE SAMBA: CONFORMAÇÃO E RESISTÊNCIA<br />
Máslova Teixeira Valença<br />
O SIGNIFICADO AMBIENTAL DO QUADRO JURÍDICO-INSTITUCIONAL<br />
DIANTE DA PRESENÇA DE ESPÉCIES EXÓTICAS NO BRASIL<br />
Anderson Eduardo Silva de Oliveira<br />
MUSEUS: LIMITES E POSSIBILIDADES NA PROMOÇÃO<br />
DE UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA<br />
Andréa F. Costa<br />
Maria das Mercês Navarro Vasconcellos<br />
PROTEÇÃO SOCIAL DOS IDOSOS NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA<br />
Graziela Ansiliero<br />
Rogério Nagamine Costanzi<br />
GLOBALIZAÇÃO E CONVERGÊNCIA EDUCACIONAL - Análise comparativa<br />
das ações recentes para a reformados sistemas educacionais no Brasil<br />
e nos Estados Unidos<br />
Rafael Parente<br />
INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE - Em busca de abordagens<br />
avaliativas e de efetividade<br />
Regina Bodstein<br />
SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010
Obtenção de exemplares:<br />
Assessoria de Divulgação e Promoção<br />
Departamento Nacional do SESC<br />
adpsecretaria@sesc.com.br<br />
Tel.: (21) 21365149<br />
Fax: (21) 21365470
Esta revista foi composta nas tipologias Zapf Humanist 601 BT, em<br />
corpo 10/9/8,5, e ITC Offi cina Sans, em corpo 26/16/9/8, e impressa<br />
em papel off -set 90g/m 2 , na 52 Gráfi ca e Editora Ltda.