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Revista Intercâmbio 2011 - Sesc

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SESC ⏐ Serviço Social do Comércio<br />

Departamento Nacional<br />

R. <strong>Intercâmbio</strong> Rio de Janeiro v. 1 n. 1 p. 1-112 novembro de <strong>2011</strong> ISSN 2236-7616<br />

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SESC | Serviço Social do Comércio<br />

Presidência do Conselho Nacional<br />

Antonio Oliveira Santos<br />

DEPARTAMENTO NACIONAL<br />

Direção-Geral<br />

Maron Emile Abi-Abib<br />

Divisão Administrativa e Financeira<br />

João Carlos Gomes Roldão<br />

Divisão de Planejamento e Desenvolvimento<br />

Álvaro de Melo Salmito<br />

Divisão de Programas Sociais<br />

Nivaldo da Costa Pereira<br />

Consultoria da Direção-Geral<br />

Juvenal Ferreira Fortes Filho<br />

COORDENAÇÃO EDITORIAL<br />

Gerência de Estudos e Pesquisas /<br />

Divisão de Planejamento e Desenvolvimento<br />

Mauro Lopez Rego<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

Antônio Carlos Araújo Franqueira<br />

João Martins Ribeiro<br />

Márcia Costa Rodrigues Leite<br />

Maria Alice Lopes de Souza<br />

secretário executivo<br />

Mauro Lopez Rego<br />

assessoria editorial<br />

Andréa Reza<br />

© SESC Departamento Nacional<br />

Av. Ayrton Senna, 5555, Jacarepaguá<br />

Rio de Janeiro - RJ CEP: 22775-004<br />

Telefone: (21) 2136-5555<br />

www.sesc.com.br<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Intercâmbio</strong> / SESC, Departamento Nacional – Vol. 1, n. 1 (nov.<strong>2011</strong>)- .-<br />

Rio de Janeiro : SESC, Departamento Nacional, <strong>2011</strong>- .<br />

v. : il. ; 30 cm.<br />

Quadrimestral<br />

ISSN 2236-7616<br />

EDIÇÃO<br />

Assessoria de Divulgação e Promoção / DG<br />

Christiane Caetano<br />

supervisão editorial<br />

Fernanda Silveira<br />

projeto gráfico<br />

Ana Cristina Pereira (Hannah23)<br />

editoração<br />

Ingrafoto Produções Gráficas<br />

revisão<br />

Elaine Bayma<br />

Clarissa Penna<br />

produção gráfica<br />

Celso Mendonça<br />

estagiária de produção<br />

Iasmin Simas<br />

As fotos desta publicação foram gentilmente cedidas e autorizadas pelas unidades<br />

do SESC em Anápolis/GO, Ananindeua/PA, Novo Hamburgo/RS, Dourados/MS,<br />

Garanhuns/PE, Crato/CE, Brusque/SC, Navegantes/RS; e pelo arquivo pessoal de<br />

Beatriz Portugal Reyes.<br />

Impresso em novembro de <strong>2011</strong>.<br />

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma<br />

parte desta publicação poderá ser reproduzida sem autorização prévia por escrito do<br />

SESC Departamento Nacional, sejam quais forem os meios e mídias empregados:<br />

eletrônicos, impressos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.<br />

1.Ciências Sociais - Brasil. 2. SESC. Departamento Nacional. I. SESC.<br />

Departamento Nacional.<br />

CDD 306<br />

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Diante da complexa missão que recebeu, em toda a sua<br />

história o SESC preservou uma inquietação permanente<br />

em favor de seu aperfeiçoamento. Não poderia ser dife-<br />

rente, uma vez que o conceito sobre o bem-estar humano<br />

se aprofunda tão logo concebida a ação que lhe é destina-<br />

da. Além disso, as exigências para a qualidade de vida se<br />

ampliam à medida que os progressos sociais e econômi-<br />

cos tomam forma e dimensão.<br />

Compreender as possibilidades de atender a essas exi-<br />

gências requer uma cultura de revisão contínua acerca<br />

dos fundamentos e propósitos de nossas práticas. É nes-<br />

se ambiente e com esse fim que se insere a <strong>Revista</strong> Inter-<br />

câmbio: para constituir-se em mais um instrumento de<br />

evolução do SESC.<br />

Difundir reflexões, propostas, relatos; dar voz à contribui-<br />

ção individual de aprofundar conhecimentos e ultrapas-<br />

sar obstáculos; permitir que a releitura do SESC aconteça<br />

em cada equipe técnica: esses são os objetivos da <strong>Revista</strong><br />

<strong>Intercâmbio</strong>, criada para fortalecer, como tantas outras<br />

ações, o autodesenvolvimento organizacional.<br />

Maron Emile Abi-Abib<br />

Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC<br />

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SUMÁRIO<br />

Apresentação 6<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva 8<br />

Claudia Santos de Medeiros<br />

Formação de competências como fator diferencial 24<br />

para as organizações<br />

Edna Sá Ambrosio Mayrink<br />

A estratégia da gestão social 42<br />

João Martins Ribeiro<br />

O olhar de quem aprende 52<br />

Leonardo Pugliesi Figueiredo<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício físico-esportivo, 76<br />

saúde e lazer<br />

Monica da Silva Castro<br />

Desenvolvimento cultural local 98<br />

Sidnei Cruz<br />

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INTERCÂMBIO . RIO DE JANEIRO . v. 1 . n. 1 . NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

APRESENTAÇÃO<br />

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO INTERCÂMBIO . RIO DE JANEIRO . v. 1 . n. 1 . NOVEMBRO/FEVEREIRO<br />

Com o objetivo de promover e estimular a dissemina-<br />

ção de produção técnica e científica em torno de sua ação<br />

programática, o SESC apresenta a <strong>Revista</strong> <strong>Intercâmbio</strong>,<br />

um veículo de transmissão de estudos, pesquisas e con-<br />

tribuições dos servidores para o desenvolvimento e a<br />

expansão da entidade.<br />

Esta publicação abrange a sistematização de projetos e<br />

metodologias, bem como de seus resultados, de forma a<br />

oferecer uma contribuição ao conhecimento e ao aper-<br />

feiçoamento da ação do SESC, por meio do fomento ao<br />

diálogo permanente e qualificado entre servidores de<br />

suas áreas fim e meio.<br />

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7


Mestre em Educação Brasileira (2009) e Especialista em Educação Infantil (1996) pela Pon-<br />

tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Pedagoga pelo Instituto Isabel —<br />

Centro de Ciências Humanas e Sociais (1993). Sempre trabalhou como professora e coordena-<br />

dora de Educação Infantil e, desde 1997, é assessora técnica na área de Educação Infantil do<br />

SESC — Departamento Nacional.<br />

Áreas de atuação: Educação Infantil, prática pedagógica, infância e cultura, alfabetização e<br />

formação de professores.<br />

CLAUDIA SANTOS DE MEDEIROS<br />

Concepção de<br />

infância e<br />

leitura como<br />

experiência coletiva:<br />

algumas implicações<br />

na formação de leitores na<br />

Educação Infantil do SESC<br />

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Educação Infantil, leitura, SESC...<br />

Reflexões iniciais<br />

A aprendizagem da língua escrita no Brasil sempre foi motivo<br />

de debates e reflexão. Quanto à leitura, especialmente, esbarra<br />

não só nas questões que envolvem a alfabetização, mas também<br />

nos problemas de acervo das escolas e nas práticas que a<br />

envolvem. Na Educação Infantil, a leitura também não é diferente.<br />

Em cada escola temos uma prática, um acervo, um<br />

professor com suas crenças, uma concepção de infância e uma<br />

de leitura. Nem sempre em uma mesma escola infância e prática<br />

pedagógica são compatíveis: há um discurso que não se<br />

aproxima da prática e vice-versa. Diante deste quadro, seria<br />

importante pensar sobre que infância e que visão de leitura<br />

estamos falando para que, diariamente, enfrentemos o desafio<br />

de aproximar o que falamos daquilo que fazemos.<br />

Apesar de ainda nos depararmos com as mesmas questões na<br />

Educação Infantil desenvolvidas nas escolas do Serviço Social<br />

do Comércio — SESC por quase todo o Brasil, estamos sempre<br />

em busca de práticas de leitura que possam desenvolver outras<br />

experiências junto às crianças e, também, aos professores.<br />

Apesar dos esforços em formação continuada e também das<br />

equipes em ressignificar a educação que receberam na infância,<br />

algumas vezes encontramos problemas de acervo — aquisição e<br />

disponibilidade de títulos na localidade — e de organização de<br />

espaços adequados nas escolas, mesmo que existam bibliotecas<br />

nos centros de atividade onde se inserem. Continuamos, entretanto,<br />

produzindo histórias interessantes de serem compartilhadas<br />

junto a quem trabalha com o segmento.<br />

A Educação Infantil é um momento da vida escolar em que<br />

crianças e adultos convivem em meio a situações que requerem<br />

uma prática pedagógica diferenciada, ainda que sofra as<br />

influências do Ensino Fundamental e seu formato de escola.<br />

Nessa prática, há um sujeito que se esforça para compreender,<br />

fazer parte e tomar parte do mundo que o rodeia: a criança<br />

pequena. Diante disso, quais seriam as práticas de leitura compatíveis<br />

com tal desafio? O que implica diretamente a construção<br />

dessas práticas? É o que tentaremos discutir neste texto.<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

10<br />

1 A parte do texto que se refere<br />

à concepção de infância foi<br />

aproveitada da dissertação de<br />

mestrado da autora. MEDEI-<br />

ROS, Claudia Santos de, 2009.<br />

De qual infância estamos falando? 1<br />

A Proposta Pedagógica da Educação Infantil no SESC (SESC,<br />

1997) reconhece as especificidades das crianças como seres da<br />

cultura e criadores de cultura, que brincam e se movimentam,<br />

que tentam fazer parte da vida dos adultos, ressignificando as<br />

coisas, subvertendo a ordem do mundo. A partir desta concepção<br />

de infância, o referido documento ganha forma e tenta<br />

organizar as demais concepções — de aprendizagem, de escola,<br />

de área de conhecimento etc. Mas por que isso é tão importante?<br />

A infância, ao longo da existência humana, nem sempre foi um<br />

conceito estruturado como se vê hoje, em que a criança é um ser<br />

peculiar, diferente do adulto, com direito a cuidados e à educação;<br />

muito pelo contrário. Tomando como base os estudos de<br />

Ariès (1981), as concepções de infância foram e são diferentes.<br />

Ao relatar a “descoberta da infância” pelo mundo ocidental,<br />

tendo como ponto de partida o século XII, no qual se identificam<br />

crianças em pinturas sob a forma de homens pequenos,<br />

para a compreensão de como “chegamos às criancinhas de<br />

Versalhes, às fotos de crianças de todas as idades de nossos<br />

álbuns de família” (p. 52), esse autor contribui para a reflexão<br />

deste conceito como algo não natural, e sim uma construção<br />

cultural e social. Descrevendo alguns “tipos” de criança que<br />

foram surgindo a partir do século XIII, tais como “o anjo adolescente”,<br />

representado por Fran Angelico e Botticelli no século<br />

XV (crianças que ajudavam na missa), “o menino Jesus” ou<br />

“Nossa Senhora menina” (a infância ligada à maternidade), “a<br />

criança nua” (alegoria da morte e da alma), pode-se perceber<br />

que as representações da infância atam-se às crenças e aos valores<br />

de uma época.<br />

Também, na análise de Charlot (1979, p. 101), a imagem da<br />

criança surge contraditória aos olhos do mundo adulto:<br />

a criança é inocente e má; a criança é imperfeita e perfeita; a criança é<br />

dependente e independente; a criança é herdeira e inovadora.<br />

Podem-se perceber, nesses julgamentos, características tanto<br />

positivas quanto negativas dos seres humanos, dentre as<br />

quais eu identificaria, nas de tipo “positivo”, aquelas que comumente<br />

são relacionadas às crianças em oposição áquelas do<br />

tipo “negativo”, características dos adultos (maldade, imperfeição,<br />

fraqueza, teimosia, dependência, instabilidade, agres-<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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sividade, desordem, por exemplo). Contudo, o fato de ver a<br />

criança “positivamente” (inocente, pura, ingênua, exigente,<br />

digna de ser amada e respeitada) a aproxima de um olhar<br />

com base em uma “natureza infantil”, cujas contradições lhe<br />

são “típicas”.<br />

Esta ideia de natureza, que parece dar uma explicação satisfatória<br />

de como as crianças simplesmente seriam, se contrapõe,<br />

por sua vez, a outro aspecto sobre o qual uma visão de<br />

infância fica bem mais densa e complicada: a criança como ser<br />

social. E pensar na criança como ser social, e quando eu falo<br />

de criança falo também de bebês, significa pensar que infância<br />

não significa um simples conjunto de crianças, mas uma<br />

categoria social que se opõe a do adulto e que divide com esta<br />

espaços na sociedade.<br />

Tomando os estudos da linguagem e da cultura de Walter<br />

Benjamin, Lev. S. Vygotsky e Mikhail Bakhtin poderemos<br />

desconstruir a concepção romântica de infância. Para estes<br />

autores, embora por abordagens distintas, não há ser humano<br />

que esteja alheio ao mundo em que vive, muito menos<br />

às suas tensões e contradições, visto que é o homem, em sociedade,<br />

ao mesmo tempo em que ganha vida e sentido, dá<br />

sentido e vida à sociedade. Se a sociedade somos todos nós,<br />

as crianças também fazem parte dela, vivendo experiências<br />

junto com os adultos. É importante destacar que uma experiência,<br />

ao ser compartilhada, não significa estar sendo sentida<br />

e valorada da mesma maneira pelos sujeitos que dela participam,<br />

visto que, se há grupos sociais com interesses divergentes,<br />

há enunciados também divergentes, compondo uma<br />

arena de vozes sociais (FIORIN, 2006).<br />

Benjamin (1984), ao nos apresentar sua ideia de infância, mostra<br />

que é preciso reconhecê-la como um momento em que o<br />

indivíduo, social e cultural, luta pelos espaços que fazem parte<br />

da sua história e de seu grupo social. Misturando a criança<br />

aos heróis dos livros, reconhecendo-a como fazedora do novo<br />

a partir dos restos deixados pelos adultos, apresentando-<br />

-a como alma penada que entra na classe para não mais ser<br />

vista, comparando-a aos braços dos amantes na hora em que<br />

encontra seu doce favorito, deixando-a voar em seu cavalo,<br />

permitindo que ela colecione as pedras do caminho, ao viajar pelos<br />

selos com Vasco da Gama, o autor considera a criança cada<br />

vez mais longe da idealização e mais próxima do homem real.<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

12<br />

Ao contar sobre sua infância, ao rememorar a criança que foi,<br />

convida-nos a rememorar, também, a nossa infância. Permite-<br />

-nos ver, a nós mesmos, em uma criança não infantilizada,<br />

embora reconhecida nas suas especificidades, especialmente a<br />

de brincar e subverter a ordem das coisas, criando imagens e<br />

brinquedos, vivendo com eles, descobrindo semelhanças com<br />

sua vontade e a necessidade de, às vezes, romper com as tradições<br />

e demais convenções.<br />

(...) É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo<br />

local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se dê de maneira<br />

visível (BENJAMIN, 1984, p. 77).<br />

Da mesma forma, pelos objetos que coleciona, pela maneira como<br />

os investiga e cataloga, está no papel de criadora de cultura.<br />

(...) Toda pedra que ela encontra, toda flor colhida e toda borboleta<br />

apanhada é para ela já o começo de uma coleção e tudo aquilo que<br />

possui representa-lhe uma única coleção. (...) Caça os espíritos cujos<br />

vestígios fareja nas coisas (BENJAMIN, 1984, p. 79).<br />

A criança, para Benjamin, se coloca na pele do pesquisador,<br />

do alquimista e do bruxo. Para entender os mistérios do mundo,<br />

cujos caminhos se dão pela ação da curiosidade e da vontade<br />

de compreender, viver, para ela, pode significar, também, que<br />

nem tudo lhe foi ou é aceito.<br />

Compartilhando da ideia de infância em Benjamin, como seria<br />

a escola? O que seria importante pensar no momento de<br />

se definir e organizar práticas de leitura?<br />

Leitura como experiência coletiva<br />

As experiências infantis, ainda hoje, são vistas por muitos adultos<br />

como pouco importantes, como se estes estivessem alheios<br />

àquelas, à criança tomada como um “outro”. Kramer (1999, p.<br />

272) defende uma concepção de infância que reconheça suas<br />

especificidades, opondo-se a uma “concepção infantilizadora<br />

do ser humano”. Porque a infantilização é sempre uma aliada<br />

da desqualificação e, nesse sentido, a qualidade do que é oferecido<br />

às crianças, muitas vezes, como as propostas e os livros,<br />

por exemplo, não é questionada. É o que ocorre quando as escolas<br />

solicitam às famílias das crianças os portadores de texto<br />

e os materiais que serão utilizados. Isso pode acarretar uma<br />

organização de espaços inadequados à prática pedagógica.<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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No SESC, seria uma concepção de infância na qual a criança<br />

é alguém hoje, com necessidades e direitos emergentes, e não<br />

uma pessoa que ainda vai ser alguém quando crescer, em um<br />

futuro que virá.<br />

E o que seriam os livros e outros materiais de leitura para<br />

esta criança? E as propostas? Ver a criança de outra forma<br />

que não de um ser da natureza que precisa ser controlado,<br />

implica nos vermos — aos adultos — também de outra<br />

maneira. Não participar das histórias da criança talvez<br />

seja o mesmo que, primeiramente, não se reconhecer nelas,<br />

como se as experiências vividas em nossa infância tivessem<br />

sido apagadas. De que forma, então, poderemos não só nos<br />

reconhecer na infância, mas também entendê-la como um<br />

momento que nos leve para muito além do significado de<br />

passagem cronológica de uma fase da vida? — “(...) afinal,<br />

se existe uma história humana é porque o homem tem uma<br />

infância” (KRAMER, 1999, p. 271).<br />

A criança, na visão de Vygotsky, pode ser uma possibilidade<br />

de compreensão de como se dá a construção do conhecimento,<br />

aqui entendido como criação humana que se realiza no coletivo,<br />

este coletivo que se organiza no movimento social, histórico e<br />

cultural. Para tanto, destaca o papel da linguagem como elo entre<br />

o sujeito e os outros sujeitos, e o mundo. Ao considerar que é na<br />

infância que a linguagem começa a se construir, pode-se dizer<br />

que seria a criança quem “primeiro” operaria na construção e<br />

compreensão dos signos que circulam ao seu redor.<br />

Diante disso, o que dizer sobre o menino Rafael, cujas fotos<br />

aqui podemos ver? Na época, com um ano e alguns meses de<br />

idade, de pé, lendo jornal com braços postados à frente e, na<br />

foto a seguir, sentado sobre a cama, de pernas cruzadas, com<br />

(1) Rafael Tovar lendo jornal<br />

em casa. (2) Rafael Tovar<br />

lendo gibi na cama da mãe.<br />

Arquivo pessoal – Beatriz<br />

Portugal Reyes<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

14<br />

Professora e sua turma<br />

de crianças de 4 anos em<br />

situação de leitura, quando<br />

cada criança escolheu o<br />

que gostaria de ler (nesse<br />

caso, livros de literatura<br />

infantil e/ou gibis da Turma<br />

da Mônica). Após esse<br />

momento foi proposto o<br />

reconto das histórias pelas<br />

crianças.<br />

Imagem cedida pelo SESC<br />

Anápolis, Departamento<br />

Regional do SESC em<br />

Goiás.<br />

o gibi sobre o colo, a boca entreaberta denotando total atenção<br />

à leitura, mesmo sem ainda saber decifrar o código que acompanhava<br />

as gravuras. De onde vêm estas posturas de leitor?<br />

Rafael era ainda um bebê. É disso que fala Vygotsky.<br />

Vygotsky (2000, p. 68) demonstra que, mais do que meros aspectos<br />

a serem aprendidos e decorados, os signos são mediadores<br />

da construção de conhecimentos, pois trazem consigo<br />

ideias, significados cujos valores emergem de determinada<br />

cultura.<br />

A verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres<br />

humanos serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda de signos.<br />

E Benjamin fala que as crianças, mais do que estarem preocupadas<br />

em apenas imitar os adultos, preocupam-se em estabelecer<br />

entre os mais diferentes materiais uma nova e, às vezes,<br />

incoerente relação.<br />

Rafael certamente vive em uma cultura onde a leitura ocupa um<br />

lugar importante. Poderíamos nos arriscar a dizer que presencia<br />

pessoas em situação de leitura, que, inclusive, lhe oferecem esses<br />

materiais. E mais: esses adultos, por sua vez, assim como ele, estão<br />

em meio a uma cultura cujos signos relacionados à língua<br />

escrita têm muito peso na sua constituição de sujeito.<br />

Tomando o conceito de “experiência coletiva”, de Walter<br />

Benjamin, podemos compreender um pouco do que se passa<br />

com Rafael. O conhecimento, no sentido da experiência, pode<br />

ser distinguido de duas maneiras: o primeiro, obtido em meio<br />

à experiência coletiva, aquele que então se desdobra e se<br />

acumula, e o segundo, em meio ao isolamento do sujeito, tendo<br />

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então que ser assimilado como se às pressas, já que não há em<br />

que/quem se desdobrar. Benjamin destaca duas palavras em alemão<br />

que definem, respectivamente, essa distinção de experiência<br />

como conhecimento: Erfahrung e Erlebnis. 2 Experiência coletiva<br />

seria quando nossa voz é ouvida, nossa história reconhecida, seja<br />

em uma situação boa ou ruim, quando não nos sentimos sós,<br />

tendo que dar conta de coisas com as quais sequer teríamos<br />

condição de lidar em determinado momento. E, mais, quando<br />

sentimo-nos fazendo parte de um grupo, de uma comunidade,<br />

desenvolvendo a prática do pertencimento, compartilhando experiências,<br />

nos unindo e tecendo a história com nossas marcas.<br />

A leitura, nesta perspectiva, seria uma experiência muito mais<br />

coletiva do que solitária e, mais do que, um ato de decifração<br />

de um código. Mesmo sozinho, leem-se as palavras escritas<br />

pelo autor, um outro. Mas nem sempre os momentos de interação<br />

entre adultos e crianças permitem que se deem diálogos<br />

que poderiam criar vínculos mais expressivos e afetivos<br />

entre todos e, tratando-se de experiências com a leitura, em<br />

uma cultura em que ela é colocada como crucial, a experiência<br />

nesse sentido conta muito.<br />

Falando de experiências com a leitura, em creches e escolas<br />

de Educação Infantil, em primeiro lugar, é preciso pensar nas<br />

crianças da maneira como são vistas, nas práticas e nos materiais<br />

de leitura. Quais seriam necessariamente? As crianças,<br />

quando em instituições, não são as mesmas crianças fora delas,<br />

pois, em cada espaço, há algo naquilo que a criança faz de si<br />

e naquilo que se faz dela (SIROTA, 2001), como ser criança ou<br />

Crianças da turma de 4<br />

anos em visita semanal à<br />

biblioteca, onde, em pequenos<br />

grupos, escolhem<br />

os livros para leitura individual<br />

ou empréstimo.<br />

Imagem cedida pelo SESC<br />

Anápolis, Departamento<br />

Regional do SESC em<br />

Goiás.<br />

2 KONDER, Leandro, 1999, p.<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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83.<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

16<br />

Menino na sala de aula da<br />

turma de 5 anos lendo livro<br />

sobre sistema digestório.<br />

Ao fundo, na parede,<br />

notam-se registros sobre o<br />

projeto em mural de “Curiosidades”<br />

com uma matéria<br />

de jornal.<br />

Imagem cedida pelo SESC<br />

Novo Hamburgo, Departamento<br />

Regional do SESC<br />

no Rio Grande do Sul.<br />

ser aluno. Essa autora destaca que a concepção de aluno<br />

(traduzida em “ofício de aluno”) nasce da noção de “ofício<br />

de criança”, desenvolvido por Kergomard (apud SIROTA,<br />

2001, p. 14). Esta noção definiu-se por uma escola maternal<br />

voltada para a natureza infantil, cujos objetivos eram a<br />

operação livre dos “processos de maturação e desenvolvimento”.<br />

Esta concepção é ainda muito forte nas escolas de<br />

Educação Infantil.<br />

E o que desejamos para as crianças no SESC? Quando apresentamos<br />

propostas, espaços e materiais que as coloquem em contato<br />

com a linguagem escrita, por meio de livros ou outros tipos de<br />

texto, entendemos que “seria natural transferir o ensino da escrita<br />

para a pré-escola” (VYGOTSKY, 2000, p. 154).<br />

Este autor destaca que “o ensino tem de ser organizado de forma<br />

que a leitura e a escrita se tornem necessárias às crianças”.<br />

Oswald (1996, p. 64) aponta para as práticas de leitura implicarem<br />

diretamente uma metodologia que suspenda “o poder<br />

que a escola confere à escrita: a aproximação da escrita com as<br />

experiências histórico-culturais, as quais se materializam na<br />

linguagem, na oralidade”.<br />

Em pesquisa que realizei junto a um Departamento Regional<br />

do SESC na região Norte, observei que a prática da leitura na<br />

sala de leitura da escola, por exemplo, é aliada a materiais de<br />

expressão; histórias são criadas pela turma toda ou em pequenos<br />

grupos. As crianças, ainda que não soubessem ler, folhea-<br />

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vam livros e revistas em quadrinhos, sozinhas, em duplas ou<br />

em grupos. Alguns textos eram “lidos” de cor, outros apenas<br />

contados de maneira própria, mas sempre em tom e postura<br />

de leitores. Também escolhiam livros e pediam que a professora<br />

os lesse. Segundo as coordenadoras pedagógicas da escola,<br />

a proposta da sala é proporcionar a livre escolha de livros,<br />

ouvir, contar e criar histórias usando os textos ou os fantoches.<br />

A prática da leitura é incentivada pelo viés do prazer. Para<br />

Vygotsky (2000, p. 153),<br />

o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita devem ser vistos<br />

como momentos diferentes de um processo essencialmente unificado<br />

de desenvolvimento da linguagem escrita.<br />

Ler e ver livros de história, enciclopédias, revistas, jornais e<br />

gibis sem saber ler, ouvir histórias lidas ou contadas por outro<br />

e criar e contar outras utilizando fantoches abre uma perspectiva<br />

interessante diante dos caminhos da aprendizagem da<br />

língua escrita. Vygotsky (2000, p. 156) apresenta essa aprendizagem<br />

“não como hábito de mão e dedos, mas como uma<br />

forma nova e complexa de linguagem”. A linguagem escrita,<br />

assim, pode ser ensinada “naturalmente”, no sentido de que<br />

ela possa ser vista “como um momento natural de seu desenvolvimento”,<br />

em que a criança deva “sentir necessidade do ler<br />

e do escrever no seu brinquedo”.<br />

Crianças da turma de 3<br />

anos em sala de aula,<br />

contando história com fantoches<br />

para os colegas.<br />

Imagem cedida pelo SESC<br />

Dourados, Departamento<br />

Regional do SESC no Mato<br />

Grosso do Sul.<br />

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17


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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

18<br />

Crianças da turma de 5<br />

anos compartilham conteúdo<br />

de livros no “Espaço de<br />

Literatura Infantil” da biblioteca<br />

da Unidade.<br />

Imagem cedida pelo SESC<br />

Ananindeua, Departamento<br />

Regional do SESC no Pará.<br />

Formação de leitores na Educação<br />

Infantil e na creche do SESC: conclusões<br />

sobre a busca de uma experiência coletiva<br />

No SESC, a leitura não só é uma preocupação, é uma intenção,<br />

seja em atividades/projetos da área de Cultura, seja de Educação.<br />

Além dos cantos de leitura nas salas de aula, salas de<br />

leitura e multiuso, há bibliotecas abertas ao público em geral,<br />

com canto de leitura infantil, bibliotecas volantes e eventos organizados<br />

para a divulgação da leitura — feira de livros infantis<br />

e Prêmio SESC de Literatura. Podemos dizer que as crianças<br />

e os bebês têm o privilégio de estarem, na maioria das escolas,<br />

em meio a um universo de leitura generoso.<br />

Muitas das escolas do SESC já buscam caminhos pela leitura<br />

com as crianças em meio à ideia de experiência coletiva, ao<br />

tentarem organizar espaços especialmente para elas, com mobiliário<br />

e acervo, por onde possam livremente circular, escolher e<br />

desenvolver autonomia como leitoras; ao oferecerem desde gibis<br />

a enciclopédias — revistas de moda, de saúde, de arquitetura,<br />

de ciências, livros de literatura premiados, clássicos, poesia,<br />

dobraduras, lendas, culinária, livros de diferentes tamanhos,<br />

peso, textura, letras de música, notícias de jornal, fichas de leitura<br />

—, mas sempre com um texto que respeite a criança como<br />

leitora, que permita um tipo de contato com a língua escrita que<br />

provoque, mais do que alfabetizar-se, desenvolver as instâncias<br />

superiores do pensamento, pois, como diz Vygotsky, quando a<br />

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criança imagina algo, uma situação na qual se vê e vive, no plano<br />

da imaginação, é quando ocorre um desenvolvimento maior<br />

do pensamento. Então, os bons textos, na Educação Infantil, são<br />

aqueles que permitem a imaginação e a possibilidade de estar<br />

em companhia do narrador e, assim, estar em experiência coletiva,<br />

e também tendo contato com a língua escrita.<br />

Outro fator fundamental no trabalho de formação de leitores,<br />

na perspectiva de experiência coletiva, é a presença de adultos<br />

que leiam bem, que também sejam fascinados pelo texto escrito<br />

e, se ainda não o forem, possam ser capturados pelo desejo.<br />

Neste sentido, o papel da formação continuada é fundamental.<br />

Em grande parte das ações de formação desenvolvidas pela<br />

Gerência de Educação — GEA, do Departamento Nacional do<br />

SESC, Clarice Lispector, Shakespeare, Isabel Allende, Fernando<br />

Pessoa e Machado de Assis são alguns exemplos dos companheiros<br />

de roda de leitura para adultos e que depois ficam fazendo<br />

parte do acervo da equipe. Como disse uma Professora<br />

Auxiliar da Educação Infantil da Escola SESC Pantanal:<br />

Você dessa vez vai ler o que “prá” gente? As histórias que você lê... Ai,<br />

a gente fica louca para ler o livro todo depois!<br />

E isso vale também para o cinema. Os adultos precisam ler os<br />

textos antes de trazê-los para as crianças. Devem pensar no<br />

que pretendem destacar ou “pular”, sempre planejar momentos<br />

nos quais ler pode ser: momento de interpretar, de organizar<br />

ideias, de criar sequências, de conhecer novas palavras,<br />

perceber sons, ou seja, com objetivos da área de língua portuguesa;<br />

também momento de se informar, de pesquisar; momento<br />

de ler pelo prazer de ler, de se apaixonar pela leitura!<br />

Algumas vezes presenciamos situações nas quais os professores,<br />

em busca do melhor caminho, ao convocarem as crianças,<br />

se prendem a um único formato: ler e desenhar a história ou a<br />

parte de que mais gostaram. Certo dia, assistimos à seguinte<br />

cena: a professora anuncia que vai contar uma história para a<br />

turma e um menino desabafa: “Que saco! Já vou ter que desenhar<br />

de novo!”. Outra forma recorrente de uso da leitura é<br />

para dar lição de moral às crianças. Histórias como “Chapeuzinho<br />

Vermelho”, por exemplo: em vez de conversarem sobre<br />

o drama da personagem, ou mesmo apenas contar a história<br />

e deixar que as crianças a comentem na roda, os professores<br />

muitas vezes dizem: “Estão vendo o que aconteceu com a<br />

Chapeuzinho porque ela não obedeceu à mãe?”. É importante<br />

destacar que não se trata aqui de depreciar a intenção dos<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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20<br />

Momento de leitura livre<br />

em sala de aula; inclusive<br />

a professora está com<br />

um livro.<br />

Imagem cedida pelo SESC<br />

Garanhuns, Departamento<br />

Regional do SESC em<br />

Pernambuco.<br />

professores. Levando-se em conta o conceito de experiência coletiva,<br />

a moral dos contos infantis como uma característica do tipo<br />

de texto, muitos fatores entram em jogo e colocam a todos nesse<br />

tipo de situação. Os professores também foram crianças e tiveram<br />

as próprias experiências na sua formação de leitor, e elas voltam,<br />

ou melhor, vivem consigo. Benjamin fala que o passado não é o<br />

lugar onde encontrar os “culpados”, mas um caminho que, quiçá,<br />

poderia ter sido diferente. Neste sentido, olhar o passado pode<br />

nos possibilitar outra experiência de futuro. Professores que não<br />

gostam de ler podem passar a amar(!) e, assim, compartilhar da<br />

nova paixão e contagiar as crianças (para isso, ler junto e na frente<br />

da turma é fundamental) e muito mais gente também.<br />

Se há atenção na ressignificação de nossa história de vida, relacionada<br />

ao nosso percurso de leitor, muita coisa bacana pode<br />

ser feita. E compreendendo a leitura como experiência coletiva,<br />

as crianças precisam participar de projetos de leitura que<br />

envolvam suas famílias, de momentos em que leiam sozinhas,<br />

em duplas, em grupos, para os amigos, para que a leitura seja<br />

uma prática que os conecte com o outro, sentindo medo, prazer,<br />

alegria, tristeza, permitindo críticas, permitindo até não<br />

ler. Como diria Pennac (1993, p. 140-141),<br />

(...) se quisermos que filho, filha, que os jovens leiam, é urgente lhes<br />

conceder os direitos que proporcionamos a nós mesmos, que seriam os<br />

direitos imprescritíveis do leitor.<br />

Pennac (1993, p. 140), ao registrar tais direitos, a que ele também<br />

chama de “autorizações”, nos permite pensar: se a leitura é uma<br />

experiência coletiva, por que a nossa experiência como leitor,<br />

a experiência do adulto como leitor, não pode ser “a mesma”<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

miolo_intercambio170x265.indd 20 13/10/11 17:14


para as crianças? Se podemos pular páginas, por que a criança<br />

não pode? Se podemos ler qualquer coisa, por que a criança não<br />

pode? Se podemos ler sem comentar o que lemos, por que elas<br />

não podem? Sejam direitos do leitor, sejam deveres de quem<br />

propõe a leitura, está em jogo sempre uma experiência coletiva.<br />

Pensar que na criança há um leitor em ação implica a ampliação<br />

de suas relações com a leitura para descobrir suas<br />

funções e características, encontrar aquelas com as que mais<br />

se identifica e sente prazer. Vivemos em um mundo onde a<br />

língua escrita ocupa um lugar fundamental, e a criança, embora<br />

ainda não decifre o código escrito em si, conhece esta<br />

língua. Há um texto de Benjamin (1984, p. 55) que ilustra<br />

muito bem isso:<br />

Em uma história de Andersen aparece um livro cujo preço valia a<br />

“metade do reino”. Nele tudo estava vivo. Os pássaros cantavam e<br />

os homens saíam do livro e falavam. Mas quando a princesa virava<br />

a página eles pulavam imediatamente de volta, para que não houvesse<br />

nenhuma desordem. Delicado e confuso, como tanta coisa ele<br />

escreveu, também essa pequena fantasia não capta aquilo que é o<br />

mais essencial aqui. Não são as coisas que saltam das páginas em<br />

direção à criança que as contempla — a própria criança penetra-as no<br />

momento da contemplação, como nuvem que se sacia com o esplendor<br />

colorido desse mundo pictórico.<br />

Projeto de leitura “Viajando<br />

no mundo da imaginação”<br />

(turma de 3 anos), no qual<br />

uma criança da escola<br />

leva para casa uma mala<br />

contendo livros e diversos<br />

materiais para pintura,<br />

colagem etc. Em família,<br />

escolhem uma história<br />

que é lida em conjunto,<br />

seguida de uma ilustração,<br />

criação de bonecos, o que<br />

desejarem produzir com o<br />

material da mala. Na foto,<br />

os avós e a empregada da<br />

casa, além do irmão bebê,<br />

dos pais e do menino<br />

(aluno do SESC).<br />

Imagem cedida pelo SESC<br />

Crato, Departamento Regional<br />

do SESC no Ceará.<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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21


22<br />

Menina de 3 anos na sala<br />

de aula, que deixou o<br />

carrinho de boneca para<br />

pegar o livro.<br />

Imagem cedida pelo SESC<br />

Navegantes, Departamento<br />

Regional do SESC no Rio<br />

Grande do Sul.<br />

Como podemos observar, a leitura da criança aos olhos do<br />

autor é um ato em que, mais do que a submissão a um texto<br />

poderoso, há um sujeito poderoso que compartilha da experiência<br />

do narrador a sua maneira.<br />

E continua o texto:<br />

Frente ao seu livro ilustrado, a criança coloca em prática a arte dos taoístas<br />

consumados: vence a parede ilusória da superfície e, esgueirandose<br />

entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o<br />

conto de fadas vive. [...]. Nesse mundo permeável, adornado de cores,<br />

onde a cada passo as coisas mudam de lugar, a criança é recebida<br />

como companheira. Fantasiada, com todas as cores que capta lendo e<br />

vendo, a criança entra no meio de uma mascarada e também participa.<br />

Lendo — pois encontram-se as palavras adequadas a esse baile de<br />

máscaras, as quais revolteiam confusamente no meio da brincadeira<br />

como sonoros flocos de neve. Príncipe é uma palavra cingida por uma<br />

estrela, disse um menino de 7 anos (BENJAMIN, 1984, p. 55).<br />

A leitura no SESC, com tantos espaços, acervos, propostas e<br />

escolas, especialmente na Educação Infantil, está em meio à<br />

perspectiva de experiência coletiva, podendo passar longe<br />

da ideia de “preparar o futuro leitor”. Se concebemos a criança<br />

como um sujeito da cultura, que age, tenta compreender e<br />

modificar o mundo, a escola não pode ser uma experiência<br />

do devir, mas do hoje, do agora. Pensar a formação do leitor<br />

na creche e na pré-escola é vê-la como algo muito maior.<br />

Vygotsky, ao falar da arte como algo verdadeiramente humano,<br />

coloca a experiência da leitura como mais um dos caminhos<br />

para a aproximação entre os homens, para a nossa humanização.<br />

E como diz Walter Benjamin (1996, p. 123), quem está na<br />

companhia do narrador nunca está sozinho.<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO INTERCÂMBIO . RIO DE JANEIRO . v. 1 . n. 1 . NOVEMBRO/FEVEREIRO | p. 8-23<br />

Referências<br />

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Zahar, 1981.<br />

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, I: magia e técnica, arte e política:<br />

ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense,<br />

1996.<br />

BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São<br />

Paulo: Summus, 1984. (Novas buscas em educação, v. 17).<br />

BENJAMIN, Walter. Visão do livro infantil. In: BENJAMIN, Walter. Reflexões:<br />

a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984. p. 55.<br />

CHARLOT, B. A mistificação pedagógica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.<br />

FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.<br />

KONDER, Leandro. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. 3. ed. Rio<br />

de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.<br />

KRAMER, S. et al. (Org.). Infância e educação: o necessário caminho de<br />

trabalhar contra a barbárie. In: KRAMER, S. et al. (Org.). Infância e educação<br />

infantil. Campinas: Papirus, 1999. p. 269-280.<br />

MEDEIROS, Claudia Santos de. A formação de leitores na creche e na<br />

educação infantil do SESC. Rio de Janeiro, 2010. Mimeografado.<br />

MEDEIROS, Claudia Santos de. Profissionais de educação, saúde, lazer e<br />

cultura que trabalham com a educação infantil: práticas e concepções de<br />

infância. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de<br />

Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.<br />

OSWALD, M. L. M. B. Infância e história: leitura e escrita como práticas de<br />

narrativa. In: KRAMER, S.; LEITE, M. I. F. P. (Org.). Infância: fios e desafios da<br />

pesquisa. Campinas: Papirus, 1996. p. 57-72.<br />

PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.<br />

SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil<br />

no SESC. Rio de Janeiro, 1997.<br />

SIROTA, R. Emergência de uma sociologia da infância: evolução do objeto e<br />

do olhar. Cadernos de Pesquisa, Rio de Janeiro, n. 112, p. 7-31, mar. 2001.<br />

VYGOTSKY, L . S. Formação social da mente. São Paulo: M. Fontes, 2000.<br />

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:<br />

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC<br />

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Certificada pelo Project Management Institute (PMI) como Project Management Professional<br />

(PMP), pós-graduada em Gerência Estratégica da Tecnologia da Informação pelo Núcleo de<br />

Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bacharelanda em Ciências<br />

da Computação pela Universidade Católica de Petrópolis.<br />

Assessora técnica da Gerência de Tecnologia da Informação do Departamento Nacional do SESC,<br />

atuando como responsável pela administração dos bancos de dados corporativos do SESC e seus<br />

servidores; suporte à equipe de desenvolvimento de sistemas do Departamento Nacional e<br />

aos técnicos de informática dos Departamentos Regionais. Atua como voluntária do PMI-<br />

-Chapter Rio de Janeiro (PMI-Rio), como forma de colaborar com a comunidade de gerencia-<br />

mento de projetos.<br />

Áreas de interesse: gerenciamento de projetos, planejamento estratégico e governança cor-<br />

porativa.<br />

EDNA SÁ AMBROSIO MAYRINK<br />

Formação de<br />

competências como<br />

fator diferencial para<br />

as organizações:<br />

um enfoque nas<br />

competências funcionais<br />

de tecnologia da<br />

informação<br />

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Introdução<br />

Os impactos do advento de novas tecnologias e da globalização<br />

na vida das organizações, principalmente na forma como<br />

o trabalho é realizado, têm provocado um descompasso entre<br />

as habilidades disponíveis e as exigidas pelos postos de trabalho,<br />

o que está ocasionando um repensar em termos do modelo<br />

tradicional de gestão utilizado.<br />

É difícil, nos dias atuais, encontrar qualquer forma de trabalho<br />

ou de processo empresarial que não tenha sido modificado<br />

em consequência da evolução tecnológica e da globalização. A<br />

tecnologia da informação tem contribuído diretamente para<br />

que o processo de reestruturação das organizações caminhe<br />

na direção do desenvolvimento e bom desempenho, ela é o<br />

meio de suporte e apoio na busca das melhores práticas de<br />

processos e tarefas.<br />

O impacto da tecnologia na realização do trabalho abrange desde<br />

alterações na forma de realização do trabalho individual até a maneira<br />

pela qual as empresas trabalham juntas em processos inter-organizacionais,<br />

passando pela redefinição da maneira pela qual os grupos de pessoas<br />

realizam suas tarefas grupais (GONÇALVES, 2000, p.7).<br />

Há que se considerar que, ao mesmo tempo em que é positiva<br />

a evolução tecnológica, há um lado não muito favorável<br />

no que diz respeito a seu acompanhamento. Com todos os recursos<br />

tecnológicos disponíveis, a garantia de sucesso do uso<br />

de tais recursos não depende somente deles, mas também,<br />

e principalmente, dos recursos humanos, os quais precisam<br />

manter e utilizar os recursos tecnológicos para disponibilizar<br />

informações e contribuir para gerar conhecimento adequado<br />

à necessidade da organização, o que requer uma atualização<br />

contínua, busca de aperfeiçoamento e a incorporação de novos<br />

conhecimentos.<br />

O uso da tecnologia da informação é fundamental para atender<br />

às mudanças necessárias às organizações, as quais, para<br />

se adaptarem rapidamente aos novos cenários apresentados,<br />

precisam possuir processos ágeis e informações confiáveis<br />

e precisas. Sendo assim, é fundamental ter recursos humanos<br />

com competências funcionais adequadas às competências organizacionais<br />

e aos desafios estratégicos de uma organização.<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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INTERCÂMBIO . RIO DE JANEIRO . v. 1 . n. 1 . p. 24-41 |<br />

NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

26<br />

Utilizar a tecnologia da informação de forma adequada nas<br />

organizações é considerado complexo devido aos diversos tipos<br />

de serviços que podem ser oferecidos frente às reais necessidades<br />

e retornos esperados. A tecnologia da informação visa<br />

à disponibilização de infraestruturas de hardware, software,<br />

telecomunicações, dentre outras, com o objetivo de transformar<br />

a informação em suas diversas nuances em proveito de<br />

processos de trabalho dentro dos acordos de níveis de serviços<br />

estabelecidos junto aos usuários.<br />

Nessa premissa, a atuação dos recursos humanos de tecnologia<br />

da informação é definida de acordo com os problemas a<br />

serem enfrentados, visando à integralidade das ações e requerendo<br />

conhecimento, habilidades e atitudes para o desempenho<br />

de suas funções.<br />

O artigo traz reflexões sobre a importância de identificar as<br />

competências funcionais dos recursos humanos de tecnologia<br />

da informação, entendendo competências funcionais não<br />

como mera peça, mas como elemento fundamental na conquista<br />

dos objetivos estratégicos de uma organização, em face<br />

da abrangência de como a tecnologia está transformando o<br />

trabalho realizado.<br />

Em termos sociais, a identificação de competências funcionais<br />

permitirá um avanço para os recursos humanos de tecnologia<br />

da informação no desenvolvimento da autonomia profissional<br />

e na qualidade dos serviços oferecidos.<br />

Em termos práticos, disponibilizar em uma matriz as competências<br />

funcionais exigidas aos recursos humanos de tecnologia<br />

da informação de acordo com as necessidades estratégicas de<br />

uma organização possibilitará a identificação do gap existente<br />

entre as competências funcionais existentes e as requeridas<br />

desses recursos humanos, o que, consequentemente, contribuirá<br />

para a elaboração de um plano de ação que vise à eliminação<br />

do gap, promovendo por sua vez a otimização de processos<br />

e dos serviços oferecidos e o alcance dos objetivos<br />

estratégicos da organização.<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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Impacto da tecnologia da informação<br />

nas organizações<br />

Desde meados da década de 1960 até hoje, temos vivenciado<br />

o mais rápido período de mudanças tecnológicas, econômicas e<br />

sociais da história. E mais do que isso, os próximos 25 anos<br />

nos prometem novas mudanças, ainda mais rápidas, repletas de<br />

turbulências e tensão. Nesse período, grandes organizações,<br />

que levaram um século para serem construídas, desapareceram<br />

em um ano. Países em que ninguém mais acreditava começam a<br />

emergir como novas forças na economia mundial ou mesmo<br />

como uma ameaça à estabilidade mundial. Avanços tecnológicos<br />

nos computadores, comunicações, materiais e biotecnologia<br />

proliferam com uma velocidade cada vez mais crescente.<br />

Os impactos sobre a produtividade das organizações podem<br />

ser muito significativos “porque a TI é diferente de outras<br />

formas de tecnologia afetando, as tarefas de produção e coordenação,<br />

bem como expandindo a memória organizacional”<br />

(OLIVEIRA, 1996, p. 35). O impacto da tecnologia pode provocar<br />

a transformação no trabalho das pessoas, na produção dos<br />

grupos, no desenho e no desempenho da própria organização.<br />

Para Tapscott (apud GONÇALVES 1998, p. 15),<br />

a tecnologia tem forte ligação com os sete principais impulsionadores<br />

do novo ambiente empresarial, que são:<br />

a produtividade dos ”trabalhadores do conhecimento” e prestadores<br />

˚<br />

de serviços;<br />

a qualidade do produto e do serviço;<br />

˚<br />

a capacidade de resposta aos desafios de todo tipo;<br />

˚<br />

a globalização dos mercados, das operações e da concorrência;<br />

˚<br />

o outsourcing de certas atividades de produção, distribuição, ven-<br />

˚<br />

das, serviços e funções de suporte;<br />

o partnering e a formação de alianças estratégicas;<br />

˚<br />

a responsabilidade social e ambiental.<br />

˚<br />

Não resta dúvida de que a agilidade em obter informações<br />

passou a estar associada às novas tecnologias da informação.<br />

Os serviços da internet e de outros sistemas computadorizados<br />

colocam à disposição dos compradores não apenas o conhecimento,<br />

mas também a possibilidade de transacionar com<br />

fornecedores localizados em diferentes regiões e ter acesso a<br />

uma ampla variedade de produtos, com diferentes alternativas<br />

de preços e qualidade.<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

28<br />

As organizações estão cada vez mais conectadas à rede mundial<br />

de computadores (www), oferecendo seus serviços a<br />

clientes, criando um mercado eletrônico de negócios.<br />

Os administradores, em geral, investem em novas tecnologias,<br />

porque acreditam que isso lhes permitirá realizar suas operações<br />

mais rapidamente e a um custo mais baixo; utilizam-na<br />

para objetivos estratégicos e para planejar e alcançar um ou<br />

mais dos três objetivos operacionais independentes:<br />

a) Aumentar a continuidade (integração funcional, automação<br />

intensificada, resposta rápida).<br />

b) Melhorar o controle (precisão, acuidade, previsibilidade,<br />

consistência, certeza).<br />

c) proporcionar maior compreensão (visibilidade, análise,<br />

síntese) das funções produtivas.<br />

As atividades mais suscetíveis a alterações, segundo Oliveira<br />

(1996), são aquelas intensivas em informação, podendo-se distinguir<br />

três grupos:<br />

˚<br />

˚<br />

˚<br />

Produção: a física (crescentemente atingida pela robótica<br />

e instrumentação de controle), a produção de informação<br />

(influenciada pelos computadores em tarefas burocráticas,<br />

como contas a receber, contas a pagar, faturamento etc.) e a<br />

produção de conhecimento (CAD, CAM, análise de crédito<br />

e risco, produção de software etc.).<br />

Trabalhos de coordenação, sendo as telecomunicações o<br />

instrumento fundamental da mudança. Afeta a distância<br />

física, a natureza do tempo sobre o trabalho, armazena informações<br />

e mantém a memória organizacional por banco<br />

de dados.<br />

Gestão, afetando tanto a direção, ao permitir monitorar<br />

o ambiente e tomar as decisões para adaptar a organização<br />

ao ambiente, e o controle, ao medir a performance e<br />

compará-la com os planos estratégicos, para manter-se no<br />

rumo desejado.<br />

Essas mudanças vêm surgindo de uma profunda transformação na<br />

economia global. Enquanto os países do terceiro mundo passam pelo<br />

processo de industrialização, as economias desenvolvidas da Europa<br />

Ocidental, América do Norte e Japão são rapidamente transformadas<br />

em economias pós-industriais, baseadas em conhecimentos. Nessa<br />

nova economia, informação e conhecimento substituem capital físico<br />

e financeiro, tornando-se uma das maiores vantagens competitivas nos<br />

negócios; e a inteligência criadora constitui-se na riqueza da nova sociedade.<br />

Já se tem mais conhecimento das causas dessas transformações<br />

no mundo do que se pode imaginar. Historiadores econômicos, ao<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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estudarem o desenvolvimento da economia mundial e, particularmente,<br />

o desenvolvimento dos países industrializados nos últimos 250 anos,<br />

desenvolveram um modelo de como as economias e as sociedades<br />

evoluem. O modelo é o seguinte: novos conhecimentos levam a novas<br />

tecnologias, as quais, por sua vez, levam a mudanças econômicas,<br />

que, consequentemente, geram mudanças sociais e políticas,<br />

as quais, em última instância, criam um novo paradigma ou visão de<br />

mundo. Esse modelo pode ser utilizado para explicar as dramáticas mudanças<br />

econômicas, sociais e políticas que vêm ocorrendo no mundo<br />

(CRAWFORD, 1994).<br />

A tecnologia vem transformando as mais diversas esferas<br />

da vida do cidadão, mas em especial as práticas de trabalho,<br />

forçando a redefinição de algumas funções, influenciando<br />

relacionamentos interpessoais e repercutindo na estrutura organizacional.<br />

Daí a importância de termos recursos humanos<br />

aptos para disponibilizar e manter os recursos oferecidos pela<br />

tecnologia da informação dentro da organização.<br />

Tipos de organizações<br />

Quanto ao uso da tecnologia da informação as organizações<br />

se dividem em dois grupos, basicamente: as que possuem<br />

TI como seu negócio fim e as que adotam TI como meio<br />

de alavancar seus negócios, controlar e otimizar processos.<br />

Sendo assim, as competências necessárias variam de acordo<br />

com o modelo de TI que a organização possui.<br />

O primeiro grupo precisa identificar, adquirir e desenvolver<br />

as competências funcionais de seus recursos humanos, com o<br />

propósito de fornecer os melhores serviços e soluções de TI a<br />

seus clientes e, assim, atingir seus objetivos estratégicos. Diversas<br />

são as competências necessárias, desde as de gestão, em<br />

diversos níveis e ramos (gestão de projetos, contas, vendas,<br />

finanças etc.), como as específicas, de TI, para o desenvolvimento<br />

de soluções computacionais (padrões de qualidade, metodologias,<br />

técnicas e linguagens de programação, ferramentas de<br />

desenvolvimento, projetos de arquitetura de sistemas, administração<br />

de dados, administração de banco de dados etc.).<br />

O segundo grupo pode se subdividir em organizações em<br />

que TI é parte de sua estrutura organizacional, pois, apesar<br />

de não possuir TI como seu negócio fim, a área de TI possui<br />

forte papel e é responsável por prover e acompanhar a tecno-<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

30<br />

logia com o propósito de oferecer melhores serviços e otimizar<br />

os processos da organização; e as organizações que contratam<br />

prestadores de serviços para atender suas necessidades e que<br />

possuem os aspectos de gestão de contratos e projetos como<br />

competências necessárias mais fortes. Para cada uma delas as<br />

necessidades de competências se diferenciam.<br />

Surgiu um novo paradigma de estratégia empresarial, que chamamos<br />

de “abordagem baseada em recursos”, para ajudar as empresas a<br />

competirem de forma mais eficaz no contexto de constante mudança<br />

e globalização da década de 90. Em contraste com a abordagem estrutural,<br />

que discutimos na ciência da estratégia, a nova abordagem vê<br />

competências, capacidades, habilidades e ativos estratégicos como a<br />

fonte da vantagem competitiva sustentável para a empresa (NONAKA;<br />

TAKEUCHI, 1997, p.54).<br />

As organizações, independentemente de seu modelo de negócio,<br />

precisam ter a medida exata de quanto a área de TI e seus<br />

profissionais valem em termos de retorno e, para o alcance<br />

desse retorno, está cada vez maior a parcela relativa da necessidade<br />

do desenvolvimento e formação de competências.<br />

Competências<br />

Tecnologia, processos, estruturas são facilmente copiados,<br />

pensa-se em algo, implanta-se e em pouco tempo a concorrência<br />

já assimilou o seu diferencial, porém o capital intelectual<br />

da organização é o único recurso difícil e mais demorado para<br />

ser copiado.<br />

As pessoas, segundo Sveiby (1998, p. 9-11), “são os únicos verdadeiros<br />

agentes na empresa”, e de suas ações depende o futuro<br />

das mesmas. Nessa linha, afirma o autor que a competência dos<br />

recursos humanos de uma organização faz parte dos ativos<br />

invisíveis — ativos intangíveis — constantes no balanço patrimonial<br />

de uma organização, muito embora não possa “ser<br />

propriedade de ninguém ou de qualquer coisa, a não ser da<br />

pessoa que a possui”, pois, afinal de contas, ela é um membro<br />

voluntário da organização.<br />

A importância dos recursos humanos pode ser mais bem compreendida,<br />

com base no entendimento sobre dado, informação<br />

e conhecimento. A diferença entre dado e informação pode ser<br />

percebida ao entender que a informação é o resultado do relacionamento<br />

entre um ou mais dados. Conhecimento é defi-<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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nido como: fatos, verdades ou princípios adquiridos a partir<br />

de estudo ou investigação; aprendizado prático de uma arte<br />

ou habilidade; a soma do que já é conhecido com o que ainda<br />

pode ser apreendido.<br />

A partir desses significados, percebe-se que os dados e as informações<br />

podem ser encontrados em uma variedade de objetos<br />

inanimados, desde um livro até um computador, enquanto o<br />

conhecimento só é encontrado nos seres humanos. A informação<br />

torna-se inútil sem o conhecimento do ser humano para<br />

aplicá-la produtivamente, ou seja, um livro que não é lido não<br />

tem valor para ninguém:<br />

(...) mesmo que os computadores estejam extremamente sofisticados<br />

em suas aplicações, eles ainda dependem dos seres humanos para<br />

programá-los e determinar quando utilizá-los. E, mais importante do que<br />

isso, ainda não foi possível programar um computador para fazer conexões<br />

entre informações aparentemente desconectadas e conhecimento, uma<br />

característica da criatividade só existente em seres humanos (CRAW-<br />

FORD, 1994, p. 21).<br />

Não é de hoje que o conhecimento figura como algo muito<br />

importante em nossa história, sendo usado principalmente<br />

como ferramenta para a competitividade. Sua aquisição e<br />

aplicação sempre representaram um verdadeiro estímulo para<br />

as conquistas de inúmeras civilizações. Segundo Davenport e<br />

Prusak (1998, p. 14) “o conhecimento não é algo novo”. Novo<br />

é reconhecê-lo como um ativo corporativo e, a partir de então,<br />

geri-lo e cercá-lo da atenção necessária. O que tem sido<br />

amplamente estudado e descrito, desde o final do século XX,<br />

em temas como gestão do conhecimento, inteligência competitiva,<br />

nova riqueza das organizações, capital intelectual etc. e,<br />

principalmente, traduzido e considerado por meio das palavras,<br />

em competências dos colaboradores da organização. De<br />

acordo com Stewart,<br />

Quando o mercado de ações avalia empresas em três, quatro ou dez<br />

vezes mais que o valor contábil de seus ativos, está contando uma verdade<br />

simples, porém profunda: os ativos físicos de uma empresa baseada<br />

no conhecimento contribuem muito menos para o valor de seu produto<br />

(ou serviço) final do que os ativos intangíveis — os talentos de seus<br />

funcionários, a eficácia de seus sistemas gerenciais, o caráter de seus relacionamentos<br />

com os clientes — que juntos constituem seu capital intelectual<br />

(STEWART, 1998, p. 51).<br />

A figura 1, a seguir, ilustra como as competências são concebidas<br />

com base no conhecimento.<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

32<br />

Figura 1<br />

Gestão do conhecimento.<br />

Fonte: Adaptado de Santos<br />

(2000, p.2).<br />

Processamento<br />

Considerando que o termo competência deve ser tratado como<br />

individual, característico de cada pessoa segundo o ambiente<br />

no qual se insere, todas as pessoas desenvolvem, portanto, a<br />

própria competência, seja por meio de treinamento, de prática,<br />

de erros, da reflexão e da repetição. “Competência individual é<br />

uma ampla combinação de conhecimentos, habilidades e características<br />

pessoais que resultam em comportamentos que<br />

podem ser observados e medidos” (SANTOS, 2000, p. 4).<br />

Assim, é por meio de suas competências e habilidades que a<br />

pessoa terá performance superior em um trabalho ou em uma<br />

situação, o que pode gerar melhor desempenho da organização.<br />

É a nova maneira de lidar com o cotidiano, que envolve<br />

uma série de comportamentos que algumas pessoas dominam<br />

melhor do que outras, que será responsável pelo sucesso ou<br />

insucesso das organizações e pela própria carreira profissional.<br />

A habilidade crucial que se deseja dos trabalhadores na Economia do<br />

Conhecimento é a habilidade para pensar — sintetizar, fazer generalizações,<br />

dividir em categorias, fazer referências, discernimento de fatos e<br />

opiniões e organização de fatos na análise de problemas. A educação<br />

precisa continuar, mesmo depois de concluída a escola formal, pois o<br />

conhecimento de qualquer assunto, se não for continuadamente atualizado,<br />

torna-se obsoleto. A habilidade mais importante que um empregado<br />

deve ter, assim, é a capacidade de aprender (CRAWFORD, 1994, p.<br />

127).<br />

Logo, a noção de competência está associada a aspectos como<br />

criatividade, dinamicidade, versatilidade, flexibilidade, polivalência,<br />

autonomia, motivação, capacidade de interagir e de<br />

trabalhar em equipe, visão de empreendedor, liderança, visão<br />

transdisciplinar, aprendizado permanente e contínuo entre<br />

outros. Segundo Fleury e Fleury (2001, p. 21), “as competências<br />

devem agregar valor econômico para a organização e valor<br />

social para o individuo”, conforme a figura 2, a seguir:<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

Heurísticas e Regras<br />

Dados Informação Conhecimento Competência<br />

Julgamento e Valores<br />

Sabedoria<br />

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Social<br />

Indivíduo<br />

Conhecimentos<br />

Habilidades<br />

Atitudes<br />

Saber agir<br />

Saber mobilizar<br />

Saber transferir<br />

Saber aprender<br />

Saber engajar-se<br />

Ter visão estratégica<br />

Assumir responsabilidades<br />

agregar valor<br />

Organização<br />

Existem autores que dividem competência profissional em três<br />

dimensões diferentes, todas independentes entre si, mas com<br />

estreita relação no todo: conhecimento, habilidade e atitude.<br />

Segundo Durand (1997), conhecimento corresponde a uma série<br />

de informações assimiladas e estruturadas pelo indivíduo<br />

que lhe permitem “entender o mundo”, ou seja, o saber que a<br />

pessoa acumula ao longo da vida.<br />

A habilidade está relacionada ao saber como fazer algo ou à<br />

capacidade de aplicar e fazer uso produtivo do conhecimento<br />

adquirido, ou seja, de instaurar informações e utilizá-las em<br />

uma ação, com vistas ao alcance de um propósito especifico<br />

(DURAND, 1997).<br />

Ao abordar as duas primeiras dimensões do seu modelo (conhecimentos<br />

e habilidades), Durand (1997) utiliza a estrutura<br />

de análise do conhecimento sugerida por Sanchez (1999), explicando<br />

que habilidade refere-se ao saber como fazer algo dentro<br />

de determinado processo (know-how), enquanto conhecimento<br />

diz respeito ao saber o que e por que fazer (know-what e<br />

know-why), ou seja, é a compreensão do princípio teórico que<br />

rege esse processo e seu propósito.<br />

Por último, Durand (1997) descreve que a atitude, terceira dimensão<br />

da competência, diz respeito a aspectos sociais e efetivos<br />

relacionados ao trabalho. Ele entende que as pessoas têm preferências<br />

por alguns tipos de atividades e mostram interesse<br />

por certos eventos mais que por outros. O efeito da atitude é<br />

ampliar a reação positiva ou negativa de uma pessoa, ou seja,<br />

sua predisposição em relação à adoção de uma ação específica.<br />

As três dimensões de competência são tecnicamente interdependentes.<br />

Para a exposição de uma atitude, por exemplo,<br />

presume-se que o indivíduo conheça princípios ou técnicas<br />

Figura 2<br />

Competências como fonte<br />

de valor para o indivíduo e<br />

para a organização.<br />

Fonte: Fleury e Fleury,<br />

2001, p. 21<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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Econômico<br />

33


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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

34<br />

Figura 3<br />

Dimensões da<br />

competência.<br />

Fonte: Adaptado de<br />

Durand (1997).<br />

específicas, da mesma forma, ao adotar determinado comportamento<br />

no trabalho, exige-se da pessoa a detenção não<br />

apenas de conhecimentos, mas também de habilidades e<br />

atitudes apropriadas. A figura três, a seguir, ilustra o conceito<br />

de competência sugerido por Durand (1997), evidenciando<br />

o caráter de interdependência e complementaridade entre<br />

as dimensões do modelo (conhecimentos, habilidades e<br />

atitudes), bem como a necessidade de aplicação conjunta<br />

dessas dimensões em torno de um objetivo. Durand (1997)<br />

acrescenta que o desenvolvimento de competências se dá<br />

por meio de aprendizagem individual e coletiva, envolvendo<br />

as três dimensões ao mesmo tempo e sincronizadas do<br />

modelo, isto é, pela assimilação de conhecimentos, aquisição<br />

de habilidades e internalização de atitudes relevantes à consecução<br />

de determinado propósito ou para obtenção de alto<br />

desempenho no trabalho.<br />

habilidadeS<br />

ConheCimentoS<br />

Técnica<br />

Destreza<br />

Saber como fazer<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

Informação<br />

Saber o que fazer e<br />

por que fazer<br />

CompetênCia<br />

atitudeS<br />

Interesse<br />

Determinação<br />

Querer fazer<br />

De acordo com Davenport e Prusak (1998, p. 5), “dispor de<br />

tecnologia da informação mais sofisticada não implica necessariamente<br />

obter melhor informação”, portanto possuir e usufruir<br />

de tecnologia para a obtenção das melhores práticas e processos<br />

de trabalho dentro de uma organização faz necessário<br />

passar por ações que estimulem e incentivem a iniciativa dos recursos<br />

humanos de tecnologia da informação para possuírem a<br />

competência necessária para lidar com a tecnologia disponível<br />

no mercado. Para Fleury e Fleury (2001, p. 20), “o trabalho não<br />

é mais o conjunto de tarefas associadas descritivamente ao cargo,<br />

mas torna-se o prolongamento direto da competência que o<br />

indivíduo mobiliza em face de uma situação profissional cada<br />

vez mais mutável e complexa”.<br />

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO INTERCÂMBIO . RIO DE JANEIRO . v. 1 . n. 1 . NOVEMBRO/FEVEREIRO | p. 24-41<br />

Competências organizacionais<br />

(básicas e essenciais)<br />

A tecnologia da informação alterou o mundo dos negócios de<br />

forma irreversível. A forma pela qual as organizações operam,<br />

os modelos e a comercialização de seus produtos e serviços<br />

mudaram radicalmente e continuam se modificando até hoje.<br />

Segundo Gonçalves (1994, p. 64), “a incorporação das novas<br />

tecnologias nos processos de trabalho vai sempre provocar<br />

mudanças no ambiente social das organizações”.<br />

Mapear e desenvolver competências organizacionais e individuais<br />

tem-se tornado uma das estratégias de grandes organizações<br />

para atingir sua clientela e objetivos de forma mais<br />

eficiente.<br />

As competências organizacionais estão constituídas pelo conjunto de<br />

conhecimentos, habilidades, tecnologias e comportamentos que uma<br />

empresa possui e consegue manifestar de forma integrada na sua atuação,<br />

impactando na sua performance e contribuindo para os resultados<br />

(NISEMBAUM, 2001, p. 35).<br />

Há basicamente dois tipos de competências organizacionais: as<br />

básicas — que garantem a sobrevivência de uma organização,<br />

já que se não possuir essas competências, estará fora do mercado<br />

— e as essenciais — que permitem a diferenciação de uma<br />

organização no mercado.<br />

Competências básicas, segundo Nisembaum (2001, p. 35),<br />

“são as capacidades que a empresa precisa ter para trabalhar,<br />

pré-requisitos fundamentais para administrar com eficácia.<br />

Representam as condições necessárias, porém não suficientes,<br />

para que a empresa possa alcançar liderança e diferenciação<br />

no mercado”.<br />

Como afirmam Hamel e Prahalad (apud NISEMBAUM 2001,<br />

p. 36), “em todos os setores, haverá inúmeras habilidades e<br />

capacidades que constituem um pré-requisito para a participação<br />

das empresas em determinado setor, mas não fornecem<br />

um diferencial em relação aos concorrentes”.<br />

Uma competência é considerada essencial quando, segundo<br />

Nisembaum (2001, p. 36), “preenche os seguintes requisitos:<br />

tem valor percebido pelos clientes; contribui para a diferenciação<br />

entre concorrentes; aumenta a capacidade de expansão”.<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

36<br />

São as competências essenciais que irão sustentar os novos<br />

desafios e manter as organizações competitivas. Derivam de<br />

estratégias organizacionais; devem ser difíceis de serem imitadas;<br />

devem oferecer reais benefícios aos seus clientes. Devem<br />

ser entendidas como um conceito dinâmico e em permanente<br />

mudança e requerem revisão periódica.<br />

Uma das características do conceito de competência essencial é<br />

a estruturação de um conjunto de habilidades, conhecimentos<br />

e atitudes, que na sua manifestação produzem uma atuação diferenciada.<br />

Elas não se restringem a uma área específica, estão<br />

difundidas de forma ampla em toda a organização. As competências<br />

essenciais requerem aprendizagem organizacional coletiva,<br />

envolvimento e comprometimento com a integração por<br />

meio de áreas estratégicas de negócios. Explorar as competências<br />

essenciais depende da capacidade que a organização tem para<br />

promover a integração, comunicação e cooperação entre as demais<br />

áreas.<br />

Competências funcionais e matriz<br />

de competências<br />

As competências organizacionais estão a serviço não só da manutenção<br />

da organização no mercado (competências básicas)<br />

como também garantem o seu diferencial competitivo (competências<br />

essenciais). A partir daí, surge a necessidade de desdobrar<br />

as competências organizacionais em competências funcionais, ou<br />

seja, em um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes<br />

que permita aos recursos humanos desenvolverem suas<br />

funções alinhadas com as competências organizacionais e com<br />

os objetivos estratégicos da organização. Para que, assim, os recursos<br />

humanos sejam fiéis representantes das estratégias competitivas<br />

da organização, fazendo com que os clientes percebam,<br />

por meio de seus comportamentos, essas competências. Segundo<br />

Nisembaum,<br />

competência individual é a integração sinérgica das habilidades, conhecimentos<br />

e comportamentos, manifestada pelo alto desempenho da<br />

pessoa, que contribui para os resultados da organização. A noção de<br />

aprendizagem, evolução e transferibilidade faz parte integral do conceito<br />

(NISEMBAUM, 2001, p. 90).<br />

Como o sucesso da organização não depende somente de seus<br />

dirigentes e, sim, de todo corpo funcional, envolvido direta<br />

ou indiretamente na materialização da estratégia empresarial,<br />

cabe à organização não só identificar as competências organi-<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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zacionais como também identificar e mapear as competências<br />

funcionais que sustentarão as competências essenciais.<br />

Para mapear as competências funcionais os recursos humanos<br />

precisam compreender e participar das seguintes tarefas:<br />

˚<br />

˚<br />

˚<br />

˚<br />

Descrever as atividades diárias e eventuais a serem executadas.<br />

Definir os desafios, oportunidades e ameaças inerentes à<br />

função (incluindo recursos materiais, tecnológicos).<br />

Identificar e analisar a qualificação necessária (conjunto de<br />

competências), as competências específicas da função (conjunto<br />

de conhecimentos e habilidades indispensáveis para<br />

o desempenho funcional — requisitos e conhecimentos específicos,<br />

técnicos), que as atividades exigem e exigirão no<br />

futuro.<br />

Mapear a matriz de competências.<br />

A matriz de competências é elaborada a partir da análise da<br />

função em questão, considerando os conhecimentos técnicos<br />

e específicos para a execução das atividades e os conhecimentos,<br />

habilidades e atitudes identificados como inerentes às<br />

competências organizacionais. A figura 4 ilustra a dinâmica<br />

das competências:<br />

Competências<br />

Organizacionais<br />

Básicas<br />

Conhecimentos<br />

fundamentais<br />

Competências<br />

Organizacionais<br />

Competências<br />

Organizacionais<br />

Funcionais<br />

Competências<br />

Organizacionais<br />

Essenciais<br />

Estratégias<br />

Empresariais<br />

Conhecimentos, habilidades<br />

e atitudes inerentes às atividades<br />

Mudanças no<br />

Mercado<br />

Figura 4<br />

Dinâmica das competências.<br />

Fonte: Coutinho (2003,<br />

p. 50).<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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38<br />

Conclusões e recomendações<br />

O presente artigo propôs demonstrar a importância de identificar<br />

as competências funcionais exigidas dos recursos humanos<br />

de tecnologia da informação, a partir das competências<br />

organizacionais, dos serviços, suas atividades inerentes e dos<br />

objetivos estratégicos da organização.<br />

A tecnologia da informação possui a incumbência de prover<br />

soluções, por meio de realização de estudos de viabilidade e<br />

de custo/benefício que resultem no aumento da produtividade<br />

na execução de processos e melhoria da organização.<br />

As organizações vêm, ao longo de sua existência, informatizando<br />

os processos administrativos e técnicos para melhor<br />

atender aos seus clientes internos e externos, buscando soluções<br />

que assegurem o desempenho de suas atividades de acordo<br />

com as melhores práticas disponíveis no mercado. Assim,<br />

torna-se necessário traçar um perfil que identifique as competências<br />

funcionais adequadas aos profissionais de tecnologia<br />

da informação de acordo com as competências organizacionais,<br />

visando à melhoria nos processos internos e à garantia da<br />

qualidade nos serviços prestados.<br />

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que as organizações<br />

de hoje não sobrevivem sem o uso de tecnologia, principalmente<br />

da tecnologia da informação. O seu poder é abrangente<br />

e decisivo, não somente para aumento da produtividade ou<br />

suporte generalizado à tomada de decisão, mas também para<br />

um propósito maior, o de oferecer sustentabilidade às organizações.<br />

Constatou-se que, mesmo que a tecnologia esteja<br />

praticamente trocando homem por máquina, o ser humano<br />

continua e continuará sendo o foco principal de êxito de qualquer<br />

organização, pois, por trás de uma máquina, sempre<br />

haverá a mão de um homem, ou seja, “as pessoas são os verdadeiros<br />

agentes nas organizações” (Sveiby, 1998, p. 9).<br />

Este artigo pode ser aprofundado por meio de estudos complementares,<br />

podendo orientar diversas ações, em especial<br />

aquelas relacionadas a gestão de desempenho, recrutamento<br />

e seleção, treinamento e desenvolvimento, proporcionando<br />

maior consistência horizontal e vertical ao subsistema de recursos<br />

humanos da organização.<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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As organizações, atualmente, transcendem a concepção burocrática,<br />

criam valores, crenças e significados. Os desafios de<br />

mudar e evoluir para novas formas de trabalho, na busca<br />

de melhores desempenhos, depende de seus líderes. Vivemos<br />

na era do conhecimento e torna-se necessário a reestruturação<br />

das competências para transformar as informações disponíveis,<br />

mais agilmente, em conhecimento e com isso alcançar<br />

os objetivos estratégicos. O desenvolvimento de competências<br />

funcionais, a partir das competências organizacionais, propicia<br />

a aquisição e a atualização contínua dos conhecimentos,<br />

habilidades e atitudes, permitindo alcançar um desempenho<br />

profissional dos recursos humanos com eficiência e qualidade<br />

o que se reverterá na afirmação institucional da organização.<br />

Referências<br />

COUTINHO, M. T. Gestão de competências. Apostila de aula do curso MBI,<br />

turma 2003.<br />

CRAWFORD, R. Na era do capital humano: o talento, a inteligência e o<br />

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organizações gerenciam o seu capital intelectual. São Paulo: Campos, 1998.<br />

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mar. 2000.<br />

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34, n. 1, p. 63-82, jan./fev. 1994.<br />

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Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

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Disponível em: . Acesso em: 8<br />

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SVEIBY, K. E. A nova riqueza das organizações: gerenciando e avaliando<br />

patrimônio de conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1998.<br />

Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um<br />

enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação<br />

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41


Mestre em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor de Teoria da Ad-<br />

ministração, Teoria das Organizações, Logística, Administração de Recursos Materiais e<br />

Patrimoniais e Planejamento Estratégico, na Unigranrio, e gerente administrativo no SESC —<br />

Departamento Nacional.<br />

JOÃO MARTINS RIBEIRO<br />

A estratégia da<br />

gestão social<br />

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Introdução<br />

A palavra é um instrumento irresistível da conquista da liberdade.<br />

Rui Barbosa<br />

Qualquer tipo de organização necessita de gestão estratégica.<br />

A ausência implica insuficiente formulação orientativa e diretiva<br />

em relação às características atuais e presumidas dos<br />

ambientes externo e interno, o que resulta em ações defensivas<br />

ou agressivas, conforme missão, visão e valores da organização.<br />

A inexistência dessa reflexão estratégica pode resultar<br />

em ações incompatíveis com essas características, afastando a<br />

organização de sua identidade e legitimidade e, até mesmo,<br />

comprometendo sua sobrevivência.<br />

Uma das formas de classificar organizações é por setores de<br />

atuação, a saber: primeiro setor, as organizações de estado<br />

com finalidade pública; segundo setor, as organizações privadas<br />

com finalidades privadas, ditas comerciais ou que geram<br />

lucro; e o terceiro setor, as organizações privadas com finalidades<br />

públicas, mais conhecidas como Organizações Não Governamentais<br />

(ONGs), em que é aplicada a gestão social.<br />

Este estudo decorre da inquietação causada pela proposição<br />

de que a gestão estratégica opõe-se à gestão social (TENÓRIO,<br />

2004), pois, conforme já exposto, independentemente do setor<br />

ou natureza, todas as organizações necessitam de gestão, e<br />

nesta estão implícitas a formulação e a implementação estratégicas,<br />

sendo elementos centrais para sua existência.<br />

Nosso objetivo é prover fundamento para demonstrar que<br />

a gestão estratégica é necessária à gestão social. Para tal, os<br />

argumentos baseiam-se na Teoria Geral da Administração e,<br />

mais especificamente, na Teoria Geral da Estratégia.<br />

A atualidade e a importância da questão social nos fazem crer que<br />

esta é uma contribuição dentre tantas que já devem ter sido apresentadas<br />

e outras que ainda serão. Nos termos de Durant (1966):<br />

De todas as relações a mais universal é a de contraste ou oposição.<br />

Cada condição do pensamento ou das coisas — cada ideia e situação<br />

do mundo — leva irresistivelmente à sua contrária e une-se em<br />

seguida com esta para formar um todo mais elevado ou mais complexo.<br />

Esse “movimento dialético” apresenta-se em tudo o que Hegel<br />

escreveu. É essa, aliás, uma velha ideia, pressentida por Empédocles<br />

A estratégia da gestão social<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

44<br />

A estratégia da gestão social<br />

e encarnada no “áureo meio” de Aristóteles, que escreveu “ser uno o<br />

conhecimento dos contrários”. A verdade (como um elétron) é uma unidade<br />

orgânica de elementos contrários (DURANT, 1966, p. 281, aspas do<br />

autor).<br />

O essencial é que o debate seja cada vez mais enriquecido e<br />

que nossas preocupações com o social possam se transformar<br />

em ações efetivas.<br />

Gestão estratégica versus gestão<br />

social<br />

A gestão ou administração é o campo das ciências sociais aplicadas<br />

dedicado ao estudo da constituição e condução das organizações.<br />

Assim, inicialmente, é preciso identificar os fundamentos que<br />

colocam em oposição a gestão estratégica e a gestão social.<br />

De acordo com a visão de Tenório (2004, p. 23), a gestão estratégica<br />

“ é um tipo de ação social utilitarista, fundada no cálculo<br />

de meios e fins e implementada por meio da interação de<br />

duas ou mais pessoas na qual uma delas tem autoridade formal<br />

sobre a(s) outra(s) e, ainda, (...) é uma combinação de<br />

competência técnica com atribuição hierárquica (...)”. Trata-se,<br />

portanto, de uma gestão monológica.<br />

No tocante à gestão social, ainda segundo o autor, esta “ contrapõe-se<br />

à gestão estratégica à medida que tenta substituir a<br />

gestão tecnocrática monológica, por um gerenciamento mais<br />

participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido<br />

por meio de diferentes sujeitos sociais” (TENÓRIO, 2004,<br />

p. 25). Trata-se de ação comunicativa, na qual, de forma dialógica,<br />

os atores harmonizam planos e chegam a um acordo ou<br />

“consenso racional”.<br />

Teoria Geral da Administração<br />

A administração trata da criação e da condução das organizações<br />

e, para tanto, assim como as demais áreas de conhecimento,<br />

há princípios gerais e específicos de acordo com sua aplicação.<br />

Segundo Silva (2004, p. 8), a Teoria Geral da Administração é<br />

composta por princípios:<br />

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Um princípio representa um elemento básico de conhecimento que explica<br />

o relacionamento e ajuda na predição do que aconteceria se tal<br />

princípio fosse aplicado. (...) Um princípio é uma afirmativa básica ou<br />

uma verdade fundamentada que provê entendimento e orientação ao<br />

pensamento e à prática, na tomada de decisões.<br />

A esse respeito, não podemos desprezar as tecnologias gerenciais<br />

aplicadas ao primeiro e segundo setores, mas a aplicação<br />

pura e simples em gestão social dos princípios utilizados<br />

em atividades típicas de mercado (TENÓRIO, 2005, p. 54, 55)<br />

pode se tornar temerária, pois, segundo Paulo Roberto Motta 1<br />

e Georges-Xavier Trepó, 2 há um “desfile de modas” e um “efeito<br />

vitrine” (TENÓRIO, 2000, p. 205) em gestão empresarial.<br />

Dentre os princípios de administração, há esses “modismos” inconsistentes<br />

ou, muitas vezes, repetições, sob novo rótulo, de antigos<br />

e renomados conceitos. Mas há também os princípios que<br />

resultam do processo dialético da ciência e que, ratificamos, com<br />

algumas exceções, são aplicáveis a qualquer tipo de organização.<br />

Esses princípios, ditos universais, podem ser ajustados a necessidades<br />

específicas. Para Henry Fayol, 3 tais princípios não<br />

são inflexíveis,<br />

pois não existe nada de rígido ou absoluto em matéria administrativa.<br />

Tudo em Administração é questão de medida, ponderação e bom senso.<br />

Os princípios são universais e maleáveis e adaptam-se a qualquer<br />

tempo, lugar ou circunstância (CHIAVENATO, 2003, p. 83).<br />

Verifica-se, portanto, que há princípios universais em administração<br />

que são aplicados em qualquer tipo de atividade que<br />

exija gestão. Por outro lado, há outros, tais como aqueles relacionados<br />

a atividades mercadológicas, que são mais específicos<br />

e requerem profundas modificações na sua estrutura para<br />

serem aplicados, por exemplo, em organizações sociais.<br />

Do complexo conjunto de princípios, precisamos definir com<br />

mais detalhes o que é administração, e, para tal, optamos por<br />

Maximiniano (2004), que afirma o seguinte:<br />

Objetivos, decisões e recursos são palavras-chave na definição de administração.<br />

Administração é o processo de tomar e colocar em prática<br />

decisões sobre objetivos e utilização de recursos. O processo administrativo<br />

abrange quatro tipos de decisões, também chamadas processos<br />

ou funções: planejamento, organização, execução e controle (MAXI-<br />

MINIANO, 2004, p. 26).<br />

1 MOTTA, Paulo Roberto,1994,<br />

p. 89 apud TENÓRIO, 2000.<br />

2 REPÓ, Georges-Xavier, 1994,<br />

p. 94 apud TENÓRIO, 2000.<br />

3 FAYOL, Henry, 1950 apud<br />

CHIAVENATO, Idalberto, 2003.<br />

A estratégia da gestão social<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

46<br />

A estratégia da gestão social<br />

Esse conceito ilustra a administração com a ciência das organizações,<br />

como já tratado, no sentido de concebê-las (tomar<br />

decisões sobre a sua constituição e legitimidade) e conduzi-las<br />

(tomar decisões sobre as ações), estando implícito o estabelecimento<br />

de objetivos estratégicos que orientem as atividades.<br />

De forma resumida, qualquer tipo de empreendimento humano<br />

requer administração (CHIAVENATO, 2003).<br />

De especial interesse para este estudo é a forma processual da<br />

administração por meio das funções de planejamento, organização,<br />

direção e controle, que correspondem, respectivamente,<br />

ao estabelecimento de objetivos e cursos de ação para seu alcance,<br />

à divisão de tarefas e alocação de recursos, à execução prática<br />

do empreendimento e à comparação entre o desempenhado e o<br />

planejado para fins de retroalimentação do processo.<br />

Relevante, também, é a caracterização dos níveis da organização,<br />

para a qual utilizaremos Chiavenato (2003), que estabelece<br />

três: “nível institucional ou estratégico, nível intermediário e nível<br />

operacional” (p. 525-526). Cada um desses níveis corresponde,<br />

respectivamente, à administração da organização como um<br />

todo; à administração de cada área da organização, articulando o<br />

nível estratégico ao nível operacional; e à administração das<br />

ações específicas que, em conjunto, contribuem para o alcance<br />

dos objetivos da organização estabelecidos no nível estratégico.<br />

Em termos gerais, podemos afirmar que no nível estratégico estão<br />

as pretensões do empreendimento, e no nível operacional,<br />

as respectivas ações que derivam de tais pretensões, cabendo ao<br />

nível intermediário realizar as articulações necessárias.<br />

A oposição entre gestão estratégica e gestão social não condiz<br />

com a Teoria Geral da Administração brevemente apresentada.<br />

Por outro lado, essa oposição não deixa de ser, em parte,<br />

preocupação com a possibilidade de instrumentos capitalistas<br />

extrapolarem o campo econômico e invadirem outras esferas<br />

da vida, em especial a gestão das organizações sociais. Nesse<br />

caso, não se trata de teoria geral (ou princípios universais), mas<br />

de teorias específicas com aplicação delimitada a mercados.<br />

Mesmo Tenório (2005), proponente da oposição estratégico-<br />

-social, recomenda o uso desses princípios gerais:<br />

Para superar esses desafios que podem ameaçar sua existência e sua<br />

eficiência administrativa, as ONGs têm que pensar em acrescentar às<br />

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suas peculiaridades novos instrumentos de gestão, dotando seus quadros<br />

de habilidades, conhecimentos e atitudes que assegurem, ao fim e ao<br />

cabo, o cumprimento dos objetivos institucionais (TENÓRIO, 2005. p. 15).<br />

Teoria geral da estratégia<br />

A partir do exposto sobre a Teoria Geral da Administração,<br />

conclui-se que a estratégia organizacional relaciona-se às pretensões<br />

de um empreendimento e aos cursos de ação adotados<br />

para que tais pretensões sejam transformadas em realidade.<br />

Uma organização sem estratégia fica à deriva no contexto das<br />

possibilidades e não proporciona uma orientação para seus<br />

integrantes. Segundo Matos (1993), “ buscar o consenso e a<br />

sinergia em torno de verdades comuns, traduzidas em objetivos,<br />

é o resultado imediato de um exercício de estratégia”<br />

(MATOS, 1993, p. 135).<br />

Ainda de acordo com esse autor:<br />

Na estratégia (...), a organização afirma: sua razão de ser (missão), e<br />

os valores que norteiam seu comportamento (filosofia); os objetivos, as<br />

orientações compatíveis (políticas) e as suas metas (que traduzem os<br />

objetivos em alvos concretos e como atingi-los), consideradas as exigências<br />

da situação, a níveis de ambiente interno e externo (planejamento<br />

estratégico) (MATOS, 1993, p. 135).<br />

Assim, os princípios relacionados à estratégia são do tipo universal<br />

e podem ser aplicados a qualquer tipo de atividade,<br />

como afirma Pinto (2006) a respeito de estratégia,<br />

estendendo-se o seu interesse a praticamente todos os segmentos<br />

de presença intelectual e profissional, aí se incluindo as áreas educacional,<br />

cultural, artística, política, militar, de gestões do Estado,<br />

empresarial, institucional, social, terceiro setor, técnica, tecnológica<br />

e científica, entre outras (PINTO, 2006, p. 15).<br />

Afirma ainda Pinto (2006) que, “sem dúvida, estratégia, (...)<br />

vem se transformando em um dos principais, ou no principal,<br />

instrumentos para o acompanhamento das espantosas velocidades<br />

de mudança nos universos econômico, financeiro e até<br />

mesmo social” (p. 37).<br />

Portanto, configura-se que a gestão estratégica é aplicada a<br />

qualquer tipo de organização, na qual a formulação e a implementação<br />

podem ser realizadas por processo monológico<br />

A estratégia da gestão social<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

48<br />

A estratégia da gestão social<br />

ou dialógico. Conclui-se que o que está em questão não é a<br />

estratégia — no sentido de objetivos e cursos de ação da organização<br />

—, mas, sim, aspectos relativos à participação, ou não,<br />

dos sujeitos no processo.<br />

De acordo com Pinto (2006),<br />

é bem possível que a busca da excelência retrate bem mais o patamar<br />

de zero defeito, ou seja, traduz-se pela impregnação da organização de<br />

novos diálogos que se libertam de amarras leoninas dos raciocínios<br />

de fluxo de caixa ensejando o surgimento de uma atmosfera coloquial,<br />

participativa, interativa e proativa (PINTO, 2006, p. 212).<br />

Esse mesmo autor acrescenta que<br />

o desafio estratégico de nossa época atual consiste em fazer com que<br />

empresas, corporações, instituições etc. pensem e ajam estrategicamente<br />

como um todo. Não se trata mais de realizar planejamento estratégico<br />

unicamente no vértice das organizações. O grande desafio é fazer<br />

com que a consciência estratégica perpasse por toda a organização<br />

(impregnação), mobilizando o maior número possível de colaboradores<br />

a pensar e agir estrategicamente (PINTO, 2006, p. 37-38).<br />

Sob esse prisma, depreende-se que a gestão estratégica (objetivos<br />

e cursos de ação da organização) pode ser formulada e<br />

realizada por meio de processos participativos e, consequentemente,<br />

dialógicos, pois segundo Mintzberg (2000), “pessoas<br />

informadas em qualquer parte da organização podem contribuir<br />

para o processo de estratégia (...). Quem é melhor para<br />

influenciar a estratégia do que o soldado a pé na linha de fogo,<br />

o mais próximo da ação?” (MINTZBERG, 2000, p. 135-136).<br />

Por outro lado, nada impede que a formulação e a implementação<br />

estratégicas sejam realizadas de forma monológica, com<br />

ênfase em autoridade e hierarquia. Em verdade, a condução<br />

do processo, se monológico ou dialógico, vai depender de uma<br />

série de fatores tais como ramo de atividade, tipo e momento<br />

da organização e do ambiente externo, eis que este exerce influência<br />

sobre a organização. E, principalmente, na concepção<br />

dos dirigentes a respeito da natureza humana.<br />

Nesse particular, verifica-se que a proposição de gestão estratégica<br />

de Tenório (2004) está mais relacionada às escolas de<br />

estratégia denominadas como prescritivas. Mas há outras,<br />

de acordo com Mintzberg (2000), “não racionais/não prescritivas,<br />

as quais sinalizam outras formas de olhar para a administração<br />

estratégica” (p. 24).<br />

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Outro aspecto relevante nas proposições de Tenório (2004) é a<br />

caracterização da gestão estratégica orientada ao sucesso,<br />

adequando meios a fins, enquanto gestão social é orientada ao<br />

entendimento. O trecho “desenvolver o conceito de gestão social,<br />

cujo conteúdo é fundado na democratização das relações<br />

sociais e não na consecução de resultados como é o caso da<br />

gestão estratégica” (TENÓRIO, 2004, p. 10-11) demonstra essa<br />

proposição.<br />

Diante da formulação apresentada sobre a importância da<br />

administração e da gestão estratégica em qualquer forma<br />

de empreendimento humano, conclui-se, em contraposição,<br />

que a gestão social também busca resultados e sucesso relacionados<br />

à finalidade da organização e aos sujeitos que a<br />

compõem, pois, de acordo com Collins,<br />

as entidades sociais precisam desesperadamente de disciplina (...).<br />

Ainda que não precisem gerar lucro, têm de criar uma engrenagem<br />

econômica que as permita alcançar sua missão.<br />

Na impossibilidade de recorrer a indicadores clássicos de negócios —<br />

como retorno sobre o investimento —, as organizações sociais deveriam<br />

se concentrar em buscar indicadores que reflitam a essência de<br />

suas propostas (COLLINS, 1983 apud RESEMBURG, 2006, p. 102).<br />

Suponhamos, por exemplo, uma organização que visa combater<br />

a fome em determinada área e que adota gestão totalmente<br />

dialógica. Do entendimento dos sujeitos participantes<br />

não surgirão objetivos a alcançar e cursos de ação para tal? De<br />

outra forma, como as ações seriam orientadas e articuladas?<br />

Não havendo preocupação com a adequação de meios a fins, não<br />

se corre o risco de estabelecer uma gestão perdulária, comprometendo<br />

a finalidade do empreendimento?<br />

A resposta a esses questionamentos é que sem a gestão estratégica<br />

a fome não será combatida de forma efetiva e, consequentemente,<br />

a sobrevivência da organização, em que pese a nobre<br />

missão, estará em risco.<br />

Conclusão<br />

A oposição entre gestão social e gestão estratégica não converge<br />

com nosso entendimento, visto que a gestão social, como<br />

qualquer outro empreendimento humano, busca resultados e,<br />

portanto, necessita de estratégia.<br />

A estratégia da gestão social<br />

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50<br />

A estratégia da gestão social<br />

O que fica claro é que na gestão de organizações sociais, na<br />

formulação e implementação estratégicas, especificamente as<br />

do terceiro setor, é mais adequado o uso de processos dialógicos,<br />

pois a busca de justiça social e solidariedade está no cerne<br />

de tais organizações, e processos monológicos seriam, em tese,<br />

incongruentes.<br />

Assim, concluímos que a gestão estratégica não é incompatível<br />

com a gestão de organizações sociais. Vamos além, considerando-a<br />

essencial para sua sobrevivência, pois, independentemente<br />

do tipo de organização, é no nível estratégico e nos planos<br />

e ações decorrentes que está o cerne das organizações.<br />

Além disso, concluímos que o simples uso da palavra gestão<br />

ou administração implica a concepção e a condução estratégica<br />

das organizações, não havendo possibilidade de dissociação, e<br />

que a forma de aplicação, se autocrática ou participativa, não<br />

diz respeito à gestão estratégica em si, mas sim a outros fatores<br />

situacionais, não havendo, portanto, princípio de administração<br />

que vincule a gestão estratégica à ação monológica.<br />

Finalizando, entendemos que a gestão dialógica (participativa)<br />

é a mais adequada às organizações do terceiro setor, e que<br />

estas tendem a caminhar no sentido de maior adoção dos instrumentos<br />

de controle utilizados nas organizações do segundo<br />

setor. De forma semelhante, as organizações do segundo setor<br />

(mercado) mostram a tendência de buscar mais participação<br />

em seus processos.<br />

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MAXIMINIANO, Antonio César Amaru. Teoria geral da administração: da<br />

revolução urbana à revolução digital. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.<br />

MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári de<br />

estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2000.<br />

PINTO, Luiz Fernando da Silva. O homem, o arco e a flecha: em direção à<br />

teoria geral da estratégia. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.<br />

RESEMBURG, Cynthia. Terceiro setor: podem não dar certo, mas têm de<br />

dar resultado. Exame, v. 40, n. 7, p. 106, 12 abr. 2006.<br />

SILVA, Reinaldo Oliveira da. Teorias da administração. São Paulo: Pioneira<br />

Thomson Learning, 2004.<br />

TENÓRIO, Fernando Guilherme. Um espectro ronda o terceiro setor, o<br />

espectro de mercado: ensaios de gestão social. 2. ed. Ijuí: Ed. Ijuí, 2004.<br />

TENÓRIO, Fernando Guilherme. Flexibilização organizacional: mito ou<br />

realidade? Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2000.<br />

TENÓRIO, Fernando Guilherme (Org.). Gestão de ONGs: principais funções<br />

gerenciais. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.<br />

A estratégia da gestão social<br />

miolo_intercambio170x265.indd 51 13/10/11 17:14<br />

51


Pós-graduado em Pesquisa de Mercado e Opinião Pública pela Universidade Estadual do<br />

Rio de Janeiro (UERJ), bacharel em Ciências Estatísticas pela Escola Nacional de Ciências<br />

Estatísticas (ENCE) e licenciado em Matemática pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).<br />

Assessor técnico da Seção de Estatística/GEP/DPD do Departamento Nacional do SESC e<br />

professor de Matemática do Ensino Médio da Secretaria de Estado de Educação do Rio de<br />

Janeiro (SEE-RJ).<br />

Principais áreas de interesse: Educação, Estatística e Pesquisa de Mercado.<br />

LEONARDO PUGLIESI FIGUEIREDO<br />

O olhar de quem<br />

aprende:<br />

percepções dos alunos<br />

sobre a Escola SESC de<br />

Ensino Médio<br />

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Introdução<br />

Entre as principais características que distinguem o ser humano<br />

das outras espécies animais está a sua capacidade de<br />

pensar, de refletir, de criar coisas novas a partir de experiências<br />

passadas. Essa capacidade é potencializada pelo processo<br />

de desenvolvimento do ser humano e adquirida por meio da<br />

educação.<br />

Ela é responsável por transferir os modos culturais de ser, estar<br />

e agir necessários à convivência em sociedade às gerações<br />

que se seguem. Ensinar e aprender englobam todo o processo<br />

educacional do ser humano.<br />

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205,<br />

define que “a educação, direito de todos e dever do Estado e<br />

da família, será promovida e incentivada com a colaboração da<br />

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu<br />

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para<br />

o trabalho”.<br />

Assim, o Serviço Social do Comércio — SESC apresenta uma<br />

alternativa aos modelos tradicionais de ensino, inaugurando,<br />

em 2008, na cidade do Rio de Janeiro, a Escola SESC de Ensino<br />

Médio, propondo uma escola-residência com aprendizado em<br />

tempo integral, que atende alunos procedentes de todos os estados<br />

do Brasil e Distrito Federal.<br />

A conclusão do primeiro ano letivo da Escola SESC surge<br />

como um momento oportuno para reflexão e levantamento de<br />

informações que auxiliem na elaboração de estratégias para o<br />

futuro da escola.<br />

Este artigo apresenta as percepções dos alunos sobre os serviços<br />

oferecidos pela Escola SESC em algumas de suas áreas,<br />

entendendo que “o olhar do aluno” tem papel fundamental no<br />

processo de aprendizagem da escola.<br />

A percepção, segundo Sternberg (2000), deve ser entendida<br />

como “ um conjunto de processos psicológicos pelos quais as<br />

pessoas reconhecem, organizam, sintetizam e conferem significação<br />

às sensações recebidas por meio dos estímulos.”<br />

Além da Constituição Federal de 1988, existem duas leis que<br />

regulamentam e complementam o direito à educação: o Estatuto<br />

da Criança e do Adolescente, de 1990, e a Lei de Diretrizes e<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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INTERCÂMBIO . RIO DE JANEIRO . v. 1 . n. 1 . p. 52-75 |<br />

NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

54<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

Bases da Educação, de 1996. Juntas, essas leis abrem as portas<br />

da escola pública fundamental a todos os brasileiros, já que<br />

nenhuma criança, jovem ou adulto pode deixar de estudar por<br />

falta de vaga.<br />

Diversas iniciativas foram realizadas com o objetivo de colocar<br />

em prática um modelo de educação com qualidade e acessível<br />

a todos os brasileiros. Uma dessas tentativas foi a criação do<br />

Centro Integrado de Educação Pública — CIEP, popularmente<br />

apelidado de “brizolão”.<br />

Implantado inicialmente no estado do Rio de Janeiro, ao longo<br />

dos dois governos de Leonel Brizola (1983-1986 e 1991-1994), os<br />

CIEPs tinham como objetivo oferecer ensino público de qualidade,<br />

em período integral, aos alunos da rede estadual.<br />

Nesse projeto educacional, de autoria do antropólogo Darcy<br />

Ribeiro, os alunos tinham aulas das 8h às 17h, e a eles eram<br />

oferecidos, além do currículo regular, atividades culturais, estudos<br />

dirigidos e educação física. Os CIEPs proporcionavam<br />

ainda refeições completas aos seus alunos, além de atendimento<br />

médico e odontológico.<br />

Porém governos que sucederam ao de Leonel Brizola não deram<br />

continuidade administrativa ao projeto, desvirtuando a<br />

sua principal característica: o ensino integral. Desse modo, os<br />

CIEPs tornaram-se escolas convencionais e com o ensino dividido<br />

em turnos.<br />

A implantação de escolas com ensino integral tem sido um<br />

grande e importante desafio a todos que veem a educação<br />

como um dos fatores fundamentais na construção de uma sociedade.<br />

Experiências recentes indicam a necessidade de articular<br />

políticas públicas para que a Educação Integral torne-se<br />

uma experiência inovadora e sustentável ao longo do tempo.<br />

Políticas públicas na educação<br />

Atualmente, a discussão do processo de ensino e aprendizagem<br />

é a temática mais desafiadora que se apresenta nas escolas.<br />

A qualidade da educação, as transformações ocorridas, o<br />

tipo de ensino que acontece dentro e fora das salas de aula<br />

e as práticas pedagógicas implantadas são assuntos de discussões<br />

e debates em congressos e seminários.<br />

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Os teóricos da área de educação têm efetivado debates e discussões<br />

sobre a importância de não se conceber mais uma educação<br />

na qual o foco central seja o professor e cujas aulas não<br />

sejam realmente significativas e relacionadas às experiências<br />

de vida e condizentes com a realidade social dos alunos.<br />

De acordo com Garcia (1999, p. 19) a formação é compreendida<br />

como um “processo de desenvolvimento e de estruturação da<br />

pessoa, que se realizam com o duplo efeito de maturação interna<br />

e de possibilidade de aprendizagem, e de experiências dos<br />

sujeitos”. Percebe-se, assim, a necessidade de o aluno entrar em<br />

contato com a realidade que vai encontrar após a sua formação<br />

de uma forma mais efetiva.<br />

Diante dos desafios da sociedade contemporânea e, especialmente,<br />

do ensino no Brasil, indaga-se: que objetivos educacionais<br />

devem ser estabelecidos para garantir uma educação<br />

pública de qualidade? Que diretrizes devem guiar a prática educativa,<br />

a fim de construir uma sociedade democrática e igualitária<br />

para todos? Que cidadão se quer formar? Que preparação<br />

os alunos precisam ter para a vida produtiva em uma sociedade<br />

cada vez mais tecnológica? Certamente não é fácil responder a<br />

essas e a outras questões, uma vez que os quadros econômico,<br />

político, social e educacional no Brasil são complexos.<br />

Segundo José Carlos Libâneo,<br />

três objetivos fundamentais devem servir de base para a construção de<br />

uma educação pública de qualidade no contexto atual: preparação<br />

para o processo produtivo e para a vida em uma sociedade técnicoinformacional,<br />

formação para a cidadania crítica e participativa, e formação<br />

ética (2007, p. 118).<br />

A preparação para o processo produtivo e para a vida em uma<br />

sociedade técnico-informacional envolveria a necessidade de a<br />

escola preparar o aluno para o mundo do trabalho e para formas<br />

alternativas de trabalho, “tendo em vista a flexibilização<br />

que caracteriza o processo produtivo contemporâneo e a adaptação<br />

dos trabalhadores às complexas condições de exercício de<br />

sua profissão” (LIBÂNEO, 2007, p. 118). No entanto, a formação<br />

para a cidadania crítica e participativa diz respeito a cidadãos<br />

capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-<br />

-la, e não apenas para integrar o mercado de trabalho.<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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56<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

Já a formação ética, para Libâneo (2007, p. 120), trataria de<br />

formar valores e atitudes diante do mundo da política e da economia,<br />

do consumismo, do individualismo, do sexo, da droga, da depredação<br />

ambiental, da violência e, também, das formas de exploração que se<br />

mantêm no capitalismo contemporâneo.<br />

O Brasil ainda é um país de muitas desigualdades sociais e<br />

culturais. Porém acredita-se que por meio do investimento<br />

em educação essas desigualdades podem ser reduzidas e<br />

até corrigidas.<br />

Considerando a relevância dessa temática e com base nessas<br />

premissas, avaliar políticas públicas em educação a partir do<br />

olhar do aluno torna-se importante, já que ele será o agente<br />

transformador de uma sociedade melhor no futuro.<br />

A Escola SESC de Ensino Médio<br />

Atendendo alunos procedentes de todo o Brasil, a Escola SESC<br />

caracteriza-se por ser uma escola-residência que tem por filosofia<br />

a busca pelo desenvolvimento pleno do aluno.<br />

O propósito da escola fundamenta-se na excelência acadêmica,<br />

na valorização do trabalho e do esforço pessoal, na autodisciplina<br />

e na ética. Curiosidade intelectual, aprendizado em<br />

tempo integral, desenvolvimento físico, criatividade, pensamento<br />

crítico, troca de ideias e respeito às diferenças individuais<br />

e coletivas permeiam todo o processo educacional.<br />

A Escola SESC engloba uma comunidade residencial de alunos<br />

e professores que encoraja e valoriza a convivência com a<br />

diversidade, em ambiente de prática contínua de ética, honestidade,<br />

responsabilidade, civilidade, justiça e solidariedade,<br />

valores essenciais ao homem. Tal concepção contribui para a<br />

formação de cidadãos proativos, íntegros, capazes de exercer<br />

papéis de liderança e transformação em suas comunidades<br />

e para os quais a vivência na Escola SESC de Ensino Médio<br />

torna-se uma experiência para toda a vida.<br />

Ela oferece a seus estudantes a oportunidade de morar, estudar<br />

e crescer juntos em uma comunidade de aprendizagem.<br />

Para que essa comunidade educacional atinja seus objetivos<br />

pedagógicos, um conjunto de normas foi desenvolvido com<br />

o objetivo de zelar pelo respeito ao outro e pelo bem comum.<br />

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A Escola SESC proporciona aos estudantes um programa<br />

acadêmico individualizado e condições diferenciadas de<br />

aprendizado dos conteúdos propostos. Com turmas de 15 alunos<br />

e salas de aula dedicadas às diversas disciplinas, a escola<br />

busca a excelência na preparação do estudante para o ingresso<br />

no Ensino Superior e no mundo do trabalho.<br />

A percepção dos alunos<br />

As áreas da Escola SESC analisadas pelos alunos foram: Biblioteca,<br />

Restaurante, Vida Residencial e Orientação Educacional.<br />

Elas foram escolhidas por lidarem mais diretamente<br />

com o aluno em seu dia a dia.<br />

Em 2008, ano de inauguração da Escola SESC, as primeiras<br />

turmas contaram com 177 alunos advindos de todas as regiões<br />

do Brasil. Desses, três não renovaram matrícula para o segundo<br />

ano em 2009 e quatro não responderam ao questionário. Assim,<br />

o número de alunos pesquisado foi de 170.<br />

A pesquisa foi realizada com 94 alunos do sexo feminino e 76<br />

alunos do sexo masculino, representando, respectivamente,<br />

55,3% e 44,7% do total de alunos. Na tabela 1 apresentamos a<br />

distribuição desses alunos por região do Brasil onde foi realizada<br />

a seleção para ingressar na Escola SESC.<br />

Tabela 1 – Número de alunos do 2 o ano, por sexo e região do<br />

Brasil onde realizou seleção para ingressar na Escola SESC<br />

Regiões<br />

Total<br />

Sexo<br />

Feminino Masculino<br />

Alunos % Alunos % Alunos %<br />

Centro-Oeste 28 16,5 17 18,1 11 14,5<br />

Nordeste 44 25,9 23 14,5 21 27,6<br />

Norte 23 13,5 12 12,8 11 14,5<br />

Sudeste 41 24,1 25 26,6 16 21,1<br />

Sul 34 20,0 17 18,1 17 22,4<br />

Total 170 100,0 94 100,0 76 100,0<br />

Fonte: Questionário da Pesquisa.<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

A região Nordeste foi a que apresentou maior número de<br />

alunos do sexo masculino, com 27,6%, enquanto a região<br />

Sudeste apresentou o maior número de alunos do sexo feminino,<br />

26,6%.<br />

O Nordeste é a região que possui o maior número de alunos,<br />

25,9% do total. Isso pode ser naturalmente explicado por se<br />

tratar da região que contempla o maior número de estados do<br />

país. A região Sudeste aparece logo em seguida com 24,1%,<br />

porém sua representatividade justifica-se pelo maior número<br />

de vagas destinadas aos alunos do Rio de Janeiro, estado onde<br />

fica a Escola SESC de Ensino Médio. Somente do estado do Rio<br />

de Janeiro são 19 alunos, representando 11,2% do total de<br />

alunos pesquisados.<br />

Confrontando essas informações com os estados onde os alunos<br />

nasceram, observamos que 14,1% deles nasceram em um<br />

estado do Brasil diferente daquele em que fizeram seleção<br />

para ingressar na Escola SESC. O Distrito Federal apresentou<br />

o maior número de alunos nessa situação, quatro nascidos nos<br />

estados de Goiás, Piauí, Pará e Rio de Janeiro.<br />

Nutrição<br />

A área de nutrição da Escola SESC, além de oferecer refeições<br />

diárias aos alunos, pretende educá-los para um hábito alimentar<br />

saudável. Dá-se ênfase à importância do contato com os<br />

alunos em suas mesas no momento das refeições, fazendo com<br />

que se sintam participativos no dia a dia do restaurante. Sugestões<br />

de cardápios regionais e lanches desenvolvidos pelos<br />

alunos são exemplos de ações decorrentes da aproximação deles<br />

com a nutricionista.<br />

Com base nessas premissas, os alunos evocaram espontaneamente<br />

três palavras que associavam ao restaurante da Escola<br />

SESC. As dez palavras mais citadas são apresentadas na tabela<br />

2, acompanhadas do número de alunos que as citaram e sua<br />

representatividade em relação ao total de alunos pesquisados.<br />

Palavras que remetem à saúde, como saudável, limpo e higiênico,<br />

foram mais citadas do que palavras relacionadas ao paladar,<br />

como diversificado e gostoso. As palavras mais citadas<br />

pelos alunos referem-se a questões positivas, indicando que o<br />

restaurante possui uma boa imagem perante os alunos. Diante<br />

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Tabela 2 – Palavras que definem o restaurante da Escola<br />

SESC, segundo os alunos<br />

Palavras Alunos %<br />

Saudável 45 26,5<br />

Limpo 33 19,4<br />

Organizado 31 18,2<br />

Qualidade 20 11,8<br />

Agradável 19 11,2<br />

Bom 16 9,4<br />

Diversificado 15 8,8<br />

Gostoso 14 8,2<br />

Grande 11 6,5<br />

Higiênico 9 5,3<br />

Fonte: Questionário da Pesquisa.<br />

dessas escolhas, pode-se deduzir que os alunos gostam das refeições<br />

e que o restaurante é visto como um local onde a saúde<br />

é colocada em primeiro lugar.<br />

A organização do restaurante também se destaca como ponto<br />

positivo e foi citada por 18,2% dos alunos, dando a entender<br />

que eles percebem um planejamento por parte da área de<br />

nutrição.<br />

Quanto a mudanças no hábito alimentar dos alunos após o<br />

ingresso na Escola SESC, 92,9% deles conseguem perceber diferenças<br />

em sua alimentação.<br />

Quando analisadas por região, todos os alunos do Norte e<br />

Nordeste perceberam uma mudança em seus hábitos alimentares<br />

ao ingressar na Escola SESC, sugerindo que os alunos<br />

dessas regiões melhoraram sua alimentação. Essa informação<br />

pode ser confirmada observando o sentido dessa mudança entre<br />

os alunos que a perceberam.<br />

Dos alunos pesquisados, 94,3% identificaram uma mudança<br />

do hábito alimentar para melhor ou muito melhor, confirmando<br />

que o restaurante da Escola SESC tem conseguido atingir um<br />

dos seus objetivos. É importante ressaltar que essa mudança positiva<br />

pode ser indicada tanto pela qualidade dos alimentos<br />

oferecidos pela escola, quanto pela autonomia dos alunos na<br />

escolha do que comer.<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

De modo geral, os resultados confirmam que a área de nutrição<br />

tem contribuído para a reeducação alimentar dos alunos.<br />

Biblioteca<br />

Com um amplo espaço destinado ao estudo e à pesquisa, a<br />

biblioteca da Escola SESC de Ensino Médio possui um vasto<br />

acervo de livros, revistas, jornais e recursos audiovisuais, tornando-se<br />

o principal centro de recursos acadêmicos da escola.<br />

Mas como os alunos veem a biblioteca? Ela tem correspondido<br />

às suas necessidades?<br />

Assim, solicitou-se dos alunos que expusessem suas percepções<br />

sobre mudanças no hábito de leitura espontânea depois<br />

de ingressarem na Escola SESC.<br />

Os resultados mostram que 84,7% dos alunos conseguem perceber<br />

mudanças no hábito de leitura espontânea depois de<br />

ingressarem na Escola SESC. Vale ressaltar que se entende por<br />

leitura espontânea aquela de livre escolha do leitor, ou seja,<br />

uma leitura voluntária sem qualquer tipo de intervenção exterior.<br />

Não observamos grandes diferenças de dados entre as regiões<br />

do Brasil, o que indica que a biblioteca da Escola SESC pode<br />

estar contribuindo para uma mudança positiva no hábito de<br />

leitura dos alunos. Caberia então observar o grau de mudança<br />

entre os alunos que perceberam essas diferenças.<br />

Apesar de 77,1% dos alunos apontarem mudanças para melhor<br />

ou muito melhor em seu hábito de leitura espontânea,<br />

percebemos que dos alunos do sexo feminino, 32,5% apresentam<br />

uma mudança para pior ou muito pior. Isso indica que<br />

elas sentem mais essa mudança negativa do que os alunos do<br />

sexo masculino, que representaram apenas 12%.<br />

Em termos gerais, os resultados indicam que a Escola SESC contribui<br />

para que os alunos passem a ler mais do que liam antes de<br />

ingressarem na escola. Essa hipótese é confirmada quando se observa<br />

que, entre os alunos que identificaram mudanças no hábito<br />

de leitura espontânea, 69% consideram que a Escola SESC contribuiu<br />

para um aumento do seu hábito de leitura espontânea.<br />

Em relação ao ambiente da biblioteca, 94,1% dos alunos o consideram<br />

bom ou muito bom, sendo que a ampla maioria, 60%,<br />

o avaliaram como muito bom.<br />

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Em uma análise por região, 70,5% dos alunos da região Nordeste<br />

consideram o ambiente da biblioteca muito bom, representando<br />

o maior percentual entre as regiões do Brasil. Isso<br />

pode indicar que esses alunos sentem mais os contrastes entre<br />

o que é oferecido pela biblioteca da Escola SESC em relação às<br />

bibliotecas de seus estados de origem.<br />

Com o objetivo de aprofundar mais essa questão, interrogaram-se<br />

os alunos sobre o porquê de suas escolhas. Por tratar-se<br />

de pergunta aberta, preferiu-se não quantificar o conteúdo das<br />

respostas dadas a ela. Uma análise desses conteúdos, porém,<br />

levanta algumas questões interessantes.<br />

A maioria dos alunos afirma que a biblioteca é bem equipada,<br />

organizada, com excelente infraestrutura e com profissionais<br />

bem capacitados. O depoimento de uma aluna do estado de<br />

Alagoas é capaz de resumir a opinião de parte dos alunos<br />

do segundo ano sobre o ambiente da biblioteca:<br />

A biblioteca da Escola SESC apresenta uma grande quantidade de livros,<br />

sendo que eles possuem ótima qualidade. Os funcionários são bem preparados<br />

e atendem aos pedidos da comunidade. Além disso, ela nos dá<br />

uma grande oportunidade para conhecer novos autores, novos livros, o<br />

que não seria possível para muitas pessoas antes de virem estudar aqui.<br />

Aluna do estado de Alagoas<br />

Os alunos ainda informam que a biblioteca possui um ambiente<br />

confortável para a leitura e o estudo, porém essa informação<br />

contrasta com um número expressivo de relatos sobre<br />

desrespeitos ao silêncio por parte de alguns alunos, devido<br />

a conversas em voz alta. Essa atitude estaria incomodando e<br />

atrapalhando a boa ambiência da biblioteca, conforme relato<br />

de uma aluna do estado do Rio Grande do Norte:<br />

A biblioteca possui um acervo ótimo para consultarmos, além de ser um<br />

ambiente bom para o estudo, porém muitos alunos não sabem respeitar<br />

o ambiente da biblioteca, fazendo barulho e conversando em um volume<br />

alto, o que atrapalha quem quer realmente estudar.<br />

Aluna do estado do Rio Grande do Norte<br />

Talvez o único problema enfrentado pelos alunos seja o relativo<br />

ao barulho. É importante ressaltar que esse incômodo relatado<br />

pelos alunos sugere que o barulho não é constante no<br />

período de funcionamento da biblioteca, já que eles também<br />

relatam que gostam de ler e estudar nesse local.<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

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O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

Esse deve ser um problema pontual, talvez justificado pela chegada<br />

de novos alunos em 2009, ou seja, os alunos do segundo ano<br />

podem estar sentindo mais essa diferença na ambiência da biblioteca,<br />

já que em 2008, quando estavam no primeiro ano, eram os<br />

únicos alunos da Escola SESC. A chegada dos novos alunos “dobrou”<br />

o corpo discente e “preencheu” mais os espaços da escola.<br />

É importante ressaltar também que alguns alunos informaram<br />

que esse problema já vem sendo solucionado, porém ainda<br />

não por completo. Essa é com certeza uma preocupação já que<br />

em 2010, com a chegada de novos alunos, a Escola SESC de<br />

Ensino Médio passaria a contar com turmas do primeiro ao<br />

terceiro ano e cerca de 500 alunos.<br />

Visando aprofundar algumas questões descritas anteriormente,<br />

foi perguntado aos alunos se eles concordavam totalmente,<br />

concordavam em termos, discordavam em termos ou discordavam<br />

totalmente da frase: tenho dificuldades para realizar<br />

pesquisas na biblioteca.<br />

A maior parte dos alunos pesquisados concorda em termos<br />

com a frase, representando 39,4% do total, não havendo grandes<br />

diferenças por sexo.<br />

Por região do Brasil, a maioria dos alunos também concorda<br />

em termos com a frase proposta, com exceção dos alunos<br />

da região Sul, que discordam totalmente. Isso pode indicar<br />

que esses alunos sentem menos dificuldades em realizar pesquisas<br />

na biblioteca que os alunos das outras regiões.<br />

Ao realizar pesquisas na biblioteca, alguns alunos relatam ter<br />

dificuldades em encontrar os livros na estante, apesar de identificarem<br />

ser um problema pessoal, já que a organização e a<br />

presteza dos funcionários da biblioteca foram muito citadas.<br />

O desrespeito ao silêncio voltou a ser descrito como um fator<br />

que dificulta a realização de pesquisas. Um número expressivo<br />

de alunos relata sentir-se incomodado com a “bagunça<br />

e o bate-papo”, atrapalhando a concentração de quem deseja<br />

pesquisar e estudar.<br />

Apesar dessa questão do barulho, os alunos também identificam<br />

que a biblioteca é uma excelente fonte de pesquisas, conforme<br />

descreve o aluno do estado do Tocantins:<br />

É um ambiente de muitas fontes de pesquisa, mas ainda não é um ambiente<br />

agradável para estudo.<br />

Aluno do estado do Tocantins<br />

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Porém, alguns alunos parecem não se incomodar com o barulho.<br />

A opinião de uma aluna do estado do Mato Grosso do Sul<br />

representa o pensamento de alguns alunos:<br />

Muitos alunos reclamam do barulho que às vezes acontece, porém eu<br />

não me incomodo. É um lugar de estudo coletivo aqui da escola, se<br />

quero fazer pesquisa, em silêncio, pego o livro e vou para o meu quarto.<br />

Aluna do estado do Mato Grosso do Sul<br />

Isso indica que a biblioteca também é vista como um espaço<br />

social, onde os alunos podem estudar juntos, o que não é<br />

possível nos quartos, uma vez que os prédios são separados<br />

por sexo e não é permitida a entrada de alunos do sexo<br />

oposto e até de turmas de outros anos, a não ser nas salas<br />

de convivência.<br />

Vida residencial<br />

Essa área engloba, de forma ampla, diversos aspectos da vida<br />

em comunidade da Escola SESC de Ensino Médio.<br />

Um dos serviços prestados pela área de vida residencial é o<br />

rodízio de mesas no almoço. A cada semana os alunos sentam<br />

com colegas e professores diferentes para almoçar, proporcionando<br />

a oportunidade de que todos se conheçam. Vale ressaltar<br />

que a escolha das mesas em outros horários é livre.<br />

Identificar o grau de satisfação dos alunos com o rodízio de<br />

mesas no almoço torna-se necessário a fim de realizar possíveis<br />

ajustes nesse tipo de serviço.<br />

A maioria dos alunos demonstra estar satisfeita ou muito satisfeita,<br />

representando 85,9% do total. Isso indica que o rodízio<br />

de almoço vem atingindo seu objetivo, conforme relatos das<br />

alunas dos estados do Piauí e do Rio Grande do Norte:<br />

Com o rodízio posso conhecer mais pessoas, fazer novas amizades,<br />

que eu provavelmente não faria, por causa da correria do dia a dia.<br />

Aluna do estado do Piauí<br />

Porque posso conhecer pessoas com as quais até então eu não conversava<br />

e também professores com os quais eu não tinha contato. É<br />

realmente um horário de socialização.<br />

Aluna do estado do Rio Grande do Norte<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

É quase uma unanimidade entre os alunos que o rodízio tem<br />

proporcionado conhecer pessoas diferentes, tanto outros alunos<br />

quanto professores.<br />

Porém, os alunos que estão insatisfeitos ou muito insatisfeitos<br />

com esse serviço apontam algumas falhas nesse sistema, como<br />

a demora dos professores para o início do almoço, eventualmente<br />

atrasando o início da tutoria, e as filas formadas pelo<br />

“congestionamento” de alunos.<br />

As frases dos alunos dos estados do Pará e do Mato Grosso<br />

do Sul resumem os fatores de insatisfação por parte de alguns<br />

alunos.<br />

Acho que os alunos perdem tempo demais esperando os professores<br />

e diretores chegarem (muito atrasados na maioria das vezes) e isso<br />

acaba causando um estresse, além da fila enorme.<br />

Aluno do estado do Pará<br />

Não há disponibilidade de tempo nem assuntos a serem discutidos com<br />

pessoas com as quais não se tem intimidade, e com pouco tempo não<br />

há espaço para o diálogo.<br />

Aluno do estado do Mato Grosso do Sul<br />

As informações reunidas indicam que alguns ajustes podem<br />

ser realizados no intuito de tornar o horário do almoço menos<br />

corrido e mais prazeroso, apesar de a grande maioria estar satisfeita<br />

com o sistema de rodízio.<br />

Outro serviço responsável pela área de vida residencial é<br />

a tutoria. Nela os professores ficam responsabilizados por<br />

acompanhar a vida do aluno na Escola SESC. Além de servir<br />

como um elo entre a família e a escola, os professores<br />

tutores acompanham de forma individualizada o processo<br />

educativo de um grupo restrito de 10 alunos, ao longo de<br />

todo o ano letivo.<br />

Com o objetivo de descobrir qual a visão da tutoria perante os<br />

alunos, foi solicitado que citassem três palavras que lhes ocorressem<br />

diante do termo indutor “tutoria da Escola SESC de Ensino<br />

Médio”. Algumas das palavras evocadas foram agrupadas<br />

em categorias, já que, apesar de serem diferentes, possuíam o<br />

mesmo sentido, como, por exemplo, familiar e família.<br />

Mesmo após essa operação de categorização, pôde-se distinguir<br />

um número expressivo de palavras com sentidos diferentes.<br />

Observamos alguns grupos de palavras, como família,<br />

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amizade, união e companheirismo. Essas palavras denotam o<br />

sentido de grupo, indicando que a tutoria reforça o conceito de<br />

comunidade e família na Escola SESC.<br />

O termo “tutoria” parece também associado a palavras que<br />

denotam o afeto, como, ajuda, conversa, auxílio, confiança e<br />

apoio. Isso indica que a tutoria tem servido como um espaço<br />

para discutir aspectos emocionais dos alunos.<br />

Apesar de a maior parte das palavras evocadas indicarem um<br />

sentido positivo atribuído ao termo indutor “tutoria”, algumas<br />

indicaram críticas à sua periodicidade. Vale lembrar que<br />

a tutoria acontece de segunda a sexta, com duração de 30 minutos,<br />

sempre após o almoço.<br />

Alguns alunos apontaram a tutoria como cansativa e desnecessária<br />

diariamente. Acredita-se que a palavra desnecessária<br />

não corresponda à ideia de que a tutoria não seja útil. Supõe-se<br />

que tal palavra tenha sido evocada apenas para questionar a<br />

necessidade de que a tutoria deva ser diária, conforme havia<br />

sido descrita por 7,1% dos alunos.<br />

Essas palavras contrastam com outras, como importante e necessária,<br />

sugerindo ser uma crítica pontual a alguns tutores.<br />

Sobre os dormitórios da Escola SESC, o seu funcionamento<br />

engloba organização, disciplina e limpeza. Distribuindo-se<br />

um por andar, os dormitórios possuem quartos com capacidade<br />

para três alunos e um apartamento destinado ao Responsável<br />

pelo Dormitório, ocupado por um professor que aí<br />

reside com sua família.<br />

Com o objetivo de garantir uma convivência bem-sucedida e<br />

produtiva entre os alunos nesse espaço, algumas regras se fazem<br />

necessárias, como uso adequado de equipamentos e instalações,<br />

telefonia, visitação, comparecimento e recolhimento<br />

nos dormitórios.<br />

Quanto ao grau de satisfação dos alunos com as regras de funcionamento<br />

dos dormitórios, 69,4% dos alunos demonstram<br />

estarem satisfeitos com elas, porém um número expressivo de<br />

alunos se mostrou insatisfeito ou muito insatisfeito com essas<br />

regras, representando 29,4%. Com o objetivo de confirmar algum<br />

tipo de alteração nessas regras, foi perguntado aos alunos<br />

se mudariam algo e 69% deles afirmaram que sim.<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

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O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

A questão da falta de autonomia para tomar algumas decisões<br />

incomoda uma parte dos alunos. Entre as mudanças que<br />

eles fariam e tiveram maior destaque estão: o horário de dormir<br />

para as 23h, o horário de entrada nos dormitórios, o sistema<br />

de monitoria, a abordagem por parte de alguns responsáveis<br />

pelo dormitório, a permissão para entrada nos quartos<br />

de alunos de outras turmas mas do mesmo sexo, tanto para<br />

estudo quanto para conversar, e a utilização da biblioteca à<br />

noite para estudar.<br />

As mudanças nas regras apontadas pelos alunos sugerem o<br />

desejo por uma maior autonomia por parte deles. Esse desejo<br />

é potencializado pelo fato de estarem em seu segundo ano na<br />

Escola SESC e já terem convivido mais tempo com as regras<br />

da escola.<br />

A seguir, dois relatos que expressam o pensamento de parte<br />

dos alunos:<br />

Ainda identifico falhas na comunicação entre os professores. Nas reuniões<br />

sempre são passadas novas regras que nem todos ficam sabendo. Isso<br />

dificulta a vida dos alunos.<br />

Aluna do estado do Piauí<br />

A instituição possui várias determinações importantes para a construção<br />

de um líder e cidadão consciente. Mas se nos formaremos, sobretudo,<br />

em pessoas autônomas, creio que em algum momento deve haver a<br />

decisão para pôr a autonomia em prática. Os horários de 20h30 a 22h<br />

devem ser de escolha do aluno. Administrar seus horários é um exemplo<br />

de autonomia.<br />

Aluno do estado de Goiás<br />

Os alunos ainda responderam sobre suas relações com seus responsáveis<br />

pelo dormitório. Observamos que a maioria tem uma<br />

relação boa ou muito boa com seu responsável pelo dormitório,<br />

representando 95,3% do total de alunos. Além disso, alunos do<br />

sexo masculino possuem uma relação melhor com seu responsável<br />

pelo dormitório do que os alunos do sexo feminino.<br />

É fato que regras são criadas para serem cumpridas e visam<br />

à harmonia da convivência entre alunos e professores, mas<br />

o expressivo grau de insatisfação aliado à sugestão de mudanças<br />

de regras indica que a forma como os dormitórios<br />

funcionam poderia ser revista, sem prejudicar a autonomia<br />

dos alunos.<br />

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Orientação educacional<br />

Entre as diversas atribuições da área de orientação educacional<br />

estão lidar com a relação aluno/professor e ajudar o aluno<br />

na adaptação do processo de transmissão do conhecimento da<br />

Escola SESC.<br />

Foi solicitado aos alunos que definissem o professor ideal e os<br />

resultados estão apresentados na tabela 3.<br />

Tabela 3 – Palavras que definem o professor ideal segundo<br />

os alunos da Escola SESC<br />

Palavras Alunos %<br />

Compreensivo 50 29,4<br />

Dinâmico 36 21,2<br />

Amigo 34 20,0<br />

Atencioso 34 20,0<br />

Paciente 29 17,1<br />

Divertido 16 9,4<br />

Responsável 14 8,2<br />

Inteligente 12 7,1<br />

Dedicado 9 5,3<br />

Comunicativo 8 4,7<br />

Fonte: Questionário da pesquisa.<br />

Segundo os alunos, o professor ideal reuniria características<br />

mais afetuosas, assim ele seria: compreensivo, amigo, atencioso<br />

e paciente.<br />

Características como dinâmico, divertido, responsável, inteligente,<br />

dedicado e comunicativo denotam a imagem de um<br />

professor mais “profissional”. Na visão dos alunos, um professor<br />

“afetuoso” viria na frente de um professor “profissional”,<br />

indicando que eles esperam encontrar professores afetuosos<br />

na forma de ensinar.<br />

A pesquisa interrogou aos alunos se a imagem do professor<br />

ideal por eles delineada corresponderia, também, à imagem<br />

dos professores da Escola SESC de Ensino Médio. Quando<br />

perguntados se consideravam que as palavras escolhidas<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

definiriam também o professor da Escola SESC, 58,2% dos alunos<br />

afirmaram que sim, 1,2% que não e 40,6%, “em termos”. Isso<br />

sugere que para alguns alunos o professor ideal está na Escola<br />

SESC, mas mesmo assim ainda existem professores que precisam<br />

melhorar em algumas características, principalmente nas que se<br />

referem às palavras mais citadas pelos alunos na tabela 3.<br />

Quanto ao grau de adaptação dos alunos ao processo de transmissão<br />

do conhecimento na Escola SESC, 59,4% relatam ter<br />

passado por uma adaptação fácil, porém os números são<br />

expressivos entre os que consideram essa adaptação difícil,<br />

representando 22,9%.<br />

Vale lembrar que a Escola SESC proporciona ao aluno uma<br />

metodologia de ensino voltada para a pesquisa e possui em<br />

seu corpo docente professores com mestrado e doutorado.<br />

Apesar de alguns alunos encontrarem dificuldades na adaptação<br />

ao processo de transmissão do conhecimento na Escola<br />

SESC, a grande maioria, 86,5%, consegue identificar que se estudasse<br />

em outra escola aprenderia menos.<br />

Por região, não foram identificadas grandes mudanças, com<br />

destaque para os alunos da região Nordeste, com 93,2% informando<br />

que aprenderiam menos. Esses números indicam que a<br />

Escola SESC é mesmo vista pelos alunos de todo o Brasil como<br />

uma escola diferenciada.<br />

Conclusão<br />

O presente artigo objetivou identificar e interpretar as percepções<br />

dos alunos em relação ao trabalho desenvolvido na Escola<br />

SESC de Ensino Médio, em suas dimensões pedagógicas,<br />

administrativa e comunitária.<br />

Uma vez aplicado o instrumento de coleta de dados, processados<br />

os mesmos e obtidas as informações que geraram as<br />

respectivas análises, chegou-se a algumas conclusões sobre o<br />

estudo realizado.<br />

De fato, os alunos do segundo ano da Escola SESC sentem-<br />

-se privilegiados pela oportunidade de estudar em uma escola<br />

que investe na boa formação humana e que quer se manter em<br />

constante processo de aperfeiçoamento. De forma geral estão<br />

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satisfeitos com os serviços oferecidos, porém apontam questões<br />

em torno das quais a Escola SESC pode melhorar.<br />

Uma delas diz respeito ao desejo dos alunos por uma maior<br />

autonomia, principalmente no que se refere à área de vida residencial.<br />

Regras são necessárias para uma boa convivência<br />

em qualquer sociedade, na Escola SESC não seria diferente.<br />

No entanto, algumas delas poderiam ser revistas ou mais bem<br />

executadas.<br />

O horário da noite parece ser o único momento em que os alunos,<br />

depois de um dia com muitas atividades educacionais,<br />

podem ter uma maior autonomia, mas um número expressivo<br />

de alunos parece se incomodar com a “falta de liberdade”, o<br />

que é típico do período da adolescência. A frase de uma aluna<br />

do estado do Ceará é capaz de refletir bem esse pensamento:<br />

Às vezes percebo que tomar demais o nosso tempo com atividades<br />

é bom, porém acabamos por quase não ter tempo livre, o que é algo<br />

necessário. Não tempo livre só por ter, mas para relaxar e desestressar<br />

tanto alunos quanto professores.<br />

Aluna do estado do Ceará<br />

Claro que algumas falhas são naturais, principalmente em<br />

uma escola tão ousada como a Escola SESC de Ensino Médio.<br />

Colocar em prática um projeto como esse em um país onde a<br />

educação pública de qualidade ainda é insuficiente, demanda<br />

tempo e dedicação de seus idealizadores.<br />

Lidar com adolescentes de diferentes culturas, vindos de todos<br />

os estados do Brasil e Distrito Federal não é fácil. Nessa<br />

idade, sair de casa é sempre uma mudança muito grande, mas<br />

eles contam com o apoio de professores, funcionários e, claro,<br />

de outros alunos.<br />

Experiências como essa promovida pelo SESC, embora pioneira<br />

no Brasil, são também observadas em outros países<br />

do primeiro mundo, como, por exemplo, na Irlanda, onde<br />

a maioria dos internatos com vagas para o Ensino Fundamental<br />

e Médio oferece residência em campus e família anfitriã.<br />

Lá, assim como na Escola SESC, além de oferecer as<br />

disciplinas habituais, há ênfase em artes e ofícios, música,<br />

esportes e atividades ao ar livre. Não é difícil imaginar o<br />

que representa para os alunos estudar em uma escola como<br />

a Escola SESC de Ensino Médio.<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

Apesar de ainda estar em fase de consolidação, a escola é muito<br />

querida pelos alunos pesquisados, conforme relato de uma<br />

aluna do estado do Rio de Janeiro:<br />

Aqui aprendemos coisas muito além da sala de aula, como autonomia,<br />

autoconfiança, ajuda aos outros e convívio em uma comunidade. Ensinamentos<br />

fundamentais para a vida inteira, com os quais não teria<br />

contato em minha antiga escola.<br />

Aluna do estado do Rio de Janeiro<br />

Como pudemos observar pelos resultados aqui expostos, a Escola<br />

SESC de Ensino Médio constitui uma experiência bem-<br />

-sucedida quanto ao propósito de oferecer uma alternativa<br />

educacional sintonizada com as teorias contemporâneas, as<br />

quais, sem negligenciar a preparação para o processo produtivo,<br />

salientam a necessidade de uma formação para a cidadania<br />

crítica e participativa, conferindo ênfase à formação ética. Fiéis<br />

à perspectiva teórica que situa o aluno no centro das discussões<br />

sobre os rumos da educação no país, procuramos avaliar<br />

o modelo seguido pelo SESC e constatamos que na perspectiva<br />

dos alunos esse modelo responde em boa medida aos requisitos<br />

fixados pela instituição, os quais se mostram plenamente<br />

aderentes ao admitido como desejável pela literatura atualmente<br />

produzida no campo educacional.<br />

Cabe aqui retomar as considerações de Schwartzman (1990),<br />

segundo as quais “o único caminho possível para uma política<br />

educacional para o país parece estar na descentralização radical<br />

da execução das tarefas educativas para os grupos e setores<br />

sociais que possam ser motivados a assumir esse trabalho”. O<br />

autor — que não exime o Estado da responsabilidade sobre as<br />

tarefas inalienáveis de “estímulo, acompanhamento, financiamento,<br />

definição de padrões e avaliação” — fornece amparo<br />

argumentativo para o desenvolvimento de iniciativas congêneres<br />

à que o SESC implementa na esfera da educação. O bom<br />

conceito conquistado pela Escola SESC de Ensino Médio entre<br />

os seus alunos, tal como demonstrado por essa pesquisa, constitui<br />

um sinal de que projetos dessa natureza implementados<br />

em larga escala possam ter um futuro promissor.<br />

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Anexo<br />

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alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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Referências<br />

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Educação integral. Brasília, DF,<br />

2009. (Série Mais educação).<br />

GARCIA, C. M. Formação de professores: para uma mudança educativa.<br />

Porto: Porto Ed., 1999.<br />

LIBÂNEO, J. C. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São<br />

Paulo: Cortez, 2007.<br />

PINHEIRO, R. M. Comportamento do consumidor e pesquisa de<br />

mercado. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.<br />

REGO, T. C. Memórias de escola: cultura escolar e constituição de<br />

singularidades. Petrópolis: Vozes, 2003.<br />

SCHWARTZMAN, S. Políticas públicas de educação. [S.l.: s.n.], 1990.<br />

Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/ipea.htm.<br />

STERNBERG, R. Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.<br />

O olhar de quem aprende: percepções dos<br />

alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio<br />

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Graduada em Educação Física e Esportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-<br />

-graduada em Marketing pela Escola Superior de Administração e Marketing. Mestre em<br />

Educação Física e Cultura, pela Universidade Gama Filho. Foi educadora esportiva do SESC<br />

Rio de Janeiro, no período entre 1985 e 1991. Participou no grupo de estudos “Sociedade<br />

Brasileira intepretada pelos seus clássicos”. Foi assessora técnica da equipe da Atividade<br />

Desenvolvimento Físico Esportivo, do Departamento Nacional do SESC, de 1992 a 2004. Atual-<br />

mente, é assessora técnica da Gerência de Estudos e Pesquisas do Departamento Nacional<br />

do SESC, participando do desenvolvimento de modelos e políticas no campo do lazer e da<br />

elaboração de normas e portarias, a exemplo das normas gerais de habilitação e da classifica-<br />

ção funcional programática. Participa do grupo de estudos GDT/DPD/DN sobre pensamento<br />

contemporâneo.<br />

MONICA DA SILVA CASTRO<br />

Reflexões sobre<br />

a relação entre<br />

exercício físicoesportivo,<br />

saúde<br />

e lazer 1<br />

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Introdução<br />

Com maior ênfase nas duas últimas décadas, as atividades<br />

físico-esportivas vêm se firmando como um dos marcantes<br />

fenômenos sociais do planeta. Tanto no contexto do esporte-<br />

-espetáculo, quanto no contexto das práticas dos exercícios físicos,<br />

percebe-se a atenção de diversos segmentos da sociedade<br />

nos campos das intervenções acadêmico-profissionais, na<br />

discussão e na definição de políticas públicas.<br />

Todo esse fenômeno parece traduzir a consolidação de valores<br />

que vêm permeando a prática de exercícios físicos, desde os<br />

tempos da Antiguidade (ELIAS, 1992; LOVISOLO, 2000, 2002;<br />

RUBIO, 2002). Valores esses que foram se afirmando na consciência<br />

coletiva 2 e que, em conformidade com o contexto histórico<br />

e cultural das sociedades, se revezam em importância e<br />

em ordem de prioridade, influenciando ideais e objetivos.<br />

De acordo com Elias (1992), as manifestações esportivas e<br />

corporais refletem o seu tempo e a forma na qual a sociedade<br />

está configurada, sua ordem social, o papel das instituições, as<br />

necessidades públicas e individuais e seus valores. Seguindo<br />

essa premissa, as práticas físico-esportivas no mundo moderno<br />

foram fortemente influenciadas pela instituição militar e médica,<br />

respondendo ao momento político, econômico e cultural<br />

da época. No Brasil, correspondeu ao movimento higienista, colaborando<br />

com corpos saudáveis, fortes e produtivos (SOARES,<br />

2001) e, posteriormente, à esportivização, incorporando o princípio<br />

do rendimento do mundo do trabalho e servindo à afirmação<br />

da nação (RESENDE; SOARES, 1996; BRACHT, 1999).<br />

Nos últimos anos, muitos dos estudos e das intervenções<br />

que destacam a importância da prática de exercício físico no<br />

tempo livre são motivados pela associação temática com a<br />

saúde na perspectiva biomédica (mais especificamente, com<br />

a prevenção de doenças crônico-degenerativas). Em contraponto,<br />

tem-se verificado um aumento gradativo de pesquisas<br />

e de publicações voltadas para a denúncia acerca da limitação<br />

dessa abordagem, desenvolvendo questões em torno de<br />

um entendimento da saúde ampliada, na qual se considera o<br />

contexto socioeconômico, ambiental e histórico-cultural de<br />

indivíduos e populações (CASTRO et al., 2009; ESPÍRITO<br />

SANTO; MOURÃO, 2004; FERREIRA; NAJAR, 2005; PALMA<br />

et al., 2006).<br />

1 Este texto tem origem na dissertação<br />

de mestrado da autora,<br />

Motivos que influenciam a<br />

adesão à prática de exercícios<br />

físicos, nos programas oferecidos<br />

pelo Serviço Social do<br />

Comércio (SESC) no Distrito<br />

Federal, defendida em 2006,<br />

no curso de pós-graduação<br />

em Educação Física, da Universidade<br />

Gama Filho, no Rio<br />

de Janeiro. O mestrado teve o<br />

apoio do Departamento Nacional<br />

do SESC, de acordo com<br />

sua política de capacitação de<br />

recursos humanos, e o levantamento<br />

de dados necessários<br />

à dissertação foi empreendido<br />

em parceria com o Departamento<br />

Regional do SESC, no<br />

Distrito Federal, destacando-<br />

-se a coordenação e a equipe<br />

de técnicos da Atividade DFE.<br />

2 A teoria da consciência coletiva<br />

foi desenvolvida por<br />

Durkheim, a partir da obra O<br />

suicídio (1897), como uma<br />

forma de teoria cultural. A<br />

consciência coletiva encontrada<br />

em todas as sociedades é<br />

formada pelas representações<br />

coletivas dos ideais, dos valores<br />

e dos sentimentos comuns<br />

a todos os seus indivíduos<br />

(CUCHE, 2002).<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

78<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

Com essas observações, o que se sugere é que, mesmo reconhecendo<br />

a saúde biomédica como um valor de forte apelo, entendida<br />

como um bem maior a ser conquistado, mantido, e até<br />

expandido no plano individual e coletivo, é questionável apontá-la<br />

como o principal benefício em propostas que impliquem<br />

intenções na busca do desenvolvimento humano e social.<br />

Este texto objetiva contribuir para concepções de políticas e<br />

programas de exercícios físicos, apresentando questões que<br />

operam na relação com a saúde de indivíduos e populações<br />

em duas dimensões que devem estar presentes nas intervenções:<br />

(i) o enfoque nos contextos sociais, culturais, econômicos e<br />

históricos de uma população, que devem ser considerados na<br />

busca de eficácia e efetividade das ações e (ii) estratégias que<br />

visem, para além dos benefícios biológicos, ao prazer da prática<br />

e aos aspectos da ludicidade, presentes no campo do<br />

lazer, que também parecem contribuir para o bem-estar e a<br />

saúde dos indivíduos, em uma perspectiva ampliada e de desenvolvimento<br />

humano.<br />

A metodologia foi baseada em uma argumentação de ideias, após<br />

apurado exame do tema, e respaldada em publicações e artigos<br />

científicos, conforme citados ao longo do texto.<br />

Relação entre atividade física e<br />

saúde: uma abordagem descritiva<br />

No processo civilizador da sociedade ocidental é possível encontrar<br />

forte influência da cultura grega. A crença de que atividade<br />

física faz bem à saúde, originária dos filósofos clássicos,<br />

é uma das construções valorativas difundidas de diferentes<br />

formas ao longo dos séculos.<br />

Obviamente, as concepções que eram atribuídas à saúde na<br />

Grécia Antiga e as que são adotadas na atualidade não compartilham<br />

do mesmo significado.<br />

Os médicos da Grécia Antiga eram filósofos naturais. Eles não<br />

tinham como objetivo apenas as questões relativas às doenças,<br />

uma vez que desejavam, igualmente, conhecer os mistérios do<br />

universo e compreender as relações entre homem e natureza.<br />

A partir de observações empíricas e de raciocínios lógicos, desenvolveram<br />

concepções e explicações de caráter naturalista<br />

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sobre as doenças. A doença, assim, era considerada um processo<br />

natural, em que a causa decorria da desarmonia entre<br />

homem e natureza. À medicina grega importava favorecer<br />

um modo de vida capaz de manter ao máximo o equilíbrio<br />

homem-natureza e a esse modo ideal de vida equilibravam-se<br />

a nutrição/excreção e exercício físico/descanso, embora, de<br />

fato, poucas pessoas pudessem seguir tal modo de vida. Nos<br />

ginásios, os programas de exercícios físicos eram destinados aos<br />

indivíduos considerados cidadãos, o que excluía mulheres e<br />

escravos (ROSEN, 1994).<br />

A ginástica e a música tinham como objetivos desenvolver<br />

vigor físico, coragem, sensibilidade e sabedoria. A associação<br />

das duas práticas (consideradas como duas artes) resultaria<br />

no equilíbrio e na harmonia da alma. No entanto, os que buscavam<br />

uma especialização extrema se distanciavam da perfeição.<br />

“Já notei que aqueles que se entregam unicamente à<br />

ginástica contraem demasiada rudeza e os que cultivam exclusivamente<br />

a música se tornam mais moles do que permitiria a<br />

decência” (PLATÃO, 2005, p. 121).<br />

De acordo com Elias (1992), a partir da proibição dos Jogos<br />

Olímpicos pelo imperador Teodósio, em 349 d.C., há uma imprecisão<br />

de registros históricos sobre a prática de exercícios<br />

físicos e de jogos. Cita que na Idade Média havia a prática de<br />

jogos de bola (durante festivais religiosos) e de jogos populares,<br />

mesmo com a desaprovação das autoridades. Existe a<br />

hipótese de que esses jogos tenham sido os precursores dos<br />

esportes modernos que nasceram entre os séculos XVIII e XIX.<br />

No entanto, essas práticas não eram formalmente instituídas;<br />

não apresentavam uma sistematicidade e nem deliberados objetivos<br />

pedagógicos, militares ou de saúde.<br />

Vale ressaltar que nos séculos que demarcaram esse período<br />

histórico, o universo do corpo era tido como lugar do pecado.<br />

Seu uso estava relacionado aos propósitos do vício e, assim,<br />

as expressões corporais deveriam ser comedidas (SCHIMITT,<br />

1995). A saúde e a cura estavam a critério de Deus, obedecendo<br />

a uma moral religiosa cristã, não sendo permitida uma intervenção<br />

humana e científica.<br />

Passando para os séculos XVIII e XIX, a Europa sofreu marcantes<br />

mudanças políticas, econômicas e sociais em decorrência<br />

do Iluminismo, da Revolução Francesa e da Revolução<br />

Industrial. No bojo dessas transformações, os movimentos<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

ginásticos e os esportes vieram responder à nova dinâmica social<br />

da época.<br />

Na Alemanha, na Dinamarca, na Suécia e na França foram desenvolvidos<br />

métodos ginásticos que também foram empregados<br />

como importantes meios político-econômicos voltados a<br />

forjar homens fortes e saudáveis, objetivando cultivar a disciplina<br />

e combater os inimigos e os invasores, considerando que<br />

esses países passavam por constantes disputas de territórios.<br />

Na Inglaterra, o processo foi um tanto diferente. A sua condição<br />

territorial, que favorecia a proteção de seu território contra<br />

os invasores, seu posicionamento econômico como líder do<br />

comércio exterior e o processo político de pacificação interna e<br />

de igualdade de oportunidades na ocupação do poder criaram<br />

um ambiente propício para o desenvolvimento dos esportes.<br />

A dinâmica dos jogos esportivos, com regras instituídas, rodízio<br />

entre vencedores e perdedores, entre outros aspectos,<br />

serviam como um caráter mimético da organização social pretendida.<br />

Além disso, as public schools atendiam aos objetivos<br />

de formação de líderes solidários na ação, de caráter forte e de<br />

iniciativa. Por outro lado, a ginástica, aplicada nas escolas primárias,<br />

visava formar os liderados bons operários e soldados,<br />

forjados na disciplina e nos efeitos fisiológicos da prática sistemática<br />

de exercícios físicos (BETTI, 1991; RUBIO, 2002).<br />

Para o puritanismo do século XIX,<br />

o esporte tinha que servir a uma finalidade racional: ao estabelecimento<br />

necessário à eficiência do corpo. Mas era suspeito como meio de expressão<br />

espontânea de impulsos indisciplinados e, enquanto servisse<br />

apenas como diversão ou para despertar o orgulho, os instintos, ou o<br />

prazer irracional do jogo era, evidentemente, estritamente condenado<br />

(WEBER, 1997, p. 120).<br />

Além da desconfiança puritana a respeito das distrações, a crença<br />

de que o cuidado pessoal com o corpo e com a própria saúde<br />

era uma forma de demonstrar a fé em Deus e assegurar a<br />

salvação da alma fez com que o exercício físico, a religião e<br />

a saúde formassem uma tríade em prol de um comportamento<br />

estoico e moralista cristão. Durante a segunda metade do<br />

século XIX, principalmente nos Estados Unidos,<br />

o pensamento da cristandade muscular era, ao mesmo tempo, um reordenamento<br />

do discurso religioso face à transformação das percepções<br />

científicas do corpo. [...] A medicina fez do movimento corporal um signo<br />

essencial de saúde, um modo fundamental de expressão da vida (COUR-<br />

TINE, 1995, p. 93).<br />

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Nesse período, a ética puritana serviu apropriadamente ao<br />

mundo do trabalho. O esporte e a ginástica demonstraram ter<br />

em comum o princípio do rendimento, envolvendo tanto os<br />

aspectos biológicos, com a potencialização das capacidades físicas,<br />

quanto os aspectos comportamentais, como hábitos regrados<br />

de vida, respeito às regras e às normas das competições. “Treinamento<br />

esportivo e ginástica promovem a aptidão e suas<br />

consequências: a saúde e a capacidade de trabalho/rendimento<br />

individual e social, objetivos da política do corpo” (BRACHT,<br />

1999, p. 74).<br />

No Brasil, entre os séculos XIX e XX, assiste-se à explosão populacional<br />

nos grandes centros urbanos que, aliada às más condições<br />

de trabalho, de infraestrutura e saneamento, de saúde<br />

e à vida desregrada, exigia uma ação sanitária assistencialista<br />

(ASSIS, 1998). A Educação Física, denominação mais moderna<br />

para os movimentos ginásticos, identifica-se com o movimento<br />

higienista adotado naquela época, no qual a preocupação<br />

em promover a aptidão física estava relacionada com objetivos<br />

de contribuir para uma adaptação dos indivíduos para os<br />

processos produtivos e a ordem social (BRACHT, 1999).<br />

Implícitos no conceito de higienização combinavam-se: “saúde<br />

e vigor dos corpos, reprodução e longevidade, aumento da<br />

população e melhoramento dos costumes e da moral” (CAR-<br />

VALHO, 2004, p. 21).<br />

De acordo com Breilh (1991), em 1927 foi fundado o Laboratório<br />

de Fadiga da Universidade de Harvard, na Escola de<br />

Administração, tendo como objetivo estudar o potencial produtivo<br />

e a possibilidade de “reparação” dos danos à saúde dos<br />

trabalhadores. Ressalte-se ainda que, segundo o mesmo autor,<br />

o laboratório foi criado em uma escola de negócios (business<br />

school ) e não em um centro de ciências biológicas, medicina<br />

ou saúde pública.<br />

No final dos anos 1950 e durante os anos 1960, foram iniciadas<br />

as pesquisas que aprofundaram o conhecimento sobre as reações<br />

do ser humano em condições de esforço físico, estimuladas<br />

pelos programas espaciais norte-americanos e soviéticos.<br />

Consequentemente, houve um grande desenvolvimento da<br />

fisiologia do esforço, que, posteriormente, adaptada aos programas<br />

de condicionamento físico, passa a ser chamada de fisiologia<br />

do exercício. “É essa época que dissemina os trabalhos<br />

de Morehouse, Cooper, Ästrand e tantos outros pesquisadores<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

na área da fisiologia aplicada às atividades físicas” (MOREIRA,<br />

1995, p. 82).<br />

Alguns autores advogam que, nesse período moderno, o rápido<br />

avanço do progresso trouxe uma nova configuração social.<br />

Considerando esse cenário, defendem que o desenvolvimento<br />

industrial e, posteriormente, o tecnológico resultaram em<br />

mais conforto e menos esforço físico. O crescimento urbano e a<br />

exploração imobiliária diminuíram as áreas livres, os avanços<br />

medicinais “venceram” ou controlaram várias doenças. Assim,<br />

o ser humano viu aumentar, gradativamente, sua expectativa<br />

de vida. Paradoxalmente, passou a experimentar novas formas<br />

de risco à saúde, resultando no aumento da incidência de<br />

doenças crônico-degenerativas (NAHAS, 2001).<br />

Vale destacar que, embora no Brasil a expectativa de vida também<br />

tenha avançado, a sociedade ainda vive realidades distintas<br />

de desenvolvimento e de composição do quadro nosológico<br />

das patologias, convivendo com doenças infectocontagiosas,<br />

em larga escala, e com doenças crônico-degenerativas, revelando<br />

as desigualdades e as iniquidades sociais existentes.<br />

Porém, foi com o avanço das taxas de morbidade e de mortalidade<br />

causadas pelas doenças crônico-degenerativas em todo<br />

o mundo que cresceram os investimentos em pesquisas com o<br />

propósito de identificar os fatores de risco que contribuem para<br />

essas doenças. Entre má alimentação, obesidade, fumo e estresse,<br />

o sedentarismo vem sendo apontado como um dos principais<br />

comportamentos de risco (BLAIR et al., 1989; BLAIR, 1995;<br />

HASKELL et al., 2007; PAFFENBARGER et al., 1993; SESSO et<br />

al., 2000; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002).<br />

Assim, a crença sobre os benefícios da prática adequada e sistemática<br />

de exercícios físicos para a saúde, herdada da Antiguidade<br />

(apesar das posições serem diferentes) e difundida por meio de<br />

constatações empíricas ao longo do tempo, vê-se, nas últimas décadas,<br />

reforçada e legitimada pelas evidências científicas, reforçando,<br />

dessa forma, o foco na saúde biomédica. O estilo de vida<br />

passa a ser o centro de muitas das preocupações acadêmicas e<br />

das políticas públicas do atual movimento pela saúde.<br />

Carvalho (2004) comenta que, entre as décadas de 1960 e de<br />

1980, foram elaborados documentos nacionais e internacionais<br />

que consolidaram a ideia da prática regular e sistematizada<br />

de exercícios físicos como meio indispensável à promoção<br />

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da saúde, destacando: “Manifesto Mundial do Esporte” (1964),<br />

“Carta Europeia de Esportes para Todos” (1966), “Manifesto<br />

Mundial de Educação Física” (1971), “Recomendações sobre<br />

Educação Física e Desportos aos estados membros da UNES-<br />

CO” (1976) e “Carta Internacional de Educação Física e Esporte”<br />

(1978). Cita, ainda, a campanha de adesão à prática permanente<br />

de atividade física, em âmbito nacional, desenvolvida pela<br />

Rede Globo de Televisão, em 1975, denominada “Mexa-se”; a<br />

implementação de laboratórios de pesquisa sobre aptidão física<br />

em vários cursos de Educação Física das universidades brasileiras<br />

nos anos 1970; e o aumento significativo de cursos de graduação<br />

em Educação Física (doze em 1960, noventa e dois na<br />

década de 1980, e, atualmente, já passam de seiscentos). 3<br />

Ainda na década de 1970, verificou-se o forte movimento internacional<br />

denominado Esporte para Todos, com o propósito<br />

de incentivar nos participantes a sua adesão aos programas de<br />

exercícios físicos que melhorassem a qualidade de vida, a saúde<br />

e o entretenimento (VALENTE, 1998).<br />

Mais recentemente, pode ser destacado o Programa Agita São<br />

Paulo, desenvolvido e difundido pelo Centro de Estudos do<br />

Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul, originalmente,<br />

em cidade homônima do interior paulista. Destaca-se,<br />

também, a proposta pedagógica Atividade Física Relacionada<br />

à Saúde, desenvolvida por Nahas et al.<br />

Diante dessas propostas, alguns autores, a exemplo de Bracht<br />

(1999), Carvalho (2004) e Lovisolo (2006), vêm apontando uma<br />

similaridade entre o movimento higienista e o atual movimento<br />

pela saúde. O que teria mudado é o entendimento da relação<br />

saúde-doença e as ideias dominantes ancoradas nos discursos<br />

de prevenção de doenças e comportamentos saudáveis versus<br />

comportamentos de risco.<br />

Lovisolo (2006) destaca que “(...) não há ruptura. Desde os<br />

gregos, pelo menos, a atividade física moderada é posta<br />

como conservadora, como saudável. Tudo indica que estamos<br />

diante de uma tradição velha e sólida em permanente<br />

refundamentação”.<br />

Portanto, o vínculo positivo entre atividade física e saúde vem<br />

respondendo, ao longo do tempo, às dinâmicas e às necessidades<br />

sociais de cada época. Atualmente esse vínculo parece que<br />

3 Não existem números precisos,<br />

pois as universidades gozam<br />

de autonomia para criação<br />

de novos cursos que só serão<br />

cadastrados oficialmente no<br />

momento do processo de reconhecimento.<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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84<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

foi apenas ressignificado ante as atuais demandas políticas,<br />

econômicas, sociais e culturais.<br />

Seja o ideal de saúde voltado ao homem equilibrado e perfeito<br />

(como na Grécia Antiga), seja o ideal que constrói um corpo vigoroso,<br />

combatente e de forte caráter (como nos séculos XVIII<br />

e XIX), seja o ideal de saúde que forja o homem de vida longa,<br />

apto e produtivo (a exemplo do movimento higienista e dos<br />

dias atuais), o movimento da saúde esteve sempre presente,<br />

tendo nas práticas de exercícios físicos um de seus mais fortes<br />

instrumentos de afirmação.<br />

Entendimentos sobre saúde e o papel<br />

dos programas de exercícios físicos<br />

A noção de saúde vem assumindo um valor universal e transcultural.<br />

Um sentido que se dá à vida, um bem maior a ser<br />

conquistado, mantido e expandido pelos indivíduos. Mas, concretamente,<br />

o que vem a ser saúde? Como, por intermédio do<br />

seu entendimento, podem ser delineadas linhas de pesquisa,<br />

políticas na área e intervenções?<br />

De acordo com Farinatti e Ferreira (2002), no curso da história<br />

o conceito de saúde se deu a partir do que não lhe corresponde:<br />

como ausência de doenças. Por sua vez, o conceito de doença<br />

estava vinculado a um desvio de padrão de normalidade para o<br />

funcionamento do corpo.<br />

O conceito de doença constituiu-se a partir de uma redução do corpo<br />

humano, pensado a partir de constantes morfológicas e funcionais, as<br />

quais se definem por intermédio de ciências como a anatomia e a fisiologia<br />

[...]. O corpo é, assim, desconectado de todo o conjunto de relações<br />

que constituem os significados da vida [...], desconsiderando-se<br />

que a prática médica entra em contato com homens e não apenas com<br />

seus órgãos e funções (CZERESNIA, 2003, p. 41).<br />

Canguilhem (2000), como um dos críticos das determinações<br />

normativas de saúde e de doença, baseadas em padrões e<br />

médias populacionais, postula que “o anormal não é necessariamente<br />

o patológico” (p. 106). A doença é uma espécie de<br />

norma biológica inevitável. O estado de boa saúde inalterado<br />

por toda a vida não tem como ser considerado algo normal.<br />

Um indivíduo é saudável quando tem capacidade de agir e reagir,<br />

adoecer e se recuperar. Dessa forma, “a doença não é uma<br />

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variação da dimensão da saúde; ela é uma nova dimensão da<br />

vida” (p. 149).<br />

Para além de uma visão centrada no indivíduo, algumas correntes<br />

de pensamento na área da saúde vinham demonstrando<br />

a necessidade de focar as discussões e as políticas públicas<br />

em questões mais amplas, estruturais e complexas que se configuravam<br />

como os determinantes da saúde de indivíduos e<br />

de coletividades.<br />

Farinatti e Ferreira (2002) citam que, diante das críticas que<br />

o conceito negativo da saúde (como ausência de doenças) vinha<br />

sofrendo — apontando o desequilíbrio da alocação de recursos<br />

focados em ações biomédicas e exigindo a focalização<br />

nos determinantes sociais de saúde —, a Organização Mundial<br />

de Saúde desenvolveu uma primeira tentativa, em escala<br />

global, de estabelecer uma definição mais ampliada: “Saúde é<br />

um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não<br />

consiste apenas da ausência de doenças ou de enfermidades”<br />

(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1947, p. 1). Nota-se, no<br />

entanto, que se por um lado esse conceito não facilita o entendimento<br />

do que seja um completo estado de bem-estar,<br />

devido ao caráter subjetivo que carrega, também continua<br />

mantendo uma forte relação entre saúde e doença.<br />

Enquanto a ciência optou pela redução, “colocando para si o<br />

desafio de alcançar o máximo da precisão e objetividade por<br />

meio da tradução dos acontecimentos em esquemas abstratos,<br />

calculáveis e demonstráveis” (CZERESNIA, 2003, p. 41),<br />

o fenômeno da saúde e do adoecer vem se apresentando de<br />

forma mais ampla e complexa. Como a forma pela qual a vida<br />

se manifesta, guardando dessa maneira uma singularidade e<br />

uma subjetividade.<br />

Na tendência de ampliar visões e ações em contraponto ao<br />

reducionismo biológico, alguns profissionais da área têm relacionado,<br />

frequentemente, o conceito de saúde com o de<br />

qualidade de vida, conforme postulado na Conferência Internacional<br />

sobre Promoção de Saúde, realizada em Ottawa, 1986<br />

(CZERESNIA, 2003; MINAYO et al., 2000).<br />

Entendendo qualidade de vida como um conceito polissêmico,<br />

Minayo et al. (2000) propõem sua divisão em duas esferas.<br />

À primeira, pode-se atribuir elementos não materiais e subjetivos<br />

como amor, liberdade, bem-estar, prazer, conforto,<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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86<br />

4 Nesse processo, recai sobre o<br />

indivíduo toda a responsabilidade<br />

sobre seu estado de saúde.<br />

A doença passa a ser uma<br />

punição, uma constatação de<br />

sua culpa por não ter feito as<br />

escolhas corretas e assumido<br />

um comportamento saudável.<br />

Acredita-se que basta o indivíduo<br />

”querer, escolher e agir”,<br />

o que, necessariamente, não<br />

leva em consideração as barreiras<br />

e os contextos sociocultural,<br />

econômico, histórico e<br />

ambiental onde está inserido.<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

inserção social, realização pessoal e felicidade. À segunda esfera<br />

podem-se atribuir elementos materiais e universais como<br />

alimentação, trabalho, renda, acesso à água potável, habitação,<br />

saúde, lazer, educação. Enfim, condições de vida que podem<br />

ser associadas aos direitos sociais estabelecidos constitucionalmente.<br />

Assim, além da determinação biológica e da capacidade individual<br />

de reagir às “infidelidades” do meio, fatores externos<br />

advindos das condições de vida e do contexto socioeconômico,<br />

cultural, histórico e ambiental podem influenciar a relação<br />

saúde-doença de indivíduos e de populações.<br />

Os problemas de saúde existentes atualmente e em todo o mundo estão<br />

relacionados às desigualdades sociais, aos problemas fundamentais<br />

de distribuição de renda. [...] A pobreza, a saúde e a educação,<br />

assim, se interrelacionam em uma rede de interações, onde os baixos<br />

salários, a má educação, a dieta pobre, a habitação e as condições de<br />

higiene insalubres e o vestuário inadequado se influenciam mutuamente<br />

(PALMA, 2001, p. 30).<br />

Na tentativa de operacionalização desses conceitos que apontam<br />

para uma visão ampliada de saúde, alguns setores adotaram estratégias<br />

de promoção da saúde, baseando-se em quatro determinantes:<br />

o estilo de vida; os avanços da biologia humana; o<br />

ambiente físico e social; e os serviços de saúde.<br />

No entanto, alguns enfoques adotados ainda são conservadores,<br />

apoiados em um questionável senso crítico dominante,<br />

centrados nos indivíduos (culpabilização da vítima), 4 de<br />

caráter preventivo, fundamentados em fatores biológicos<br />

e comportamentais. Esse enfoque é conservador porque desconsidera<br />

os contextos econômico, social, ambiental e cultural<br />

nos quais a relação saúde-doença de uma população é construída<br />

(ASSIS, 1998).<br />

Considerando argumentos mais progressistas da área, tratar<br />

de prevenção, mudanças de comportamento, estilo de vida<br />

saudável e fatores de risco, dissociados de políticas mais amplas<br />

no sentido do reequilíbrio das oportunidades concretas da<br />

vida, apontaria para enfoques conservadores e reducionistas,<br />

que demonstram não conseguir ultrapassar o discurso em prol<br />

da promoção da saúde com práticas correspondentes e adequadas.<br />

Isso significa comprometer resultados efetivos, principalmente<br />

em sociedades ainda marcadas por desigualdades<br />

e iniquidades sociais (a exemplo da sociedade brasileira), nas<br />

quais os indivíduos estão vulneráveis pela pouca autonomia<br />

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e capacidade para fazerem escolhas e pelo restrito acesso aos<br />

bens e serviços instituídos nos direitos constitucionais: saúde,<br />

educação, lazer, renda, moradia entre outros (CARVALHO,<br />

2004; MINAYO et al., 2000; PALMA, 2001; PALMA et al., 2003).<br />

Verificando essa discussão no campo dos estudos e das intervenções<br />

que evidenciam um vínculo positivo entre a prática<br />

regular e planejada de exercício físico e saúde, percebe-se<br />

uma concentração de interesses no enfoque biomédico. Os argumentos<br />

centram-se no estilo de vida fisicamente ativo, na<br />

discussão a respeito do nível de atividade física (incluindo-se<br />

aqui as atividades regulares do cotidiano dos indivíduos) da<br />

população, na intensidade ideal da prática de exercício físico<br />

para cada risco de doença, na diminuição da morbidade e<br />

da mortalidade, na melhoria da aptidão física, em mudanças<br />

morfológicas e fisiológicas etc.<br />

Existe uma redução do conceito de saúde à dimensão do corpo,<br />

no sentido da higidez corporal, denominada “higiomania”, e à<br />

valorização das ciências da saúde e da biologia. A higiomania<br />

é autonomista no sentido que entende estar a saúde ao alcance<br />

das pessoas, desde que todos sigam a norma correta de estilo<br />

de vida, adotem certos hábitos e evitem riscos sobre os quais<br />

são advertidos (NOGUEIRA, 2001, p. 64).<br />

Considerando o posicionamento crítico efetuado pelo autor, verifica-se<br />

que alguns dos programas de atividade física e saúde<br />

de maior projeção desenvolvidos atualmente no Brasil, a exemplo<br />

do programa Agita São Paulo, são focados no indivíduo,<br />

na prevenção de doenças crônico-degenerativas, no combate ao<br />

comportamento de risco e nos benefícios biológicos, sem apresentar<br />

explicações consistentes e/ou propostas que levem em<br />

consideração os determinantes sociais de saúde que, se negligenciados,<br />

podem funcionar como barreiras às práticas recomendadas,<br />

principalmente para as classes socioeconômicas<br />

menos favorecidas. É preciso lembrar que as ações centradas no<br />

estilo de vida individual podem ter um efeito positivo para a<br />

população que tem suas necessidades atendidas e condições de<br />

vida favoráveis. No entanto, essa estratégia pode não funcionar<br />

quando dirigida para grupos que enfrentam barreiras sociais<br />

e econômicas. O modo de olhar deveria concentrar-se, “não<br />

apenas nas causas biológicas, mas, antes, nas relações entre os<br />

indivíduos, grupos sociais, instituições, economia, política, cultura,<br />

entre outros” (PALMA, 2000, p. 98).<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

Em uma sociedade, como a brasileira, onde há níveis de pobreza,<br />

desigualdade e exclusão social em grande escala e que,<br />

consequentemente, tem questões estruturais a serem resolvidas,<br />

as intervenções que se limitam à adoção de um estilo de<br />

vida ativa, focadas apenas nas opções e soluções individuais,<br />

projetam resultados limitados em termos de abrangência e de<br />

impacto social. “Tudo parece indicar que é mais simples normalizar<br />

condutas do que transformar condições perversas de<br />

existência” (CAPONI, 2003, p. 64).<br />

Assim, algumas propostas de programas de atividades físicas<br />

e/ou de exercícios físicos relacionadas à saúde parecem<br />

querer convencer os indivíduos de que estarão mais imunes<br />

às doenças crônico-degenerativas no momento em que deixarem<br />

de ser sedentários e que adotarem um comportamento<br />

fisicamente ativo ao longo da vida. Contribui-se, dessa<br />

forma, mesmo que de forma involuntária, aos interesses de<br />

reduzir as responsabilidades públicas/institucionais na manifestação<br />

e no agravo dessas doenças. É sabido que a alta<br />

prevalência de desigualdades e iniquidades sociais determina<br />

a exposição às condições de vida estressantes e insalubres,<br />

a limitação das escolhas individuais e a dificuldade de acesso<br />

aos serviços de saúde.<br />

O que se pode concluir é que, diante dos conceitos de saúde<br />

ampliada e de promoção de saúde, as ações que se propõem<br />

a tratar de grandes populações por meio de exercícios fisicos<br />

e a obter resultados efetivos, têm de ser, no mínimo, articuladas<br />

a outros setores disciplinares e a políticas governamentais,<br />

responsáveis pelos espaços físicos, sociais e simbólicos<br />

(CZERESNIA, 2003).<br />

O campo do lazer contribuindo para<br />

a saúde ampliada nos programas de<br />

exercícios físicos<br />

Castellani Filho e Carvalho (2006) vêm alertando para a necessidade<br />

de superar a lógica, ainda hegemônica, que reduz<br />

as práticas corporais relacionadas à promoção da saúde a<br />

um caráter funcionalista de viés utilitário e compensatório,<br />

ressaltando que no campo do lazer tem-se um ambiente<br />

propício para explorar o potencial dessas práticas no sentido<br />

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de uma concepção ampliada de saúde — para além de objetivos<br />

fisiológicos.<br />

De uma forma geral, o discurso dominante (nos meios de comunicação,<br />

entre os especialistas da área e na maior parte da<br />

população) vem reforçando a crença de que a prática de exercícios<br />

físicos per si faz bem a saúde. Parece estabelecer também<br />

uma norma social que imputa nos indivíduos a necessidade de<br />

adesão aos programas de exercícios físicos. Ambas (a crença e a<br />

norma) pautadas em uma moral do apto versus o inapto; do<br />

forte (de corpo e de caráter) versus o fraco; do saudável versus<br />

o doente; do ativo versus o indolente (LOVISOLO, 2002).<br />

Nas sociedades atuais de características hedonistas, esse<br />

discurso passa uma mensagem ambígua: para alcançar o<br />

prazer, a vida boa e longa e a felicidade é necessário assumir<br />

atitudes estoicas, disciplinadas e de autocontrole, mesmo<br />

que pareça um comportamento paradoxal. “O exercício<br />

físico é uma alegria, mas também é um dever” (COURTINE,<br />

1995, p. 102). E, em muitos casos, parece ser mais dever,<br />

com poucos aspectos da ludicidade desenvolvidos intencionalmente<br />

nas intervenções.<br />

Assim, para quem segue esses ditames estoicos, a prática de<br />

exercícios físicos vinculados à saúde no tempo disponível<br />

pode estar se configurando mais em uma perspectiva de “antilazer”,<br />

objetivados para servir à lógica produtiva e medicalizante,<br />

do que ao gosto, ao prazer e à fruição. 5<br />

Autores questionam se não é necessário repensar a relação<br />

meio-fim entre a prática de exercício físico, aptidão física e<br />

saúde. Em vez de se forjar a saúde por meio do exercício físico/<br />

aptidão física, seria a saúde/aptidão física um meio de capacitar<br />

as pessoas para o desempenho de uma “atividade física que<br />

brinde prazer e bem-estar em cada indivíduo?” (MIRA, 2000,<br />

p. 74).<br />

O exercício físico não é meramente um estímulo biológico, mas um fenômeno<br />

complexo de dimensões múltiplas — biológicas, psicológicas, sociais<br />

e culturais [...]. Aspectos físicos, psicológicos, motivacionais, sociais,<br />

simbólicos etc. tudo se combina na expressão motriz. Portanto, desde o<br />

momento que o exercício físico está integrado por diversos aspectos<br />

— muitos deles impossíveis de serem quantificados — os critérios e<br />

indicadores fisiológicos que são utilizados para avaliar a sua eficácia<br />

nos processos de saúde/doença têm uma validade limitada (MIRA,<br />

2000, p. 64).<br />

5 Não se propõe uma generalização.<br />

Muitos grupos e<br />

programas de exercícios físicos<br />

dispõem de elementos<br />

lúdicos. A intenção nesse<br />

trabalho é alertar que diante<br />

de certas palavras de ordem,<br />

de métodos empregados nas<br />

intervenções e de atitudes de<br />

profissionais, a prática pode<br />

estar concentrando características<br />

extremamente utilitárias,<br />

com pouco ou nenhum espaço<br />

para o lúdico.<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

Ampliando a abordagem biomédica presente em muitos<br />

programas desenvolvidos, incorporando uma abordagem<br />

sociocultural na perspectiva do lazer, a prática de exercícios<br />

físicos pode contribuir para ganhos na saúde (no conceito ampliado<br />

de saúde/qualidade de vida) devidos, também, a tantos<br />

outros motivos além dos biológicos: o prazer, o estado de<br />

sentir-se bem, a autoestima, a autossatisfação, a autorrealização,<br />

a superação de desafios, a sociabilização etc.<br />

A presença da crença e dos interesses relacionados aos benefícios<br />

do exercício físico para a saúde biomédica é um forte<br />

indicador para o início da prática. Verificando os motivos<br />

apontados pelos indivíduos investigados em pesquisas sobre<br />

o ingresso em programas físico-esportivos (ALVES et al.,<br />

2007; ANDREOTTI; OKUMA, 2003; CASTRO et al., 2009;<br />

VIEIRA; FERREIRA, 2004), percebeu-se a prevalência do viés<br />

da saúde, por intermédio do aconselhamento médico e do<br />

desejo de evitar doenças como o principal motivo apontado.<br />

Esse fato demonstra que predominaram as razões de ordem<br />

normativa e utilitária.<br />

Porém, a indicação médica não figurou entre os aspectos<br />

mais importantes para justificar a manutenção dos indivíduos<br />

na prática de exercícios físicos (CASTRO et al., 2010). Esse<br />

resultado sugere que a ação normativa da prescrição médica,<br />

acerca da prática de exercícios físicos, visando à prevenção<br />

de doenças ou à recuperação da saúde, parece não figurar de<br />

forma preponderante para justificar a permanência dos indivíduos<br />

nas práticas de exercícios físicos. A sensação de se<br />

sentir bem, física e emocionalmente, e a diversão são apontadas<br />

no mesmo grupo de motivos principais, além do objetivo<br />

de prevenir doenças.<br />

Dessa forma, sugere-se que a manutenção da prática é justificada<br />

pela percepção dos indivíduos de que existe uma boa<br />

relação entre o que lhes é útil, atendendo seus objetivos utilitários<br />

e normativos imediatos, como a recomendação médica<br />

por exercícios físicos, e o que lhes dá satisfação, percebendo<br />

benefícios para o bem-estar, na perspectiva do prazer.<br />

Tomando por base a questão do tempo livre e as vivências que<br />

se dão nesse tempo, é preciso buscar o entendimento da lógica<br />

definidora de escolhas e comportamentos humanos. Para<br />

esse entendimento, a literatura aponta para três motivos definidores,<br />

defendendo que os indivíduos agem com base na<br />

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combinação complexa entre norma (legal ou social), utilidade<br />

e gosto (LOVISOLO, 1995).<br />

Dessa forma, não devem ser ignorados, em estratégias utilizadas<br />

em programas de exercícios físicos, os aspectos da ludicidade:<br />

desafio, conquista, criatividade, espontaneidade, possibilidades<br />

de singularização, trocas afetivas, prazer, diversão, entre outros,<br />

que se materializam significativamente nas atividades de<br />

lazer. Tais aspectos parecem colaborar para o desenvolvimento<br />

humano e para a saúde, em uma perspectiva ampliada, e<br />

para a permanência dos indivíduos nas rotinas de exercícios<br />

físicos, condição fundamental para os possíveis benefícios<br />

para saúde biológica.<br />

Conclusão<br />

As práticas sistematizadas de exercícios físicos tiveram sua<br />

origem em propostas pedagógicas orientadas para uma utilidade<br />

e funcionalidade que correspondessem aos valores e à<br />

ordem social vigente em cada período.<br />

Atualmente, observa-se a repetição de práticas que, mesmo<br />

sustentadas em discursos progressistas da promoção de saúde,<br />

ainda operam na lógica da produtividade, do desempenho<br />

e da eficiência biológica, centradas no estilo de vida.<br />

Esses argumentos apresentados ao longo do artigo não pretendem<br />

fazer uma apologia contra a saúde biomédica e as práticas<br />

relacionadas a esse fim. Nem pretendem diminuir o valor<br />

que os benefícios fisiológicos podem produzir aos indivíduos que<br />

aderem a um estilo de vida ativo. Mas destacam que existem<br />

mais desafios quando se pretende desenvolver políticas impactantes,<br />

objetivando a saúde de indivíduos e populações, na<br />

perspectiva do desenvolvimento humano e social.<br />

As reflexões apresentadas apontam para a necessidade de intermediar<br />

dois tipos de estratégias. A primeira, objetivando<br />

operar sobre coletividades, entendendo criticamente a relação<br />

doença versus saúde de populações, o contexto sobre o qual se<br />

insere e a necessidade de ações intersetoriais que contribuam<br />

para o impacto positivo que programas de exercícios físico-esportivos<br />

são capazes de provocar — quando inseridos em uma<br />

política pública mais abrangente. A segunda, que leve em<br />

conta os aspectos fundamentais para uma intervenção mais<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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92<br />

Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

ampliada sobre os indivíduos, na perspectiva da qualidade de<br />

vida, nas suas esferas objetivas e subjetivas, presentes tanto<br />

no campo biomédico quanto no campo do lazer, contribuindo,<br />

em conjunto, para os benefícios da saúde de indivíduos. Essas<br />

dimensões complexas de interações se constituem em desafio<br />

e condição para propostas e ações que busquem eficácia e efetividade<br />

no campo da saúde ampliada.<br />

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Reflexões sobre a relação entre exercício<br />

físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

94<br />

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físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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físico-esportivo, saúde e lazer<br />

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NOVEMBRO/FEVEREIRO SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO<br />

96<br />

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97


Assessor de cultura da Escola SESC de Ensino Médio, mestre em Bens Culturais e Projetos<br />

Sociais (FGV-RJ), MBA em Gestão Cultural (UCAM) e diretor teatral (UNIRIO).<br />

SIDNEI CRUZ<br />

Desenvolvimento<br />

cultural local:<br />

uma relação entre capital<br />

social e gestão cultural<br />

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Introdução<br />

O tema exige a exposição de uma questão básica: como potencializar<br />

as políticas culturais constitutivas de um Programa de<br />

Cultura, no sentido de contribuir para a regularização, fomento,<br />

distribuição e acesso de bens culturais para a coletividade<br />

em territórios culturais locais?<br />

Essa é uma questão que todo gestor cultural necessariamente<br />

elabora ao confrontar e relacionar desenvolvimento e cultura.<br />

Questões estratégicas de uma política cultural, como planejamento,<br />

programação, curadoria, diversidade, parceria, socialidade,<br />

afetividade e comunidade, são conjugadas em escalas<br />

variadas na perspectiva de perceber os graus de envolvimento<br />

e influência desses elementos para o desenvolvimento local.<br />

As questões citadas podem ser reunidas em dois grupos de<br />

ação: parceria, socialidade, afetividade e comunidade agrupam-se<br />

em torno do conceito de capital social; enquanto planejamento,<br />

programação, curadoria e diversidade podem ser<br />

agrupados em torno do conceito de Gestão Cultural.<br />

Capital social<br />

Foi a partir das discussões levantadas por volta dos anos<br />

1970/80 acerca da crise do Estado — com consequências para<br />

a acelerada retirada de cena dos investimentos sociais —, deixando<br />

para as organizações da sociedade civil a responsabilidade<br />

de cumprir metas como o combate à fome, à pobreza e<br />

à violência, que uma política de desenvolvimento com crescimento<br />

e distribuição menos desigual de riqueza material alcançou<br />

maior visibilidade. Desse modo, criou-se um ambiente<br />

para a entrada em cena do Banco Mundial, na década de 1990,<br />

com suas ações e preocupações com a expansão da pobreza,<br />

principalmente na África, Ásia e América Latina, distinguindo<br />

a necessidade de conjugar quatro formas de capital: capital natural,<br />

capital financeiro, capital humano e capital social.1<br />

Nesse período, surgem organizações sociais não governamentais<br />

(ONGs) para o desenvolvimento, atuando no “contexto<br />

dos processos de mobilização e luta dos setores excluídos”,<br />

cujo salto qualitativo pode ser percebido a partir do Fórum<br />

Social Mundial de Porto Alegre, em 2002, quando constatamos<br />

1 O capital natural diz respeito<br />

aos recursos naturais, o capital<br />

financeiro se expressa em<br />

infraestrutura, bens de capital<br />

e imobiliário; o capital humano<br />

é definido pelos graus de<br />

saúde, educação e nutrição<br />

de um povo e o capital social<br />

refere-se à capacidade de uma<br />

sociedade de estabelecer laços<br />

de confiança interpessoal e redes<br />

de cooperação com vistas<br />

à produção de bens coletivos<br />

(D’ARAUJO, 2003, p. 9-10).<br />

Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

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Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

o surgimento de conceitos mais complexos como o de uma<br />

“sociedade civil transnacional”,<br />

entendida fundamentalmente como uma malha de redes de atividades<br />

organizadas por grupos ou indivíduos que, sem serem partes das empresas<br />

ou do governo, procuram influir ou melhorar a sociedade mediante<br />

nossos serviços, nossas ações e, sobretudo, nossa mobilização<br />

(BALÓN, 2002, p. 125).<br />

O pensamento social progressista alojado nas organizações da<br />

sociedade civil ganhou notoriedade, sobretudo pela inserção,<br />

vinculação e transformação do conceito de capital humano em<br />

capital social. O bem-estar dos membros de uma comunidade<br />

passou a ser um problema de fundo das democracias e do<br />

mundo desenvolvido. Uma ética do desenvolvimento não poderá<br />

ser alcançada e praticada “sem uma população bem preparada<br />

e saudável, e sem cultura, confiança mútua e valores<br />

éticos” (KLIKSBERG, 2003, p. 192), o que significa dizer que<br />

sem políticas públicas vigorosas voltadas para o social os resultados<br />

econômicos alcançados serão vantajosos apenas para<br />

uma pequena parcela da sociedade.<br />

O desenvolvimento econômico ético necessariamente deve andar<br />

acompanhado pelo desenvolvimento social, para que possibilite<br />

a produção de um capital humano qualificado que seja<br />

capaz não só de produzir mercadorias, mas, principalmente,<br />

produzir valores intangíveis que articularão os princípios de<br />

um possível mundo melhor para o convívio dos homens.<br />

A mobilização engendrada pelo capital humano qualificado é<br />

convertida em “identidade cívica” ou capital social. O significado<br />

básico da virtude cívica parece residir em “um reconhecimento<br />

e uma busca perseverante do bem público à custa de<br />

todo interesse puramente individual e particular” (PUTNAM,<br />

2006, p. 101). Portanto, capital social é um bem público de todos<br />

e para todos e seus resultados são necessariamente coletivos.<br />

Maior presença de capital social permite maior aproveitamento<br />

das oportunidades geradas pelo desenvolvimento.<br />

O desenvolvimento de uma coletividade é possível somente<br />

a partir da construção de valores básicos como confiança,<br />

solidariedade, ética, tolerância e respeito à diversidade. São<br />

atitudes culturais tecidas em longo prazo no convívio comunitário<br />

das relações interpessoais e, também, institucionais. Esses<br />

valores são formas de capital social, são recursos morais que<br />

aumentam com o uso, em vez de diminuir. A confiança é um<br />

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valor básico componente do capital social, derivando, segundo<br />

Putnam, de duas fontes: regras de reciprocidade e sistemas<br />

de participação cívica. Na sua importante pesquisa sobre<br />

a ação cívica nas regiões da Itália, Putnam afirma:<br />

A confiança promove a cooperação. Quanto mais elevado o nível de<br />

confiança em uma comunidade, maior a probabilidade de haver cooperação.<br />

E a própria cooperação gera a confiança. A progressiva acumulação<br />

de capital social é uma das principais responsáveis pelos círculos virtuosos<br />

da Itália cívica (PUTNAM, 2006, p. 180).<br />

Por acreditar que o fomento dessas atitudes deve estar na pauta<br />

básica das instituições que lidam com o desenvolvimento<br />

humano e, portanto, de todo e qualquer espaço educativo,<br />

formal e informal, achamos imprescindível que uma política<br />

ou programa de cultura tenha como horizonte a educação dos<br />

sentidos de seu público. A educação deve englobar as noções<br />

de comunidade e coletividade e do apuro da convivência das<br />

diferenças e do relacionamento em sociedades complexas. O<br />

associativismo e outras formas de participação coletiva sedimentam<br />

valores no processo de formação de uma consciência<br />

de cidadania democrática.<br />

Os sistemas de participação cívica remetem à atuação em vários tipos<br />

de associações, voluntárias ou não, como corais, associações comunitárias<br />

de bairro, clubes de esportes, grupos de lazer, grupos de<br />

arte, partidos políticos, sindicatos, cineclubes, cooperativas, clubes<br />

de música, entre outros. Tudo isso representa uma ampla gama de<br />

possibilidades de cooperação horizontal. São participações em que<br />

cada um tem um grau de pertencimento e de importância relativamente<br />

igual e que possibilitam melhor informação, promovem as<br />

regras de reciprocidade, aumentam os custos potenciais de transgressão,<br />

redimensionam a confiança e possibilitam futuras colaborações<br />

(D’ARAÚJO, 2003, p. 19).<br />

Um exemplo de articulação entre o local (território de pouso)<br />

e o nacional (território flutuante) é a experiência das<br />

aldeias, desenvolvidas pelos Departamentos Regionais<br />

do SESC e que estão associadas aos circuitos nacionais de<br />

grupos de artes cênicas que compõem a programação do<br />

projeto Palco Giratório (CRUZ, 2009). As aldeias atuam no<br />

fomento ao direito democrático de acesso à cultura para<br />

todos, situando a gestão cultural como meio de desenvolvimento.<br />

Vinculam programação cultural e distribuição de<br />

bens culturais com caráter público e coletivo, utilizando a<br />

capilaridade federativa do SESC para ajustar ações nacionais<br />

com ações locais.<br />

Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

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Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

Ações culturais dessa natureza são guiadas por objetivos claros<br />

de criação de oportunidades para o público, que vão além<br />

do conforto de oferecer espetáculos e atividades para a fruição<br />

estética. Pois, na sua continuidade e permanência, colaboram<br />

para a formação de ambientes favoráveis à socialidade ou à<br />

“solidariedade de base que une aqueles que habitam em um<br />

mesmo lugar” (MAFFESOLI, 2001b, p. 80), ao estar junto, na<br />

vida comunitária, contribuindo para o desenvolvimento das<br />

dimensões criativas da vida.<br />

Nosso entendimento é o de que uma ação cultural local — sistematicamente<br />

desenvolvida a partir de um plano estratégico<br />

de longo prazo, aliando programas, projetos e atividades regularizadas<br />

— pode possibilitar o desenvolvimento e a criação<br />

de oportunidades para a comunidade. Para tanto, devemos<br />

levar em conta certos valores importantes para o desenvolvimento<br />

das dimensões criativas da vida, como confiança, solidariedade,<br />

ética, tolerância e respeito à diversidade. Esses<br />

valores, agenciados pela vida em comum de grupos ou comunidades,<br />

formam um capital social.<br />

Gestão cultural<br />

No Brasil, a organização da cultura como ação política de administração<br />

pública possui como marco os anos 1930, a partir<br />

da industrialização e da urbanização, quando se inicia o<br />

processo de viabilização de um mercado de bens simbólicos,<br />

passando a cultura a ser entendida como “negócio oficial”<br />

(MICELI, 1979, p. 131).<br />

À frente das ações pioneiras está Mário de Andrade, convocado<br />

por Gustavo Capanema, que contava com um seleto grupo<br />

de colaboradores no Ministério de Educação e Saúde. Na<br />

verdade, apesar das políticas culturais geradas pelas ações de<br />

Mário, Capanema e colaboradores, ainda assim, “não se pode<br />

afirmar o desenvolvimento de uma tradição de atenção e mesmo<br />

de formação na área da gestão cultural. Esse descuido das<br />

políticas culturais inibiu a valorização da gestão, seu reconhecimento<br />

e a consequente circulação entre nós da noção de gestão<br />

cultural” (RUBIM, 2007, p. 18).<br />

Entre o fim do Estado Novo, em 1945, e o golpe militar de 1964,<br />

o Brasil atravessou uma fase de crescente criatividade artística;<br />

mas predominantemente amadorística no que diz respeito à<br />

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especialização e à profissionalização da administração da cultura,<br />

apresentando um incipiente cenário de desenvolvimento<br />

da indústria cultural nacional:<br />

Se os anos 40 e 50 podem ser considerados como momentos de incipiência<br />

de uma sociedade de consumo, as décadas de 60 e 70 se definem<br />

pela consolidação de um mercado de bens culturais. [...] O movimento<br />

cultural pós-64 se caracteriza por duas vertentes que não são excludentes:<br />

por um lado se define pela repressão ideológica e política; por outro,<br />

é um momento da história brasileira onde mais são produzidos e difundidos<br />

os bens culturais. Isso se deve ao fato de ser o próprio Estado autoritário<br />

o promotor do desenvolvimento capitalista na sua forma mais avançada<br />

(ORTI Z, 1991, p. 113-115).<br />

A análise de Ortiz considera que no longo período da ditadura<br />

militar (1964/1985) se deu a criação de importantes instrumentos<br />

e instituições para o desenvolvimento da cultura no<br />

país; como, por exemplo, o Conselho Federal de Cultura (1966),<br />

o Plano Nacional de Cultura (1975), o Centro de Referência<br />

Cultural (1975), a Fundação Nacional de Artes (1975), o Conselho<br />

Nacional de Cinema (1976), a Radiobrás (1976) e a Fundação<br />

Pró-memória (1979). Ao mesmo tempo, não podemos<br />

esquecer a revolução comportamental que explodiu em todos<br />

os cantos do planeta nas décadas de 1960 e 1970. As pequenas<br />

e grandes cidades de países e culturas diversas foram ocupadas<br />

pela onda de comunidades jovens psicodélicas, hippies,<br />

alternativas, moléculas de uma contracultura dispostas a fazer<br />

ruir as estruturas de base do sistema capitalista. Uma explosão<br />

cultural fomentada por artistas, grupos e coletivos dispostos a<br />

romper com os modelos de arte e produção cultural vigentes.<br />

Novos artistas, novas ações culturais, novas formas de envolvimento<br />

com o público, novos modos de produzir e distribuir<br />

bens culturais.<br />

No Brasil, mesmo durante a ditadura militar, durante as<br />

décadas de 1960 e 1970, tanto as guerrilhas urbanas quanto<br />

os movimentos culturais organizados e “desorganizados”<br />

da sociedade civil colaboram para a disseminação de novos<br />

modos de agir e produzir cultura. O aparelhamento cultural<br />

oficial, de Estado e o não oficial e, também, aquele de caráter<br />

estritamente marginal colaboraram para o surgimento de<br />

agentes culturais oriundos das mais diversas áreas de conhecimento,<br />

mobilizados por uma infinidade de utopias e filosofias<br />

libertárias, dispostos a dar conta das diversas demandas do<br />

novo mercado de bens culturais, disseminando, assim, os alicerces<br />

de uma nova profissão: o produtor cultural.<br />

Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

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Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

Talvez, premidos pela emergência da práxis, os emergentes<br />

produtores culturais tenham inscrito e legado para as gerações<br />

posteriores algumas involuntárias confusões no que<br />

diz respeito às funções e atribuições desse novo campo profissional.<br />

A urgência histórica do fazer cultural nos anos 1970 e<br />

1980, com forte tendência para o autodidatismo, deu prioridade<br />

à prática em detrimento da reflexão crítica, causando uma<br />

ausência de definição e delimitação das noções de produção e<br />

gestão. Nesse período, predominou o uso da noção de produção<br />

cultural em detrimento da noção de gestão cultural, diferentemente<br />

do que ocorre em inúmeros outros países (RUBIM,<br />

2007b, p. 18). A noção de produção está ligada à viabilização<br />

de meios para a realização de produtos culturais, à captação de<br />

recursos, à estruturação de logísticas, às demandas de distribuição<br />

e consumo do mercado cultural, enquanto a noção de<br />

gestão está relacionada às demandas da acessibilidade, à educação<br />

dos sentidos e à cidadania cultural.<br />

A partir da década de 1980, um campo de trabalho se abre na<br />

relação entre escola e comunidade, entre educação e cultura.<br />

Na esteira de experiências realizadas nas bibliotecas francesas<br />

em 1975 e nos museus cubanos em 1987, surge a figura do animador<br />

cultural que, no Brasil, ganha repercussão a partir da<br />

proposta de Animação Cultural nos CIEPS — Centros Integrados<br />

de Educação Pública, criados por Darcy Ribeiro, durante o<br />

governo Brizola (1983/86), no Rio de Janeiro. Egressos de grupos<br />

de teatro, de associações comunitárias, da arte-educação, de<br />

grupos de poesia, das artes plásticas, de grupos musicais,<br />

de grêmios estudantis, de centros acadêmicos universitários, de<br />

cooperativas de artesanato e de grupos de cultura popular, formam<br />

uma nova classe de profissionais: a do animador cultural<br />

(RIBEIRO, 1997, p. 15).<br />

A partir da criação do Ministério da Cultura, em 1985, as políticas<br />

do Estado para a cultura começaram a ser delineadas.<br />

Em 1986 foi criada a Lei Sarney de incentivos fiscais para a<br />

cultura e, em1988, promulgada a nova constituição brasileira.<br />

Na seção dedicada à cultura, a constituição diz que “a lei<br />

estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de<br />

bens e valores culturais” (OLIVEIRA, 1995, p. 98). Estava aberto<br />

o canal para as leis de incentivo baseadas na renúncia fiscal.<br />

Uma nova leva de promotores, produtores e captadores agem<br />

como intermediários entre os mecanismos de investimentos e<br />

os criadores, dinamizando o cenário dos anos 1990.<br />

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A nova década é marcada como um período de transição para<br />

os profissionais da cultura; de um lado estavam os que atuavam<br />

com base no autodidatismo e do outro, aqueles que buscavam<br />

uma formação profissional específica. Há uma expansão<br />

de oportunidades no mercado cultural e novos olhares<br />

conceituais eram exigidos para reposicionamentos da práxis<br />

cultural. A tensão entre o público e o privado se amplia e a<br />

globalização domina todos os setores da vida, impondo ma<br />

dinâmica de acesso, distribuição e consumo inteiramente novos<br />

e desiguais, criando confrontos entre as escalas locais,<br />

regionais, nacionais e globais. Uma década de construção de<br />

trajetórias e perfis profissionais, de trocas de experiências nacionais<br />

e internacionais, de encontros e debates sobre política<br />

cultural, sistemas de financiamentos, marketing cultural<br />

e conceitos operacionais para a ação cultural, permitindo “a<br />

construção de referências coletivas, identificando um campo<br />

comum de atuação profissional” (CUNHA, 2007, p. 149).<br />

Logo no início da década, uma importante experiência foi desenvolvida<br />

pela prefeitura de São Paulo, na gestão de Luiza<br />

Erundina (1989-1992), com Marilena Chauí à frente da Secretaria<br />

Municipal de Cultura, introduzindo na práxis da política<br />

pública as noções de Cidadania Cultural e Direito à Cultura,<br />

elevando a discussão sobre as interseções entre cultura e capital<br />

social, deslocando a ação cultural do espaço exclusivamente<br />

mercadológico para o território dos direitos sociais.<br />

Após a passagem do furacão do governo Collor, fazendo uma<br />

devassa na área cultural do Estado e, em seguida, durante o<br />

primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso<br />

(1995-1999), o Governo Federal reduziu o nível dos investimentos<br />

públicos na área da cultura na gestão do ministro<br />

Francisco Weffort, inaugurando abertamente a época da privatização<br />

cultural, delegando às empresas o papel e o poder<br />

de decisão sobre os rumos da produção cultural no país. É a<br />

época da “Cultura é um bom negócio”. Situação que perdurou<br />

durante o segundo mandato de FHC, só ocorrendo mudanças<br />

substanciais a partir do governo do presidente Lula.<br />

De fato, é no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio<br />

Lula da Silva (2003-2006), que o Ministério da Cultura, na<br />

gestão de Gilberto Gil, realiza a 1ª Conferência Nacional de<br />

Cultura (2005), etapa fundamental para a elaboração do Plano<br />

Nacional de Cultura. Segundo o previsto na Emenda Constitucional,<br />

o Plano Nacional de Cultura deve conduzir à:<br />

Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

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Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

I. defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;<br />

II. produção, promoção e difusão de bens culturais;<br />

II. formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas<br />

múltiplas dimensões;<br />

IV. democratização do acesso aos bens da cultura;<br />

V. valorização da diversidade étnica e regional.<br />

(...) Foram propostos cinco eixos para a discussão, em torno dos quais<br />

se elaboraram propostas de diretrizes para o Plano Nacional de Cultura.<br />

Os eixos eram os seguintes: 1.Gestão Pública e Cultura; 2. Cultura é<br />

Direito e Cidadania; 3. Economia da Cultura; 4. Patrimônio Cultural e 5.<br />

Comunicação é Cultura.<br />

Os seminários setoriais foram organizados pelo MinC com a<br />

participação da Comissão de Educação e Cultura dos Vereadores,<br />

com apoio do Sistema S (SESC, SESI, SENAI e SENAC)<br />

e das administrações municipais das cinco cidades (Londrina,<br />

Juiz de Fora, Petrolina, Juazeiro, Manaus e Cuiabá) que foram<br />

escolhidas para sediá-los (CALABRE, 2008, p. 118).<br />

A partir da Emenda Constitucional que instituiu o Plano Nacional<br />

de Cultura, ganha destaque a necessidade de formação<br />

de pessoal qualificado para a gestão da cultura. Para isso, se<br />

tornam eixos estratégicos da ação pública discutir e orientar a<br />

cultura como direito e cidadania e implementar o desenvolvimento<br />

e a autonomia da economia e da gestão da cultura.<br />

Nesse momento é exigido do profissional da Gestão Cultural<br />

um posicionamento diverso daquele que normalmente se<br />

identifica com o do produtor cultural. O produtor organiza<br />

projetos específicos e descontinuados no tempo, o gestor planeja<br />

e realiza projetos permanentes de cultura. O gestor cultural<br />

articula e compatibiliza instrumentos gerenciais, recursos<br />

técnicos especializados, programas, ações, projetos e atividades,<br />

com vistas a alcançar uma eficácia nas relações entre<br />

instituições, investimentos, eventos e consumidores de bens<br />

culturais. São saberes e poderes construídos, verificados e<br />

acumulados em décadas de militância entre a prática e a reflexão<br />

permanente. É a conclusão a que chega Maria Helena<br />

Cunha, em sua pesquisa com diversas gerações de produtores<br />

e gestores culturais.<br />

Os gestores culturais afirmaram no decorrer de suas entrevistas que é<br />

preciso entender determinados saberes específicos para atuar como<br />

gestor cultural. Mas, mais do que isso, eles continuam dizendo que é<br />

preciso ter capacidade de interferir no discurso das políticas públicas<br />

de cultura; definir os caminhos junto com o artista; gostar de resolver<br />

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problemas; discutir os processos de produção; dominar ferramentas da<br />

administração; planejar; elaborar projetos; criar mecanismos de controle;<br />

buscar conhecimento sobre as áreas afins e correlatas; ter visão<br />

mais macro da sociedade onde atuam; saber decidir a todo momento;<br />

fazer necessariamente essa ponte entre o artista, a iniciativa privada e o<br />

Poder Público (CUNHA, 2007, p. 178).<br />

A gestão cultural pressupõe uma elaboração sistemática e<br />

regularizada de atividades multidisciplinares e uma eficiente<br />

conjugação de recursos físicos, humanos e financeiros, que<br />

requer tanto a arte da estratégia de programação quanto da<br />

logística. A operação envolve diversos fatores, como contextos locais,<br />

segmentos sociais, entre outros. Pois<br />

entende-se que a gestão cultural deverá estabelecer uma relação entre<br />

as questões artísticas e culturais associadas aos conhecimentos sociológicos,<br />

antropológicos e políticos, bem como aos conhecimentos<br />

técnicos da comunicação, economia, administração e direito, aplicados à<br />

esfera cultural (CUNHA, 2007, p. 125).<br />

Nessa dimensão, a gestão cultural visa tomar consciência da<br />

importância do seu papel social no processo de construção<br />

de políticas para a ação cultural na perspectiva de desenvolvimento<br />

do ser humano, reconhecendo na diversidade cultural<br />

uma dinâmica intercultural complexa que vai além da<br />

ingenuidade contábil de variedades e que se desenvolve pelo<br />

conflito das lutas pelas diferenças, preparando um campo<br />

“para compreender a complexidade de sua contribuição para<br />

a elaboração do mundo” (BERNARD, 2005, p. 77).<br />

O gestor cultural é aquele profissional que articula e compatibiliza<br />

ferramentas gerenciais, recursos técnicos especializados,<br />

programas, ações, projetos e atividades, visando alcançar uma<br />

eficácia nas relações entre instituições, investimentos, eventos<br />

e consumidores de bens culturais. Nesse sentido, o gestor cultural<br />

possui a responsabilidade social de construir a ponte entre<br />

as políticas culturais, seus meios de execução e as diversas<br />

assembleias de espectadores (GUÉNOUN, 2003). A gestão cultural<br />

é práxis, prática e reflexão, ação e pensamento, reação e<br />

reflexão, fazer e refazer, em uma cadeia sucessiva de tentativas<br />

e erros, consertos e experimentos. A gestão da cultura pressupõe<br />

um movimento contínuo e sistemático de qualificação do<br />

volume de informações disponíveis na sociedade (CALABRE,<br />

2009, p. 7).<br />

Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

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Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

Desenvolvimento cultural<br />

A noção de desenvolvimento, embora predominantemente<br />

originária da economia, não se restringe a esse campo. Importantes<br />

autores consideram que a noção de desenvolvimento<br />

apresenta outras dimensões, como a social, a política, a ambiental,<br />

a territorial, a institucional e a tecnológica. Essas dimensões<br />

configuram relações dinâmicas entre si e, ao mesmo<br />

tempo, mantêm, cada qual, sua autonomia. Pois “o desenvolvimento<br />

é o processo de mudança em virtude do qual uma<br />

coletividade tem acesso em conjunto a um bem-estar maior”<br />

(HERMET, 2002, p. 20).<br />

Entre os anos de 1964 e 1980 há o período em que a produção<br />

e a circulação de bens culturais, associadas à inovação tecnológica,<br />

passaram a ser regidas pela lógica do mercado. Ocorreu,<br />

então, o fenômeno da crescente massificação da produção,<br />

distribuição e consumo de bens culturais no Brasil. A fase<br />

de repressão política e ideológica é, também, a fase de grande<br />

concentração populacional nos grandes centros urbanos, com<br />

o crescimento da classe média e de uma significativa “sociedade<br />

de consumo” (BARBOSA, 2004, p. 13).<br />

Para além do gosto, o consumo na sociedade contemporânea<br />

é sempre uma ação de aquisição de um bem pelo qual se paga<br />

um valor estabelecido pelas leis de mercado. O consumo material<br />

é sempre algo que atrai e é atraído por uma mercadoria. A<br />

tendência dominante na economia de mercado busca a especialização<br />

para obter maior eficácia nas vendas das mercadorias.<br />

Os bens são as partes materiais, visíveis, da cultura. Sabe-se<br />

que o consumo está presente em toda e qualquer sociedade humana<br />

e que todo e qualquer ato de consumo é essencialmente<br />

cultural. “Os bens que servem às necessidades físicas — comida<br />

ou bebida — não são menos portadores de significado do<br />

que a dança ou a poesia” (DOUGLAS, 2006, p. 120-121).<br />

O tema da cultura relacionada ao desenvolvimento está presente<br />

nas reflexões de Celso Furtado quando ele diz que “a política<br />

de desenvolvimento deve ser posta a serviço do processo de<br />

enriquecimento cultural” (FURTADO, 1984, p. 32). O importante<br />

economista, Ministro da Cultura no período de 1986-<br />

1988, no governo Sarney, acreditava que “um maior acesso aos<br />

bens culturais melhora a qualidade da vida dos membros de<br />

uma coletividade” (FURTADO, 1984, p. 32). Essa dinâmica<br />

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de influências e jogos de forças entre as diversas dimensões<br />

do conceito de desenvolvimento provoca o surgimento de<br />

outros conceitos:<br />

A partir da década de 90, a questão do desenvolvimento passou a ser<br />

discutida pelo viés do “local”, ou seja, como empreender iniciativas de<br />

desenvolvimento a partir de características, vocações e apelo local.<br />

Este modelo de desenvolvimento vem sendo usualmente associado ao<br />

conceito de território (TENÓRIO, 2007, p. 86).<br />

O conceito de território conjuga espaço, desenvolvimento, comunidade<br />

e acesso a bens culturais. O agir na escala territorial<br />

local, mantendo um diálogo permanente com o nacional e o<br />

global, é o caminho para uma política cultural que pretende<br />

contribuir para a criação de oportunidades, pois, “em uma<br />

época de intensa comercialização de todas as dimensões da<br />

vida social, o objetivo central de uma política cultural deveria<br />

ser a liberação das forças criativas da sociedade” (FURTADO,<br />

1984, p. 32).<br />

É a partir do entendimento dessa dinâmica da vida cotidiana<br />

nos bairros, com suas particularidades comunitárias, no compartilhamento<br />

de sonhos e rituais, nos enredos das experiências<br />

imemoriais e nos jogos entre protagonistas individuais e<br />

coletivos que apreendemos as demandas do lugar. “De um<br />

lugar que nos ultrapassa e cuja forma nos forma. De um lugar<br />

que se constitui por sedimentações sucessivas e que conserva<br />

a marca das gerações que a modelaram e, com isso, se torna<br />

patrimônio” (MAFFESOLI, 2001, p. 101).<br />

Esse agir local articula pontos de contato direto com a comunidade<br />

e com seu cotidiano; em última análise, é necessário<br />

perceber como esse modo de ação, como qual o gestor cultural<br />

interage e realiza mediações que envolvem pessoas, memória,<br />

espaços, equipamentos e outros diversificados recursos, colabora<br />

para a formação da vida coletiva em um território, contribuindo<br />

para a consolidação de uma política cultural que pode<br />

ser identificada como de desenvolvimento local.<br />

Conclusão<br />

Tendo em vista o exposto, é necessário organizar ações participativas<br />

na esfera pública para a afirmação de um amplo<br />

leque de direitos e deveres da sociedade civil, criando estratégias<br />

organizativas para a preparação de um mundo onde<br />

Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

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Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

as pessoas possam dar livre curso à produtividade dos seus<br />

impulsos criativos. Para tanto, é preciso levar em consideração<br />

os complexos arranjos institucionais mobilizados pelos<br />

atores sociais em jogo em um campo no qual, a todo instante,<br />

“novos conceitos surgem, entre os quais se destaca o de desenvolvimento<br />

local, que procura reforçar a potencialidade do<br />

território, mediante ações endógenas, articuladas pelos seus<br />

diferentes atores: sociedade civil, poder público e o mercado”<br />

(TENÓRIO, 2007, p. 73).<br />

Essas reentradas das ações sociais coletivas forçariam as estruturas<br />

de poder “do reino dos interesses privados” a uma redução<br />

da concentração de privilégios em nome de uma difusão<br />

de bens e serviços de interesse público, abrindo caminho para<br />

a construção de uma sociedade melhor, justa e democrática,<br />

com valores, atitudes e culturas, cuja qualificação multiplicará<br />

o acesso a bens públicos para todos, em medidas diversas de<br />

necessidades.<br />

É importante assinalar que, no campo da cultura, a confiança<br />

desenvolvida nas relações entre o SESC e as comunidades e<br />

cidades envolvidas pelos projetos e atividades do Programa<br />

Cultura é um exemplo possível de cooperação cívica. A cultura<br />

é uma potência movida pela diversidade de comunidades<br />

de interesses. A cultura, aqui assumida como foi definida pela<br />

Unesco (1996), como “formas de viver junto. A mera ideia de<br />

cultura já implica ação coletiva”. A cultura põe em jogo relacionamentos<br />

e trocas simbólicas, pois “o capital social se apóia<br />

no desenvolvimento cultural da sociedade” (SEN; KLIKS-<br />

BERG, 2010, p. 308-329).<br />

Nesse sentido, é possível afirmar que a ação cultural organizada,<br />

regularizada e sistemática desenvolvida pelo SESC em<br />

todo o território nacional produz diferenças nas comunidades<br />

em que atua. Pois, ao disponibilizar uma gama imensa de serviços<br />

e produtos culturais, possibilita uma distribuição menos<br />

desigual da riqueza imaterial entre as partes interessadas na<br />

partilha daquilo que é produzido pela sociedade e contribui<br />

decisivamente para o desenvolvimento cultural local.<br />

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Desenvolvimento cultural local: uma<br />

relação entre capital social e gestão cultural<br />

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Desenvolvimento cultural local: uma<br />

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