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Erico Verissimo - Olhai os Lirios do Campo.pdf - Website Prof. Assis

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levada pelo vento. O arvore<strong>do</strong> farfalhava. Devia ser assim o som <strong>do</strong> mar n<strong>os</strong><br />

dias de calmaria. Eugênio tinha saudade <strong>do</strong> mar, que na realidade nunca vira.<br />

Do mar... Margaret. Pensou em levantar-se e ir até à porta da igreja para a ouvir<br />

cantar. Ela era a solista <strong>do</strong> coro.<br />

Voltou a cabeça para o la<strong>do</strong>, atraí<strong>do</strong> por um lati<strong>do</strong>. Viu um homem alto,<br />

ruivo, com casaco cor de charuto e calças de flanela creme. Trazia um cão preso<br />

por uma corrente prateada. Atravessou o portão, apressa<strong>do</strong>. Deu <strong>do</strong>is pass<strong>os</strong>.<br />

Voltou-se:<br />

- Eh, rapaz! - gritou.<br />

Eugênio ergueu-se e caminhou para ele. O desconheci<strong>do</strong> estendeu a mão<br />

com a corrente.<br />

- Segura este cachorro.<br />

Falou em tom autoritário e seco. Eugênio obedeceu sem refletir. O<br />

homem fez meia volta e dirigiu-se em passadas largas para a capela.<br />

O cão pulava e latia desesperadamente, puxan<strong>do</strong> a corrente e<br />

esforçan<strong>do</strong>-se por seguir o <strong>do</strong>no. Eugênio olhava para o animal com ar<br />

estúpi<strong>do</strong>. O coração batia-lhe mais forte. O r<strong>os</strong>to estava em fogo. Tu<strong>do</strong> aquilo se<br />

passara com tanta rapidez que ele não tivera a menor hesitação. Obedecera. Era<br />

uma vergonha. Um desaforo. Olhou com ódio para o homem de casaco marrom<br />

e calças de flanela creme, que entrava agora na igreja. Segura este cachorro!<br />

Como se ele f<strong>os</strong>se um cria<strong>do</strong>, uma coisa sem <strong>do</strong>no. O seu sentimento de<br />

humilhação era tão grande, tão fun<strong>do</strong>, que ele sentia desej<strong>os</strong> de se esconder.<br />

Procurou com <strong>os</strong> olh<strong>os</strong> um refúgio. Achou-o entre uma das grandes colunas <strong>do</strong><br />

pórtico e o corpo <strong>do</strong> edifício. Dirigiu-se para lá e sentou-se no degrau de<br />

granito. Os seus pensament<strong>os</strong> eram um tumulto. Ele e o cachorro - as duas<br />

figuras centrais <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> naquele momento. O cachorro era mais bonito, mais<br />

bem cuida<strong>do</strong> e mais feliz <strong>do</strong> que ele. Eugênio Fontes, men<strong>os</strong> <strong>do</strong> que um<br />

cachorro. Gente pobre. Vida de cachorro. Meu pai e eu: olh<strong>os</strong> de cachorro.<br />

Cachorro escorraça<strong>do</strong>. Os ingleses pensam que nós som<strong>os</strong> cachorr<strong>os</strong>. (Lera<br />

histórias da guerra no Transval. Autores que diziam que <strong>os</strong> ingleses acham que<br />

Deus pôs no Mun<strong>do</strong> <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> homens só para lhes servirem de criad<strong>os</strong>. Os<br />

ingleses e <strong>os</strong> american<strong>os</strong> - ele sabia – tinham horror ao negro). Ele fora trata<strong>do</strong>

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