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Erico Verissimo - Olhai os Lirios do Campo.pdf - Website Prof. Assis

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unhas de ordinário sujas, o r<strong>os</strong>to de feições vulgares e sem brilho, <strong>os</strong> olh<strong>os</strong><br />

servis? Eugênio desejava ser apenas um sentimental. S. Francisco beijava <strong>os</strong><br />

lepr<strong>os</strong><strong>os</strong> - era uma história que sempre o impressionara. No entanto, coisas<br />

infinitamente mais fáceis ficavam além de suas forças. Ele queria simplesmente<br />

aceitar a sua gente, mas aceitá-la com naturalidade, sem forçar a própria<br />

natureza. Através da aceitação talvez pudesse amá-la um dia. Ângelo bem<br />

merecia esse amor. Nunca lhe fizera sentir de mo<strong>do</strong> nenhum a sua autoridade<br />

de pai. A mulher contava às amigas: «O Ângelo é um pai da vida. Os menin<strong>os</strong><br />

fazem dele gato-sapato e ele nem se importa». Mas era inútil - achava Eugênio.<br />

Havia entre ele e o pai um poder<strong>os</strong>o e insituável elemento de estranheza. Com<br />

a mãe já não acontecia o mesmo. Eugênio sentia-se melhor na companhia dela.<br />

Mas essa predileção não seria ainda uma forma de narcisismo, um<br />

prolongamento subtil <strong>do</strong> seu egoísmo? A mãe parecia-se fisicamente com ele.<br />

Havia no r<strong>os</strong>to dela traç<strong>os</strong> seus, pronunciadíssim<strong>os</strong>. Aman<strong>do</strong>-a, de certo mo<strong>do</strong><br />

não estaria ele a amar-se a si mesmo? Agora, Eugênio via a mãe envelhecida<br />

pel<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> e pel<strong>os</strong> desg<strong>os</strong>t<strong>os</strong>. Mortificava-se por causa de Ernesto, que era<br />

um perdi<strong>do</strong>, um desordeiro; não parava n<strong>os</strong> empreg<strong>os</strong>, metia-se com mulheres<br />

ordinárias, já estivera até na cadeia. Apesar das marcas <strong>do</strong> tempo e d<strong>os</strong><br />

trabalh<strong>os</strong>, D. Alzira ainda conservava rest<strong>os</strong> de beleza. Os olh<strong>os</strong> eram calm<strong>os</strong> e<br />

nunca assumiam aquela expressão de canina humildade que morava n<strong>os</strong> olh<strong>os</strong><br />

<strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Também não tinha nenhuma luz de desafio ou de desassombro. Era<br />

um r<strong>os</strong>to sereno diante da vida. Porque ela recebia <strong>os</strong> fat<strong>os</strong> como eles vinham:<br />

<strong>os</strong> moment<strong>os</strong> de felicidade sem grandes ilusões nem alvoroço; <strong>os</strong> pequen<strong>os</strong><br />

dissabores e as desgraças sem grit<strong>os</strong> nem desespero. «Deus é grande» -<br />

c<strong>os</strong>tumava dizer. Varria a casa, lavava <strong>os</strong> prat<strong>os</strong>, ajudava o mari<strong>do</strong>, cozinhava,<br />

fazia quitanda. Não havia no Mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>ença nem catástrofe que tivesse força<br />

para alterar o ritmo daquela casa. Viviam numa pobreza limpa. Eugênio era-lhe<br />

grato por isso, m<strong>os</strong>trava-se carinh<strong>os</strong>o para com ela, mas ao mesmo tempo sentia<br />

que ainda não era com esse carinho e com essa gratidão que ele ia pagar tu<strong>do</strong><br />

quanto lhe devia.<br />

A medida que progredia n<strong>os</strong> estud<strong>os</strong> e que se lhe alargava a visão <strong>do</strong><br />

Mun<strong>do</strong>, Eugênio sentia que, como um balão, ia subin<strong>do</strong> cada vez mais, rumo às

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