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Erico Verissimo - Olhai os Lirios do Campo.pdf - Website Prof. Assis

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- Não te importas que eu abra a janela?<br />

Ouviu o ruí<strong>do</strong> da cama, sentiu que o outro se voltava para a parede.<br />

Mário tornava a mergulhar no sono. Era bom não ter coração. Ele sentiria inveja<br />

<strong>do</strong> outro se não estivesse apavora<strong>do</strong>. Apavora<strong>do</strong> porque de novo ia ficar<br />

sozinho. Eugênio fazia um esforço desespera<strong>do</strong> para se chamar à razão, para se<br />

convencer a si mesmo de que não havia nada de anormal. Tinha a experiência<br />

de outras ocasiões semelhantes. No dia seguinte, de manhã, riria das aflições da<br />

noite. O Mun<strong>do</strong> não ia acabar. E no <strong>do</strong>rmitório havia ar suficiente para tod<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />

alun<strong>os</strong> respirarem a noite inteira. Ele não estava entaipa<strong>do</strong>. Essa idéia era<br />

absurda, maluca. Sim, maluca... Podia ficar louco. Tinha me<strong>do</strong> de enlouquecer.<br />

Se o vento não parasse, ele enlouqueceria. Se não conseguisse luz e ar, era<br />

capaz de sair corren<strong>do</strong> a<strong>os</strong> grit<strong>os</strong> pelo corre<strong>do</strong>r, na direção da escada, da porta,<br />

<strong>do</strong> ar livre...<br />

Deu <strong>do</strong>is pass<strong>os</strong>, procuran<strong>do</strong> a janela. E de repente achou-se perdi<strong>do</strong> na<br />

escuridão. Não sabia já onde ficava a sua cama, onde estava a cama de Mário, a<br />

porta, a janela. Ajoelhou-se, enc<strong>os</strong>tou as palmas das mã<strong>os</strong> ao soalho e começou<br />

a engatinhar devagarinho. O vago sentimento de ridículo daquela p<strong>os</strong>ição<br />

misturava-se com a aflição de estar desorienta<strong>do</strong>, com a ânsia de achar a janela.<br />

E sempre o vento. As batidas <strong>do</strong> coração. O formigueiro ardente no corpo.<br />

A mão de Eugênio encontrou um objeto duro e frio. Pelo tacto, ele<br />

sentiu-lhe a forma: era o lavatório de ferro. A janela devia estar perto! Moveu-<br />

se mais alguns palm<strong>os</strong> para a frente. E com alegria encontrou a parede e,<br />

erguen<strong>do</strong>-se, a janela. Abriu-a com fúria. A vidraça de guilhotina estava<br />

descida. Lá fora a escuridão era densa. Mas a luz suja e má de um relâmpago<br />

trespassou a treva e num relance Eugênio viu o vulto d<strong>os</strong> morr<strong>os</strong>. Era como se<br />

o Mun<strong>do</strong> não existisse e de repente aquela luz mágica e rápida criasse toda<br />

uma paisagem. Mas era uma paisagem de mistério e horror. Eugênio teve a<br />

impressão de que as montanhas também estavam aflitas, sofriam. Nem lá fora<br />

havia salvação. Outro relâmpago. Eugênio vislumbrou o Céu de ardósia, as<br />

nuvens carregadas. Elas entaipavam o Mun<strong>do</strong>. Eugênio pensou em erguer a<br />

vidraça, para que o vento lhe refrescasse o r<strong>os</strong>to, as mã<strong>os</strong>, o corpo e o coração.<br />

Teve me<strong>do</strong>. Porque agora tu<strong>do</strong> ia ser pior, já que no Mun<strong>do</strong> não encontrava

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