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Erico Verissimo - Olhai os Lirios do Campo.pdf - Website Prof. Assis

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epugnante! Olhava de longe, anotava, fazia perguntas apressadas e depois a<br />

sua fantasia completava a reportagem. Mas um médico que se quisesse dedicar<br />

a<strong>os</strong> pobres seria obriga<strong>do</strong> a botar o de<strong>do</strong> naquelas feridas, respirar longamente<br />

o ar vicia<strong>do</strong> daquelas casas, sentir na cara o hálito pestilento daquela gente.<br />

Eugênio já não via beleza na profissão <strong>do</strong> Dr. Seixas. Além disso, a amizade<br />

com Alcibíades abria-lhe as portas de um novo mun<strong>do</strong>. E ele reconhecera nesse<br />

mun<strong>do</strong> o seu clima ideal. A primeira vez que fora à casa <strong>do</strong> amigo chegara a<br />

ficar comovi<strong>do</strong>. Como era bom afundar nas poltronas fofas da casa de<br />

Alcibíades!<br />

Chão de parquet. Tapetes colorid<strong>os</strong>. Quadr<strong>os</strong> bonit<strong>os</strong>. Móveis lavrad<strong>os</strong>,<br />

graves, escur<strong>os</strong>, bel<strong>os</strong>. Alcibíades mandara vir chá com sanduíches. Ficara<br />

depois a m<strong>os</strong>trar-lhe livr<strong>os</strong> rar<strong>os</strong>, encadernações de luxo, coleções de revistas<br />

estrangeiras, objet<strong>os</strong> de arte... Na hora inesquecível que passara naquela casa,<br />

ouvin<strong>do</strong> sem compreender <strong>os</strong> sonet<strong>os</strong> que Alcibíades lhe lia com voz comovida,<br />

Eugênio imaginava-se <strong>do</strong>utor e rico, <strong>do</strong>no de uma casa como aquela. Esquecia o<br />

pai, a mãe, o Dr. Seixas, <strong>os</strong> gorilas <strong>do</strong> sub-mun<strong>do</strong>... O ambiente em que se<br />

encontrava era de tal mo<strong>do</strong> subtil e delica<strong>do</strong> que não permitia o florescimento<br />

de recordações sombrias. Como Alcibíades devia ser feliz!<br />

Olhan<strong>do</strong> para <strong>os</strong> sapat<strong>os</strong> velh<strong>os</strong> e sem lustro, para a roupa de três an<strong>os</strong>,<br />

com joelheiras e algumas manchas, Eugênio sentiu renascer-lhe a velha<br />

sensação de inferioridade. E compreendeu mais <strong>do</strong> que nunca que as atenções<br />

que Alcibíades lhe dispensava tinham um caráter de favor, de esmola. Que<br />

encanto ou interesse poderia encontrar nele um rapaz rico e adula<strong>do</strong> que nunca<br />

tivera dificuldades na vida? Que era que ele, um pobre diabo, podia oferecer<br />

em compensação a uma criatura como aquela, que vivia no melhor d<strong>os</strong><br />

mund<strong>os</strong>? Qual a razão <strong>do</strong> convite para a visita? Alcibíades m<strong>os</strong>trara-lhe tu<strong>do</strong>.<br />

O guarda-roupa enorme, cheio de fatiotas, gravatas, chapéus. Os perfumes,<br />

loções e c<strong>os</strong>métic<strong>os</strong> <strong>do</strong> touca<strong>do</strong>r. Os livr<strong>os</strong>. A máquina de escrever. A coleção<br />

de moedas... Por que to<strong>do</strong> esse exibicionismo senão para atormentá-lo? Na<br />

academia, falava-se muito na vaidade de Alcibíades...<br />

Mas agora, subin<strong>do</strong> a rua ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> colega, Eugênio admirava-lhe a<br />

roupa, a p<strong>os</strong>tura, o perfume, e sentia-se lisonjea<strong>do</strong> com aquela intimidade.

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