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Dom da Invisibilidade

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nos tocam em estados excepcionais – qualquer coisa a ver com a paixão, a poesia ou até a<br />

proximi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> morte, embora essa última nos pareça desproposital. Algo invisível aos olhos<br />

que, no entanto, leva a vi<strong>da</strong> a se perpetuar – e, pelo amor de deus, não é o sexo. Ou ao menos<br />

não é apenas o sexo.<br />

Enquanto brincamos com palavras, nesse segundo vício admitido – está posto que o primeiro<br />

é observar –, Dei já lá se diverte falando como se houvera platéia. Conta a história de Yasmin –<br />

uma história cacete para a média do habitante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, que já a ouviu em dezenas de versões<br />

muitas vezes incongruentes e nem sempre agradáveis. Assume-se aqui que o estimado leitor e,<br />

sim, estamos aborrecidos de ter de incluir a estima<strong>da</strong> leitora, não por ela mas pelo cansativo <strong>da</strong><br />

repetição exigi<strong>da</strong> nesses dias em que o nãodito é maldito, que seja, assume-se que o leitor de<br />

qualquer sexo ou orientação não conheça ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> história de Yasmin os detalhes, quem sabe<br />

até os esqueça. Há um tanto de estranho nela, na história e não na bela moça, mas na<strong>da</strong> que<br />

surpreen<strong>da</strong> quem consegue acreditar em religião ou em sua prima pobre, a ciência. Yasmin<br />

nasceu paupérrima, em uma vila rural aqui ao lado, e, por uma dessas cruéis minúcias genéticas<br />

ou espirituais, completamente sur<strong>da</strong>. Tinha adoração pelo pai. A len<strong>da</strong>, em to<strong>da</strong>s suas versões,<br />

despreza quem a levou ao ventre – é quase uma inversão espelha<strong>da</strong> <strong>da</strong> fábula <strong>da</strong> virgem que dá<br />

à luz. Pois, sem mãe e com pai tratorista de fazen<strong>da</strong>, cresceu e se tornou bela em silêncio. Se<br />

perdem os detalhes de infância. Provável que tenha sido feliz, com dias duros intercalados a<br />

outros plenos de doçura, como costuma acontecer. Há que se acreditar nisso sabendo que<br />

hoje, e já se vão mais de 30 anos desde seu aparecimento no planeta, Yasmin cria comi<strong>da</strong>s<br />

sublimes coman<strong>da</strong>ndo a região aqueci<strong>da</strong> por fogos e temperos no bar em que matamos horas.<br />

De fato não conseguimos crer que um ser infeliz, que carregue em si a tristeza, consiga de<br />

alguma maneira transformar em manjares meros punhados de ervas, vegetais e uns cortes de<br />

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