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Dom da Invisibilidade

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contraste com o avermelhado <strong>da</strong> madeira não causa qualquer efeito se posto sobre sua camisa<br />

– alinha<strong>da</strong> – em palha páli<strong>da</strong>. E há outro detalhe: ele por vezes passeia os olhos pela casa com<br />

tal conhecimento que é como se não enxergasse os móveis e petrechos: nos dá a impressão de<br />

que só conseguiria ver algo se fora de seu lugar habitual. Pois esta é uma <strong>da</strong>s regras <strong>da</strong><br />

familiari<strong>da</strong>de excessiva – o dom <strong>da</strong> invisibili<strong>da</strong>de. Com o quê então estamos prestes a afirmar<br />

que nosso objeto de observação é assíduo do bar, ou vem se tornando um. Talvez por estarem<br />

todos os objetos em suas perfeitas posições, o cavalheiro abre os braços como asas e os levanta<br />

à altura <strong>da</strong> cabeça, distendendo os músculos no movimento que se usa chamar espreguiço.<br />

Quando as mãos voltam à mesa, no entanto, alguma decisão parece descer com elas <strong>da</strong>s<br />

alturas, de maneira que o cavalheiro pega a caneca de chope e o toma todo, levantando <strong>da</strong><br />

cadeira a seguir e, sem se preocupar com o paletó claro, pega o rumo <strong>da</strong> cozinha. Duas vozes o<br />

saú<strong>da</strong>m quando cruza o limiar <strong>da</strong> porta. Nós o perdemos de vista, mas o tom <strong>da</strong>s vozes que se<br />

rejubilam por vê-lo ali nos dá uma pista: o cavalheiro talvez seja funcionário ou mesmo dono<br />

do bar. Sim, por que não? Dono do bar. Quando esta intuição nos vem, semelhando a um<br />

clarão luminoso ou a um <strong>da</strong>rdo de sol, é como se nossas observações to<strong>da</strong>s fossem<br />

rearranja<strong>da</strong>s em um feixe: passam a fazer sentido para o homem que observamos e se<br />

encaixam nele, e não <strong>da</strong> forma que esperávamos mas <strong>da</strong> forma que têm na reali<strong>da</strong>de. Outra<br />

vez, sim: soa a ca<strong>da</strong> instante mais correto afirmar que o observado tem o bar entre suas posses.<br />

Se não acredita, se nossas provas são fracas, sinceramente tanto se nos faz – a ver<strong>da</strong>de é que a<br />

voz que conta a história é nossa, e podemos como paga ter aqui esses pequenos caprichos.<br />

Como o cavalheiro desapareceu de nosso conciso horizonte de eventos, podemos voltar a<br />

atenção à deliciosa figura de Enei<strong>da</strong> (um tanto no passado), que, com os cachos dos cabelos<br />

agitados como bandeirolas de Volpi ao vento, passa pelo balcão e vira à direita mais a frente.<br />

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