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René Dotti - Instituto Ciência e Fé

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<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />

vem de uma geração que conhece bem o francês, pode<br />

traduzir o idioma de Molière sem dificuldades. Alemão,<br />

não conhece e inglês só para o essencial. Latim, conhece-o<br />

no básico, haurido no Colégio Estadual, e depois,<br />

forçosamente ampliado no contato com os clássicos do<br />

Direito.<br />

No momento, seus interesses estão voltados para conhecer<br />

todos (se possíveis) meandros da Segunda Guerra<br />

Mundial, pesquisando uma bibliografia vasta que só<br />

amplia sua curiosidade sobre o tema. Mas tem tempo<br />

para variantes, como para o livro “Veredictos e Condenações”,<br />

do prêmio Nobel de Literatura de 1981, Elias<br />

Canetti.<br />

Em suas conferências, <strong>Dotti</strong> irá sempre expor familiaridade<br />

com os grandes pensadores do Direito, os que<br />

mais influenciaram sua formação, como Beccaria (século<br />

XVIII), Carrara, Ferri e Lombroso (século XIX) e<br />

Bettiol (século XX).<br />

Sobre Bettiol, que conheceu em Curitiba, nos anos<br />

Julgamento dos<br />

estudantes<br />

de Florianópolis<br />

na Auditoria Militar,<br />

em 1981.<br />

60s, quando o pensador italiano aqui fez conferências,<br />

<strong>Dotti</strong> recolheu “uma grande lição de vida”. O constituinte<br />

italiano de 1947 transferiu-lhe a certeza – a partir<br />

de sua experiência pessoal – “de que é nos momentos<br />

de adversidade que se deve aprimorar o que se tem de<br />

bom, as grandes qualidades”.<br />

Bettiol, recorda <strong>Dotti</strong>, não tendo ido para o front, na<br />

Segunda Guerra, aproveitou esse certo vácuo para fazer<br />

profunda imersão no Direito, Filosofia, Política, anos<br />

1930/40. O resultado foi uma obra de matrizes únicas.<br />

No conforto de seu gabinete, ou na biblioteca em que<br />

preside a primeira parte da reunião diária de pauta com<br />

seus associados – a partir de 8h30 da manhã –, <strong>René</strong> vai<br />

respondendo pausadamente aos pedidos de avaliação de<br />

personalidades do Direito. Sem titubear, garante que na<br />

geração anterior à sua, de grandes advogados criminalistas<br />

do Paraná, Francisco Cunha Pereira Filho foi presença<br />

impressionantemente forte. “Um orador com paixão,<br />

empolgava o júri, era impossível ficar-se alheio aos<br />

> pág. 228<br />

Salva mandatos e relata “impeachment”<br />

O ano de 1992 entrou na história do país pelos gritos<br />

da juventude de cara pintada com o “fora Collor”.<br />

<strong>René</strong> não foi às ruas, mas agiu com os melhores instrumentos<br />

de que dispunha, ajudando a desalojar do Planalto<br />

o então presidente acusado de toda sorte de rupturas<br />

constitucionais e morais. Pois, juntamente com outros<br />

juristas do maior peso possível – ex-ministro do STF<br />

Evandro Lins e Silva, Fábio Konder Comparato e Miguel<br />

Reale Junior – foi co-relator da petição de impeachment<br />

de Fernando Collor da Presidência da República, apresentada<br />

ao presidente da Câmara naquele ano.<br />

Se Collor não lhe deve nada, Requião teve boa parte de<br />

sua carreira política salva por <strong>Dotti</strong>. Foi assim: defendeu<br />

o governador Requião (primeiro mandato), quando foi<br />

expulso do PMDB, por votação de membros do Diretório<br />

Nacional, acusado que era de ter ofendido o presidente<br />

do partido, Orestes Quércia. A decisão pró-expulsão (104<br />

votos contra quatro) foi anulada mediante mandado de<br />

segurança de <strong>Dotti</strong> impetrado no Tribunal Superior Eleitoral<br />

(TSE).<br />

O causídico foi o socorro e castelo forte de Requião<br />

em outras duas ocasiões vitais para sua carreira política:<br />

defendeu-o (no primeiro Governo no Palácio Iguaçu),<br />

quando teve o mandato cassado pelo TRE-PR, rescaldo<br />

do episódio “Ferreirinha”. Neste ponto <strong>Dotti</strong> é enfático:<br />

“Todos sabemos que Requião estava limpo no caso. Os<br />

criadores do personagem foram outros”. Evita ampliar<br />

o assunto.<br />

O recurso de <strong>Dotti</strong> ao TSE foi vitorioso, com a anulação<br />

do processo, que não foi reaberto; outra defesa vitoriosa<br />

em favor de Requião foi a que levou <strong>Dotti</strong> ao TSE contra a<br />

cassação do mandato do então senador, acusado de abuso<br />

do poder econômico.<br />

Ironias da política: Quércia e Requião são hoje aliados<br />

muito próximos.<br />

Em 1971, o senador Álvaro Dias (de quem <strong>Dotti</strong> seria,<br />

depois, no Governo do Estado, secretário de Cultura)<br />

era uma das várias personalidades políticas (MDB) mais<br />

promissoras da época que foram ao escritório de <strong>René</strong><br />

<strong>Dotti</strong> pedir-lhe remédio jurídico contra decisões arbitrária<br />

da Mesa da Assembleia. Os outros: Antônio Casemiro<br />

Belinati, José Mugiatti Filho, Nivaldo Kriger, Domício<br />

Scaramella, Nelson Buffara, Maurício Fruet, Sebastião<br />

Rodrigues Junior. A questão central envolvia o projeto<br />

de emenda constitucional número 3 que o governador<br />

Haroldo Leon Peres e seus seguidores não queriam que<br />

fosse sequer discutido. Impetrou o Mandato de Segurança<br />

34/71, no Tribunal de Justiça do Paraná.<br />

Nem mesmo o presidente Luiz Ignácio Lula da Silva,<br />

então deputado constituinte de 1988, deixa de constar<br />

do rol de homens públicos aos quais <strong>Dotti</strong> colocou seus<br />

VOZES DO PARANÁ 2<br />

conhecimentos em jogo. Neste caso, deu parecer jurídico<br />

em favor do então parlamentar a pedido de um dos nomes<br />

legendários da vida pública brasileira, fundador do<br />

PT, militante católico de grande atuação, campeão também<br />

da defesa dos direitos humanos – Hélio Bicudo.<br />

Sempre que a imprensa esteve em perigo, como na era<br />

Collor, <strong>Dotti</strong> reforçou a defesa do direito de informar do<br />

jornalista. Deu parecer a favor de Otavio Frias Junior, da<br />

Folha de São Paulo, acusado pelo presidente Fernando<br />

Collor de crime de imprensa. Motivo: Frias denunciara a<br />

existência de publicidade institucional sem licitação por<br />

parte do Governo Federal (1991).<br />

No átrio do Tribunal do Júri de Curitiba, a Associação<br />

dos Magistrados do Paraná colocou, em 10 de dezembro<br />

de 2008, uma placa de bronze com homenagem a <strong>Dotti</strong>.<br />

Os adjetivos da placa grifam essa realidade do Direito<br />

Penal brasileiro: “Pelos 50 anos de brilhante atividade<br />

profissional e contribuição à cultura jurídica e ao aprimoramento<br />

do Tribunal do Júri”.<br />

Só naquele espaço do Tribunal do Júri, no Centro Cívico,<br />

<strong>Dotti</strong> defendeu cerca de 100 processos. Em alguns<br />

casos, advogado do acusado; em outros, em favor das vítimas.<br />

Da Câmara de Curitiba, recebeu o “Prêmio Pablo Neruda”.<br />

As peregrinações de <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong> deixam pisadas da passagem<br />

de um obstinado. São pegadas que ficam, além<br />

de tantas já citadas, como no jornal “O Nicolau”, criado<br />

por <strong>René</strong> para a Secretaria de Estado da Cultura, e que<br />

ganhou ressonância no país. Foi um jornal de vanguarda<br />

cultural entregue à direção do escritor Wilson Bueno;<br />

ou no “Jornal de Cultura”, do Centro Acadêmico Hugo<br />

Simas (CAHS), no qual, em 1956, <strong>Dotti</strong> foi secretário<br />

de Redação, e o diretor de Redação, Sebastião França;<br />

na publicação ia a fundo na abordagem de temas – como<br />

o racismo nos Estados Unidos – ou a crítica à cola na<br />

universidade, denúncia contra o trote universitário (já<br />

naquele tempo) e declaração em defesa da liberdade de<br />

convicção religiosa, filosófica e política...<br />

Assim é <strong>René</strong> Ariel <strong>Dotti</strong>: um brasileiro com história (é<br />

muito mais do que currículo) garantiu a entrada de muitos<br />

na História do Brasil contemporâneo; assim como<br />

frustrou carreiras e propostas arbitrárias (caso Collor)<br />

com suas intervenções precisas nos tribunais.<br />

No resto, ele só quer Pax et Bonum, a Paz e Bem de<br />

Francisco de Assis, de preferência com Vivaldi, ao fundo.<br />

Dá para compreender, então, porque <strong>Dotti</strong> é bem mais<br />

do que mero operador do Direito? Ou porque é um exemplo<br />

perfeito de construtor da sociedade?<br />

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