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<strong>René</strong> <strong>Dotti</strong><br />
nos. Direito de catequese, de proselitismo, de exegese<br />
de textos sagrados, de apologia doutrinária.<br />
Numa recomendação direta ao mesmo Ministério Público<br />
da Bahia que incriminara o padre, <strong>Dotti</strong> sugere<br />
que o MP cuide, isso sim, de animais e da vida selvagem<br />
que estariam sendo destruídos a pretexto de cultos,<br />
como, talvez, os que foram objeto da decisão judicial.<br />
Até o folclorista Câmara Cascudo ajuda a ampliar a<br />
consistência do parecer de <strong>René</strong> <strong>Dotti</strong>, sendo citado<br />
por sua notória autoridade: Cascudo não considera candomblé<br />
e umbanda religiões.<br />
“Só faltou recorrer a Teilhard de Chardin e a sua<br />
Messe sur le monde, para completar a argumentação<br />
ampla”, brinca um teólogo calvinista, depois de ler o<br />
documento, completando: “Pensei mesmo que <strong>Dotti</strong> ia<br />
chegar à noosfera, aquele estágio da Evolução exposto<br />
pelo jesuíta...”<br />
Ainda a propósito das crenças de <strong>Dotti</strong>, para alargar<br />
a compreensão das concepções que o movem: ele acata<br />
<strong>René</strong> e a irmã<br />
Rosie Mary<br />
uma visão espiritual pessoal dentro de uma teodiceia<br />
oriental, centrada nas concepções de um Senhor imanente<br />
e impessoal. E isto inclui atitudes místicas de<br />
auto-aperfeiçoamento e aceitação da chamada lei cármica.<br />
Cenário Ahú de baixo,<br />
uma síntese de Curitiba<br />
Empresários de todos os portes, do Brasil todo, políticos,<br />
jornalistas, gente da área cultural, professores e<br />
operadores do Direito dividem-se como clientes deste<br />
hoje patrício, nascido na Rua Marechal Hermes, no ano<br />
de 1934, bairro Ahú de Baixo, “a 200 metros do lugar<br />
onde o papa João Paulo II celebrou missa, em 1980”,<br />
lembra <strong>René</strong> Ariel <strong>Dotti</strong>.<br />
Filho de Gabriel <strong>Dotti</strong>, um pintor de casas, muitas delas<br />
da alta burguesia de então, dotado de rara sensibilidade,<br />
incomum mesmo para a época em que esse profissional<br />
tinha de pintar filigranas e rosáceas nas áreas<br />
trabalhadas; a mãe, Adelina <strong>Dotti</strong>, costureira, era uma<br />
artista na modelagem e confecção de vestidos; <strong>René</strong><br />
dividia as atenções na casa de madeira – como quase<br />
todas as da vizinhança e mais ou menos identificadoras<br />
de boa parte de Curitiba daqueles tempos – com a irmã,<br />
Rosie Mary, hoje morando em Santos.<br />
Estudou o fundamental – o primário, como se dizia<br />
então – ali perto, no Grupo Escolar Prieto Martinez.<br />
Próximo da casa e da escola, a Sociedade Recreativa<br />
União Cultural do Ahú (URCA), o grande ponto de reunião<br />
do bairro e adjacências, aglutinadora dos italianos,<br />
seus filhos e netos que, com os poloneses e seus descendentes,<br />
eram maioria absoluta naquela atmosfera da<br />
infância de <strong>Dotti</strong>.<br />
Pode parecer exagero, mas uma das lembranças mais<br />
vívidas que <strong>Dotti</strong> guarda daquele mundo encantado do<br />
Ahú e do aconchego familiar é da idade de “uns dois<br />
anos”, com a mãe a levantá-lo em movimentos seguidos,<br />
comemorando a passagem do dirigível Zepellin pelos<br />
céus curitibanos.<br />
Na URCA o pai e os amigos se reuniam aos domingos<br />
para comentar detalhes das partidas de futebol,<br />
algumas das quais tinham visto; outras, simplesmente<br />
VOZES DO PARANÁ 2<br />
acompanhado pelas rádios que eram donas absolutas da<br />
audiência dos curitibanos, a Rádio Guairacá e a Rádio<br />
Clube Paranaense. <strong>René</strong> muitas vezes se envolveu naquele<br />
rito aglutinador da família e de amigos do pai,<br />
com o acréscimo de ser aficcionado da Rádio Nacional<br />
e seu futebol com Jorge Curi e Antônio Cordeiro, além<br />
de seu rádio-teatro.<br />
Era a Rádio Nacional também do “Papel Carbono”, de<br />
Renato Murce, do “Atire a primeira Pedra”, com Paulo<br />
Gracindo, dos rádio-atores de rara grandeza, como<br />
Mário Lago e Henriqueta Brieba, Roberto e Floriano<br />
Faissal, dos programas de auditório capitaneados por<br />
Manoel Barcellos e César de Alencar, as crônicas de César<br />
Ladeira, o Repórter Esso, com Heron Domingues, “o<br />
primeiro a dar as últimas”... E o “primo pobre”, vivido<br />
por Brandão Filho, campeão do humor. Como esquecer<br />
a PRK-30, humor afiadíssimo a refletir parte da história<br />
de um Brasil que aprendia a conviver com os valores<br />
rurais e a sociedade urbana em consolidação?<br />
Um mundo com Linda e Dircinha Batista, Emilinha e<br />
Marlene, Francisco Carlos, Francisco Alves, mais o insuperável<br />
maestro Ghiarone e os novelistas Samuel Weltmann<br />
e Janet Clair... Um mundo mágico, enfim, que<br />
Tempo de grupo<br />
escolar, no Ahú<br />
(1945).<br />
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