Cinema - Fonoteca Municipal de Lisboa
Cinema - Fonoteca Municipal de Lisboa
Cinema - Fonoteca Municipal de Lisboa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Exposições<br />
nhamos certas coisas e nem sabemos<br />
que as apanhámos. Como um furto.<br />
Como fotógrafo, tenho directrizes<br />
já bem <strong>de</strong>finidas e que passei várias<br />
vezes para o laboratório e tentei passar<br />
para o António [impressor <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>]:<br />
“Os pretos são pretos porque<br />
são feitos com tinta-da-china, os brancos<br />
são os brancos do papel. Consi<strong>de</strong>re<br />
sempre que estou <strong>de</strong>senhando,<br />
e você inventa nos meios-tons, nos<br />
cinzentos. Isso é um trabalho seu, do<br />
laboratório”.<br />
E incomoda-o o retoque?<br />
Acho que o retoque é como a última<br />
solução, uma coisa a que não se po<strong>de</strong><br />
fugir. É como as nossas rugas. No retoque<br />
que se faz por causa dos danos<br />
do tempo correm-se riscos, <strong>de</strong>mora<br />
muito para ficar bem feito e é sempre<br />
um remendo, uma maquilhagem, um<br />
botox. É melhor <strong>de</strong>ixar como está.<br />
É raro alguém conseguir apontar<br />
a “sua” primeira fotografia. Tem<br />
“A fotografia<br />
aproximou-se <strong>de</strong> mim<br />
por causa do nosso<br />
rosto como<br />
portugueses.<br />
Lembrei-me da<br />
fotografia e pensei<br />
que a cara das<br />
pessoas com quem<br />
tinha amiza<strong>de</strong> já era<br />
algo que valia a pena”<br />
3<br />
1 2<br />
esse momento bem presente na<br />
vista tirada da sua casa, na Rua<br />
do Sol ao Rato, em <strong>Lisboa</strong>. O que<br />
é que recorda <strong>de</strong>sse momento?<br />
No grupo surrealista ninguém estava<br />
interessado em usar a fotografia. Havia<br />
umas colagens, mas não se usava<br />
para reproduzir. A fotografia aproximou-se<br />
<strong>de</strong> mim por causa do rosto,<br />
do nosso rosto como portugueses. Até<br />
aí, achava que não havia nada que nos<br />
<strong>de</strong>sse a cara da nossa gente. Lembreime<br />
da fotografia e pensei que a cara<br />
das pessoas com quem tinha amiza<strong>de</strong><br />
já era algo que valia a pena, um começo<br />
para essa colecta <strong>de</strong> retratos,<br />
por amor, por amiza<strong>de</strong>, por respeito<br />
intelectual, por aprendizagem.<br />
Resolvi comprar uma câmara, a<br />
mais barata que consegui. Felizmente<br />
tinha uma lente fenomenal e a vantagem<br />
<strong>de</strong> não ser automática. Morava<br />
num quinto andar. No dia seguinte,<br />
assim que acor<strong>de</strong>i, peguei nela e fui<br />
à cozinha que tinha uma janelinha<br />
pequena. Não resisti. Era a minha<br />
rua, o meu bairro, o sítio on<strong>de</strong> nasci.<br />
Decidi: é aqui que vai acontecer a minha<br />
primeira fotografia. E sempre a<br />
coloquei assim.<br />
No catálogo da exposição da<br />
Casa Jalco [exposição surrealista<br />
com Fernando <strong>de</strong> Azevedo<br />
e Vespeira, 1952], António<br />
Pedro dizia que “pintava com<br />
a máquina fotográfica e com<br />
os pincéis”. Este é talvez o<br />
resumo perfeito para explicar a<br />
indiferenciação entre o pintor<br />
e o fotógrafo. Revê-se nesta<br />
<strong>de</strong>scrição enquanto criador?<br />
Não há distinção. Sou muito gráfico.<br />
Executei a fotografia como se estivesse<br />
pintando, usando matéria para ela<br />
se fundir, para adquirir as qualida<strong>de</strong>s<br />
da pintura, mais do que as qualida<strong>de</strong>s<br />
da fotografia, como o recorte. O Manuel<br />
Ban<strong>de</strong>ira, que fez um texto<br />
4 5<br />
Ípsilon • Sexta-feira 4 Dezembro 2009 • 27