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download - João Vasconcelos Costa

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a ver o rei Simão caçador e a sua pernóstica rainha francesa, com obras completas<br />

de modificação do palácio de Santana, hoje sede do Governo Regional e então solar<br />

do marquês Jácome Correia, onde os reis ficaram alojados. Grandes festas micaelenses,<br />

mas ultrapassadas em tudo pela hospitalidade fidalga de Angra. A recepção terceirense,<br />

segundo as memórias de jovem da avó Adélia, foi grandiosa e até teve honras<br />

da invenção dos bolos dona Amélia, hoje um ícone da pastelaria terceirense,<br />

desaparecidos que estão os célebres torresmos de ovos, invenção da minha avó e<br />

agora segredo de família.<br />

Também com honras especiais na entrada da minha casa, a raríssima gravura da<br />

batalha da Praia, de 1829, velha herança de família sempre muito estimada.<br />

Desenhada pelo tenente Galvão, participante da batalha, todos os navios miguelistas<br />

estão identificados, bem como as posições liberais ao longo de toda a baía e a gravura<br />

dilui-os em grandes nuvens de fumo da canhonada. Foi uma encomenda dos<br />

principais senhores da Praia, cujo produto reverteu para o asilo de mendicidade, outra<br />

instituição típica açoriana. Só porque essa relíquia familiar retrata uma derrota da<br />

Marinha é que não a lego ao Clube Militar Naval, onde me sinto tão bem.<br />

* * * * *<br />

Dou por mim a desviar-me dos assuntos, chamando à conversa até as lutas liberais.<br />

Penitencio-me, porque isto é falha grave em qualquer narrador que se preze,<br />

mesmo que modesto. Tento corrigir, mas fico a sentir que já não sou eu a falar. Digo<br />

bem, falar, porque gosto de escrever como falo, para horror dos puristas da escrita.<br />

Reconheço que esta fuga para a oralidade entontece. Meto-me por um caminho, vou<br />

por ele mas, lembrando-me de que a meio há um desvio e que já lá volto, regresso,<br />

meto-me ainda por outro atalho e lá encontro uma vereda que vai dar ao primeiro desvio,<br />

no fim é um labirinto de conversa. Por isto, como disse atrás: “onde é que eu ia?”.<br />

Corrijo agora o rumo, que ainda não se esgotou a colecção de alminhas da Rua do<br />

Saco. Além de outras menos marcantes, que têm de ficar para outra história, faltam<br />

o senhor Machadinho, o Lopes da barraca, o Vicente, o político das gravatas e o Zé<br />

das camionetas. Acima de todos, a minha querida Ascensão.<br />

O senhor Machadinho não se pode dizer que fosse propriamente uma personagem<br />

da Rua do Saco, porque a sua loja era no vizinho Largo 2 de Março. Loja como já não<br />

há, em que se comprava de tudo. Nem eu já consigo listar; imagine o leitor qualquer<br />

coisa estranha de que precise, de lápis de pedra a frasco de malagueta, de milho para<br />

as galinhas a ardósia para a escola, de fita de nastro a palmilhas para sapatos, de<br />

certeza que encontrava na loja do Machadinho. Loja minúscula e escura, com um bal-<br />

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