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que está com grande desejo de que a beijes”. E não é que eu, parvalhão de catorze<br />

anos, fiquei a olhar para ela sem me atrever!<br />

Veio ela logo a seguir estudar para Lisboa; eu, mais novo, por lá fiquei a acabar o<br />

liceu. Poucos anos depois, foi ela de propósito de Lisboa a Coimbra para se encontrar<br />

comigo. Bem adivinhei o motivo, mas, nessa época, não era fácil conjugar o grande<br />

desejo, mutuamente intuído, com as condições práticas. Ficámo-nos por uma<br />

longa conversa de jardim, com os passeantes a não nos deixarem exteriorizar a vontade<br />

indizível de contacto que sentíamos.<br />

Foi o último e frustrante encontro. Depois, a vida afastou-nos. Se nos tivesse voltado<br />

a reunir, talvez não fôssemos feitos para um casamento feliz, sabe-se lá! Cada<br />

um seguiu a sua vida, mas estou certo de que nenhum de nós renega essa fantástica<br />

experiência, tão pouco vulgar nesse tempo. Muitas vezes me pergunto: “não terá<br />

essa experiência estranha, subversiva de tudo o que eu era, rapaz educado em grandes<br />

regras religiosas e morais, mudado por completo a minha personalidade? O que<br />

nos emociona e nos entra no fundo do prazer físico não é tanto ou mais importante<br />

do que o que nos meteram nos esquemas de pensamento?”<br />

Há uns anos, após longos anos de vida familiar estabelecida, filhos e netos criados,<br />

a Clara telefonou-me. Começámos por banalidades, rapidamente a conversa<br />

ficou feita de silêncios angustiados. Lá fomos conseguindo dar umas indicações um<br />

ao outro, mas a conclusão muda foi a de que não nos queríamos ver na decrepitude.<br />

Temos coisas muito mais bonitas a recordar. Dizem-me que eu não era feio de todo,<br />

em jovem. Ela era um esplendor de beleza. Vamos recordar-nos assim.<br />

Mas não consegui resistir. Há pouco tempo, fui eu que lhe telefonei, lá para muito<br />

longe, conversa toda de subentendidos, entre sessentões de vida vivida. Mas que<br />

prazer ao intuir, a lonjura transatlântica, que ela, em conversas crípticas, me mandava<br />

mensagens cifradas, como “lembras-te de quando fui a Coimbra?”<br />

E não digo mais nada, que já falei demasiado.<br />

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