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de tantas festas de Espírito Santo, de tantos bodos de leite, de tantas touradas à<br />

corda, de tanta alcatra diferente comida em cada freguesia em casa dos seus inúmeros<br />

amigos, do acordar-me de madrugada para ir ver fazer o pão, de que ele tinha o<br />

exclusivo de fornecimento aos americanos da base das Lajes. Mas, acima de tudo, o<br />

conjunto de amigos inesquecíveis que me arranjou e que, contra as regras deste livro,<br />

vou tratar pelos nomes, em homenagem a uma amizade não apagada pelo afastamento.<br />

<strong>João</strong>zinho Bruges, José Guilherme, Maria Angra, Teresa Canto, António<br />

Manuel, outros mais, companheiros da Silveira, de pescarias terminadas em miseráveis<br />

grelhadas de carapau, ainda se lembram de mim? Eu nunca vos esqueci, que<br />

mais não seja porque, menino de doze anos, regressei a casa com um grande amor.<br />

Por onde andará ela, beleza efémera da minha infância, hoje certamente já avó?<br />

Essas minhas inesquecíveis férias em Angra devem ter-lhe feito lembrar o que<br />

para ele também foram, em jovenzito, outras férias também inesquecíveis, passadas<br />

em S. Miguel, na Lagoa, em casa de um tio-avô meu que lá passou uns meses numa<br />

inspecção de finanças. A memória dessas férias e o sentimentalismo de Jacob, que<br />

tanto nos empatizava, resultavam num ritual sagrado. Nas suas muitas visitas à nossa<br />

casa em S. Miguel, findo o jantar, o primo Jacob chamava um táxi e levava-me com<br />

ele até à Lagoa. Aí, sempre em silêncio e exigindo também o meu, sentava-se num<br />

degrau da porta lateral da Igreja do Rosário, a fumar um cigarro e a recordar os velhos<br />

amigos de um só verão, que se lembrava de todos, os que aí se juntavam com ele<br />

em cavaqueira nocturna. Findo este cerimonial quase religioso, táxi de regresso para<br />

fim de serão animadíssimo na minha casa. A quem é que eu fui buscar o meu ritual,<br />

ainda hoje sempre mantido, da ida à Rua do Saco em Ponta Delgada e da cigarrilha<br />

fumada – que vergonha – na soleira da porta do 56-A?<br />

A amizade do primo Jacob com a minha família era inexcedível, mas com muita<br />

extravagância pelo meio. Com frequência, telefonava à minha mãe de véspera a<br />

saber o que era o almoço em nossa casa, em Ponta Delgada. Se lhe agradava, ia de<br />

propósito da Terceira a S. Miguel para almoçar connosco, passando a noite a enjoar<br />

num dos “carvalhinhos”, o Cedros ou o Arnel, porque tinha muito medo de viajar de<br />

avião. Hoje não se imagina o que isto era e custava. Mas também era a maneira de<br />

se alimentar convenientemente, porque em casa, em Angra, pouco mais comia do<br />

que chá e torradas.<br />

Estas idas ao nosso almoço também tinham história. Frequentemente, ele punha<br />

como condição à minha mãe que fizesse calhaus, a coisa de que ele mais gostava na<br />

nossa casa. Era simplesmente uma banal salada russa com atum e maionese, mas<br />

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