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As alminhas<br />

Na minha terra, as almas dos falecidos são lembradas de forma bem bonita e<br />

comovente. Recordam-se nas “alminhas”, à entrada de cada freguesia. São uns<br />

pequenos oratórios à beira da estrada, um pilar de altura até ao peito encimado por<br />

um nicho com uma imagem e um pedido de oração pelas almas da freguesia, apesar<br />

de anónimas para o viandante de passagem. Ainda hoje, há sempre quem se dê ao<br />

cuidado de iluminar e florir as “alminhas”; talvez algumas velhas ainda guardiãs dos<br />

usos ancestrais e com cujo passamento provavelmente também esses usos desaparecerão.<br />

Nos tempos de palmilhar estrada a pé descalço, nenhum viandante deixava<br />

de se descobrir diante de uma “alminha” e rezar uma oração. Lembro-me de alguns<br />

que, nos seus passeios de carro, nunca deixavam de largar momentaneamente o<br />

volante para se benzer ao passar por uma dessas alminhas. Hoje, a muitos à hora,<br />

quem é que pensa nisso? Penso eu, saudosista inveterado, embora descrente de orações,<br />

quando me passeio pelos caminhos da minha terra.<br />

Mesmo à velocidade do carro, medito nesse sentido ancestral e comunitário da<br />

preocupação pelas almas. Todos nós, aqui, nos habituámos ao culto dos defuntos, no<br />

2 de Novembro, mas culto familiar e fechado. Quem é que, nesse dia, vai florir as<br />

campas da família e se lembra, ao mesmo tempo, dos milhares de outros anónimos<br />

que habitam o cemitério, num convívio animado de espíritos que se passeiam voando<br />

a altas horas da noite? Eles sim, fazem grande família, provavelmente desgostosos<br />

com a indiferença a que os seus familiares terrenos se votam mutuamente. E,<br />

nesta tristeza, que alegria deve ser para eles seguirem, lá do alto, um ou outro raro<br />

namoro de viúvos de campas vizinhas, a terminar em casamento serôdio? As almas<br />

não têm ciúmes, maior razão teriam os que cá ficam se soubessem dos amores que<br />

pairam lá por cima.<br />

Nos Açores, almas próprias e almas dos outros, é tudo a mesma coisa, de gente<br />

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