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à ideia, entre muitos outros. Para população tão reduzida, é excepcional, na nossa<br />

história, a proporção de açorianos marcantes, nas viagens quinhentistas por mar e<br />

terra – os Corte Reais, Diogo de Teive, Bento de Góis, ou, em viagem mais recente,<br />

Roberto Ivens; na crónica – Gaspar Frutuoso, Frei Diogo das Chagas; na literatura –<br />

Antero, Nemésio, Teófilo Braga, Natália Correia; nas artes – Francisco Henriques,<br />

Canto da Maia, António Dacosta, Domingos Rebelo, Francisco Lacerda; na política –<br />

António José de Ávila, Hintze Ribeiro, Teófilo Braga, Manuel de Arriaga. Note-se que<br />

estes dois, com o mais obscuro Canto e Castro, conferem aos açorianos uma estatística<br />

única: três dos nossos presidentes da república.<br />

Isto só para falar em falecidos. Quanto aos vivos, bem conhecidos, recordo o que<br />

me dizia um continental, meu amigo. Quando o impagável José Pedro, motorista do<br />

meu instituto, de conversa incessante, me trazia a casa e falava em alguém, retorquindo<br />

eu que também esse era açoriano, dizia-me sempre: “Ó professor, aqui em<br />

Lisboa dá-se um pontapé numa pedra e saltam logo três açorianos ilustres!”. Na sua<br />

grande amizade, de marinheiro para marinheiro, também de alentejano para açoriano,<br />

coisa fácil, creio que ele também me considerava açoriano ilustre.<br />

Não me fico pelos ilustres. Igual qualidade, igual nobreza, igual carácter se vêem<br />

no povo sofredor. Os açorianos eram, e talvez ainda sejam, mau grado o progresso<br />

autonómico, “gente feliz com lágrimas”, expressão que eu nunca teria podido inventar.<br />

Era o senhor Manuel, quinteiro da casa onde passávamos o verão, velho magnífico<br />

arrimado ao amor, órfão de filhos nunca tidos, da sua senhora Conceição, velha<br />

talvez ainda mais marcante, sabedora da melhor sopa de couves aferventadas que já<br />

comi. Vivendo em S. Rita, a talvez dez quilómetros de Ponta Delgada, o senhor<br />

Manuel vinha à cidade só para levantar um cheque do irmão emigrante em Batefé<br />

(New Bedford) ou, invariavelmente, para visitar a minha avó Adélia, em longas conversas<br />

de mistura de sala e campo, de riso saborido de senhora distinta que sabia<br />

apreciar a grande sabedoria de um homem rústico mas extremamente inteligente. E<br />

que dignidade! Vejo, como se fosse hoje, o senhor Manuel no seu atavio de tomar a<br />

camioneta do Varela e desaguar na Matriz. O seu fato, talvez ainda do casamento,<br />

castanho às riscas. Camisa e gravata preta, como era regra de elegância dos meus<br />

velhos. Chapéu já velhinho mas esmeradamente limpo pela mulher. Todo elegância e<br />

solenidade, à sua maneira, mas descalço!<br />

“Gente feliz com lágrimas”, também as vendedeiras de lapas vivas – a melhor<br />

forma de as comer – sentadas à porta da taberna, criança ao colo adormecida com<br />

um pedaço de pão molhado em vinho, oferta sacramental dos taberneiros.<br />

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