download - João Vasconcelos Costa
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irmanada na prisão das ilhas e comungando todas nas suas tristezas, desde o penar<br />
telúrico dos castigos divinos até à miséria da antiga exploração senhorial. Daí também<br />
a sua profunda religiosidade, toda assente nos “mistérios” e na protecção divina<br />
contra os males da terra e do mar.<br />
À primeira vista, as minhas alminhas não se distinguem bem das histórias que as<br />
envolvem nas minhas recordações, e que vou contar, umas vividas, outras de ouvir<br />
narrar em conversas de família, à maneira antiga, em que algumas já eram alminhas<br />
da minha avó. Referir-me só às histórias é a maneira mais fácil, mas talvez não a mais<br />
correcta. Essas histórias não valem tanto por si próprias, mas principalmente como<br />
retratos, às vezes em duas simples pinceladas, de personagens bizarras, entre o<br />
extravagante e o verdadeiramente delirante. As minhas alminhas.<br />
São muitas, as que agora vêm pousar no meu mastro. Não me sinto capaz de lhes<br />
fazer uma escolha, neste escrito. Se estivesse a escrever um romance, era impossível,<br />
porque o excesso de personagens confunde o leitor, como em romances pouco<br />
cuidados, com dezenas de personagens, em que a autor às vezes se esquece de que<br />
já matou uma personagem uns capítulos atrás. Nesta história é diferente, não se<br />
assuste quem me leia. Cada uma delas, à auto vicentino, vai entrar em palco pela<br />
esquerda baixa, vai deixar o seu retrato ou a sua anedota definidora, vai sair definitivamente<br />
pela direita alta. Não farão parte de nenhum romance, não há nenhuma<br />
trama romanesca a ligá-las, vêm ao meu mastro, dizem o que têm a dizer e vão-se<br />
embora.<br />
Mesmo os meus filhos não acreditam nas minhas alminhas ou duvidam das suas<br />
histórias. Lá chegará o dia de as conhecerem, mesmo que seja o meu dia final. Nesse<br />
dia, não quero velório de capela mortuária. Armem a essa junto ao meu mastro, iluminem-no<br />
bem, sem esquecer as luzes de navegação, alcem as quatro bandeirolas<br />
da ordenança de JMVC, enfeitem o mastro com umas azáleas, se for tempo disso, ou<br />
com umas hortênsias do jardim, e logo verão. Prometeu-me há dias o Sebastião que,<br />
excepcionalmente nesse dia, todos se revelarão aos mortais. Será grande piadeira de<br />
carpimento, misturada com a alegria de finalmente me terem por companheiro. E não<br />
me fechem os olhos, para eu, olhando até ao topo do mastro, os poder ver a todos.<br />
Depois virarei mocho, que águia já há uma, o meu pai, e virei cá, sempre que puder,<br />
a animar os meus filhos. Verão eles então o que valem as alminhas.<br />
Somos como uma casa. O projecto está-nos nos genes, foi-se desenhando ao<br />
longo de gerações, recombinando heranças múltiplas, como a natureza sabe fazer.<br />
As fundações e a estrutura fizeram-nas os nossos pais e os nossos avós. Mas mui-<br />
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