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estabelecendo critérios para escolha e organização de conteúdos

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Currículos <strong>de</strong> Matemática no Ensino Médio: <strong>estabelecendo</strong><br />

<strong>critérios</strong> <strong>para</strong> <strong>escolha</strong> e <strong>organização</strong> <strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong><br />

Marcio Antonio da Silva<br />

As pesquisas sobre o Currículo <strong>de</strong> Matemática na Educação Básica <strong>de</strong>stacam-se nas<br />

últimas décadas, seguindo a própria evolução da Educação Matemática e o natural<br />

aumento no número <strong>de</strong> trabalhos publicados neste campo <strong>de</strong> conhecimento. Como<br />

exemplos <strong>de</strong> ações que <strong>de</strong>monstram esta tendência, po<strong>de</strong>mos citar a proposta <strong>de</strong> uma mesa<br />

redonda 1 no IX Encontro Nacional <strong>de</strong> Educação Matemática (ENEM), ocorrido em julho<br />

<strong>de</strong> 2007, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte, <strong>para</strong> tratar especificamente <strong>de</strong>ste assunto. No III<br />

Seminário Internacional <strong>de</strong> Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM), ocorrido em<br />

outubro <strong>de</strong> 2006 em Águas <strong>de</strong> Lindóia (SP), um dos grupos <strong>de</strong> trabalho intitulado<br />

“Educação Matemática nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio”<br />

encaminhou proposta <strong>para</strong> que fosse criado o subgrupo “Organização e <strong>de</strong>senvolvimento<br />

curricular”, coor<strong>de</strong>nado pelas professoras doutoras Célia Maria Carolino Pires (PUC/SP) e<br />

Cláudia Lisete Groenwald (ULBRA/RS). Também no âmbito internacional, o 11º<br />

Congresso Internacional em Educação Matemática (ICME 2 11) ocorrido na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Monterrey, no México, em julho <strong>de</strong> 2008, também aponta <strong>para</strong> a importância <strong>de</strong>ste<br />

assunto, pois dos trinta e oito grupos <strong>de</strong> estudo existentes, dois tratam especificamente <strong>de</strong><br />

temas curriculares: Topic Study Group 25 – The role of mathematics in the overall<br />

curriculum; Topic Study Group 35: Research on mathematics curriculum <strong>de</strong>velopment. No<br />

mesmo evento, dos vinte e oito grupos <strong>de</strong> discussão, três <strong>de</strong>les se referiam diretamente ao<br />

tema Currículo: Discussion group 1: Curriculum reform: movements, processes and<br />

policies; Discussion group 4: Reconceptualizing the mathematics curriculum; Discussion<br />

group 16: The evaluation of mathematics teachers and curricula within educational<br />

systems. Evi<strong>de</strong>ntemente, vários outros grupos trataram do tema indiretamente, mas fica<br />

patente que as pesquisas ligadas ao tema Currículo têm <strong>de</strong>spertado gran<strong>de</strong> interesse na<br />

comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> educadores matemáticos.<br />

1 Mesa redonda intitulada “O Currículo <strong>de</strong> Matemática na Educação Básica”, formada pelas professoras Celi<br />

Lopes (Unicsul/SP), Edda Curi (Unicsul/SP) e Eliane Scheid Gazire (PUC/MG).<br />

2 International Congress on Mathematical Education.


No âmbito governamental, a preocupação específica com os Currículos do Ensino<br />

Médio torna-se evi<strong>de</strong>nte com a publicação, nos últimos oito anos, <strong>de</strong> três documentos<br />

oficiais que serviram e servem, em tese, como norteadores dos professores, coor<strong>de</strong>nadores<br />

e dirigentes escolares. São eles: Parâmetros Curriculares <strong>para</strong> o Ensino Médio (1998),<br />

PCN+ Ensino Médio: Orientações educacionais complementares aos Parâmetros<br />

Curriculares Nacionais (2002) e Orientações curriculares <strong>para</strong> o Ensino Médio (2006).<br />

Sobre este último, os autores salientam que “visando à contribuição ao <strong>de</strong>bate sobre as<br />

orientações curriculares, este documento trata <strong>de</strong> três aspectos: a <strong>escolha</strong> <strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong>; a<br />

forma <strong>de</strong> trabalhar os <strong>conteúdos</strong>; o projeto pedagógico e a <strong>organização</strong> curricular”<br />

(BRASIL, 2006, p. 69).<br />

Caracterizada a temática, esta pesquisa que resultará na tese <strong>de</strong> doutorado está<br />

inserida na linha “A Matemática na Estrutura Curricular e Formação <strong>de</strong> Professores” do<br />

Programa <strong>de</strong> Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universida<strong>de</strong><br />

Católica <strong>de</strong> São Paulo (PUC/SP) e, mais especificamente, no Grupo 1, intitulado “A<br />

Matemática na <strong>organização</strong> curricular: história e perspectivas atuais”, sob orientação da<br />

Professora Doutora Célia Maria Carolino Pires.<br />

1. Gênese do Projeto<br />

Após a leitura dos documentos oficiais que orientam os currículos <strong>de</strong> Matemática e<br />

os <strong>conteúdos</strong> a serem ministrados no Ensino Médio, <strong>de</strong>spertou-nos a curiosida<strong>de</strong> em saber<br />

porque <strong>de</strong>terminados <strong>conteúdos</strong> matemáticos são ensinados no Ensino Médio e porque<br />

outros <strong>conteúdos</strong> são omitidos. Mais especificamente, não compreendíamos porque o<br />

Cálculo Diferencial e Integral <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser abordado na Educação Básica brasileira.<br />

Pitombeira (1996) <strong>de</strong>staca que esta discussão não é recente e algumas reformas<br />

educacionais <strong>de</strong>terminaram se este assunto <strong>de</strong>veria ou não ser ensinado na Escola<br />

Secundária (atual Ensino Médio):<br />

“Debate-se, hoje, a introdução do ensino do cálculo na escola secundária<br />

no Brasil. A maioria das pessoas que participam <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>bate não<br />

conhecem a história do ensino <strong>de</strong> matemática no Brasil e não sabem que<br />

o cálculo já fez parte do currículo da escola secundária não apenas uma<br />

vez, mas duas. A primeira vez com a reforma extremamente ambiciosa<br />

feita por Benjamin Constant no início da república (1891), e a segunda<br />

vez no início dos anos 40, com a reforma promulgada por Gustavo<br />

Capanema, advogada por Eucli<strong>de</strong>s Roxo e inspirada nas idéias <strong>de</strong> Felix<br />

Klein” (p. 62).


Lendo outros artigos 3 a respeito da mesma temática, percebemos que os argumentos<br />

utilizados pelos autores apóiam-se em suas experiências pessoais e profissionais<br />

relacionadas ao ensino <strong>de</strong> Matemática, e não em referências curriculares. Deste modo, os<br />

proponentes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a inserção do ensino do Cálculo Diferencial e Integral <strong>de</strong> maneira a<br />

compartimentar ainda mais o ensino <strong>de</strong> Matemática, visto apenas como mais um conteúdo<br />

acrescentado ao rol já existente. A única exceção encontrada foi o estudo promovido por<br />

Machado (2001a), em sua tese <strong>de</strong> doutoramento, na qual <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> justificativas <strong>para</strong> afirmar<br />

que a Matemática e a língua materna estão relacionadas através <strong>de</strong> uma impregnação<br />

mútua. Dentre os exemplos citados <strong>para</strong> caracterizar esta parida<strong>de</strong>, cita o Cálculo e sua<br />

importância <strong>para</strong> o ensino <strong>de</strong> Matemática.<br />

Embora saibamos que uma característica comum que constitui um caminho natural<br />

<strong>para</strong> a elaboração do tema, objeto <strong>de</strong> estudo e a caracterização do problema <strong>de</strong> pesquisa é a<br />

busca pela pormenorização das idéias e do foco esquadrinhado, especificamente nesta tese<br />

tomamos um rumo incomum, pois verificamos que, se quiséssemos buscar justificativas<br />

<strong>para</strong> o ensino ou não do Cálculo Diferencial e Integral no Ensino Médio, <strong>de</strong>veríamos<br />

realizar um estudo amplo sobre quais os <strong>critérios</strong> serviriam como norteadores <strong>para</strong><br />

justificar a presença ou inclusão <strong>de</strong> novos temas eleitos <strong>para</strong> o ensino <strong>de</strong> Matemática.<br />

Além disto, refletimos que criar <strong>critérios</strong> <strong>para</strong> justificar a inserção, ou não, do<br />

Cálculo Diferencial e Integral no Ensino Médio, seria um trabalho muito pontual, levando-<br />

se em conta o caráter <strong>de</strong> ineditismo <strong>de</strong> uma tese <strong>de</strong> doutorado.<br />

Exige-se da tese <strong>de</strong> doutorado contribuição suficientemente original a<br />

respeito do tema pesquisado. Ela <strong>de</strong>ve representar um progresso <strong>para</strong> a<br />

área científica em que se situa. Deve fazer crescer a ciência. Quaisquer<br />

que sejam as técnicas <strong>de</strong> pesquisa aplicadas, a tese visa <strong>de</strong>monstrar<br />

argumentando e trazer uma contribuição nova relativa ao tema abordado<br />

(SEVERINO, 2002, p. 151).<br />

De qualquer forma, estas preocupações iniciais motivaram a ampliação e os<br />

primeiros indícios do que viria a ser nosso problema <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Embora tenhamos relacionado algumas ações em congressos científicos que dão<br />

indícios <strong>de</strong> uma preocupação dos educadores matemáticos em estabelecer um amplo<br />

<strong>de</strong>bate sobre as questões curriculares, encontramos poucos trabalhos relacionados ao<br />

Currículo <strong>de</strong> Matemática no Ensino Médio, resultados <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> Mestrado e<br />

3 Duclos (1992); Ávila (1994).


Doutorado. Analisando o Banco <strong>de</strong> Teses da Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Pessoal<br />

<strong>de</strong> Nível Superior (CAPES), encontramos oito dissertações <strong>de</strong> mestrado e apenas três teses<br />

<strong>de</strong> doutorado sobre o tema, apontando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos trabalhos que (re)orientem<br />

os caminhos <strong>para</strong> <strong>escolha</strong> e <strong>organização</strong> <strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong> matemáticos no Ensino Médio.<br />

2. Objetivos<br />

Para compreen<strong>de</strong>rmos os principais objetivos <strong>de</strong>sta pesquisa, <strong>de</strong>vemos voltar-nos<br />

<strong>para</strong> as finalida<strong>de</strong>s do Ensino Médio, propostos na Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação<br />

Nacional 4 :<br />

“I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no<br />

ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento <strong>de</strong> estudos; II - a<br />

pre<strong>para</strong>ção básica <strong>para</strong> o trabalho e a cidadania do educando, <strong>para</strong><br />

continuar apren<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong> modo a ser capaz <strong>de</strong> se adaptar com<br />

flexibilida<strong>de</strong> a novas condições <strong>de</strong> ocupação ou aperfeiçoamento<br />

posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana,<br />

incluindo a formação ética e o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia intelectual<br />

e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científicotecnológicos<br />

dos processos produtivos, relacionando a teoria com a<br />

prática, no ensino <strong>de</strong> cada disciplina” (Brasil, 1996, p.13-14).<br />

Enten<strong>de</strong>mos que a Matemática no Ensino Médio <strong>de</strong>ve contemplar os aspectos<br />

mencionados no documento oficial e mais, <strong>de</strong>ve voltar-se <strong>para</strong> as novas pesquisas<br />

realizadas nos campos da Educação e Educação Matemática, proporcionando um novo<br />

significado <strong>para</strong> os estudantes que se encontram neste nível <strong>de</strong> ensino, no que diz respeito<br />

ao estudo da Matemática, contemplando questões profissionais, tecnológicas, éticas e<br />

sociais, entre outras.<br />

Portanto, preten<strong>de</strong>mos contribuir <strong>estabelecendo</strong> <strong>critérios</strong> <strong>para</strong> <strong>escolha</strong> e <strong>organização</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong> matemáticos no Ensino Médio, analisando <strong>de</strong> maneira crítica os temas<br />

tradicionalmente ensinados nesta etapa escolar e propondo inovações curriculares com<br />

novos assuntos que dariam conta <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as finalida<strong>de</strong>s do próprio Ensino Médio e os<br />

<strong>critérios</strong> estabelecidos nesta pesquisa.<br />

Não queremos constituir <strong>critérios</strong> prescritivos que <strong>de</strong>terminem o que é certo ou<br />

errado, o que <strong>de</strong>ve ou não ser ensinado, o que aprofundar e o que omitir, mas contribuir<br />

<strong>para</strong> uma discussão que <strong>de</strong>ve ser feita <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada instituição escolar, com cada<br />

professor, fornecendo subsídios <strong>para</strong> este <strong>de</strong>bate.<br />

4 Lei nº 9.394, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.


É claro que isto só é possível com a ação do professor em sala <strong>de</strong> aula. O objetivo<br />

inicial <strong>de</strong>ste trabalho não é promover uma prática imediata a ser implementada nas escolas,<br />

mas pensamos nisto como um objetivo a longo prazo, buscando indicar possibilida<strong>de</strong>s a<br />

serem trabalhadas futuramente. Cabe-nos, no entanto, clarificar a idéia <strong>de</strong> que nosso<br />

enfoque não será no trabalho docente, mas na elaboração dos Currículos <strong>de</strong> Matemática no<br />

Ensino Médio. Acreditamos que, se esta tese po<strong>de</strong> influenciar ou colaborar na tomada <strong>de</strong><br />

ações, isto ocorrerá na esfera governamental, mais especificamente no que diz respeito aos<br />

elaboradores do currículo, já que atualmente estas orientações são centralizadas pelo<br />

Governo Fe<strong>de</strong>ral, conforme <strong>de</strong>termina o artigo nono da Lei nº 9.394, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional:<br />

Art. 9º A União incumbir-se-á <strong>de</strong>: ... (IV) estabelecer, em colaboração<br />

com os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios, competências e<br />

diretrizes <strong>para</strong> a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino<br />

médio, que nortearão os currículos e seus <strong>conteúdos</strong> mínimos, <strong>de</strong> modo a<br />

assegurar formação básica comum.<br />

As questões envolvidas nesta formação básica comum a qual o documento se refere<br />

também foi alvo inicial <strong>de</strong> nossas preocupações e questionamentos iniciais. Será que<br />

po<strong>de</strong>ríamos pensar, novamente, em um currículo <strong>de</strong>terminado pelas cida<strong>de</strong>s ou, mais<br />

amplamente, pelos estados, <strong>de</strong>scentralizando a competência que atualmente é <strong>de</strong>stinada à<br />

União?<br />

Pires (2008) discute os processo <strong>de</strong> <strong>organização</strong> e <strong>de</strong>senvolvimento curricular no<br />

Brasil, <strong>de</strong>stacando as duas gran<strong>de</strong>s reformas curriculares ocorridas no Brasil, na primeira<br />

meta<strong>de</strong> do século XX, que instituíram programas nacionais obrigatórios a serem seguidos<br />

por todas as escolas da época: A reforma Francisco Campos, em 1931 e a reforma Gustavo<br />

Capanema, em 1942. Sobre o caráter <strong>de</strong> centralização ou <strong>de</strong>scentralização, po<strong>de</strong>mos<br />

<strong>de</strong>stacar que “os programas nacionais obrigatórios explicitados ao tempo das reformas<br />

Campos e Capanema foram sendo substituídos por guias/propostas não obrigatórios<br />

elaborados pelas secretarias estaduais e secretarias municiais <strong>de</strong> educação, ao longo das<br />

décadas <strong>de</strong> 70/80” (Ibid., p. 25). Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais<br />

<strong>para</strong> o Ensino Fundamental, em 1997, e <strong>para</strong> o Ensino Médio, em 1999, <strong>de</strong>vido à nova<br />

<strong>de</strong>manda existente em relação à centralização proposta pela Lei <strong>de</strong> diretrizes e bases da<br />

educação nacional, instaura-se novamente o cunho centralizador do Governo Fe<strong>de</strong>ral,


porém <strong>de</strong>sta vez orientando e não <strong>de</strong>terminando o conteúdo e as especificida<strong>de</strong>s relativas<br />

ao currículo da Educação Básica brasileira.<br />

Enten<strong>de</strong>mos, portanto, que esta discussão sobre a centralização ou não das<br />

orientações curriculares passa a representar um objetivo <strong>de</strong>sta tese, já que levaremos em<br />

conta aspectos sociais e culturais <strong>para</strong> justificar possíveis formas <strong>de</strong> propor algumas metas<br />

a serem refletidas sobre os <strong>conteúdos</strong> que <strong>de</strong>verão ser levados em conta ou não na atual<br />

realida<strong>de</strong> brasileira do Ensino Médio. Pires (2008) reflete sobre algumas questões que os<br />

elaboradores das orientações curriculares do final do século passado enfrentaram:<br />

Como construir referências nacionais <strong>de</strong> modo a enfrentar antigos<br />

problemas da educação brasileira e ao mesmo tempo, enfrentar novos<br />

<strong>de</strong>safios colocados pela conjuntura mundial e pelas novas características<br />

da socieda<strong>de</strong>, como a urbanização crescente? O que significa indicar<br />

pontos comuns do processo educativo em todas as regiões mas, ao<br />

mesmo tempo, respeitar as diversida<strong>de</strong>s regionais, culturais e políticas<br />

existentes, no quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s da realida<strong>de</strong> brasileira? Como<br />

equacionar problemas referentes à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos centros <strong>de</strong><br />

produção <strong>de</strong> conhecimento, tanto das áreas curriculares quanto da área<br />

pedagógica, e que se refletem na formação dos professores que colocaram<br />

as idéias curriculares em prática? Que Matemática <strong>de</strong>ve ser ensinada às<br />

crianças e jovens <strong>de</strong> hoje e com que finalida<strong>de</strong>? De que modo teorias<br />

didáticas e metodológicas <strong>de</strong>vem ser incorporadas ao <strong>de</strong>bate curricular,<br />

sem que sejam distorcidas e tragam prejuízos à aprendizagem dos<br />

alunos? (p. 26).<br />

Nos <strong>de</strong><strong>para</strong>mos com estas mesmas questões ao buscar um indício do que virá a ser<br />

nosso problema <strong>de</strong> pesquisa, mas po<strong>de</strong>mos configurar que o <strong>de</strong>bate sobre estas questões<br />

constitui parte integrante dos objetivos relevantes <strong>de</strong>sta tese.<br />

Outro objetivo imperativo a ser discutido é a reflexão sobre as proposições dos<br />

próprios objetivos do Ensino Médio, mencionados anteriormente, no que se refere, por um<br />

lado, “a pre<strong>para</strong>ção básica <strong>para</strong> o trabalho” e “a compreensão dos fundamentos científico-<br />

tecnológicos dos processos produtivos”, por outro lado “o aprimoramento do educando<br />

como pessoa humana, incluindo a formação ética e o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia<br />

intelectual e do pensamento crítico” (Brasil, 1996, p.13-14). Em uma apreciação inicial<br />

sobre estas palavras, compreen<strong>de</strong>mos que são objetivos amplos, porém muito distintos,<br />

pois <strong>de</strong> um lado <strong>de</strong>vemos pre<strong>para</strong>r o aluno <strong>para</strong> o trabalho, o que po<strong>de</strong> significar apenas o<br />

domínio <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> ações mecânicas e repetitivas, implicando em um ensino<br />

tecnicista, por outro lado propõe o <strong>de</strong>senvolvimento da formação ética, autonomia<br />

intelectual e pensamento crítico, trazendo indícios do que ao nosso ver <strong>de</strong>ve ser a principal


preocupação, não só do Ensino Médio, mas como <strong>de</strong> toda a Educação: promover a reflexão<br />

crítica a respeito <strong>de</strong> como utilizar os conhecimentos aprendidos em prol da construção <strong>de</strong><br />

uma socieda<strong>de</strong> mais justa e igualitária em oportunida<strong>de</strong>s e condições mínimas <strong>para</strong> uma<br />

vida digna. Saber como pon<strong>de</strong>rar estas doses <strong>de</strong> conhecimentos científicos e reflexivos no<br />

currículo <strong>de</strong> Matemática, representa um <strong>de</strong>safio eminente e um claro objetivo ao<br />

refletirmos sobre <strong>critérios</strong> <strong>para</strong> <strong>escolha</strong> e <strong>organização</strong> <strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong>.<br />

3. Problemática e Problema <strong>de</strong> Pesquisa<br />

Laville e Dionne (1999) refletem sobre as diferenças conceituais entre duas<br />

expressões muito interessantes, a saber, “problemática sentida” e “problemática racional”.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que cabe, neste momento, pontuar o que os autores mencionam a este<br />

respeito:<br />

A problemática é o conjunto dos fatores que fazem com que o<br />

pesquisador conscientize-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado problema, veja-o <strong>de</strong> um<br />

modo ou <strong>de</strong> outro, imaginando tal ou tal eventual solução. O problema e<br />

sua solução em vista não passam da ponta <strong>de</strong> um iceberg, ao passo que a<br />

problemática é a importante parte escondida. Uma operação essencial do<br />

pesquisador consiste em <strong>de</strong>svendá-la.<br />

Essa operação <strong>de</strong> <strong>de</strong>svendamento consiste, mais precisamente, em jogar o<br />

mais possível <strong>de</strong> luz sobre as origens do problema e as interrogações<br />

iniciais que concernem a ele, sobre sua natureza e sobre as vantagens que<br />

se teria em resolvê-lo, sobre o que se po<strong>de</strong> prever como solução e sobre o<br />

modo <strong>de</strong> aí chegar.<br />

Na saída, portanto, acha-se uma problemática sentida, imprecisa e vaga;<br />

na chegada, uma problemática consciente e objetivada, uma problemática<br />

racional (p. 98, grifo nosso).<br />

Até aqui, cremos que o leitor já está convencido que existe uma problemática<br />

sentida instaurada. Além dos três documentos oficiais publicados como Parâmetros e/ou<br />

Orientações Curriculares <strong>para</strong> o Ensino Médio, pu<strong>de</strong>mos verificar a existência <strong>de</strong> muitos<br />

artigos e algumas dissertações <strong>de</strong> mestrado e teses <strong>de</strong> doutorado que apontam <strong>para</strong> a<br />

existência <strong>de</strong> sintomas <strong>de</strong>monstrando esta “problemática sentida”: o quê e por quê<br />

<strong>de</strong>vemos ensinar e o quê e por quê não <strong>de</strong>vemos ensinar aos nossos alunos na Matemática<br />

do Ensino Médio? Verificamos, também, que as discussões existentes são pontuais e<br />

referem-se a <strong>de</strong>terminados <strong>conteúdos</strong> específicos, fundamentadas, em alguns casos, em<br />

práticas também pontuais. Senão vejamos apenas a título ilustrativo: Ávila (1991) e Duclos<br />

(1992) apontam seus pareceres favoráveis em relação a ensinar Cálculo Diferencial e


Integral no Ensino Médio, fundamentados nas suas experiências profissionais. Bria (2001),<br />

em sua tese <strong>de</strong> doutorado, enumera argumentos <strong>para</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r apenas a inserção do tema<br />

“Grafos” na Educação Básica.<br />

Como já dissemos anteriormente, o caminho que nos levou ao problema <strong>de</strong><br />

pesquisa, ao contrário do que tradicionalmente ocorre, conduziu-nos <strong>de</strong> uma preocupação<br />

inicial, pontual e específica <strong>para</strong> questionamentos amplos, porém com temática bem<br />

<strong>de</strong>limitada. A gran<strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes questionamentos é justificada, em boa parte, pela<br />

imensa gama <strong>de</strong> fatores envolvidos ao pon<strong>de</strong>rarmos sobre quais assuntos <strong>de</strong>veriam ser<br />

abordados <strong>para</strong> todos os estudantes do Ensino Médio brasileiro. É possível realizar este<br />

trabalho ou po<strong>de</strong>mos estabelecer sem análise prévia que um currículo <strong>de</strong>ve ser<br />

<strong>de</strong>scentralizado, implicando na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propostas abrangentes? Cremos nesta<br />

possibilida<strong>de</strong>, embora tenhamos certeza que fatores sociais e culturais sempre estarão<br />

associados às propostas curriculares.<br />

Na certeza da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> refletir e propor <strong>critérios</strong>, construímos uma trajetória<br />

penosa, porém absolutamente necessária, <strong>de</strong> caminhar da temática à construção <strong>de</strong><br />

perguntas <strong>de</strong> pesquisa e, finalmente, ao problema <strong>de</strong> pesquisa (BOOTH; COLOMB;<br />

WILLIAMS, 2000).<br />

Nossas perguntas iniciais resumiam-se a interesses diversos <strong>de</strong>ntro da temática do<br />

currículo <strong>de</strong> Matemática no Ensino Médio: Por que ensinar ou por que não ensinar Cálculo<br />

Diferencial e Integral nesta etapa do ensino? Por que as orientações curriculares oficiais<br />

não esclarecem sob quais <strong>critérios</strong> refletiram sobre os <strong>conteúdos</strong> sugeridos? Estes <strong>critérios</strong><br />

existem ou os elaboradores <strong>de</strong>stes parâmetros fundamentam-se em suas convicções<br />

pessoais enquanto pesquisadores e, <strong>de</strong>sta maneira, seriam ten<strong>de</strong>nciais na <strong>escolha</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>conteúdos</strong>? Seria possível analisar a tendência implícita nos documentos governamentais<br />

no que diz respeito ao fato dos tópicos mais valorizados estarem relacionados à aplicação<br />

tecnicista, visando apenas o saber-fazer, ou revelam um caráter propedêutico,<br />

simplesmente justificando o seu ensino <strong>para</strong> fundamentar uma “base” comum a ser<br />

<strong>de</strong>senvolvida no Ensino Superior? Como <strong>de</strong>terminados <strong>conteúdos</strong> foram inseridos no<br />

currículo <strong>de</strong> Matemática do Ensino Médio? Estão lá simplesmente por tradição, ou seja,<br />

várias gerações propagam este conhecimento como sendo importante, sem a prévia análise<br />

do contexto histórico, social e cultural no qual vivemos?<br />

Em busca <strong>de</strong> uma problemática racional, consistente e objetiva (LAVILLE;<br />

DIONNE, 1999), enunciamos nosso problema <strong>de</strong> pesquisa: Quais os <strong>critérios</strong> <strong>para</strong> a


seleção e <strong>organização</strong> <strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong> <strong>de</strong> Matemática no Ensino Médio, consi<strong>de</strong>rando que,<br />

<strong>para</strong> selecioná-los e organizá-los, <strong>de</strong>vemos levar em conta os aspectos organizacionais,<br />

metodológicos, sociais e culturais envolvidos no processo?<br />

4. Reflexões Teórico-Metodológicas<br />

Inicialmente, gostaríamos <strong>de</strong> refletir sobre a utilização da palavra “reflexões” ao<br />

invés <strong>de</strong> “fundamentação” teórico-metodológica. Acreditamos e justificaremos que esta<br />

pesquisa é classificada como qualitativa, envolvendo uma investigação teórica que<br />

contemplará vários campos do conhecimento, como Filosofia, Educação e Currículo, além<br />

da própria Matemática e sua História. Esta utilização da teoria <strong>para</strong> justificar nosso ponto<br />

<strong>de</strong> vista provoca uma reflexão metodológica a respeito, justificada, e não fundamentada,<br />

pelas características <strong>de</strong> um ensaio teórico. Insistimos na não utilização da palavra<br />

“fundamentação” por discordar, no caso específico <strong>de</strong>ste ensaio, que a <strong>escolha</strong> ina<strong>de</strong>quada<br />

da metodologia po<strong>de</strong>ria anular nossos resultados, inclusive por esta razão achamos que a<br />

expressão “teórico-metodológicas” seja mais a<strong>de</strong>quada que simplesmente “metodológicas”<br />

e justificaremos esta outra <strong>escolha</strong> mais adiante. No entanto, <strong>de</strong>ve ficar claro que<br />

acreditamos na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentação <strong>de</strong> certas pesquisas, inclusive qualitativas.<br />

Senão vejamos, como seria possível realizar uma investigação caracterizada como estudo<br />

<strong>de</strong> caso, sem que o mesmo seja fundamentado claramente? Se esta fundamentação fosse<br />

inconsistente, implicaria na perda <strong>de</strong> todas as informações e interpretações realizadas e<br />

comprometeria as conclusões obtidas.<br />

Após esta pequena justificativa inicial, alegamos que nossa pesquisa qualitativa<br />

po<strong>de</strong> ser assim classificada por seguir os cinco <strong>critérios</strong> clássicos enunciados por Lüdke e<br />

André (1986, p. 11-13):<br />

(1) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta <strong>de</strong> dados e<br />

o pesquisador como seu principal instrumento: nos apropriamos da expressão “ambiente<br />

natural”, <strong>de</strong>ntre os mais variados sentidos que ela po<strong>de</strong>ria expressar, como o ambiente<br />

vivenciado pelo pesquisador, sua orientadora e o grupo <strong>de</strong> pesquisa no qual estão inseridos.<br />

Cada um compartilhando com o(s) outro(s) sua experiência, com uma dinâmica <strong>de</strong><br />

conhecimentos teóricos e práticos. Esta experiência a qual nos referimos rompe as<br />

dicotomias professor/pesquisador e teoria/prática, pois contempla a vivência nos<br />

“ambientes naturais” dos filósofos, dos educadores matemáticos, dos elaboradores dos<br />

currículos <strong>de</strong> Matemática ou daqueles professores que se sentem incomodados com o fato


<strong>de</strong> não saberem justificar os porquês <strong>de</strong> ensinarem <strong>de</strong>terminados assuntos, talvez também<br />

não encontrando argumentos convincentes <strong>para</strong> justificarem o próprio ensino da<br />

Matemática. Compreen<strong>de</strong>mos que esta pesquisa tem o “pesquisador como seu principal<br />

instrumento”, pois o rigor, ao contrário dos métodos cartesianos, não está no método, mas<br />

no próprio pesquisador.<br />

Convivendo com outros, na iminência da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver brotar um<br />

ponto <strong>de</strong> vista que enriqueça o meu, procuro por modos <strong>de</strong> ver, os<br />

analiso, os rebato, os sustento. Faço surgir concepções e consi<strong>de</strong>rações<br />

integradoras, refutadoras, conservadoras, etc., a partir do diálogo que<br />

sustento com os que falam sobre as coisas que me <strong>de</strong>ixam perplexo e que,<br />

por esse motivo, tematizo. Recolho informações e as <strong>de</strong>componho,<br />

interpreto, analiso, re-contextualizando-as. Vou até o outro <strong>para</strong> que ele<br />

possa me dizer o que sabe, o que ele me diz escrevendo, exercitando-se<br />

no aparente <strong>para</strong>doxo da comunicação. (GARNICA, 1999, p. 64).<br />

(2) Os dados coletados são predominantemente <strong>de</strong>scritivos: Acreditamos que seja<br />

importante discutir a questão semântica, sobremaneira em um trabalho como este, em que<br />

a análise do conteúdo será um dos focos. Ainda que não altere o caráter qualitativo da<br />

pesquisa, cremos que até o reforçaria, nos <strong>de</strong>temos na análise da expressão “dados<br />

coletados” por nos causar a sensação <strong>de</strong> prontos, acabados, sem dinâmica. Neste sentido, o<br />

movimento seria do pesquisador, ao relacionar dados estanques. Cremos, sim, em dados<br />

construídos. Aliás, a própria palavra “dado” nos remete à idéia <strong>de</strong> algo pronto, evi<strong>de</strong>nte,<br />

que não <strong>de</strong>manda esforços, sabemos que não é assim. Talvez a melhor palavra <strong>para</strong><br />

<strong>de</strong>screver o que efetivamente buscamos, enquanto pesquisadores, seria “informação”, pois<br />

implicaria na construção articulada obtida pela análise <strong>de</strong> situações, fenômenos,<br />

acontecimentos, fatos, ou até mesmo pela opinião do outro, que nada mais são que<br />

informações relevantes e significativas <strong>para</strong> uma ou mais pessoas, po<strong>de</strong>ndo constituir uma<br />

cultura própria.<br />

Interpretamos que “dados” ou “informações”, no contexto <strong>de</strong>sta pesquisa, seriam os<br />

documentos oficiais (parâmetros, diretrizes, etc.) e a própria teoria envolvida na elaboração<br />

e condução <strong>de</strong>sta pesquisa. Mas documentos e teorias não existem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa e, portanto, não bastaria “coletar” estes “dados” e respon<strong>de</strong>r ao nosso<br />

problema <strong>de</strong> pesquisa. Acreditamos em outra perspectiva, aquela em que as informações,<br />

ainda que prontas, representam diversos contextos e cada interpretação das mesmas é uma<br />

apropriação pessoal ou coletiva, e como tal, não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada falsa ou verda<strong>de</strong>ira,


mas sim confrontada à luz das teorias existentes, as quais também se revitalizariam ou não,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo das <strong>escolha</strong>s feitas. Portanto, acreditamos em dados criados, não no sentido <strong>de</strong><br />

inventados, mas como já dissemos, no sentido <strong>de</strong> construídos. Por este prisma, a teoria se<br />

fun<strong>de</strong> com a metodologia, justificando o título <strong>de</strong>ste tópico. Estas contribuições teóricas ao<br />

nosso trabalho não ocorreram <strong>de</strong> maneira linear, embora a leitura da tese possa conduzir o<br />

leitor a achar isto. As idéias, questões, inquietações, referências, variáveis vêm à tona ou se<br />

esvaecem quando confrontadas ao problema e aos objetivos da pesquisa. A <strong>de</strong>scrição da<br />

trajetória, do movimento da pesquisa, dos resultados parciais e sua relação com a resposta<br />

ao problema que formulamos <strong>de</strong>verá ser enunciada nas conclusões. Todas estas partes que<br />

recusamo-nos chamar <strong>de</strong> etapas, se interligarão fazendo o que compreen<strong>de</strong>mos ser a<br />

<strong>de</strong>scrição da construção dos dados.<br />

(3) A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto: Esta<br />

forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a pesquisa posiciona o leitor e o conduz pelos mesmos<br />

questionamentos e propõe uma concordância com o escritor a respeito das conclusões<br />

obtidas, caracterizando a importância do processo em relação ao produto, já que somente<br />

pela validação do primeiro po<strong>de</strong>mos nos convencer sobre o segundo. A relação não é <strong>de</strong><br />

causa e efeito, mas <strong>de</strong> assegurar que as conclusões obtidas em todo o processo serão<br />

apenas sistematizadas e, convencionalmente, escritas no final do trabalho. Espera-se que,<br />

antes <strong>de</strong> iniciar a leitura dos produtos obtidos, o leitor já tenha uma posição a respeito, não<br />

só por suas convicções tácitas ou explícitas, mas pela ação convincente do pesquisador<br />

durante o processo.<br />

O produto <strong>de</strong>sta pesquisa, manifestado na forma <strong>de</strong> assertivas cuja<br />

pretensão é dar ao possível leitor indicativos das compreensões do<br />

pesquisador, é secundário ao processo <strong>de</strong> geração <strong>de</strong>sse produto. Nessa<br />

trajetória <strong>de</strong> compreensões estão entrelaçados os pré-supostos existenciais<br />

<strong>de</strong> quem investiga e os dados recolhidos nas <strong>de</strong>scrições (e, portanto,<br />

esforço <strong>de</strong> compartilhar significados atribuídos). O produto é, portanto,<br />

uma reelaboração <strong>de</strong> compreensões tornado compreensão mais fecunda,<br />

mais elaborada que, tornada pública, vê-se na situação <strong>de</strong> um novo<br />

esforço <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> significado que um outro pesquisador, por sua<br />

vez, po<strong>de</strong> reelaborar. Tal é esse processo interminável. Tal é a natureza<br />

<strong>de</strong> uma abordagem <strong>de</strong> pesquisa na qual “a preocupação com o processo é<br />

muito maior do que com o produto”. (GARNICA, 1999, p. 67).<br />

Compreen<strong>de</strong>r a relação entre o processo e o produto po<strong>de</strong>ria nos levar a uma<br />

concepção dicotômica sobre os mesmos, mas, como veremos adiante, a idéia pós-mo<strong>de</strong>rna


<strong>de</strong> Ciência nos parece mais viável, aquela na qual em vários momentos o caos se instaura e<br />

leva uma nova auto-<strong>organização</strong>.<br />

(4) O “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos <strong>de</strong> atenção<br />

especial pelo pesquisador: Sentimos a necessida<strong>de</strong> imediata <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o que seriam<br />

“significado”, “pessoas”, “coisas” e “vida” no contexto <strong>de</strong>sta tese, mas pensamos que a<br />

preocupação maior não <strong>de</strong>ve ser esta, mas compreen<strong>de</strong>r a importância da argumentação,<br />

pois po<strong>de</strong>ríamos reduzir este critério metodológico a convencer o leitor que, em nossa<br />

pesquisa, buscamos incessantemente justificativas <strong>para</strong> a própria Matemática, atribuindo<br />

significados a ela, sejam <strong>de</strong> tendência prática ou teórica ou uma relação que rompa esta<br />

dicotomia. Estes significados serão construídos através da contribuição <strong>de</strong> vários campos<br />

<strong>de</strong> conhecimento, como a Filosofia, a História, a Sociologia, a Antropologia e, é claro, a<br />

Matemática. O próprio movimento Educação Matemática constitui uma área que dialoga<br />

com todos estes outros campos, tornando nosso trabalho mais prazeroso, porém não menos<br />

trabalhoso.<br />

Assim, o significado que os elaboradores dos currículos oficiais atribuem à<br />

importância maior, menor ou nula <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado conteúdo matemático ecoa no<br />

significado que os professores manifestam através <strong>de</strong> sua prática, chegando até os alunos<br />

que, muitas vezes, não enxergam razão alguma <strong>para</strong> apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong>terminado assunto. Não<br />

estou <strong>de</strong> modo algum <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o utilitarismo imediato do ensino <strong>de</strong> Matemática, mas<br />

apenas uma forma <strong>de</strong> justificá-lo.<br />

Ao mesmo tempo, como pesquisadores, buscamos que os leitores <strong>de</strong> nossas<br />

pesquisas possam compartilhar as reflexões que fazemos, em um caminho <strong>de</strong> concordância<br />

que agregará mais voluntários ao exército <strong>de</strong> idéias e concepções que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos. O<br />

próprio ato <strong>de</strong> “<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma tese” está impregnado <strong>de</strong> significados e convencimentos.<br />

Compartilhamos com os três princípios metodológicos enunciados por Latour (2000) que<br />

vem ao encontro do que escrevemos até aqui, e vai muito além disto:<br />

Primeiro, <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong> qualquer discurso ou opinião sobre ciência feita e,<br />

em lugar disso, seguir os cientistas em ação; segundo, <strong>de</strong>sistir <strong>de</strong> qualquer<br />

<strong>de</strong>cisão sobre a subjetivida<strong>de</strong> ou a objetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma afirmação com<br />

base simplesmente no exame <strong>de</strong>ssa afirmação e, em vez disso,<br />

acompanhar sua história tortuosa, <strong>de</strong> mão em mão, durante a qual cada<br />

um o transforma mais em fato ou mais em artefato, finalmente, abandonar<br />

sua suficiência da Natureza como principal explicação <strong>para</strong> o<br />

encerramento das controvérsias e, em vez disso, contabilizar a longa e<br />

heterogênea lista <strong>de</strong> recursos e aliados que os cientistas estavam reunindo<br />

<strong>para</strong> tornar a discordância impossível. (p. 169).


(5) A análise dos dados ten<strong>de</strong> a seguir um processo indutivo: Este processo revela<br />

que a interpretação <strong>de</strong>ve ter um papel central na pesquisa qualitativa. Cada afirmação,<br />

carregada <strong>de</strong> vivências pessoais, gera a busca pela generalização ou pela categorização,<br />

não como nas pesquisas quantitativas mensuráveis que conduzem ao crivo da lógica<br />

aristotélica rotulando como verda<strong>de</strong>iro ou falso, verda<strong>de</strong> ou mentira, certo ou errado, mas<br />

classificando no sentido <strong>de</strong> buscar afinida<strong>de</strong>s, categorias que a priori não seriam ligadas<br />

por uma linha <strong>de</strong> pensamento. Inicialmente, por exemplo, pensamos em começar<br />

analisando a história do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conceitos matemáticos, mas durante a<br />

pesquisa uma análise se fez mais profunda: a análise das escolas filosóficas da Matemática<br />

e da Educação Matemática que ilustram os tipos <strong>de</strong> justificativas que encontramos<br />

atualmente <strong>para</strong> o ensino da Matemática. Juntamente com estas lentes apontadas <strong>para</strong><br />

vários campos, também sentimos a obrigação <strong>de</strong> conhecer e estudar profundamente o que<br />

as atuais orientações curriculares oficiais mencionam. E como relacionar tudo isto? Não<br />

sabemos antecipadamente, pois neste processo <strong>de</strong> indução, buscamos relações no caminho,<br />

no processo, auto-organizando o que parece uma torre <strong>de</strong> Babel e, sobretudo, <strong>de</strong>scobrindo<br />

relações inimagináveis antes do início da ação e cortando vínculos que, aparentemente<br />

possuíam afinida<strong>de</strong>s.<br />

O leitor po<strong>de</strong> perguntar-se se esta pesquisa não seria uma espécie <strong>de</strong> nova versão<br />

dos Parâmetros Curriculares Nacionais, afinal já temos três documentos governamentais<br />

versando sobre este assunto e o último <strong>de</strong>les foi publicado recentemente. Porém,<br />

enten<strong>de</strong>mos que este trabalho tem a intenção <strong>de</strong> aprofundar o tema e criar <strong>critérios</strong> à luz <strong>de</strong><br />

teorias já existentes. Muito mais que uma revisão bibliográfica, a intenção é contribuir com<br />

uma forma inédita <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong>, preten<strong>de</strong>ndo estabelecer <strong>critérios</strong> norteadores<br />

<strong>para</strong> que cada escola, cada professor, levando-se em conta a especificida<strong>de</strong> e o contexto<br />

on<strong>de</strong> se situam, possam ser capazes <strong>de</strong> escolher os <strong>conteúdos</strong> mais a<strong>de</strong>quados <strong>para</strong> os seus<br />

alunos. Portanto, esta tese será um ensaio teórico, na medida que preten<strong>de</strong> envolver<br />

profundamente aspectos relativos a nossa interpretação sobre a problemática existente,<br />

acerca dos Currículos <strong>de</strong> Matemática no Ensino Médio:<br />

O trabalho científico po<strong>de</strong> ainda assumir a forma <strong>de</strong> ensaio. Em nossos<br />

meios, este tipo <strong>de</strong> trabalho é concebido como um estudo bem<br />

<strong>de</strong>senvolvido, formal, discursivo e conclu<strong>de</strong>nte, consistindo em<br />

exposição lógica e reflexiva e em argumentação rigorosa com alto nível<br />

<strong>de</strong> interpretação e julgamento pessoal. No ensaio há maior liberda<strong>de</strong> por


parte do autor, no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>terminada posição sem que tenha<br />

<strong>de</strong> se apoiar no rigoroso e objetivo a<strong>para</strong>to <strong>de</strong> documentação empírica e<br />

bibliográfica... (SEVERINO, 2002, p. 152-153).<br />

Embora haja um caráter <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência do escritor, sugerido em um trabalho<br />

caracterizado como ensaio teórico, fundamentaremos nossa posição em autores que versam<br />

sobre o assunto, mas dando um passo além, buscando relacionar estas teorias em prol dos<br />

<strong>critérios</strong> que enunciaremos. Para a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong>stes, consi<strong>de</strong>raremos aspectos<br />

relacionados à seleção dos <strong>conteúdos</strong>, apoiando-nos em Doll Jr. (1997), em seu conceito <strong>de</strong><br />

currículo e nos seus quatro R’s 5 propostos <strong>para</strong> um currículo pós-mo<strong>de</strong>rno, em contraponto<br />

com os três R’s 6 criados no final do século XIX e início do século XX visando as<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> industrial em <strong>de</strong>senvolvimento (Doll Jr., 1997, p. 190). Na<br />

realida<strong>de</strong>, preten<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>stes <strong>critérios</strong>, segundo a<br />

visão <strong>de</strong> um educador matemático, ou seja, adaptando-os e ampliando-os com a finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> estabelecer <strong>critérios</strong> <strong>para</strong> <strong>escolha</strong> <strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong> específicos <strong>de</strong> Matemática.<br />

Tornando nossas reflexões mais plausíveis, contemplaremos os aspectos sociais e<br />

culturais e, como já ressaltamos, valorizaremos por <strong>de</strong>mais estas influências. Para isto,<br />

utilizaremos as idéias utilizadas por Skovsmose (2001) sobre Educação Matemática<br />

Crítica. Grosso modo, este movimento surgiu na década <strong>de</strong> 1980, preocupando-se<br />

fundamentalmente com os aspectos políticos e a relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r existentes na Educação<br />

Matemática, <strong>de</strong>rivada da análise existente anteriormente no cerne da própria Educação.<br />

Como cita o professor Marcelo Borba, no prefácio <strong>de</strong> Skovsmose (2001), esta corrente<br />

estuda questões como: a quem interessa que a Educação Matemática seja organizada <strong>de</strong>ssa<br />

maneira? Para quem a Educação Matemática <strong>de</strong>ve estar voltada? Como evitar preconceitos<br />

nos processos analisados pela Educação Matemática que sejam nefastos <strong>para</strong> grupos <strong>de</strong><br />

oprimidos como trabalhadores, negros, “índios” e mulheres? Nossa tese voltar-se-á,<br />

principalmente, <strong>para</strong> a análise e discussão da primeira questão enunciada por Borba,<br />

analisando criticamente os <strong>conteúdos</strong> consi<strong>de</strong>rados “tradicionais” na educação básica<br />

brasileira, mais especificamente no Ensino Médio.<br />

Mas por on<strong>de</strong> começar? Eis uma questão que parece ser o gran<strong>de</strong> empecilho <strong>para</strong> o<br />

início <strong>de</strong>sta gran<strong>de</strong> viagem. Tantas teorias, tantos teóricos, várias possibilida<strong>de</strong>s, e o<br />

caminho <strong>de</strong>ve ser iniciado, mas em qual direção? Esta reflexão foi intensa e <strong>de</strong>morada,<br />

pois mesmo sabendo que fugíamos a todo o momento <strong>de</strong> um caminho linear, sabendo que<br />

5 Riqueza, recursão, relações e rigor.<br />

6 Readin (Reading – leitura), Ritin (Writing – escrita) e Rithmetic (Arithmetic – Aritmética).


o trabalho <strong>de</strong> ir e vir seria realizado várias vezes através <strong>de</strong> nossos diálogos ou “triálogos”<br />

ou “poliálogos” com vários autores. Mas uma <strong>escolha</strong> inicial <strong>de</strong>veria ser feita e optamos<br />

pela Filosofia. A análise das escolas filosóficas da Matemática e da própria Educação<br />

Matemática em muito contribuirá <strong>para</strong> uma visão ampla do que preten<strong>de</strong>mos analisar e<br />

será extremamente útil <strong>para</strong> estabelecer e refletir sobre nossos <strong>critérios</strong>. Para tanto,<br />

utilizaremos vários autores, <strong>de</strong>ntre eles, Bicudo (2003), Machado (2001b) e Silva (1999,<br />

2007).<br />

Outro aspecto levado em conta será o organizacional. Como ponto <strong>de</strong> partida,<br />

utilizaremos a idéia <strong>de</strong> Currículo <strong>de</strong> Matemática em re<strong>de</strong>, trabalhado por Pires (2000). Para<br />

esta autora, as idéias <strong>de</strong> hipertexto, exploradas no campo <strong>de</strong> tecnologia, e <strong>de</strong>finidas por<br />

Pierre Lévy como uma metáfora do conhecimento, representam novas maneiras <strong>de</strong><br />

vislumbrar o pensar e o conviver:<br />

Novas maneiras <strong>de</strong> pensar e conviver estão sendo elaboradas no mundo<br />

das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o<br />

trabalho, a própria inteligência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, na verda<strong>de</strong>, da metamorfose<br />

incessante dos dispositivos informacionais <strong>de</strong> todos os tipos. Escrita,<br />

leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturados por uma<br />

informática cada vez mais avançada. Não se po<strong>de</strong> mais conceber a<br />

pesquisa científica sem uma aparelhagem complexa que redistribui as<br />

antigas divisões entre experiência e teoria. Emerge, neste final <strong>de</strong> século<br />

XX, um conhecimento por simulação que os epistemologistas ainda não<br />

inventariaram. Lévy (1993 apud PIRES, 2000, p. 119).<br />

Os modos <strong>de</strong> tecer esta re<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimentos, <strong>de</strong>ntro da Matemática e,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, levando em consi<strong>de</strong>ração outras disciplinas, faz com que busquemos vários<br />

recursos metodológicos <strong>para</strong> torná-los eficaz: o uso <strong>de</strong> jogos, <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong> construção e<br />

manipulação, a incorporação didática da História da Matemática, a utilização <strong>de</strong> recursos<br />

tecnológicos, a mo<strong>de</strong>lagem matemática e o trabalho com projetos são alguns indicadores<br />

<strong>de</strong>stas possibilida<strong>de</strong>s e serão levados em conta nesta pesquisa.<br />

5. Aporte Teórico<br />

Inicialmente, como propostas incipientes <strong>para</strong> conduzirmos nossa tese, propomos<br />

um estudo <strong>de</strong> alguns campos e teorias que fazem parte do próprio movimento Educação<br />

Matemática <strong>para</strong> servir-nos <strong>de</strong> aporte visando os <strong>critérios</strong> que preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>terminar.<br />

Para isto, olharemos <strong>para</strong> a Filosofia e compreen<strong>de</strong>remos como certas tendências e<br />

concepções sobre conceitos e sobre a própria Matemática po<strong>de</strong>m ser explicadas. Depois


efletiremos sobre o trabalho <strong>de</strong> William Doll e seus <strong>critérios</strong> curriculares em uma<br />

perspectiva pós-mo<strong>de</strong>rna. Finalmente, nos apropriaremos <strong>de</strong> um dos conceitos mais<br />

difundidos e discutidos, atualmente: A Educação Crítica refletida no meio da Educação<br />

Matemática.<br />

5.1 Contribuições da Filosofia<br />

Servindo-nos <strong>de</strong> algumas tendências em Educação Matemática e <strong>de</strong> correntes do<br />

pensamento matemático como pano <strong>de</strong> fundo, utilizaremos a Filosofia como instrumento<br />

po<strong>de</strong>roso <strong>para</strong> analisar como certos juízos foram construídos historicamente por filósofos e<br />

matemáticos. Corroboramos o pensamento <strong>de</strong> Silva (1999):<br />

O ponto <strong>de</strong> vista que quero <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r com essas reminiscências é bem<br />

simples, não há prática ou teoria pedagógica que não seja, <strong>de</strong> modo<br />

consciente ou não, influenciada, quando não <strong>de</strong>terminada, por uma<br />

concepção filosófica sobre a natureza da Matemática. O educador precisa<br />

necessariamente respon<strong>de</strong>r às questões filosóficas fundamentais sobre o<br />

estatuto do objeto matemático, sobre a natureza da verda<strong>de</strong> matemática,<br />

sobre o caráter do método matemático, sobre a finalida<strong>de</strong> da Matemática,<br />

sobre o estatuto do conhecimento matemático enfim, antes <strong>de</strong> criar<br />

teorias, estabelecer objetivos, elaborar estratégias, <strong>de</strong>senhar métodos ou<br />

qualquer outra ativida<strong>de</strong> teórica ou prática cuja finalida<strong>de</strong> última seja o<br />

ensino <strong>de</strong> Matemática. Ele tem apenas duas <strong>escolha</strong>s neste assunto,<br />

respon<strong>de</strong>r estas questões através da reflexão filosófica, ou respondê-las<br />

ingenuamente, incorporando <strong>de</strong> modo acrítico, assistemático e<br />

fragmentário pontos <strong>de</strong> vista ou meros preconceitos que lhe cruzem o<br />

caminho. Assim, a Filosofia da Matemática <strong>de</strong>ve, necessariamente, estar<br />

presente em qualquer reflexão sistemática e crítica cujo foco seja a<br />

Educação Matemática, em particular a própria Filosofia da Educação<br />

Matemática, se por isto enten<strong>de</strong>rmos a reflexão filosófica a qual cabe<br />

respon<strong>de</strong>r, entre outras questões, o por quê que antece<strong>de</strong> o como da<br />

educação pela e <strong>para</strong> a Matemática. (p. 57-58).<br />

Para isto, estudaremos as gran<strong>de</strong>s correntes do pensamento matemático que<br />

<strong>de</strong>spontaram na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX: o Logicismo, o Formalismo e o<br />

Intucionismo. Cabe ressaltar que, embora sejam diferentes formas <strong>de</strong> conceber o<br />

pensamento matemático, estas linhas filosóficas possuem algumas crenças comuns,<br />

impregnadas no senso comum até os dias atuais. Os matemáticos pertencentes a estas<br />

correntes eram unânimes ao reservar à Matemática um posto único no conjunto do<br />

conhecimento humano. Também compartilhavam da opinião <strong>de</strong> que ela não está aberta à<br />

experimentação empírica, já que constitui a própria razão que antece<strong>de</strong> a experiência. A<br />

validação ou não é interna, tendo nos seus princípios e verda<strong>de</strong>s inquestionáveis, a não ser


pela própria Matemática. Porém, uma vez validadas internamente, estas crenças não estão<br />

sujeitas à revisão. Como po<strong>de</strong>mos constatar, este caráter inabalável e inquestionável da<br />

Matemática como “A Rainha das Ciências 7 ” está presente nos discursos da atualida<strong>de</strong>. O<br />

que questionamos, no entanto, é como justificá-la em sua importância, seja<br />

contextualizada, seja aplicada, seja no cotidiano, <strong>de</strong>smistificado e tirando-a do pe<strong>de</strong>stal que<br />

a torna quase inatingível <strong>para</strong> meros mortais.<br />

Nossa tese buscará a verificação <strong>de</strong> aspectos pontuais <strong>de</strong> cada escola filosófica,<br />

sempre buscando analogias com situações atuais que justificariam o ensino ou não <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminados <strong>conteúdos</strong>, enfocando as contribuições filosóficas <strong>para</strong> o Currículo <strong>de</strong><br />

Matemática no Ensino Médio.<br />

5.2 Contribuições <strong>de</strong> Doll<br />

O professor William E. Doll Jr., atualmente professor adjunto da University of<br />

Victoria, B. C., publicou em 1993 a obra intitulada “A Post-Mo<strong>de</strong>rn Perspective on<br />

Curriculum”, traduzida e publicada em português, em 1997, com o título “Currículo: uma<br />

perspectiva pós-mo<strong>de</strong>rna”.<br />

Nesta obra, Doll utiliza uma analogia com o cenário histórico do pensamento<br />

oci<strong>de</strong>ntal, mostrando a transição entre os períodos conhecidos como pré-mo<strong>de</strong>rnismo,<br />

mo<strong>de</strong>rnismo e pós-mo<strong>de</strong>rnismo. O autor propõe <strong>critérios</strong> <strong>para</strong> um currículo <strong>de</strong>stinado a<br />

promover uma visão pós-mo<strong>de</strong>rna:<br />

Que <strong>critérios</strong> po<strong>de</strong>ríamos usar <strong>para</strong> avaliar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um currículo<br />

pós-mo<strong>de</strong>rno – um currículo gerado, não pré-<strong>de</strong>finido, in<strong>de</strong>terminado,<br />

mas limitado, explorando o “fascinante reino imaginativo da risada <strong>de</strong><br />

Deus”, e constituído por uma re<strong>de</strong> sempre crescente <strong>de</strong> “universida<strong>de</strong>s<br />

locais”? Eu sugiro que os quatro Rs <strong>de</strong> Riqueza, Recursão, Relações e<br />

Rigor po<strong>de</strong>riam servir <strong>para</strong> este propósito. (grifo nosso, p. 192).<br />

Estes quatro Rs se contrapõem aos três Rs <strong>de</strong> Reading (Leitura), Writing (Escrita) e<br />

Arithmetic (Aritmética) que caracterizavam a ênfase do currículo nos Estados Unidos<br />

frente às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes da segunda revolução industrial, dominadas pelo<br />

mo<strong>de</strong>lo fordista e o taylorismo.<br />

7 “A Matemática é a rainha das ciências e a teoria dos números é a rainha das matemáticas”. Frase atribuída<br />

ao matemático alemão Johann Carl Friedrich (1777 – 1855).


5.3 Contribuições <strong>de</strong> Skovsmose<br />

Seguindo nesta construção <strong>de</strong> subsídios <strong>para</strong> propormos <strong>critérios</strong> <strong>de</strong> <strong>escolha</strong> e<br />

<strong>organização</strong> <strong>de</strong> <strong>conteúdos</strong> <strong>para</strong> o Ensino Médio brasileiro, estudaremos as contribuições da<br />

Educação Crítica (EC), analisando sua origem e, principalmente, a colaboração do<br />

educador matemático dinamarquês Ole Skovsmose e sua apreciação a respeito da<br />

Educação Matemática Crítica (EMC). Obviamente, faremos nossos estudos explorando e<br />

aproveitando todos os aspectos que o professor Ole aborda, relativamente ao Currículo <strong>de</strong><br />

Matemática. Esperamos que muitas reflexões mencionadas neste tópico da tese possam nos<br />

inspirar na elaboração das propostas que nortearão nossos <strong>critérios</strong>.<br />

Da mesma forma que a EC po<strong>de</strong> estabelecer uma nova visão do processo <strong>de</strong> ensino-<br />

aprendizagem e das relações e papéis <strong>de</strong> professores e alunos neste ação, também po<strong>de</strong>mos<br />

utilizar esta corrente <strong>de</strong> pensamento <strong>para</strong> buscar reflexões específicas quando o assunto é o<br />

currículo. Skovsmose (2001) propõe questões <strong>para</strong> a discussão do que seria um currículo<br />

crítico:<br />

(1) A aplicabilida<strong>de</strong> do assunto: quem o usa? On<strong>de</strong> é usado? Que tipos <strong>de</strong><br />

qualificação são <strong>de</strong>senvolvidos na Educação Matemática? (2) Os<br />

interesses por <strong>de</strong>trás do assunto: que interesses formadores <strong>de</strong><br />

conhecimento estão conectados a esse assunto? (3) Os pressupostos por<br />

<strong>de</strong>trás do assunto: que questões e que problemas geraram os conceitos e<br />

os resultados na Matemática? Que contextos têm promovido e controlado<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento? (4) As funções do assunto: que possíveis funções<br />

sociais po<strong>de</strong>ria ter o assunto? Essa questão não se remete primariamente<br />

às aplicações possíveis, mas à função implícita em uma Educação<br />

Matemática nas atitu<strong>de</strong>s relacionadas a questões tecnológicas, nas<br />

atitu<strong>de</strong>s dos estudantes em relação a suas próprias capacida<strong>de</strong>s etc. (5) As<br />

limitações do assunto: em quais áreas e em relação a que questões esse<br />

assunto não tem qualquer relevância? (p. 19).<br />

No entanto, enten<strong>de</strong>mos que seja necessário aprofundar ou esclarecer algumas<br />

<strong>de</strong>stas questões do ponto <strong>de</strong> vista e da concepção pós-mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> currículo e segundo a<br />

concepção que temos do que seria um currículo crítico <strong>de</strong> Matemática.<br />

6. Encaminhamentos Futuros<br />

Nas próximas etapas <strong>de</strong>sta pesquisa preten<strong>de</strong>mos analisar aspectos relacionados à<br />

Epistemologia, sobretudo as concepções recentes sobre conhecimento e as metáforas e<br />

analogias utilizadas, também as contribuições da Etnomatemática e sua relação com a<br />

Educação Matemática Crítica.


A intenção é propor <strong>critérios</strong> alternativos aos quatro Rs <strong>de</strong> Doll, adaptando-os à<br />

Educação Matemática, influenciados pelas idéias <strong>de</strong> Skovsmose sobre o que consi<strong>de</strong>ra ser<br />

um currículo crítico.<br />

7. Referências<br />

ÁVILA, G. O Ensino <strong>de</strong> Cálculo no 2° Grau. In: Revista do Professor <strong>de</strong> Matemática,<br />

n.18, p.1-10. São Paulo: 1991.<br />

BICUDO, M. A. V. (Org.). Filosofia da Educação Matemática: concepções &<br />

movimento. Brasília: Plano Editora, 2003.<br />

BOOTH, W. C.; COLOMB, G. G.; WILLIAMS, J. M. A arte da pesquisa. Tradução <strong>de</strong>:<br />

Henrique A. Rego Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2000.<br />

BRASIL. Lei nº 9.394, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996. Estabelece as diretrizes e bases da<br />

educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 <strong>de</strong>z. 1996.<br />

Ministério da Educação – MEC. Secretaria <strong>de</strong> Educação Média e Tecnológica.<br />

Parâmetros Curriculares <strong>para</strong> o Ensino Médio. Brasília: MEC/Semtec, 1999.<br />

Ministério <strong>de</strong> Educação, Secretaria <strong>de</strong> Educação Média e Tecnológica. PCN+<br />

Ensino Médio: Orientações educacionais complementares aos Parâmetros<br />

Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 2002.<br />

Secretaria <strong>de</strong> Educação Básica. Orientações curriculares <strong>para</strong> o Ensino Médio.<br />

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