conto crônica poema coelho de moraes 1 - Página de Ideias
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<strong>conto</strong> <strong>crônica</strong> <strong>poema</strong> <strong>coelho</strong> <strong>de</strong> <strong>moraes</strong><br />
O MESMO VÔO DE BICICLETA<br />
VERSÃO DIAMANTE NEGRO<br />
Cada pessoa é a humanida<strong>de</strong>. História universal... força <strong>de</strong>cidida correndo pelos<br />
campos, pelas tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> várzea, nas ruelas sem calçamento...<br />
Percebi que se armava uma revolução <strong>de</strong> sentidos, para restaurar os ventos <strong>de</strong> meu<br />
prestígio, e todos os que saíram às ruas e me viram em roupas coloridas e meias longas,<br />
a chuteira dourada, lançavam gritos <strong>de</strong> alegria.<br />
Lavar a mancha <strong>de</strong> lama <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>rrota era dominar com argúcia e temperamento a<br />
minha bola. Os jogadores se arrumavam, cavaleiros andantes cervantinos? - e<br />
conversavam a valer.<br />
Deixei o sonho vagar pela grama <strong>de</strong>marcada. Era uma partida dura <strong>de</strong> suportar a todo<br />
filho daquela terra pois não há ícone maior do que representar as cores <strong>de</strong> Quintino, terra<br />
<strong>de</strong> Zico e outros <strong>de</strong>uses... pior do que aquilo só a fome, câimbras e uma queda. Mas a<br />
leitura <strong>de</strong> técnicas antigas e ensinamentos mo<strong>de</strong>rnos me fizeram erguer a cabeça.<br />
Fomos posicionados e os números tremularam nas camisetas.<br />
Testemunhas <strong>de</strong>sesperadas se estendiam nas arquibancadas. Experimentamos um<br />
ardor <strong>de</strong> viver e a enorme responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atrelar antepassados àquela peleja.<br />
O apito.<br />
A meus olhos, principalmente, o progresso e a velocida<strong>de</strong>, inspiravam um perdão<br />
universal; a verda<strong>de</strong> e a justiça traçavam, juntas, um <strong>de</strong>senho arbitrário; as leis da<br />
natureza eram cumprimento obrigatório das normas para uma vitória ampla e discreta. As<br />
pernas <strong>de</strong>slizavam vertiginosas e essas obras eram verda<strong>de</strong>iros atos <strong>de</strong> fé.<br />
O paradoxo que me <strong>de</strong>tinha era o fato <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>rmos, todos os jogadores,<br />
chegarmos juntos, fazendo o mesmo gol na mesma hora. Já me disseram que isso é ter<br />
pouca consciência dos limites da razão. E a meu lado zuniam atletas <strong>de</strong> inclemente fibra.<br />
Pernas treinadas faziam reinar subjetivas correntes e engrenagens <strong>de</strong>ntadas.<br />
Jogar futebol é um belo ato <strong>de</strong> fé.<br />
Penso que muitas vezes me extraviava no campo. A mim valia mais o estar jogando do<br />
que vencer. Mesmo assim, a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser jogador nos conduzia, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
competidores que éramos, às nossas verda<strong>de</strong>s mais profundas. Mesmo que cada um fosse<br />
para um lado. Mesmo que me per<strong>de</strong>sse da bola por segundos.<br />
A bola era vítima e morria ao sabor <strong>de</strong> jornadas. Muitas vezes atingia alturas<br />
inimagináveis. A bola encarnava a humanida<strong>de</strong>. Essas visões, certamente em parte<br />
infundadas, ameaçavam o atleta <strong>de</strong> levar mais longe o olhar.<br />
A bola em si, ou o binômio bolatleta daria, ao mundo que representava, mais do que<br />
um caráter <strong>de</strong> revolta? Uma preocupação superior <strong>de</strong> assegurar o futuro, a duração <strong>de</strong><br />
uma partida e a duração <strong>de</strong> uma vitória. Com isso víamos limites à nossa liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
voar nos ares em busca da pelota magnífica, liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> buscas que constituíam o<br />
sentido <strong>de</strong>sse mundo <strong>de</strong> campos, <strong>de</strong> gramados ou poeira e turbulências <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong><br />
partidas e chegadas. A vida do jogador correspon<strong>de</strong> a um equívoco. Ele gostaria <strong>de</strong> ser<br />
um pássaro. A angústia, evi<strong>de</strong>ntemente, me guiava entre atletas atentos – isso me<br />
extraviava novamente – pensando em escrever um livro ou ir para a Europa. Lembrei dos<br />
antigos campos <strong>de</strong> várzea da Gamboa. As brigas <strong>de</strong> campo em Cascadura.<br />
Por mim passavam <strong>de</strong>z outros jogadores, tática armada, um <strong>de</strong>salinho <strong>de</strong> condutas e<br />
marcações. Seriam também escritores?<br />
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