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conto crônica poema coelho de moraes 1 - Página de Ideias

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<strong>conto</strong> <strong>crônica</strong> <strong>poema</strong> <strong>coelho</strong> <strong>de</strong> <strong>moraes</strong><br />

REENCONTROS<br />

Minha mãe me enviara, numa tar<strong>de</strong> sol e chuva – casamento <strong>de</strong> viúva como diziam<br />

nas terra Mogianas - para <strong>de</strong>positar dinheiro no banco. Ela fazia isso todo mês e este era um<br />

dinheiro regrado e guardado no aperto. Era o dinheiro que minha mãe me dava para garantir<br />

uma parte do futuro, como se assim fosse possível. O mal ou bem <strong>de</strong>sses seres humanos<br />

simples é que acreditam em <strong>conto</strong>s <strong>de</strong> fadas da mesma forma como bebem água. Naquela<br />

tar<strong>de</strong> eu tinha 12 anos e ao entrar no prédio da empresa sugadora <strong>de</strong> dinheiro alheio vi-me<br />

numa agencia da cida<strong>de</strong> pequena conclamando a gritos como era pujante o tal do banco...<br />

gran<strong>de</strong>; piso <strong>de</strong> granito brilhante, escadas e murais <strong>de</strong> artistas brasileiros <strong>de</strong> importância.<br />

Aquilo muito me impressionou e acabou provando que muito dinheiro alheio havia sido gasto<br />

naquela casa on<strong>de</strong> se paga para guardarem seu dinheiro e ainda o usam. Beleza do<br />

espetáculo – pois tudo é espetáculo - pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidros coloridos e painéis em<br />

mosaico que se faziam <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s.<br />

Fui ao caixa, sujeito já cansado estava lá carimbando e cansado estava <strong>de</strong> tanto<br />

carimbar papel e soube, <strong>de</strong>pois, que quando inventarem algo melhor que o carimbo ele será<br />

substituído por outro profissional, mais jovem e mais hábil na tecnologia do momento. Falei da<br />

minha missão. O nome <strong>de</strong>le era Leoni<strong>de</strong>s. Leoni<strong>de</strong>s – igual o leão da fábula - choramingou<br />

que não sabia usar computador. Era este seu argueiro enfiado na pata. Eu disse que tinha 12<br />

anos, não sabia o que era um computador – uns monstros com enormes fitas giratórias que<br />

enchiam, uma ala inteira do prédio, no <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> compensação <strong>de</strong> cheques - e não<br />

estava enten<strong>de</strong>ndo nada do que ele falava entre lágrimas.<br />

Leoni<strong>de</strong>s era um sujeito <strong>de</strong> seus 30 e tantos anos, talvez, e, hoje penso que parecia,<br />

mas não era, recém ingresso no banco, começando a vida profissional naquele momento,<br />

parecia, obe<strong>de</strong>cendo claramente os preceitos <strong>de</strong> RH: mostrar atenção seletiva com seus<br />

clientes e boa vonta<strong>de</strong> seletiva no trabalho. Quem tiver ara <strong>de</strong> rico <strong>de</strong>ve ser atendido primeiro.<br />

Ralé e velhos <strong>de</strong>vem ficar na fila ao lado.<br />

Apesar <strong>de</strong> chorão Leoni<strong>de</strong>s, com pronto atendimento, conversava comigo<br />

perguntando se estudava, se tinha amigos, se gostava <strong>de</strong> música, se tocava algum<br />

instrumento, e dizia tudo isso sem olhar para mim pois era texto e enredo <strong>de</strong>corado <strong>de</strong> seu<br />

treinamento para atendimento <strong>de</strong> clientes. Segurava entre amarelo pálido e branco marfim,<br />

muito sem graça nem brilho, um sorriso no rosto empedrado. A cortesia sólida e estabelecida<br />

<strong>de</strong> acordo com o manual. Leoni<strong>de</strong>s facilitou meu <strong>de</strong>pósito ao saber que minha mãe também<br />

trabalhava no banco - coisas do corporativismo - e ainda saí <strong>de</strong> lá com folhetos das novida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> investimentos e cartas <strong>de</strong> crédito para minha mãe ler e pensar em possibilida<strong>de</strong>s e<br />

alternativas <strong>de</strong> enriquecimento rápido. Senti-me muito importante carregando os tais papeis<br />

coloridos.<br />

E, assim foi. O tempo passou. Cresci, estu<strong>de</strong>i música e teatro, o cabelo cresceu, a<br />

barba também; havia mudado <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> mas tudo era um truque para escapar do cerco da<br />

policia ditatorial. Nem sei quantas vezes pintei meu cabelo. Mudava <strong>de</strong> en<strong>de</strong>reço e talvez<br />

estivesse ai um sintoma ou motivo <strong>de</strong> suspeição em tempos <strong>de</strong> terror. Fui parar no interior<br />

paulista junto a vários amigos e montamos nosso aparelho em Casa Branca; através <strong>de</strong><br />

concursos em quartéis e cursos <strong>de</strong> guerrilha no exterior – digo curso, mas tratava-se <strong>de</strong><br />

evi<strong>de</strong>nte treinamento - ao longo <strong>de</strong> minha vida jovem, naquele novo dia especial eu estava às<br />

vésperas <strong>de</strong> invadir o banco da cida<strong>de</strong> armado <strong>de</strong> metralhadora e muitos sacos para forrar <strong>de</strong><br />

dinheiro.<br />

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