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Leituras de Bocage - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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20 leituras <strong>de</strong> bocage<br />

O Mun<strong>do</strong> possuía, e o Templo <strong>da</strong> Glória tinha já sobre o seu maior altar os três volumes <strong>da</strong>s Obras <strong>do</strong> Poeta; mas<br />

aquilo era tão pouco, para satisfazer nossos ânimos [...], e visto ele não ter <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> na<strong>da</strong> intraduzi<strong>do</strong>, era impossível<br />

que não existissem ms. preciosos. Ele traduziu <strong>de</strong> Grecourt, traduziu <strong>de</strong> Piron, traduziu <strong>de</strong> Dorat, traduziu<br />

<strong>de</strong> Legouvé, traduziu <strong>de</strong> Chénier, traduziu <strong>de</strong> Bernard, traduziu <strong>de</strong> Fontatel, traduziu <strong>de</strong> Delille, traduziu <strong>de</strong><br />

Castel, traduziu, traduziu, traduziu... 17<br />

Nestas mesmas Consi<strong>de</strong>rações Mansas Sobre o Quarto Tomo <strong>da</strong>s Obras <strong>de</strong> <strong>Bocage</strong> (1813), Mace<strong>do</strong>, embora<br />

zurza com razão as múltiplas asneiras <strong>do</strong> pouco escrupuloso editor Desidério Marques Leão, não<br />

consegue redimir-se e até faz uma afirmação que acaba por virar-se contra si: “Os seus manuscritos na<br />

minha mão ficaram, e na <strong>de</strong> sua irmã, e agora vão formar o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro quarto e o quinto volume <strong>da</strong>s<br />

suas Obras”. Assinala<strong>da</strong> a cupi<strong>de</strong>z <strong>do</strong> editor como único móbil <strong>da</strong> infeliz edição, seria <strong>de</strong> esperar que<br />

algum dia Agostinho se resolvesse a publicar esta parte <strong>do</strong> espólio, porém nunca viram a luz os “tais”<br />

prometi<strong>do</strong>s quarto e quinto volumes, a legitimar a frase <strong>de</strong> Vitorino Nemésio: “O P. José Agostinho<br />

levará <strong>de</strong> braça<strong>do</strong> aqueles inéditos, que bem podiam ser o pão <strong>de</strong> Maria Francisca, nos dias ruins.” 18<br />

Entre l813 e 1814, sob o título <strong>de</strong> Ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras Inéditas, Obras <strong>de</strong> Manuel Maria Barbosa du <strong>Bocage</strong> aparecem<br />

outros IV e V tomos, <strong>de</strong>sta feita publica<strong>do</strong>s pelo gran<strong>de</strong> amigo Nuno Álvares Pato Moniz que, por<br />

razões <strong>de</strong> profun<strong>da</strong> inimiza<strong>de</strong>, excluem em absoluto a colaboração <strong>de</strong> Agostinho. Que terá, então,<br />

aconteci<strong>do</strong> aos inéditos na posse <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>?<br />

Outros autores ain<strong>da</strong> vivos, maiores ou menores em importância, não escaparam à sua “coceira”<br />

maldizente. Poetas como Filinto Elíseo foram também alvo <strong>do</strong>s seus dictérios. Na disputa entre filintistas<br />

e elmanistas, aproveita Agostinho para apontar os <strong>do</strong>is como responsáveis pelo atraso <strong>da</strong> poesia<br />

portuguesa: “[...] tem apareci<strong>do</strong> agora <strong>do</strong>is que fizeram seita, e que contam a<strong>de</strong>ptos, o primeiro é um tal<br />

Filinto para os <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go, e o segun<strong>do</strong> é um tal Elmano para os <strong>do</strong> Tejo [...] que longe <strong>de</strong> adiantarem<br />

a beleza sóli<strong>da</strong> <strong>da</strong> poesia Portuguesa a atrasaram”.<br />

Tivesse <strong>Bocage</strong> vivi<strong>do</strong> mais tempo e o ódio literário transitaria para o político, como aconteceu<br />

com muitos outros a quem Mace<strong>do</strong> dispensava um lugar cativo nos seus afectos. Com razão, no caso<br />

<strong>de</strong> Pato Moniz, a quem ficou a <strong>de</strong>ver a alcunha <strong>de</strong> Padre Lagosta: “Mas quem é aquele figurão alambaza<strong>do</strong>,<br />

cachaço <strong>de</strong> boi <strong>de</strong> canga, gue<strong>de</strong>lha d’asno velho, com bochecha <strong>de</strong> lagosta pela cor, e <strong>de</strong> porco<br />

ceva<strong>do</strong> pela alarvaria, que vai cabisbaixo <strong>de</strong>itan<strong>do</strong> os olhos <strong>de</strong> revés, e caminhan<strong>do</strong> como cão <strong>do</strong> Monte<br />

<strong>de</strong>sconfia<strong>do</strong> pela Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>?” 19 . Alguém per<strong>do</strong>aria caricatura tão impie<strong>do</strong>sa, tamanha troça?<br />

3. Mace<strong>do</strong> e <strong>Bocage</strong> pré-românticos?<br />

Des<strong>de</strong> logo, impõe-se perguntar se houve pré-romantismo entre nós? Jacinto <strong>do</strong> Pra<strong>do</strong> Coelho<br />

afirma que em rigor, no país, “não há Pré-Romantismo (pois não se trata dum movimento uno e <strong>de</strong><br />

directrizes conscientes) mas sim pré-românticos, ca<strong>da</strong> com sua feição individual e combinan<strong>do</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><br />

sui generis ingredientes neoclássicos e pré-românticos” 20 . Pra<strong>do</strong> Coelho não está só, lembremo-nos <strong>de</strong><br />

Henri Peyre em Qu’est-ce que le Romantisme (1971). No âmbito <strong>de</strong>ste tema, lembramos que as classificações<br />

culturais são sinalizações, conceitos operatórios que agrupam afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s e cumplici<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> gosto,<br />

espécie <strong>de</strong> combinatória expressiva <strong>de</strong> certos <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>res, on<strong>de</strong> se fun<strong>de</strong> uma constelação <strong>de</strong><br />

pensamento ou uma estrutura artística <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma perspectiva dinâmica e inova<strong>do</strong>ra, responsável<br />

pelo movimento <strong>da</strong> Cultura. Perspectivas que, <strong>de</strong> autor para autor, sofrem apreciáveis matizes. Assim<br />

<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s, e em consonância com a afirmação <strong>de</strong> Pra<strong>do</strong> Coelho, po<strong>de</strong>mos convir que Agostinho, pela<br />

17 Nas Consi<strong>de</strong>rações Mansas Sobre o Quarto Tomo <strong>da</strong>s Obras Metricas <strong>de</strong> Manoel <strong>Bocage</strong>, Lisboa, na Imp. Regia, 1813, p. 11. Ortografia<br />

original.<br />

18 Cf. op. cit., p. 30. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, em 1812 e 1813, imprimiram-se uns IV e V volumes, mas <strong>da</strong>s Obras Poéticas e, segun<strong>do</strong> INO-<br />

CÊNCIO (Memorias para a Vi<strong>da</strong> Intima <strong>de</strong> José Agostinho <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong> [...], p. 94), foram publica<strong>do</strong>s pelo editor Marques Leão, aju<strong>da</strong><strong>do</strong><br />

por José Maria <strong>da</strong> Costa e Silva, satiriza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> resto por Mace<strong>do</strong> nas referi<strong>da</strong>s Consi<strong>de</strong>rações Mansas [...].<br />

19 Cf. MONIZ [Nuno Álvares Pato], “Presumpções”, in Observa<strong>do</strong>r Portuguez, 1818, t. II, N.º XII, p. 132.<br />

20 Cf. “A musa negra <strong>de</strong> Pina e Melo e as origens <strong>do</strong> Pré-Romantismo português”, in Memórias <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia <strong>da</strong>s Ciências <strong>de</strong> Lisboa,<br />

Classe <strong>de</strong> Letras, Lisboa, Aca<strong>de</strong>mia <strong>da</strong>s Ciências <strong>de</strong> Lisboa, 1959, t. VII, pp. 110-111. Vi<strong>de</strong> também <strong>do</strong> autor “Pré-romantismo”,<br />

in Dicionário <strong>de</strong> Literatura, 3.º vol., p. 868.

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