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Quando o corpo conta histórias 1 Ursula Patrícia Neves Leite2 Devo ...

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Certa feita, Joana e Marcos sobem na bancada e brincam de saltar, mas<br />

agora pedem ajuda e esperam que estejamos de braços estirados para lhes segurar. Algo<br />

se passava, e penso que uma mudança se punha em marcha.<br />

Ainda, a essa época, vejo <strong>corpo</strong>s repletos de ferimentos, alergias e<br />

machucados, e intuo que aquela riqueza de “sintomas somáticos” fala da situação<br />

psíquica das crianças, ou, pelo menos, tenta responder a esta.<br />

Ocorre uma mudança na direção do abrigo e nesse tempo as crianças são<br />

fardadas, aparecem “iguais”, todas calçadas, andando em filas indianas. Neste<br />

momento, volta o caos nas sessões. Também o número de machucados aumenta e as<br />

manchas vão (re)aparecendo no <strong>corpo</strong>.<br />

As janelas durante bom tempo são atração, não as deixam fechadas. Vão<br />

lá, abrem, sobem no parapeito, e olham quem passa, criando <strong>histórias</strong>, provocando<br />

brigas. Brinquedos são lançados longe; as pessoas na calçada são sempre alguém<br />

importante que vem visitá-los: pai, mãe, avós; a rua é bela e os carros levam ao caminho<br />

da praia. Querer abrir as janelas, olhar por ela, se debruçar – o mundo de fora ou o de<br />

dentro que é visto? Durante esse tempo passei do choque, da paralisia, à narrativa e à<br />

interpretação.<br />

A colega que me acompanhava constata: “você agora narra o grupo, o<br />

que acontece, e isso tem um efeito”. Gilberto Safra 7 chama atenção para o papel e efeito<br />

da narrativa na clínica, considerando-a um elemento fundamental que refere à<br />

possibilidade de compartilhar experiência em “que o analisando possa vir a<br />

experimentar a presença do Outro-raiz que de alguma forma lhe possibilite o acesso ao<br />

pertencer e à experiência do reconhecimento de si” (2006, p. 29). Esse autor destaca<br />

7<br />

SAFRA, Gilberto. Desvelando a memória do humano: o brincar, o narrar, o <strong>corpo</strong>, o sagrado, o silêncio São Paulo: Edições<br />

Sobornost (Coleção Pensamento Clínico de Gilberto Safra), 2006.<br />

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