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Quando o corpo conta histórias 1 Ursula Patrícia Neves Leite2 Devo ...

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que a narrativa contempla a origem, o caminho e o fim, assim é composta de passado,<br />

presente e futuro.<br />

Quero acreditar que quando passo a narrar, não as <strong>histórias</strong> dos livros,<br />

mas os acontecimentos do grupo, começa um movimento de certa continência para<br />

essas crianças.<br />

Tempos depois as janelas são esquecidas, trancadas, e por eles<br />

amarradas, literalmente. Interpreto que nada pode sair daquele lugar, ficar à vista.<br />

Diminuem as brigas, mordidas, tombos e machucados; começam as brincadeiras.<br />

Percebo que o <strong>corpo</strong> mostra-se como a forma possível de expressão<br />

dessas crianças. De início indago o porquê, e se o espaço do grupo possibilitaria ampliar<br />

essa linguagem.<br />

Renate Sanches 8 sugere que crianças duramente privadas apresentam<br />

dificuldades em simbolizar, carecem de experiências no concreto, pois não vivenciaram<br />

o espaço de transicionalidade. Ao que parece, o <strong>corpo</strong> destas crianças abrigadas não foi<br />

erotizado. As crianças do grupo precisavam viver e falar com o <strong>corpo</strong> todas as coisas;<br />

vislumbro esses <strong>corpo</strong>s e imagino um primeiro tempo de muita privação, a falta de uma<br />

mãe para tocar, conter, erotizar, dar significado e apresentar o mundo.<br />

Então surgem outros tempos. Tempos em que os livros da estante mudam<br />

o foco da cena. Eles passam a espalhar os livros guardados na prateleira pelo chão,<br />

deitam sobre eles, folheiam, e encantam-se nas descobertas de figuras que podiam ser<br />

até nós mesmos; e Francisco sempre às voltas com um escrito em francês cujo título,<br />

surpreendentemente, é “Quem sou eu?”<br />

Tempos em que brincam de casinha, formando quadrados com as<br />

cadeiras. Também de polícia e bandido e não se esmurram; apenas encenam a prisão.<br />

8 SANCHES, Renate Meyer. Winnicott na clínica e na instituição. São Paulo: Editora Escuta, 2005.<br />

6

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