Quando o corpo conta histórias 1 Ursula Patrícia Neves Leite2 Devo ...
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Então, a palavra toma lugar. Uma palavra especialmente é usada: cuidar.<br />
Cuida-se do bebê, das feridas, da casinha, da comidinha... É tempo de despedidas, disso<br />
também se cuida; uma festa é montada, e a volta para casa é falada e antecipadamente<br />
comemorada, isto quando surge a possibilidade de Joana sair do abrigo com os irmãos e<br />
ir para outra instituição. Certa feita, Flávia está brincando estirada no chão, pede para<br />
deitar na barriga da terapeuta, se acalma, fecha os olhos, levanta-se e diz que vai pra<br />
casa. Vale lembrar, que também a essa época, a sala era sempre arrumada por eles<br />
mesmos antes do final das sessões, chão varrido e cadeiras alinhadas.<br />
Durante o tempo do grupo, pouco mais de meio ano, eles cresceram,<br />
<strong>corpo</strong> físico e também o outro, psíquico. O caos dos primeiros encontros foi dando lugar<br />
às brincadeiras, e as cenas de <strong>corpo</strong> versus outros <strong>corpo</strong>s, versus ambiente (cadeiras,<br />
paredes, portas, estantes, etc) foram se acalmando.<br />
O brincar, no primeiro tempo nada diz, não é um meio de expressão<br />
possível a eles; carrinhos são puxados sem rumo, atirados pelas janelas, bonecas não<br />
podem ser ninadas, não são bebês... Entendi que isso se dá em função dessa falha no<br />
cuidado, na tradução, na passagem desse <strong>corpo</strong> biológico ao psi.<br />
Aos poucos, vislumbra-se uma mudança, a brincadeira toma lugar de<br />
expressão, e então a saída, a perda da diretora é por eles encenada em uma brincadeira<br />
em que a raiva e tristeza podem se presentificar.<br />
Francisco e Marcos, por sessões seguidas, tiram os livros da estante,<br />
sobem nela e brincam de dormir na prateleira. Mariana, vez ou outra, se esconde em<br />
baixo da mesa. Nessas ocasiões repetíamos que brincavam de esconder/aparecer, e<br />
ressaltávamos que podíamos ver seus <strong>corpo</strong>s.<br />
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